sábado, 26 de dezembro de 2009

O pano de fundo religioso do Novo Testamento (pagão)


O pano de fundo religioso do Novo Testamento (pagão)
Harold H. Rowdon




O século do Novo Testamento foi uma época de fé. É verdade que as antigas formas de religião estavam esgotadas, sendo mais apropriadas para cidades-Estado ou no máximo para um império pequeno do que para o império mundial que havia sido criado por Roma. Não obstante, no nível regional o fervor religioso se expressava na prática da magia e na veneração de deuses tradicionais que podiam ser equiparados, ou ao menos relacionados, aos grandes deuses gregos e romanos.
A religião era usada como uma ferramenta do governo – Augusto restaurou não menos que 82 templos em Roma – enquanto a adoração ao imperador, que começou como um movimento espontâneo, foi promovida como meio de criar um sentimento de lealdade ao império tanto quanto ao imperador. Novas formas de vida religiosa, das quais as religiões de mistério do Oriente são exemplos bem conhecidos, espalharam-se pelo império. Religiões filosóficas, tanto antigas quanto novas, ganharam adeptos.
As religiões do século I d.C. Compartilhavam numerosas características, umas mais, outra menos. EM geral, havia uma crença subjacente em alguma forma de dualismo religioso. Embora as religiões pagãs fossem com frequência amorais, se não imorais, geralmente havia um sentimento forte de conflito entre o bem e o mal, ou ao menos entre forças benévolas e malévolas para com o homem. Também havia geralmente uma aceitação inquestionável da possibilidade do controle mágico sobre coisas e pessoas. Isso aparece não somente na prática da magia, mas também na crença de que a observância minuciosa dos ritos religiosos apropriados era eficaz para garantir o favor do deus em questão. AO mesmo tempo, havia também a crença na ação da sorte por meio do destino que estava sob o controle dos deuses, demônios ou homens. Era quase inquestionável a pressuposição de que o destino humano era definido no final das contas pelas estrelas às quais, junto com o sol, a existência pessoal era atribuída. Não é necessário dizer que a realidade do miraculoso era em geral aceita, e numa confiança desmedida era depositada em escritos sagrados, especialmente se fossem antigos, misteriosos ou enigmáticos.
O mundo do NT era o mundo romano, que, embora restrito à região que circundava o mar Mediterrâneo, era praticamente coexistente com a civilização. É apropriado, portante, fazermos uma breve análise da religião pública do ponto de vista de Roma.
A religião estatal de roma, como aquela da Grécia a que estava associada, era politeísta em sua natureza e estava interessada em grande parte na manutenção do correto relacionamento com os deuses. Os deuses do panteão romano incluíam Júpiter, com frequência enaltecido como “o melhor e maior”; Marte, pai lendário do povo romano, e poderoso na guerra; Minerva, deusa de todos os que trabalhavam com o cérebro e as mãos; e Vesta, deusa do inextinguível fogo domestico, e símbolo da vida no lar e na família.
A adoração desses deuses era em grande parte formal e estava associada com templo, altar e imagem. Era também basicamente civil, em particular nos grandes dias festivos, quando se esperava que todos participassem dos rituais. Em vista do fato de que a família era a unidade básica da sociedade romana, não é de surpreender que a religião estivesse mais fortemente entrincheirada ai do que no contexto da adoração cívica [deuses domésticos dos romanos e erruscos. (N. Do R.), que com frequência era formal até certo ponto. Lares e Penates, simbólicos de lareira e lar, suscitavam a devoção religiosa da família
No campo, onde a religião era mais conservadora, santuários rústicos eram erguidos sempre que houvesse algum sentimento especial da presença de vida, de poder e de mistério (o numen divino), independentemente de ser uma fonte, um bosque de arvores veneráveis ou uma cadeia de altas montanhas. A esses santuários eram levadas ofertas de leite, queijo, cereais ou mesmo algumas flores; as ninfas que habitavam esses lugares deviam ser honradas e, alem delas, Fauno, deus da mata, Silvano, deus da natureza inconquistada, e outros semelhantes. Também havia Término (latim “Terminus”), que protegia os campos e as fronteiras, e os diversos deuses que protegiam as profissões e o comércio.
Os deuses que se devia chegar por meio de sacrifícios também podiam se comunicar com seus devotos por meio de sonhos, oráculos e a resposta de orações Alias, se os deuses não reagissem ã propiciação por meio de respostas de orações, os tributos prometidos não somente seriam retidos, mas o adorador podia reagir com desilusão e se voltar para outros deuses.
Uma característica importante da religião do seculo I era sua abertura para o sincretismo. O caminho para isso tinha sido preparado pelo desenvolvimento impressionante do Império Grego e a tendencia na religião helenística de identificar os deuses de diferentes povos e fundir os seus cultos. Alias, a religião da era helenística foi descrita por F. C. Grant como uma cadeia de lagos com muitos afluentes. Da mesma forma, Roma, à medida que ia conquistando o mundo, seguiu a mesma filosofia de reunir as religiões tanto quanto as nações debaixo de seu domínio
Como resultado, Júpiter e seus deuses de Roma foram equiparados a Zeus e os deuses da Grécia O processo pode ter sido mais adiante, pois é possivel que, quando os homens de Listra saudaram Barnabé e Paulo como Zeus e Hermes (At 14:11-13), tinham em mente não as grandes deidades de Roma, mas os deuses locais que tinham equiparado a eles. Não era somente uma questão de povos conquistado desejando adquirir os benefícios do poder dos deuses dos seus conquistadores. Os vitoriosos romanos perceberam que era necessário honrar os deuses de um povo que tinham subjugado, visto que talvez fossem “deuses romanos em roupagem nativa”(Charlesworth) e, de todo modo, se eram deuses, tinham de exercer algum poder ao menos nos seus próprios domínios “Sempre peça ajuda aos deuses”, disse um imperador romano do século II de temperamento filosófico (Marco Aurélio).
Durante o transcorrer do seculo I, um novo sentimento religioso foi nutrido no esforço de promover a unidade e o bem-estar do mundo romano. Mas a adoração ao imperador dificilmente era uma novidade. Não era desconhecida no Oriente Médio; Alexandre, o Grande, tinha recebido honras divinas; e, em todo caso, visto que se pensava que os deuses do mundo pagão tinham sido homens antes de se tornarem deuses e poderiam aparecer novamente com aparencia humana, a linha entre o humano e o divino era muito tênue em alguns lugares.
A adoração ao imperador passou por um desenvolvimento gradual, especialmente no Ocidente, onde a certa altura foi promovida para fins políticos No começo, o imperador era considerado o representante, e não a encarnação, do genius ou espirito líder de sua dinastia; e, como princeps, ele representava a própria Roma. Ele era o guardião do Estado, o defensor da paz e da ordem, o protetor do império, seu soter ou salvador. Como tal, foi um pequeno passo para que imperadores altamente reverenciados, como Augusto e Vespasiano, fossem incluídos na lista daqueles a quem o Estado adorava como divus ou divinos. O fato de um imperador exigir adoração durante a sua vida foi considerado por muito tempo uma aberracao digna apenas de um Calígula ou um Dominicano
Contudo, a crescente pompa e cerimonia com que os imperadores romanos eram cercados os fizeram parecer cada veis mais distantes das fileiras dos mortais comuns. Os homens vinham adorar ou fazer votos pelo genius ou espírito dos imperadores vivos, embora a adoração a imperadores se limitasse a atos ou palavras de reverencia ou elogio e não se estendiam às orações ou à obtenção de orientações por meio de sonhos. Especialmente nas províncias, a adoração ao imperador servia como fator de unificação, um sentimento de lealdade ao statos quo. Consagrações conjuntas ao deus local e ao imperador eram frequentes, e a adoração ao imperador era com frequência associada à adoração a Roma. O desconforto profundo que isso trouxe para os cristãos pode ser visto nas páginas do apocalipse.
UM dos mais fortes dissolventes da religião estabelecida foi o desenvolvimento do pensamento religioso. É verdade que a religião grega havia declinado por outras razoes – também desilusões com os padrões de conduta divina, a desintegração das cidades-Estado gregas com as quais a religião grega tinha sido tao intimamente identificada, e o crescimento resultante do individualismo por um lado e uma cosmovisão de coisas por outro. Mas tudo isso estava associado com o surgimento das escolas filosóficas de pensamento que desacreditaram não somente a religião grega, mas também a romana.
Havia uma certa medida de platonismo genuíno no seculo I; o surgimento do neoplatonismo não ocorreu antes do seculo III. O platonismo “representava uma perspectiva da realidade como espiritual, ideal, invisível; sendo os objetos exteriores visíveis do Universo apenas cópias ou sombras das realidades invisíveis”(F. C. Grant). Esse ponto de vista produziu uma atitude de renúncia e asceticismo, pois o corpo passou a ser considerado pouco mais do que a habitação temporária da alma. Foi desenvolvido um tipo de piedade interior que buscava diminuir o apego da alma ao corpo, e a certa altura o neoplatonismo defendeu o asceticismo rigoroso como meio para livrar a alma do peso do corpo.
Tem-se chamado atenção para o contrate entre sombras terrenas e realidades celestiais, que é um tema da carta aos Hebreus (cf. 2Co 4:18) e de textos como 2Co 5:1-8. Mas as semelhanças são superficiais; a riqueza e qualidade do pensamento bíblico tornam totalmente distinto.
A filosofia dos epicureus ensinava que o prazer deveria ser o objetivo da vida. Mesmo que em linguagem coloquial, o ponto de vista epicureu deu origem ao lema: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos mas o prazer que se buscava era a felicidade. Isso dependia, assim se acreditava, da paz da mente. Visto que a religião tendia a minar essa felicidade com seu temor do sobrenatural e seu fantasma do castigo depois da morte, os epicureus eram anti-religiosos. Para eles, o Universo consistia em átomos e espaço. A sorte dominava tudo, e não havia supervisão providencial feita pelo destino ou pelos deuses. Na morte, a alma se desintegrava, portanto não havia nada a ser temido depois. A existência da dor não era negada, mas Epicuro declarou numa frase famosa que, se aguda, a dor é breve, e se longa, é leve. A dor, ele afirmava, sempre pode ser compensada por lembranças da felicidade passada.
Os discípulos de Epicuro formavam grupos espalhados que seguiam um modo de vida comum sob cuidadosa regulamentação Ali eles praticavam, mesmo que só entre si, a virtude máxima, a amizade. Paulo encontrou epicureus em Atenas (At 17:18). Embora tivessem os seus próprios deuses – seres de beleza e poder sobrenaturais vivendo em paraísos de alguma forma protegidos da decadência geral – os epicureus em geral classificados, junto com os cristãos, como ateus, visto que negavam a existência das deidades tradicionais.
O cinismo – mais do que o epicurismo, uma palavra comum no seculo XX – foi uma atitude difundida amplamente no seculo I. O cínico assumia uma desconsideração altiva por tudo que era exterior a ele mesmo. A verdadeira nobreza, ele argumentava, estava na mente do homem, e não em ornamentos exteriores. O grande alvo da vida deveria ser provar que o homem pode viver sem coisas e ainda assim ser feliz, saudável e sábio O cinismo conduziu facilmente ao desprezo pela autoridade e moralidade como também pela religião Mesmo assim, os cínicos nunca foram suficientemente numerosos para se tornarem perigosos, e Vespasiano os repudiou como “cães vira-latas que só latem”.
A mais importante corrente filosófica da época, sem duvida, foi o estoicismo. De acordo com Wendland a marca registrada da era helenística, o estoicismo foi o único produto da busca intelectual grega a assumir proporções significativas na parte ocidental do mundo romano. Cicero, Sêneca e, no seculo II, Marco Aurélio, o imperador-filosofo, foram, entre outros, os que o propagaram.
Os problemas que o estoicismo se dedicava eram aqueles que a religião tradicional não tinha conseguido resolver e com que outras filosofias estavam se debatendo. Esses problemas foram bem definidos da seguinte forma: “Como se comportar em um mundo que se tornou tao grande, e onde o homem parece tao pequeno e independente, como lidar com o ataque do destino (seja bom, seja mal), sem hesitar, como enfrentar a morte e o luto, como permanecer no controle da sua alma” (Charlesworth).
As respostas que o estoicismo forneceu a essas questões surgiram de uma perspectiva do Universo que pode ser definida como “materialismo panteísta”. “Deus é natureza, é destino, é sorte, é Universo, é a mente que tudo preenche” (Sêneca). O espaço etéreo e ardente que era considerado a substancia divina e básica do universo foi identificado com a razão ou inteligencia que constitui o homem como homem em qualquer lugar que ele esteja. O ideal ético d estoicismo era uma vida em que o homem faz o que é apenas apropriado a sua natureza. Essa “lei da natureza”é conhecida de todos os homens, em todos os lugares. O que é necessário é que os homens sejam homens ao viverem de acordo com essa razão que é a lei do seu ser. Se fizerem isso, não vão dar lugar à paixão, ao sofrimento sem motivo ou à covardia, ou a qualquer demostração de emoções; eles serão livres dentro da fortaleza de sua própria mente para seguirem a lei do seu ser e assim atingirem o alvo da “auto-suficiência”pelos camanhos gêmeos da “apatia” e da “autodisciplina”. Essa era a logica do estoicismo. Embora muito critico em relação à religião tradicional, o estoicismo conseguiu entrar em acordo com ela por meio de uma interpretação alegórica dos seus antigos e ofensivos mitos religiosos.
O uso que paulo faz de ideias como conformidade com a natureza, suficiência, coisas que “não convém” e outras semelhantes levam alguns estudiosos a argumentar que ele havia sido influenciado pelo estoicismo. Paulo certamente não era adverso a usar termos em uso comum; mas ele invariavelmente os preencha com significado ovo. As pressuposições imensamente diferentes entre o cristianismo e o estoicismo (e.g., o monoteísmo em contraste com o panteísmo) demandam que as ideias de Paulo fluam numa direção muito distante da de Sêneca. “Em muitos casos, em que os paralelos estão mais próximos, a teoria de uma conexão histórica direta é impossível; em muitos outros, pode ser demonstrada como totalmente desnecessária; enquanto em não poucos exemplos, a semelhança, por notória que seja, deve ser condenada como ilusória e falaciosa” (Linghfoot). Não é de surpreender que Marco Aurélio, apesar dos seus sentimentos elevados, tenha desprezado os cristãos e aprovado a sua perseguição
Ainda permanece uma boa dose de incertezas acerca da natureza exata do gnosticismo e de seu papel no século I. É certo que constituiu uma ameaça seria à igreja crista no seculo II. Também não há duvidas de que tenha existido no seculo I em uma forma desenvolvida. Mas a natureza exata do gnosticismo ainda é uma questão de debate entre os estudiosos. Parece ter sido essencialmente eclético, extraindo ideias de muitas fontes. Não importa se ideias gregas, orientais ou judaicas predominavam no seu amálgama final, parece claro que muitas das noções que contribuía, para ele eram moeda corrente no seculo I.
Entre essas ideias, estavam as seguintes: a base dualista de abordagem; a ideia de intermediários entre uma divindade transcendente e um mundo que, sendo material, é necessariamente mau; a enfase na redenção do elemento espiritual do homem do corpo e do mundo material em que se tornou prisioneiro; a reivindicação de que a iniciação na gnosis (conhecimento) ´e o caminho do livramento e da liberdade; o modo de vida ascética que algumas seitas gnósticas demandavam e o antinomismo que outros permitiam ou até defendiam. Essas eram ideias correntes no seculo I, algumas delas sistemas de pensamento que foram resumidos anteriormente.
Paulo teve a oportunidade de advertir contra essas coisas. O dualismo é condenado em 1Tm 4:1-5. A adoração a intermediários angelicais é reprovada em Cl 2:18 e indiretamente em Cl 1:15-17. A enfase exagerada no conhecimento é desaprovado em Cl 2:8 e 1Co 8:1-3, e o ascetismo indevido em Cl 2:20-23. O gnosticismo incipiente confrontado por Paulo parece ter tido associação com o judaísmo (Cl 2:16,17).
Ad diversas escolas de filosofia tinham os seus propagadores entre os filósofos que mascateavam seus antigos assim como faiam com frequência os mestres das religiões Paulo percebeu que era necessário fazer uma distinção entre os tais e ele e seus companheiros (1Ts 2:3-6).
Tradicionalmente havia muito espaço nos mundos grego e romano para a pratica da religião pessoal. Ela normalmente complementava a religião oficial, embora se um suplicante estivesse desapontado poderia voltar-se para a religião particular como um substituto do culto publico que a partir daí seria para ele uma tarefa puramente mecânica Visto que a religião imperial cada vez mais deixava de satisfazer as aspirações espirituais, os homens se voltaram para formas novas ou desenvolvidas de religião pessoal.
A religião pessoal podia tomar a forma das praticas da magia. Nessas praticas, as aspirações espirituais se misturavam com os pedidos mais grosseiros e vulgares de satisfação física e material. Não havia linha demarcatória bem definida entre magia e religião; a adivinhação, por exemplo, era um elemento reconhecido da segunda. Papiros de magia contendo orações e hinos eram usados (At 19:19), e maldições magicas e imprecações eram pronunciadas. O uso da astrologia e de praticas supersticiosas repulsivas fazia parte da religião popular, especialmente entre as classes mais baixas da sociedade.
Era possível conseguir acesso a deidades menos importantes, menos distantes do que as do Olimpo e os deuses do Panteão, por meio de devoções pessoais. Asclépio, deus da cura, era m predileto universal. A diana dos efésios (Ártemis) desfrutava de ampla simpatia (At 19:27). Às vezes eram usados jejuns e purificações na esperança de se obter uma visão de um deus.
Talvez a característica mais marcante da religião do seculo I, alem da difusão do cristianismo, foi a proliferação de novas seitas do Oriente, e particularmente a popularidade crescente das religiões de mistério Essas novas seitas se espalharam em grande parte por causa do fracasso da religião tradicional em satisfazer a crescente percepção religiosa de uma época que não era somente marcada por um império mundial, mas também pelo individualismo amplamente difundido.
As religiões de mistério ofereciam a salvação com base em uma revelação divina e na certeza da ajuda divina para redimir os indivíduos dessa vida por meio do “novo nascimento para a eternidade”. Purificações simbólicas e refeições sacramentais proviam a iniciação ao “mistério”e davam uma aparência de verdade e plausibilidade. Geralmente havia uma inclinação para o monoteísmo, o deus da seita sendo geralmente a divindade suprema ou seu filho, cônjuge ou amigo leal. O apelo individualista, dirigido à alma na sua solicitação, mesmo que o individuo fosse levado a uma comunidade religiosa com implicações sociais. Podia haver também implicações éticas, muitas vezes na direção de renuncia ascética.
A religião de mistério não era nenhuma inovação A adoração a Demétrio em Elêusis tinha constituído uma religião local desse tipo nos dias da Grécia antiga. Diversas religiões de mistério foram introduzidas em Roma antes do inicio da Era Cristã, embora o seculo I tenha testemunhado sua ampla difusão
Havia diferenças notórias como também características comuns nas diversas religiões de mistério A da Ísis Egípcia era “bastante difundida, polida, mistica e muito feminina” (F. C. Grant). Ísis, e não só ela, afirmava que os nomes de outras deidades eram títulos que por direito eram dela e que suas funções na realidade pertenciam a ela. Ela era a grande deusa-mãe do mundo. O ministério sagrado da sua seita era o desmembramento do seu cônjuge, Osíris, por seu inimigo Sete; a busca pelos membros espalhados empreendida pela fiel Ísis; e sua restauração As nobres procissões; os cultos nos seus templos com purificações e ofertas de incenso em vez de sacrifícios de sangue; o santuário aberto; os hinos e a liturgia sagrada; tudo isso inspirava a emoção e devoção Mattingly descreveu Ísis em muitos aspectos como um protótipo da Virgem Maria.
A adoração a Cibele, a grande mãe da Anatólia, e seu jovem cônjuge, Atis, era de um tipo bem diferente. Tinha se originado na Frigia, onde, em danças loucas hipnóticas, seus devotos tinham se mutilado em honra de Cibele e de seu amante divino. Espalhou-se por muitos lugares. EM roma, os templos de Cibele com seus sacerdotes eunucos a certa altura conseguiram aceitação, apesar do sacramento do taurobolium, em que o iniciado aparentemente recebia a promessa de novo nascimento por meio de um banho em que se encharcava de sangue de touros.
O mitraísmo, embora tenha se tornado a mais popular das religiões de mistério com apelo especial par soldados, não estava difundido antes dos seculos II e III. De origem persa, o mitraísmo estava fundamentado no mito da luta cósmica entre Ahura-Mazda, a forca da verdade e da luz, e Ahriman, a força da falsidade e escuridão Mitra paladino da verdade e da luz, tinha morto o grande touro para a salvação do mundo, e um baixo relevo no fundo da caverna, natural ou artificial, em que aconteciam os encontros da religião, retratava seus feitos. O mitraísmo oferecia uma comunidade em que os membros eram comprometidos por cerimonias de iniciação e refeições comuns à lealdade mutua. Os iniciados podiam ascender na hierarquia por vários degraus e recebiam a promessa de uma vida abençoada no alem.
As semelhanças entre as religiões de mistério e o cristianismo são obvias; as diferenças são mais significativas. Em particular, as religiões de mistério não propunham uma figura histórica como salvador. Não há provas de nenhuma influencia exercida pelas ideias das religiões de misterio sobre o cristianismo. Alias, afirma-se que é possível facilmente argumentar que houve influencia no sentido oposto.
No mundo romano, a religião passou para o âmbito do controle do Estado; não era considerada meramente uma questão de convicção pessoal. Tanto as considerações politicas quanto as religiosas exigiam isso. Por um lado, pensava-se que o favor dos deuses dependia da observância fiel do culto por todos os súditos; por outro lado, pensava-se que a integridade do império era salvaguardada pela observância universal da religião imperial. Mas roma era extraordinariamente tolerante. Contanto que um homem cumprisse com suas obrigações com a religião oficial, estava livre para escolher sua própria superstitio, desde que não fosse à religião oficial, nem politicamente subversiva, nem ofensivamente imoral. Religiões oficiais que transgrediam qualquer desse pontos provavelmente seriam proscritas, como o druidismo na Gália e na Bretanha.
A extensão da tolerância romana pode ser vista no caso do judaísmo Aqui havia uma religião que não fazia concessões no seu monoteísmo e era caracterizada pelo fervor nacionalista e o zelo proselitista. Mesmo assim, obteve um modos vivendi. Isso se deveu em parte à consideração que preservava a honra dos romanos pelo fato de os judeus oferecerem o sacrifício à sua divindade em nome do imperador. Mais importante, talvez, era o fato de que os judeus tinham importância vital para a prosperidade comercial do império. Acima de tudo, os judeus eram uma comunidade bem conectada em todo o império, e proibir seu culto teria causado problemas amplos do tipo que os romanos sempre relutavam em provocar. A tolerância garantida aos judeus era um tanto incomoda, no entanto, e podia ser colocada em risco por rebeliões judaicas ou por protestos públicos contra os judeus (At 18:2).
No inicio, o cristianismo compartilhava da tolerância concedida ao judaísmo Assim, em Corinto, Galio considerou o cristianismo uma seita daquela religião e não tomou conhecimento do novo grupo (At 18:12-17), nem Festo (At 25:25) nem Agripa (At 26:31,32) consideraram as crenças de Paulo repreensíveis Mas os próprios judeus não demorariam em causar os cristas de subersão politica ou religiosa (At 17:6,7; 18:13), e os gentios cujos interesses materiais foram prejudicados pelo crescimento do cristianismo (At 16:19-22; 19:23-28) chamaram atenção para as anomalias religiosas do cristianismo.
Antes do final do período do NT, o cristianismo, que tinha se tornado cada vez mais distinto do judaísmo, era considerado por aqueles que não tinham conhecimento intimo dos seus adeptos um movimento indesejável com base em aspectos políticos, religiosos, sociais e ate morais. Sua atitude para com a religião pagã foi apreciada suficientemente, e sua perspectiva politica e moral foi suficientemente mal compreendida, a ponto de torna=lo objeto de um misto de medo e zombaria. O enlouquecido imperador Nero, que era suspeito de intencionalmente ter colocado fogo em Roma, conseguiu desviar a atenção para os cristãos com a perseguição de 64 d.C.
Na sua primeira carta, Pedro advertiu s cristãos da Asia Menor acerca dos sofrimentos que teriam que esperar (1Pe 2:12,19ss; 3:14; 4:12ss) e os encorajou a silenciar, com a demonstração de boas obras, a ignorância dos seus inimigos que compartilhavam a sua ignorância, podemos observar, com celebrados autores romanos. (Tácito descreveu o cristianismo como uma “superstição perniciosa”, e Suetônio o chamou de “superstição novica e prejudicial”).
Próximo do final do seculo I, irromperam mais perseguições em Roma como resultado da maldade de Dominicano Em outras partes do império, e em todos os tempos, os cristãos foram expostos aos perigos da perseguição (Ap 2:13). O cristianismo não possuía sanção legal, e havia precedentes para a perseguição Alem disso, um individuo ou uma multidão hostil poderiam forcar a mão de um magistrado relutante ao criar uma situação de desordem publica, como em Éfeso no tempo de Paulo (At 19).




BIBLIOGRAFIA


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BARRETT, C. K. The New Testament Background: Selected Documents. London, 1956.
GRANT, F. C. Hellenistic Religions, New York, 1953.
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LIGHTFOOT, J. B. Saint Paul's Epistle to the Philippians. London, 1903. (1 ed., 1868), p. 270-328.
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YAMAUCHI, E. M. Pre-Christian Gnosticism. 2. ed., Grand Rapids, 1983.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Como Jesus pode ser eterno, se a bíblia fala que foi gerado do Pai?

Se diz que Jesus foi "gerado", é o "Filho de Deus", para explicar a sua relação com o Pai para nós humanos, afinal, não é possivel que seres finitos compreendam um ser infinto a não ser por meio de explicações como essas. Deus faz isso várias vezes na bíblia para nos ensinar os seus atributos.

Os versiculos que mostram que possui natureza humana não precisam ser citados.

Mas a bíblia também ensina que Ele é Deus, "Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade;" Colossenses 2:9.

Além dessa passagem, há outras que fazem alusão a sua divindade:

Jesus: Primeiro e o Ultimo (Ap 1.17)
Deus: O Primeiro e o Ultimo(Isaías 44.6)

Jesus: O Bom Pastor (Jo 10.11)
Deus: Só Deus é Bom (Mateus 19:17); O SENHOR é o meu pastor (Sl 123.1)

Jesus: A luz do mundo (Jo 8.12)
Deus: O salmista diz que "O SENHOR é a minha luz" (127.1)

Jesus: O Verbo era Deus.
Deus: E o Verbo estava com Deus.

Jesus: O único salvador, e não há outro alem dEle. (Lucas 2:11; João 4:42; Atos dos Apóstolos 5:31; Filipenses 3:20; Atos dos Apóstolos 13:23; Tito 1:4; Tito 3:6; 2 Pedro 1:1;)
Deus: O único salvador, e não há outro além dEle. (Oséias 13:4; 1 Timóteo 2:3; Tito 3:4)

Jesus: "Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo." 2 Pe 1:11
Deus: O reino que será implantado será governado por Deus.

Por isso todas as perguntas referentes a Jesus devem levar em conta essas suas duas naturezas ensinadas na bíblia. Mas ao mesmo tempo que a bíblia fala que Jesus é eterno, ensina que foi gerado do Pai. Como pode?

Nicéia não só afirmou que o Filho não foi feito, mas afirmou de modo positivo que ele foi "gerado, o que aponta para sua pessoalidade, e não para o fato de ele ser criatura. [...] Há uma diferença muito grande entre ser feito e ser gerado. Se ele é uma criatura, então não pode ter sido gerado. Portanto, a idéia de geraão exclui a possibilidade ariana de o Filho ter sido feito. - As duas naturezas do redentor, Heber Carlos de Campos, p. 158.

Como disse anteriormente, dizer que Jesus foi "gerado" só foi um modo de afirmar que o Filho possui a mesma substancia do Pai, como ensinam as escrituras, assim como um filho humano possui a mesma natureza de seu pai humano. Mas esse termo não foi empregado pra dizer que Jesus possui um inicio, já que isso seria contráritório.

Por que contraditório? Bom, uma das caracteristicas da natureza do Pai é a eternidade (não possuir começo nem fim, não há um momento em que não exista), então ao afirmar que o Filho foi gerado do Pai, e, por isso, possue a mesma natureza, o Filho então tem a natureza eterna, assim como o Pai. Esse foi o motivo que o concilio usou o termo "gerado" e não "criado", pois o segundo imiplicaria automaticamente que Jesus não possui a mesma natureza do Pai.

Embora sejam distintos como pessoas, os dois possuem a mesma natureza eternamente, um não existe sem o outro. Dizer que Jesus foi gerado serviu como resposta a Ário, que ensinava que Jesus era divino, mas não com a mesma substancia do Pai.

Por isso "as colocações Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substancia com o Pai, complementam tal abordagem. O mesmo é dizer: Deus Filho de Deus Pai, Luz Filho de Luz Pai, Deus Filho Verdadeiro de Deus Pai Verdadeiro" (Jesus é Deus, Jefferson Ramalho, p. 113).

Isso faz total sentido quando se leva em consideração que, embora seja uma pessoa diferente do Pai, Jesus possui os mesmos titulos, como alguns que já foram citados, e ambos são YHWH.

Autor: Jonadabe Rios 

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Uma carta aos apóstolos.

Por Jonadabe Rios



Esta carta foi enviada pelos poderes do Unicórnio Rosa e Bule Voador, com ajuda do seu profeta Dawkins através da seleção natural + milhares de anos de mutação + outros milhares de anos de mutação + ajuda da mãe natureza.


Carta aos apóstolos e primeiros cristãos.


Caros apóstolos e primeiros cristãos, quero dizer-lhes minha indignação com tamanha confusão que aconteceu durante décadas, tudo culpa de vocês. Estou realmente indignado, vocês, meros humanos do primeiro século que foram testemunhas oculares dos acontecimento, não sabem nada. Jesus não afirmou ser Deus como dizem, isso “non ecziste”!

Vocês apóstolos, que se acham os donos da verdade, não conhecem nada da bíblia. Ela é clara em afirmar que só a Deus pertence a salvação, e Ele é o único salvador, isso vocês podem ver nesses versículos: Oséias 13:4; 1 Timóteo 2:3; 1 Timóteo 4:10; 2 Timóteo 1:10; Tito 1:3; Tito 2:10; Tito 3:4. Vocês não leram, apóstolos? Só Deus é o salvador, e está claro, não há outro. Mas o que fizeram? Cometeram a blasfêmia de dizer que Jesus é o salvador e que fora dele não há outro. O que é isso? São loucos? Nunca leram o código da Vinci? Se vocês tivessem lido o código da Vinci ou assistido o Zeitgeist saberiam que o mito de um Deus-homem foi criado para manipular a massa de acéfalos bitolados. Quem diria, logo vocês, os apóstolos, seguidores do bom e velho nazareno, acreditam no credo niceno, doutrina de homens, eleito por votação (ou escolhido por Constantino? Bom, não importa!) pra dominar o povo.

Vamos parando por aí! Não venham me dizer agora que não foi bem isso que vocês escreveram. Eu tenho provas documentais de era isso que vocês ensinavam. Não sejam fingidos, vejam: Lucas 2:11; João 4:42; Atos dos Apóstolos 5:31; Filipenses 3:20; Atos dos Apóstolos 13:23; Tito 1:4; Tito 3:6; 2 Pedro 1:1; 2 Pedro 1:11 (e fala do reino eterno, mas os judeus acreditavam que quem reinaria era o proprio Deus!, mas agora é Jesus?); 2 Pedro 2:20; 2 Pedro 3:2; 2 Pedro 3:18 (Esperem aí, dar gloria a Jesus??????); Atos dos Apóstolos 4:12; Atos dos Apóstolos 13:26. Por isso não me venham com essa. Só Deus é o salvador e não há outro. Não venham me dizer que vocês acreditam que Jesus é Deus? Só posso rir mesmo. Esses apóstolos ignorantes que não lêem a bíblia e ficam fazendo malabarismos e contorcionismos só pra seguir a igreja católica.

Hoje estamos na era tecnológica e não podemos acreditar numa coisa dessas. Outras coisas que erro destacar e mostrar minha indignação. Vocês não sabem que só Deus é o Deus forte? (Isaias 10:21) Porque atribuíram esse título a Jesus? Ou que só YHWH é o Senhor dos Senhores (Sl. 136:3; Dt 10:17), pra que colocaram esse titulo em Jesus? (Apocalipse 17:14) Isso só mostra o seu desconhecimento da bíblia.

Essa do Senhor dos senhores me deixou curioso: Quem é o senhor dos senhores? Jesus é o senhor dos senhores do senhor dos senhores (Jeová), ou Jeová é o senhor dos senhores do senhor dos senhores (Jesus)? Não pode haver dois Senhor dos Senhores, se não já não poderiam ter esse título. Não estão afirmando que Jesus é YHWH não é?
Mas Jeová é o primeiro é o ultimo Is. 44:6, Jesus não. Ou é? (Apocalipse 1:17)

Pra que foram criar tanta confusão? Puro malabarismo, contorcionismo, “deplorosionismo”. Lamentável. Vocês estão quase me forçando, eu, que não sou o dono da verdade, e sim eles que afirmam que Jesus é Deus, a criar uma própria bíblia. Sim, essa vai ser a única solução, porque a bíblia de vocês não dá!

Por isso, lembrem-se sempre disso: Só Deus salva, é o Senhor dos senhores, principio e o fim, Deus forte, e Jesus possui todos esses títulos, mas não é Deus! Não é Deus! Ele é o Filho de Deus, e não o Pai. É claro que o Filho possui todas as características e o DNA da natureza do Pai, já que é Filho. Mas concluímos, pois, que a afirmação mais lógica é que Jesus possui todas as características da natureza do Pai, portanto não possui todas as características da natureza do Pai pois é Filho! Não o Pai! E, portanto, a Trindade é pagã! Isso é fato, Fato, FATO! FATO!!!! FaTo!!!!!!!!

Deixo aqui registrado minha indignação a o que vocês, apóstolos, ensinaram. Por culpa de vocês existem hoje os donos da verdade absoluta afirmando que Jesus é Deus (lamentável quando algumas pessoas querem ser donas da verdade), quando nós, que não acreditamos que Jesus é Deus, somos o dono da verdade absoluta.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Transposição.



Este texto de C. S. Lewis mostra porque o Deus apresentado na bíblia não é um ser com forma humana, mas o contrário, e que a forma que foi apresentada foi necessário para entendê-lo.

"Vamos construir uma fábula. Vamos imaginar uma mulher lançada numa masmorra. Aí ela dá à luz e cria um filho. Esse menino cresce não vendo nada além das paredes do calabouço, a palha do chão e uma pequena nesga de céu através da grade, tão alta que não permite ver mais nada além do firmamento. Essa infeliz mulher era artista e, quando a prenderam, conseguiu carregar consigo um bloco de desenho e uma caixa de lápis. Como nunca perde a esperança de liberdade, ensina constantemente o filho acerca do mundo exterior que ele jamais viu. Ela faz isso principalmente desenhando gravuras para ele. Com o lápis ela tenta mostrar-lhe como são os campos, os rios, as montanhas, as cidades e as ondas do mar.

O menino é muito obediente e faz o melhor que pode para acreditar na mãe quando lhe conta que o mundo lá fora é muito mais interessante e mais gloriosos que tudo naquela masmorra. Às vezes ele consegue. No geral, ele vai razoavelmente bem até que um dia diz algo que faz a mãe parar por alguns instantes. Durante alguns minutos eles não se entendem, parece que estão falando de coisas diferentes. Por fim, ela percebe que o menino, todos aqueles anos, vivia com uma concepção equivocada. “Mas”, ela exclama perdendo o fôlego, “você não achava que o mundo real é cheio de linhas desenhadas de lápis, não é”?, o menino pergunta. “Não há traços de lápis lá?”. Imediatamente toda a sua noção do mundo exterior se apaga, se transforma em nada. Porque as linhas, por meio somente das quais ele imaginava o mundo, agora lhe foram negadas. Ele não tem idéia daquilo que excluirá e dispensará com as linhas, naquilo de que as linhas eram tão somente uma transposição – as copas das arvores balançando ao vento, a luz dançando no açude, as realidades tridimensionais que não se encerram pelas linhas, mas definem suas próprias formas a todo momento com a delicadeza e multiplicidade que nenhum desenho jamais pode alcançar. A criança ficará com a idéia de que o mundo real é de alguma forma menos visível que as gravuras de sua mãe. Na realidade, faltam traços ao mundo real, porque ele é incomparavelmente mais visível.

O mesmo ocorre conosco. “Não sabemos nada a respeito do que seremos”; mas podemos ter certeza de que seremos mais, não me nos, do que fomos na terra. Nossas experiências naturais (sensoriais, emocionais e imaginativas) são apenas como os desenhos, como linhas traçadas por um lápis numa folha plana. Se eles desaparecerem na vida da ressurreição, sumirão apenas como os traços de lápis desaparecem da paisagem real, não como uma chama de uma vela que se apaga, mais como uma chama de vela que se torna invisível porque alguém tirou a venda, escancarou a veneziana e deixou entrar o fulgor do sol nascente."

Retirado do livro "Peso de Glória", de C. S. Lewis.


Penso da mesma forma que Lewis, não apenas sobre como será as coisas preparadas para nós, mas quando a bíblia fala de como Deus é, agiu e age. Afinal, Deus é maior do que tudo que conhecemos e não conhecemos. Como poderíamos entende-lo se não fosse dessa forma? E o céu, que olho algum viu, e mente nenhuma conseguiu imaginar o que Deus tem preparado para nós?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

(Aborto) Sócrates e Herodes debatem.

Por Peter Kreft


Herodes: Eles [os pró-vida] alegam saber o que de fato não sabem: que o feto é uma pessoa humana desde o momento da concepção.

Sócrates: E você? Você não declara saber o que não sabe?

Herodes: Não. Essa é minha vantagem e minha sabedoria. Não alego saber o que não sei. Eles sim. Eles são os dogmáticos. Os teólogos, filósofos e cientistas discutiram a respeito disso por muitos anos sem acordo. É dogmatismo claro algém reinvindicar certeza desse ponto polêmico. Simplesmente não sabemos quando o feto se torna uma pessoa humana. Qualquer um que declara saber é tolo porque alega saber o que não sabe.

Sócrates: Você não sabe se o feto é uma pessoa, certo?

Herodes: Certo.

Sócrates: E o teu trabalho aqui é matar fetos, certo?

Herodes: Sócrates, eu continuo chocado com a linguagem que você resolve usar. Eu aborto gravidez indesejada.

Sócrates: Matando fetos ou fazendo outra coisa qualquer?

Herodes: (Suspiro...) Matando fetos.

Sócrates: Sem saber se são pessoas ou não?

Herodes: Oh, bem...

Sócrates: Você disse instantes atrás que não sabia quando o feto se tornava uma pessoa. Você sabe agora?

Herodes: Não.

Sócrates: Então você mata fetos sem saber se eles são pessoas ou não?

Herodes: Se tem de ser colocado dessa forma.

Sócrates: Ora, o que você diria de um caçador que atira quando vê um movimento brusco nos arbustos, sem saber se é uma corça ou outro caçador? Você o chamaria de sábio ou tolo?

Herodes: Está dizendo que eu sou assassino?

Sócrates: Estou somente fazendo uma pergunta de cada vez. Devo repetir a pergunta?

Herodes: Não.

Sócrates: Então você vai respondê-la?

Herodes: (Suspiro...) Tudo bem. Esse caçador é um tolo, Sócrates!

Sócrates: E porque é um tolo?

Herodes: Você não me dá sossego, não é?

Sócrates: Não. Você não diria que ele é tolo porque alega saber o que não sabe, isto é, que é só uma corça no arbusto, e não seu companheiro de caça?

Herodes: Suponho que sim.

Sócrates: Ou suponha que uma companhia fosse fumigar um prédio com um produto químico altamente tóxico para matar algumas pragas e você fosse responsável por evacuar o edifício primeiro. Se você não tivesse certeza de haver pessoas no edifício e mesmo assim desse ordem para fumegar, esse seu ato seria sábio ou tolo?

Herodes: Tolo, obviamente!

Sócrates: Por quê? Não é porque você estaria agindo como se soubesse algo que realmente não sabe, isto é, que não havia pessoas no edifício?

Herodes: Sim.

Sócrates: E agora, você, doutor. Você mata fetos – por quaisquer que sejam os meios, não importa; poderia ser com revolver ou veneno. E você diz que não sabe se eles são pessoas humanas. Isso não é agir como se você soubesse o que não sabe? Não é uma insensatez – na verdade, o cumulo da insensatez, em vez de sabedoria?

Herodes: Eu suponho que você quer que eu diga mansamente: “Sim, de fato, Sócrates. Qualquer coisa que você diga é certa, Sócrates...”.

Sócrates: Você pode se defender desse argumento?

Herodes: Não.

Sócrates: Esse argumento o devorou como um tubarão, do mesmo modo que você devora os fetos.



Pensem nisso.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Origens Cristãs e a Ressurreição de Jesus: A Ressurreição de Jesus como um Problema Histórico

Por N. T. Wright

Prólogo


A questão da ressurreição de Jesus mente ao coração da fé cristã. Não existe uma forma do Cristianismo primitivo conhecida por nós que não afirme que depois da vergonhosa morte de Jesus, Deus o ergueu à vida novamente. Essa afirmação é, particularmente, a constante resposta do Cristianismo anterior a uma das quatro questões-chave sobre Jesus, que deve ser levantada por todos os historiadores sérios do primeiro século. Eu já tenho respondidas as primeiras três dessas questões, a saber: “qual era a relação de Jesus com o Judaísmo?”, “quais eram seus alvos?”, “por que ele morreu?”. A quarta questão é essa: admitindo o acima mencionado, por que o Cristianismo surgiu e tomou a forma que tomou? Para essa questão, virtualmente todos os cristãos primitivos conhecidos por nós deram essa mesma resposta: “Ele foi ressuscitado dentre os mortos”. O historiador deve, portanto, investigar o que eles queriam dizer com isso e o que pode ser dito por meio da observação histórica.

Nessa primeira palestra eu examinarei o amplo problema histórico. Então eu farei um esboço sobre a crença da ressurreição mantida dentro do Judaísmo do Segundo Templo, e em seguida, olhar para a forma do Cristianismo primitivo para examinar como o último movimento cresceu a partir do anterior. Na segunda palestra nós nos aproximaremos de algumas das evidências detalhadas olhando para as reivindicações do movimento Cristão primitivo como refletido nos textos-chave. Na palestra final eu proponho usar uma narrativa particular da ressurreição, essa de Luke, como um ponto de partida para responder a questão: que força a mensagem da ressurreição tem para dizer ao mundo e à igreja como devemos enfrentar o desafio pós-moderno nos anos finais do segundo milênio? Assim, as três palestras trabalham da seguinte maneira: na palestra atual eu esboçarei uma grande figura das origens cristãs e argumentarei que apenas a ressurreição corpórea de Jesus pode explicá-las. Na segunda eu examinarei os textos detalhados que falam desse evento. Na terceira eu avançarei do Caminho de Emaús no primeiro século para o Dover Beach de Matthew Arnold no décimo nono ao vigésimo.

Meu tema para o momento, então, é apresentar o argumento histórico que resulta da observação do Judaísmo do primeiro século, por um lado, e o Cristianismo do primeiro século, por outro. Encontramo-nos, por assim dizer, contemplando dois pilares em cada lado de um rio largo. Pelo estudo de ambos e a relação entre cada um, devemos ser capazes de organizar que tipo de ponte pode uni-los. O Cristianismo emergiu do Judaísmo, mas como isso aconteceu? Como irmos de uma margem do rio à outra?


Ressurreição como Entendida no Judaísmo do Segundo Templo


Como a esperança da ressurreição funcionou dentro da visão do mundo do Judaísmo? E onde a ressurreição se encaixou nas crenças do Segundo Templo judeu sobre vida após a morte em geral?

A esperança da ressurreição começou no Judaísmo não como um dogma, mas como uma história – a história do exílio e restauração de Israel. A primeira passagem óbvia a qual encontramos está em Ezequiel 37:1-14, a visão do vale dos ossos secos. Ali a esperança da restauração de Israel é expressa nos termos da vívida, quase surreal, metáfora dos ossos secos voltando à vida, adquirindo carne, tendões e, finalmente, respiração. O contexto deixa claro que essa imagem denota retorno do exílio, também por meio dos capítulos anteriores, estabelece-se uma série de conexões, tal como um resgate limpando, e (particularmente) renovando a aliança. O mesmo é verdadeiro, indiscutivelmente para a difícil passagem de Isaías 26:16-21. A ressurreição começa a vida, em outras palavras, como uma metáfora para o retorno do exílio e de tudo o que aconteceu com a esperança de Israel por isso.

Mas a história que foi dita pelos judeus do Segundo Templo através do dia de Jesus nunca sugeriu que o retorno real tinha realmente acontecido. Ninguém supôs que as profecias de Isaías e Ezequiel ainda seriam cumpridas. Os judeus do Segundo Templo ainda viviam no mundo narrativo de exílio e restauração. Nessa narrativa, exílio se focou em certos pontos do sofrimento dos mártires, e ressurreição se focou em sua reivindicação. Nesse contexto nós devemos adicionar Daniel 12 e, particularmente, 2 Macabeus, com sua conta horrível de mártires que irritam seus torturadores, assegurando-lhes que eles, os mártires, receberão de volta pelo Deus de Israel os corpos físicos que agora estão sendo dilacerados (e.g., 2 Mac 7:1-23).

Esse é um desenvolvimento do mundo metafórico de Ezequiel 37 – não de um afastamento dele. O exílio continua, e no início do segundo século ele tomou a forma de opressão brutal pelo paganismo sírio. A esperança, então, era que o Deus de Israel restauraria seu povo, e que aqueles que morreram na luta, leais a ele e à sua Torá, seriam levantados dos mortos para compartilhar a eventual restauração. Assim também, após a queda de Jerusalém em 70 d.C. se intensificou o sentimento de exílio, quase insuportável; encontramos Esdras 4:7 articulando uma esperança semelhante. O mesmo é verdade, sempre que lhes datamos, de Enoque 1 e Baruque 2. Subjacente a todas estas histórias, é claro, é a crença inabalável de judeus na justiça do Deus único e verdadeiro.

Dois detalhes importantes devem ser mencionados aqui. Primeiro, sabemos por Josefo (Guerra 2:163; Ant. 18:14) e pelo Novo Testamento (Atos 23:7-8) que poderíamos ter adivinhado a partir dos rabinos mais tarde, a saber, que a ressurreição foi uma característica importante da teologia farisaica. Mas nós precisamos lembrar que nos dia de Jesus e de Paulo a maioria dos fariseus eram o que poderíamos chamar de ala revolucionária do judaísmo, mais para a restauração de Israel. A ressurreição funcionou para os fariseus, não como uma doutrina abstrata sobre o que acontece com o povo de Deus (ou a qualquer pessoa) após a morte, mas como uma declaração sobre a grande volta do destino de Israel, que em breve ocorreria, e sobre o fato de que quando esse evento acontecesse aqueles que tinham sido fiéis a Torá, mas tiveram que morrer antes do tempo seriam erguidos para compartilhar as bênçãos dos tempos que viriam. A crença farisaica, em outras palavras, deve ser visto como um desenvolvimento da mesma história subjacente que vemos em Daniel e 2 Macabeus.

O segundo detalhe a ser mencionado diz respeito ao livro conhecido como Provérbios de Salomão. Ele tem sido usado há muito tempo entre os estudiosos para declarar que este livro simplesmente ensina a imortalidade da alma e não a ressurreição. Os versos de abertura do capítulo três são cotados para esse efeito:

As almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento nunca vai tocá-los. Aos olhos dos insensatos pareciam ter morrido, e sua partida foi pensada para ser um desastre, e eles partem de nós à sua destruição; mas eles estão em paz. (3:1-3.)

No entanto, a passagem continua alguns versos mais tarde:

No tempo da sua visitação resplandecerão, e correrão como centelhas através da palha. Governarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre. (3:7-8.)

Esses judeus justos que foram mártires nas mãos dos pagãos estão no presente em paz, seguros com Deus, mas a imortalidade da alma é apenas o prelúdio de sua ressurreição, e serão definidos com autoridade sobre os reinos da terra, dentro de um reino de Deus. Essas propostas de passagens, além dos outros elementos que consideramos brevemente, são um relato do que acontece com os justos mortos no intervalo entre sua tortura e morte e sua ressurreição: suas almas são cuidadas depois disso por Deus.

A ressurreição pertence, então, à cosmovisão revolucionária do Judaísmo do Segundo Templo. Qual parte é representada dentro da esperança judaica para a vida após a morte? Havia dentro do judaísmo um espectro considerável de crença e especulação sobre o que acontecia às pessoas mortas em geral, e para os judeus mortos, em particular. Num final, foram os saduceus que parecem ter negado qualquer doutrina da existência post-mortem (Marcos 12:18; Josefo, Guerra 2:165). Em outro foram os fariseus, que afirmaram uma futura existência encarnada, e que pareciam ter, pelo menos, começado a desenvolver teorias sobre como as pessoas continuariam a existir no intervalo entre a morte física e a ressurreição física. E há opções adicionais. Alguns textos falam de almas em alegria desencarnada; alguns especulam sobre almas como seres angelicais ou astrais, e assim por diante. Não podemos, então, simplesmente afirmar que os gregos acreditavam na imortalidade e os judeus na ressurreição. As coisas nunca foram assim tão simples.

A razão pela qual os saduceus eram contra, não só à ressurreição, mas a qualquer noção de vida após a morte é muito interessante. Primeiro, eles insistiam que as tradições não continham essa doutrina ultramoderna e que a ressurreição não era ensinada na própria Torá. Mas eles foram além. A ressurreição era uma doutrina revolucionária, que tinha a ver com crenças firmemente mantidas sobre o clímax vindo da história de Israel. Seria exatamente o tipo de coisa, do ponto de vista saduceu, que aqueles fariseus de classe baixa mais problemáticos adotariam para sustentar seus sonhos revolucionários sobre a derrubada da ordem existente e o estabelecimento do reino de Deus. O principal objetivo dos saduceus não era garantir sua própria sobrevivência pessoal em uma vida futura, mas negar uma doutrina que lhes parecia (e com razão) constituir uma ameaça para a sobrevivência de seu poder dentro da ordem atual e dentro de qualquer mudança que viria por aí.

Eu falei antes sobre o estado intermediário entre a morte e a ressurreição. Como acabamos de ver, Provérbios de Salomão falou sobre as almas dos justos estarem na mão de Deus, até o dia em que eles subirão novamente e reinarão sobre as nações e reinos. Alternativamente, se pensava que os mortos, ou pelo menos os justos mortos, continuariam a viver, antes da sua ressurreição em um estado comparável ao dos anjos ou espíritos. Neste contexto, em adição a vários textos judeus não-cristãos, é interessante notar uma passagem em Atos que aponta precisamente esse sentido. Quero dizer sobre a cena maravilhosamente desenhada em Atos 12, em que a criada Rode ouve Pedro batendo à porta e falando com ela e, em vez de abrir a porta, ela corre e diz à comitiva montada. Eles dizem, interessantemente, "deve ser o seu anjo”. Assumem que Pedro foi executado na prisão, que ele entrou no estado desincorporado entre a morte e a ressurreição, e que desta forma ele lhes pagou uma espécie de visita post-mortem que várias pessoas em várias culturas tinham experimentado quando alguém perto deles havia morrido recentemente. Tal visita é inteiramente compreensível em termos do “anjo” pessoa.

Meu ponto aqui é que os judeus nesse período tinham idéias razoavelmente bem desenvolvidas sobre um estado intermediário, ou pelo menos uma série de conceitos e vocabulário à mão com os quais se referiam a ele. Claro que, se alguém não acredita na ressurreição final, acreditando em vez disso em uma imortalidade contínua desencarnada, que um fariseu consideraria como um estado intermediário, pode pensar como sendo um estado final. Mas, se um judeu do primeiro século dissesse que alguém havia sido "ressuscitado dos mortos", a única coisa que não queria dizer era que essa pessoa tinha ido a um estado de êxtase desencarnado, e não queria descansar para sempre ou esperar até o grande dia da reincorporação.

Isto pode ser facilmente testado, perguntando se alguém, em 150 a.C., que acreditava apaixonadamente que os mártires macabeus eram verdadeiros e justos israelitas, ou alguém em 150 d.C., que acreditava que Simeon ben-Kosiba era o verdadeiro Messias (se algum tal existiu), teria dito que eles, ou ele, tinham sido ressuscitados dos mortos, pretendendo com esta afirmação indicar simplesmente que sua causa foi realmente justa e que eles estavam vivos em um lugar de honra na presença de Deus. A resposta é óbvia. Alguém na posição que temos descrito poderia muito bem ter dito que os mártires, ou ben-Kosiba, estavam vivos na forma de um anjo ou um espírito, ou que suas almas estavam na mão de Deus, mas não teriam sonhado em dizer que já tinham sido ressuscitados dos mortos. Ressurreição significa incorporação; mais, implica que a nova era amanheceu. Ninguém sugeriu que os mártires foram reincorporados. Ninguém sugeriu que a nova era amanheceu, exceto é claro, os cristãos, que serão o meu ponto em poucos minutos.

Não houve, então, nenhuma única universalmente aceita e comumente articulada esperança do Segundo Templo judeu para o futuro. Porém, com isso é provável que a crença farisaica, sua maneira de contar a história, era popular com um bom número de judeus. Seja como for, por mais amplo que o espectro possa ter sido e por mais posições diferentes que os judeus tenham assumido, "ressurreição" sempre denota uma posição dentro desse espectro. "Ressurreição" não era um termo para "vida após a morte" em geral. Ela sempre significou reincorporação.


Os Primórdios do Cristianismo


Tendo examinado muito brevemente um elemento do enigma histórico, o pilar da margem do rio judaico, agora devemos voltar nossa atenção para a outra margem, o pilar cristão primitivo. Então, ao olhar para os dois pilares em conjunto, devemos estar em posição de avaliar que tipo de ponte pode conseguir ligar de forma concebível as duas estruturas ao mesmo tempo tão semelhantes e ainda tão diferentes.

Há três aspectos a este inquérito. O cristianismo começou como um movimento do reino de Deus, como um movimento messiânico, e como um movimento da ressurreição. Em cada caso, isso representa um enigma considerável para o historiador. Ao considerar cada um destes três aspectos, o meu argumento vai cair em três etapas. Primeiro, examinarei a maneira pela qual o cristianismo começou como um movimento do tipo em questão. Segundo, revisitarei o judaísmo para indagar o que esses movimentos aparentavam e o que eles esperavam. Terceiro, mostrarei que as diferenças marcantes entre os movimentos relevantes no Judaísmo e o movimento aparentemente equivalente no Cristianismo são tais que exigem um tipo particular de explicação.


O Movimento do Reino de Deus


As três etapas neste caso particular podem ser resumidas como segue: primeiro, o Cristianismo primitivo surgiu como um movimento do reino de Deus. Segundo, o reino de Deus no judaísmo tinha certos significados especiais. Terceiro, uma vez que estes certamente não tinham vindo a transpor, nós devemos indagar por que os primeiros cristãos disseram, no entanto, que o reino de Deus tinha de fato sido trazido para a Terra.

Primeiro, então, o Cristianismo primitivo pensava nele mesmo como um movimento do reino de Deus (Marcos 1:14-15). Já no tempo de Paulo a expressão "reino de Deus" e seus equivalentes tornaram-se mais ou menos um atalho para o movimento, o seu modo de vida, e sua razão de existência "(Romanos 14:17; 1Cor. 4:20, 6:9-10, 15:50; Gal. 5:21; 1 Tessalonicenses. 2:12). Já é tecida na estrutura do pensamento cristão primitivo. A maneira como Paulo a usa mostra que ela é invenção comum dentro do cristianismo primitivo e que pertence ao mundo judaico do qual falei. Os primeiros cristãos contaram a história do reino como sua própria história. Eles reordenaram suas vidas – no caso dos ex-pagãos, bastante drasticamente – em torno do novo universo simbólico em que a esperança judaica que dizia que não haveria "nenhum rei, mas Deus" tinha se tornado realidade por meio de Jesus, o Messias. Eles se engajaram em uma práxis que afirmava que havia uma maneira diferente de ser humano, de forma a responder às reivindicações deste reino. Esta é a primeira etapa desta primeira fase de meu argumento.

O segundo passo é, então, considerar o que "reino de Deus" significava no judaísmo (um grande tópico é claro, que podemos apenas resumir aqui breve e inadequadamente). No judaísmo a vinda do reino de Deus significava o fim do exílio de Israel, a queda de um império pagão e a exaltação de Israel, e o retorno de YHVH a Sião para julgar e salvar. Estes são os motivos que surgem dessa grande profecia do reino em Isaías 40-55, e de numerosos salmos e outras partes das escrituras hebraicas. E, como Josefo deixa claro, no dia de Jesus a convicção de que seu "único Rei e Senhor" era Deus foi uma marca particular dos revolucionários (Ant. 18:23).

Para o Segundo Templo judeu, então, a vinda do reino não era sobre uma experiência existencialista privada ou gnóstica, mas sobre eventos públicos. No seu sentido mais estreito, era sobre a libertação de Israel. No seu sentido mais amplo, era sobre a vinda da justiça de Deus e da libertação de todo o cosmos. Assim, se você tivesse dito a um judeu do primeiro século, "o reino de Deus está aqui", e tivesse se explicado falando de uma nova experiência espiritual, um novo sentimento de perdão, ou uma reordenação emocionante de sua interioridade religiosa privada, ele ou ela poderiam muito bem ter dito que estavam contentes por você ter tido essa experiência, mas por que você se referia a ela como o reino de Deus? Esta, então, é a segunda etapa desta primeira fase do argumento.

O terceiro passo é colocar os dois juntos e perceber o contraste. É claro que, independentemente dos primeiros cristãos terem dito, o reino de Deus não veio da maneira que os judeus do primeiro século tinham imaginado. Israel não foi libertado, o Templo não foi reconstruído, e – olhando mais para o cosmos –, injustiça, dor e morte, estavam ainda em fúria. A questão se mantém, então: por que os cristãos primitivos disseram que o reino de Deus havia chegado?

Uma resposta obviamente seria esta: os primeiros cristãos mudaram o sentido da frase tão radicalmente que agora não se refere a um estado político de negócios, mas a um interno ou espiritual. Eles tinham tomado o sentido apocalíptico atual em seu mundo e o demitologizaram, dejudaizaram, espiritualizaram, ou helenizaram. Mas isso é simplesmente falso ao cristianismo primitivo. Os primeiros cristãos agiam como se o reino de Deus estilo judaico estivesse realmente presente: eles organizaram a sua vida como se realmente fossem pessoas retornadas do exílio, o povo da nova aliança. Quando falavam de uma nova realidade interna ou "espiritual", usavam a linguagem não do reino de Deus, mas do coração novo, a morada do espírito, e assim por diante.

A questão histórica é assim posta: o que na terra (e quero dizer na Terra) os teria provocado a agir, falar e pensar desta maneira? Por que, na verdade, eles não continuaram o tipo de revolução do reino que haviam imaginado que Jesus estava indo liderar? Como explicar o fato do cristianismo primitivo não ter sido nem um movimento nacionalista judeu, nem uma experiência existencial privada? Como explicar o fato de que é afirmado, a partir da cosmovisão judaica, que o eschaton tinha chegado, mesmo pensado que não parecia como eles imaginavam que seria? A resposta cristã primitiva foi, naturalmente, que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. Foi por isso que eles disseram que o reino havia chegado e que a nova era amanheceu.

Isto leva-nos para a segunda fase do argumento.


O Movimento Messiânico


Eu já argumentei que o Cristianismo foi desde os primórdios um movimento messiânico. Deixem-me resumir o caso como o primeiro passo nesta segunda etapa do meu argumento.

Para começar, as fontes cristãs mais antigas que possuímos falam de Jesus como Messias. De acordo com Atos, esta afirmação foi fundamental para a proclamação antecipada que Deus fez Jesus "igualmente Senhor e Cristo" (3:36). Quanto a Paulo, já argumentei que o messianismo de Jesus permaneceu central e explícito para ele. Mas mesmo se você insistir que, na época de Paulo, a palavra Christos havia se tornado apenas um nome próprio com algumas lembranças messiânicas distantes ligadas a ela, você não pode evitar a conclusão de que se o ex-fariseu Paulo, com trinta anos após a morte de Jesus, estava se referindo a Jesus como Christos – e especialmente se ele estava fazendo isso sem dar uma idéia ao sentido judaico dessa palavra –, só mostra como dentro da tradição mais antiga a idéia da messianidade de Jesus firmemente se apoderou. Como explicar tudo isso? Por que diziam que Jesus era o Messias?

Vários estudiosos há muito reconheceram que a ressurreição sozinha não pode explicar por que os primeiros cristãos pensavam em Jesus como o Messias. Se alguém além de Jesus tivesse ressuscitado dos mortos, não haveria razão para supor que ele ou seus contemporâneos pensavam nele como o Messias. Temos, portanto, que buscar a razão na realização messiânica de Jesus, crucificado como foi com a expressão "rei dos judeus" acima de sua cabeça. Em Jesus and the Victory of God, tenho argumentado que esta, por sua vez, obriga-nos a olhar mais para trás e ver algumas das principais ações simbólicas de Jesus, notavelmente a sua ação no Templo, e alguns de seus principais enigmas e parábolas, como sua messianidade tanto implícita quanto explícita. (Deixem-me enfatizar, em caso de confusão, que no Judaísmo do Segundo Templo a palavra "messias" não carregava conotações do que chamaríamos de "divindade”.) Novamente, mesmo se você discordar e quiser insistir que Jesus veio a ser pensado como Messias somente na sua ressurreição, isso, de qualquer forma, apertaria o parafuso do meu argumento mais ainda.

Meu ponto é – para passar à segunda fase nesta etapa do meu argumento – um judeu do primeiro século, diante da crucificação de um suposto messias, ou mesmo de um profeta que tinha tido seguidores significativos, normalmente não concluiria que essa pessoa era o Messias e que o reino tinha chegado. Ele ou ela, normalmente, concluiria que ele não era o Messias e que este não tinha vindo.

Houve, com certeza, muitas variações na crença messiânica judaica nesse período. Nenhuma delas previu um Messias que morreria às mãos dos pagãos. Pelo contrário, onde as expectativas judaicas de um Messias não existiam, eles regularmente possuíam um duplo foco. Em uma linha de tradição que se estendia de Davi a Bar-Kochba, incluindo os macabeus e Herodes, vemos que o rei teria que derrotar os pagãos, e que ele teria que reconstruir (ou pelo menos limpar) o Templo. As duas ações, é claro, seriam feitas juntas: enquanto os pagãos mantivessem-se invictos, YHVH não haveria retornado a Sião, presumivelmente porque a casa não estava pronta. Se um Messias foi morto pelos pagãos, especialmente se ele não tivesse reconstruído o Templo ou libertado Israel, isso era o mais seguro sinal de que ele era outro na longa linha de falsos messias.

De fato é claro o seguinte: se o Messias que foi seguido foi morto pelos pagãos, você estava encurralado com uma escolha entre dois cursos de ação. Você poderia desistir da idéia de revolução e abandonar o sonho de libertação. Alguns foram por esse caminho sobretudo, naturalmente, o movimento rabínico como um todo depois de 135 d.C. Ou poderia encontrar você mesmo um novo messias, se possível a partir da mesma família do último deplorado. Alguns foram nessa rota: testemunharam o movimento permanente, que decorreu de Judas, o Galileu em 6 d.C. para seus filhos ou netos na década de 50; a outro descendente, Menahem, durante a guerra de 66-70; e a outro descendente, Eleazor, que foi o líder dos desafortunados sicários em Masada em 73.

Mais uma vez, vamos ser claros. Se, após a morte de Simão bar-Giora, no triunfo de Tito, em Roma, ou se, após a morte de Simeão ben-Kosiba em 135, você tivesse afirmado que Simão, ou Simeão, era realmente o Messias, você provocaria uma resposta bastante acentuada da maioria judaica do primeiro século. Se, no meio da explicação, você dissesse que tinha tido uma forte sensação de Simão, ou Simeão, como se ainda estivesse com você, sempre lhe sustentando e lhe guiando, a mais gentil resposta que você poderia esperar seria que seu anjo ou espírito ainda estava se comunicando com você – não que ele havia ressuscitado dos mortos. Tanto quanto sabemos, os seguidores dos movimentos messiânico ou quase-messiânico do primeiro século eram fanaticamente comprometidos com a causa. Deles, de qualquer modo, poderia se esperar que sofressem de dissonância cognitiva depois da morte de seu grande líder. Em nenhum outro caso, no entanto, em todo o século antes de Jesus e no século após ele, não ouvimos falar de qualquer grupo judeu que dissesse que seu líder executado ressuscitou dos mortos.

Assim – e aqui está a terceira etapa da segunda fase do meu argumento –, uma vez que Jesus de Nazaré foi certamente crucificado como um rei rebelde, é extremamente estranho que os primeiros cristãos não só insistissem que ele era realmente o Messias, mas reordenassem sua visão de mundo, sua práxis, suas histórias, símbolos, e teologia em torno desta crença.

Eles tinham, depois de tudo, as duas opções normais abertas a eles. Eles poderiam simplesmente ter voltado à sua pesca, feliz por terem escapado de Jerusalém com vida. Eles poderiam ter mudado para um rumo diferente, desistido do messianismo (como fizeram os rabinos pós-135), e ido a alguma forma de religião privada, fosse a observação intensiva da Torá, gnose privada, ou alguma outra coisa. Eles claramente não fizeram isso. Qualquer coisa exceto algo como uma religião privada que fosse ao redor do mundo pagão dizer que Jesus era o Messias de Israel seria difícil de imaginar.

Igualmente, e talvez ainda mais interessante, poderiam ter encontrado eles mesmos um novo messias, entre parentes de sangue de Jesus. Esta opção não é, penso eu, normalmente considerada. Merece ser. Sabemos de várias fontes que os parentes de Jesus foram importantes e bem conhecidos na igreja primitiva. Um dos mais próximos, o seu irmão Tiago, embora não fizesse parte do movimento durante a vida de Jesus, na verdade, parece ter se tornado o principal em Jerusalém, enquanto Pedro e Paulo saíram em todo o mundo (Atos 12:17, 15:13, 21: 18; Gal. 1:19, 2:9). Tiago era considerado na igreja primitiva a pessoa central, geográfica e teologicamente. No entanto – e esta é a pista principal, como o cão de Sherlock Holmes que não latiu na noite – ninguém no Cristianismo primitivo nunca sonhou em dizer que Tiago era o Messias. Nada teria sido mais natural, especialmente na analogia da família de Judas, o Galileu. No entanto, Tiago era conhecido simplesmente como "o irmão do Senhor" (Gl 1:19, cf. Marcos 6:3).

Temos, então, que perguntar mais uma vez: por que o cristianismo começou, e mesmo sozinho continuou, como um movimento messiânico, quando o seu Messias tão obviamente não só não fez o que o Messias deveria fazer, mas sofreu um destino que deveria ter mostrado conclusivamente que ele não poderia ter sido o ungido de Israel? Por que esse grupo de judeus do primeiro século, que tinha nutrido esperanças messiânicas e as focado em Jesus de Nazaré, não só continuaram a acreditar que ele era o Messias, apesar de sua execução, mas ativamente o anunciaram como tal ao mundo tanto pagão quando judaico, alegremente redesenhando a imagem do messianismo em torno dele, e recusando-se a abandoná-la? Sua resposta, consistentemente em toda evidência que possuímos, foi que Jesus, após sua execução sob a acusação de ser um aspirante a Messias, havia ressuscitado dos mortos.

Antes de podermos analisar o que entendemos por isso, devemos olhar para a terceira, e claramente a mais importante, das três fases dentro do presente argumento.


O Movimento de Ressurreição


O cristianismo começou como um movimento de ressurreição. Como já observei, não há nenhuma evidência de uma forma de cristianismo primitivo em que a ressurreição não fosse uma crença central, como se fosse arremessada ao Cristianismo pelo canto. Foi a força central de condução, informando todo o movimento. Em particular, nós podemos ver tecida na teologia cristã mais antiga que possuímos – a de Paul, é claro – a crença de que a ressurreição, a princípio, ocorreu, e que os seguidores de Jesus tiveram que reorganizar suas vidas, suas narrativas, seus símbolos, e sua práxis adequadamente (ver, classicamente, Rom. 6:3-11).

Eu quero aqui notar um fenômeno interessante, em particular. Esse pensamento sobre a ressurreição tem uma notável precisão e consistência. Ao contrário da crença judaica que observamos anteriormente, desde o começo o re-uso da linguagem da ressurreição do Cristianismo é surpreendentemente livre de especulações vagas e generalizadas. É nítido e claro: a ressurreição significa passar pela morte e sair do outro lado em um novo modo de existência. Toda esta situação é compreensível apenas dentro do mundo de pensamento do Judaísmo, mas é muito mais preciso do que qualquer coisa que o Judaísmo não-cristão tenha produzido naquele estágio.

O cristianismo, então, começou como um movimento de ressurreição. Essa é a primeira etapa desta terceira fase de meu argumento.

A segunda etapa baseia-se no que eu estava dizendo na primeira parte desta palestra sobre as expectativas judaicas da ressurreição. Como vimos, a "ressurreição" no Judaísmo do Segundo Templo funcionava dentro de um controle narrativo sobre o exílio e restauração, e sobre o sofrimento e reivindicação dos mártires. Deixem-me lembrá-los novamente: ela começou a vida como uma metáfora para o retorno do exílio, a renovação da aliança, e da limpeza de Israel de seus pecados. "Ressurreição" foi referida de várias maneiras, e tomou o seu lugar dentro de uma série bastante variada de especulações sobre o futuro da humanidade em geral, e Israel em particular depois da sua morte real do corpo. A ressurreição dos mortos foi, assim, um símbolo para a vinda de todas as eras novas, e dela própria, sendo literalmente, um elemento central no pacote: quando YHVH restaurasse o destino de seu povo, então é claro que Abraão, Isaque e Jacó, juntamente com o povo de Deus que foi abatido, incluindo os mártires que morreram pela causa, seriam reincorporados, ressuscitados à nova vida no novo mundo de Deus. Os judeus do Segundo Templo acreditavam na ressurreição dessa forma; então, essa crença acreditava por um lado, que a reincorporação dos humanos anteriormente mortos viria, e de outro, na inauguração da nova era, uma nova aliança, em que todos os justos mortos seriam reerguidos simultaneamente. Ressurreição significava tanto que os mortos estariam vivos novamente com novos corpos renovados quanto que a Era a Vir tinha sido pelo menos inaugurada.

Se, portanto, a qualquer momento durante este período que você disse a um judeu, "a ressurreição aconteceu!", você tivesse recebido a resposta perplexa (ou irritada) que, obviamente, não aconteceu, já que os patriarcas, profetas e mártires não estavam andando vivos novamente, e que desde a restauração de que fala Ezequiel 37 claramente não tinha acontecido – para não mencionar as grandes profecias de Isaías e do resto. E se, no meio da explicação, você tivesse dito que você não quis dizer tudo isso, que o que você quis dizer foi que você teve um novo sentido maravilhoso de cura divina e de perdão, ou que você acreditava que o ex-líder do seu movimento estava vivo na presença de Deus após as suas vergonhosas tortura e morte, seu interlocutor poderia ter lhe congratulado por ter uma experiência desse tipo e, discutindo com você sobre tal crença, ele ou ela ainda estaria sendo confundido por qual razão você tinha falado da "ressurreição dos mortos" ao se referir a qualquer uma destas coisas. Estas coisas implicam no que "a ressurreição dos mortos" não se referia.

No entanto – e esta é a terceira etapa desta terceira fase do argumento – embora, tivéssemos enfatizado, a nova era não ocorreu da mesma forma que os judeus do primeiro século imaginaram, e a ressurreição de todo o velho povo de Deus não tinha acontecido, mas a igreja mais antiga persistiu em declarar categoricamente não apenas que Jesus ressuscitou dos mortos, mas também que "a ressurreição dos mortos" já havia ocorrido. Além do mais, como temos observado, os membros da igreja ativamente redesenharam sua visão do mundo – sua práxis característica, suas histórias controladoras, seu universo simbólico, e sua teologia básica – em torno deste novo ponto fixo. Eles se comportaram, em outras palavras, como se a nova era já tivesse chegado. Essa foi a lógica interna da missão aos gentios: enquanto Deus estivesse fazendo a Israel o que ele faria a Israel, os gentios, pelo menos, compartilhariam a bênção (Isaías 66:18-23; Zacarias 14:16). Eles não se comportaram como se tivessem um novo tipo de experiência religiosa, ou como se o ex-líder estivesse vivo e bem na presença de Deus, seja como um anjo ou um espírito ou o que seja. A única explicação para seu comportamento, suas histórias, seus símbolos, e sua teologia é que eles realmente acreditavam que Jesus tinha ressuscitado corporalmente dos mortos. Esta conclusão é tão bem fundamentada que, hoje, mesmo aqueles que gostariam de insistir que o corpo de Jesus de fato permaneceu em decomposição no túmulo concordam que os primeiros cristãos acreditavam que ele ressurgiu, deixando um túmulo vazio atrás dele.


Conclusão: as Questões as Opções


Eu argumentei que o Cristianismo começou reconhecidamente como movimento judeu do primeiro século: era um movimento do reino de Deus, um movimento messiânico, e um movimento de ressurreição. O contexto judaico de todos esses movimentos indicava certas expectativas que decididamente não foram cumpridas. De fato, a crucificação de Jesus não foi meramente o símbolo de esperança diferida, mas de esperança esmagada e pisoteada. O historiador é, portanto, obrigado a procurar uma explicação, não só do porquê do Cristianismo primitivo ter começado em primeiro lugar, mas também por que razão tomou a forma que tomou. Na parte final desta palestra, deixem-me rever rapidamente algumas das opções que foram discutidas no debate.

Há, para começar, algumas trilhas falsas bastante conhecidas. Algumas, por exemplo, sugeriram que Jesus realmente não morreu na cruz. Contra todos os proponentes desta chamada teoria da “síncope”, como tem sido freqüentemente chamada, é preciso salientar que os romanos sabiam como matar pessoas. O reaparecimento de um Jesus desgastado e esgotado dificilmente teria sugerido que ele tinha morrido e saído do outro lado, que o reino de Deus já tinha vindo, que "a ressurreição" tinha ocorrido, e que ele era realmente o Messias, que derrotaria os inimigos de Deus e reconstruiria o Templo.

Igualmente, há abundância de pessoas se esforçando para produzir teorias selvagens e fantásticas para explicar que Jesus realmente não ressuscitou dos mortos ou deixou um túmulo vazio atrás dele. Penso em um livro chamado The Tomb of God, publicado há dois anos, que termina dizendo que os ossos de Jesus encontram-se agora numa tumba selada no sudoeste da França.

Entre as acusações mais sérias à ressurreição de Jesus – e talvez a mais famosa neste século – foi a de Rudolf Bultmann. Em uma passagem muito discutida, Bultmann afirma que a linguagem da ressurreição da igreja primitiva era usada para designar não um evento separado da crucificação, mas a fé dos primeiros discípulos em que a crucificação não foi uma derrota trágica, mas o ato divino de salvação. A Páscoa é, portanto, sobre o surgimento, não de Jesus, mas da fé da igreja primitiva.

Meu argumento completo, até agora, se expressa muito fortemente contra isso. Se formos pensar nos termos judeus do primeiro século, é impossível conceber que tipo de experiência religiosa ou espiritual alguém poderia ter que os fizesse dizer que o reino de Deus havia chegado quando ele claramente não tinha, que um líder crucificado era o Messias quando ele obviamente não era, ou que a ressurreição ocorreu no mês passado quando ela obviamente não tinha acontecido. Por mais forte que o sentimento dos discípulos que Jesus tinha sido reivindicado possa ter sido, que haviam sido perdoados, ou algo assim, eles ainda não tinham dito que ele havia ressuscitado dos mortos. Eles poderiam, talvez, ter escrito uma nova versão de 2 Macabeus 7. Eles poderiam ter sugerido que Jesus havia previsto sua própria ressurreição. Eles não tinham dito que ela tinha realmente acontecido.

Essa incapacidade de pensar em termos do primeiro século também vicia aqueles que propuseram variações no regime bultmanniano. Edward Schillebeeckx, por exemplo, declara que quando os discípulos foram ao túmulo suas mentes estavam tão cheias de luz que não importava se havia um corpo lá ou não. O que aconteceu no aparecimento da Páscoa foi uma conversão de Jesus como o Cristo, que agora veio a eles como a luz do mundo, e essa foi a "iluminação" pela qual os discípulos foram "justificados". Schillebeeckx adapta a idéia de Bultmann, com uma precisão maior; superaram os profundos sentimentos de culpa por terem fugido e abandonado Jesus, experimentando na manhã de Páscoa uma sensação maravilhosa do perdão de Deus e da presença permanente de Jesus. Isto se tornou então o início da experiência caracteristicamente cristã, o conhecendo do perdão de Deus e/ou o conhecimento da presença de Jesus.

O problema com isto é que se você tivesse dito a um judeu do primeiro século que você teve uma experiência maravilhosa de perdão (ou amor e graça) de Deus, ela ou ele teria ficado encantado por você. Mas se você tivesse dito que o reino havia chegado, que um líder crucificado era o Messias ou que a ressurreição tinha ocorrido, eles teriam ficado profundamente confusos se não completamente ofendidos. Esta linguagem não é simplesmente sobre as experiências particulares, mesmo as experiências particulares comunicáveis, de perdão. É sobre a escatologia, sobre alguma coisa acontecendo dentro da história, que resultaria em um mundo que agora está sendo um lugar muito diferente. Nem Bultmann nem Schillebeeckx podem explicar a partir dos textos a ascensão do Cristianismo como a conhecemos.

Um argumento adicional de Gerd Lüdemann reforçou a hipótese de Bultmann. Ele sugere que Pedro estava tão profundamente entristecido com a morte de Jesus que ele experimentou o que, como vimos anteriormente, as pessoas em um estado tão freqüente relatam: um sentido de presença amorosa da pessoa falecida recentemente, talvez até mesmo um sentido dele falando e o tranqüilizando. Pedro então, assim Lüdemann nos pede para acreditar, comunicou esta experiência aos outros, que foram espontaneamente enchidos de alegria ao pensar que Jesus ainda estava vivo. Enquanto isso, Paulo sofreu um tipo de alucinação oposta: tendo sido veemente oposto ao novo movimento, ele foi vencido pela culpa e experimentou uma fantasia de culpa induzida a qual ele, também, foi capaz de compartilhar com os outros para efeitos extraordinariamente poderosos.

Minha resposta a esta proposta é (a) isso exige uma enorme credulidade, supor que, mesmo Pedro e Paulo tendo essas fantasias ou alucinações, elas teriam gerado mais de um comentário de compaixão entre os seus colegas ou contemporâneos, (b) que teorias psicológicas desse tipo – sobre pessoas de dois mil anos atrás em uma cultura diferente – são na melhor das hipóteses improváveis e, na pior descontroladamente fantásticas. Mas, o mais importante, (c) a proposta simplesmente não faz sentido dentro do mundo ou do Judaísmo do primeiro século.

Como se vê na história de Rode em Atos 12, judeus do primeiro século conheciam visitas post-mortem de amigos recentemente falecidos, e que já tinham sistemas de linguagem para falar de fenômenos desse tipo. "Deve ser o seu anjo", disseram eles, quando achavam que estavam tendo uma visita deste tipo de Pedro. Eles não disseram que Pedro tinha ressuscitado dos mortos. Em outras palavras, se tivéssemos sido membros do grupo de Atos 12, e se tivéssemos tido conhecimento de um recém executado Pedro como uma presença fantasmagórica ou espiritual conosco, teríamos de concluir, com certeza, de que Pedro estava agora vivo com Deus. Mas ainda lembraríamos que teríamos que reivindicar o seu cadáver para o enterro no dia seguinte, e ainda acreditaríamos que ele permaneceria ali até ser ressuscitado, juntamente com o resto do povo de Deus, no último dia.

Como vêem, teria sido muito natural para judeus do primeiro século, especialmente se já mal pertencessem a um movimento do reino de Deus, que dizia sobre um líder que tinha pagado a pena capital nas mãos das autoridades, que a sua alma estava na mão de Deus, que ele estava vivo para Deus, que ele tinha sido exaltado ao paraíso, e que se foi, portanto, entre os justos que haviam sido injustamente condenados à morte, mas que deverá ressuscitar novamente para governar o mundo no bom tempo de Deus. (Isto é, claro, não é exatamente o que Provérbios 3:1-9 diz?) E se os seguidores de Jesus de fato tivessem a sensação de que ele estava vivo de uma maneira não-física, e mesmo que ele ainda estivesse presente com eles de alguma forma, isto seria como eles teriam se expressado. Mas, sendo assim, não teriam reivindicado (para enfatizar esse ponto novamente) o eschaton, dizendo que o ansiado reino de Deus já tinha chegado; não teriam dito que o seu líder crucificado era o Messias, e acima de tudo eles teriam dito que ele havia ressuscitado dos mortos ou que "a ressurreição dos mortos" já tinha ocorrido.

Particularmente, nós não temos nenhuma razão para supor que, após a crucificação de um suposto messias alguém ia supor que ele tinha sido exaltado a um lugar de regência do mundo ou senhorio divino. Ninguém, até onde sabemos, jamais sugeriu que este era o caso, após as mortes de Judas, o Galileu, Simão bar-Giora, ou Simeão ben-Kosiba. Na verdade, tal sugestão provavelmente seria considerada ridícula na melhor das hipóteses, e escandalosa na pior. O fracasso de tais homens para conduzir com sucesso um movimento messiânico impedia-os de uma análise mais aprofundada de como seriam os candidatos a tal posição. Mesmo se alguém tivesse feito tal sugestão, porém, não teria dito que essa pessoa seria “ressuscitada dos mortos”. A crença na exaltação sozinha, não conduziria, no mundo do judaísmo do primeiro século, à crença na ressurreição. Se, pelo contrário, supormos que os seguidores de um suposto messias crucificado primeiro acreditariam que ele tinha sido ressuscitado dos mortos, então podemos traçar uma linha clara que posteriormente os faria acreditar que ele devia ser o Messias. E se ele era o Messias, então ele também era o governante do mundo prometido em Salmos 89 e Daniel 7, assim ele foi exaltado sobre o mundo, e assim por diante. Todos os nossos textos sugerem que esta realmente foi a linha de pensamento que os primeiros cristãos seguiram.

É óbvio que eu estou lidando com apenas uma pequena fração das teorias que têm avançado sobre o que aconteceu na Páscoa, mas espero ter dito o suficiente para mostrar que os defensores de qualquer teoria de que o corpo de Jesus permaneceu no túmulo, enquanto os primeiros cristãos disseram que a ressurreição ocorreu, tem uma tarefa difícil pela frente, simplesmente em termos de história do primeiro século. O que encontramos, pelo contrário, é a reivindicação cristã primitiva universal de que Jesus atravessou, por assim dizer, a morte e escapou do outro lado, que ele estava não apenas em um estado intermediário ou existência desencarnada, mas que o seu corpo tinha sido transformado de uma maneira para que eles, seus seguidores, que estavam completamente despreparados, tivessem que se acostumar. E eles deram isso como a razão pela qual eles acreditavam que seu anúncio do reino tinha atingido seu clímax, o seu cumprimento, em sua morte e ressurreição. Eles deram isso como a razão por que eles continuaram a considerá-lo como o Messias, apesar de sua morte vergonhosa. Eles deram isso como a razão para dizer que "a ressurreição" tinha, em princípio, já acontecido. E mais, teceram essa crença tão firmemente em sua teologia, sua práxis, suas histórias, e seus símbolos que (a menos que estejamos preparados para parar de escrever história e começar a escrever fantasia em vez disso) não podemos encarar a sua vida comum sem ela.

Proponho, portanto, como resultado deste tratamento amplo do Judaísmo do Segundo Templo e do Cristianismo primitivo, que não há, de fato, nenhuma outra solução para o problema histórico do que concluir que algo extraordinário havia acontecido com o corpo de Jesus. Nenhuma outra ponte levará o historiador através do rio de um pilar ao outro.

Mas o que foi que aconteceu, e como os primeiros cristãos descreveram isso? Essa é a questão que nos ocuparemos na segunda palestra, à medida que olharmos mais detalhadamente a ascensão atual do cristianismo à luz dos textos-chave de Paulo e dos evangelhos.