terça-feira, 12 de julho de 2011

A Noite de São Bartolomeu - B. L. Conway

Não mandaram Carlos IX da França e Catarina de Medicis, sua mãe, a pedido do Papa, degolar cem mil huguenotes, a 24 de Agosto de 1572, dia de S. Bartolomeu? Não foi o Papa Pio V, com a Corte da França, o instigador deste crime, e não mandou o Papa Gregório XIII cantar um solene Te Deum em Roma pelo bom êxito que tivera?

Os Papas nada tiveram com a matança do dia de S. Bartolomeu.

Pio V não planeou com Catarina de Medicis, nem ela incitou a Corte da França; Gregório XIII nunca a aprovou.

Mandou cantar um Te-Deum em Roma por ter saído salvo dela o Rei com a Família Real, e isso a instantes rogos da Corte da França.

As congratulações do papa não são de estranhar.

Ainda hoje é praxe, quando um rei, um príncipe, um presidente da república, sai ileso de um grande perigo, ou atentado, saudarem-no, congratularem-se com ele os outros soberanos, príncipes e governos.

A matança foi um crime político de Catarina de Médicis, por ela planejado na tarde anterior, para evitar as possíveis conseqüências do frustrado assassínio de Coligny, ocorrido a 33 de Agosto, 2 dias antes.

Catarina de Médicis não morria de amores pela religião católica. Era livre-pensadora da escola de Machiavelli, criada nas péssimas tradições dos tiranos da Itália e rainha de uma das Cortes então mais corruptas da cristandade.

A grande aspiração de sua vida era governar pessoalmente a França e robustecer o seu poder, colocando os seus filhos no trono da Inglaterra, Espanha e Polônia.

Para conseguir os seus fins, não trepidava em inimizar os príncipes católicos com os príncipes huguenotes, ciumenta de uns e de outros.

Quando Coligny começou a fazer-lhe sombra e a minar-lhe a influencia, ela, com seu filho Carlos, deliberou tirar-lhe a vida.

Hoje ninguém sustenta que a matança de S. Bartolomeu foi premeditada. Foi planejado e executado com tanta rapidez, que a Corte da França não sabia como defender-se perante as outras Cortes da Europa.

No mesmo dia em que se deu a matança o rei Carlos escreveu ao seu Embaixador na Inglaterra, notificando-lhe que se dera um encontro sangrento entre a facção do Duque de Guisa e a de Coligny, acusando-o de haver assassinado seu pai.

Como o Duque de Guisa recusasse aceitar toda a responsabilidade daquele crime infame, o Rei escreveu no dia seguinte, dizendo que a assumia a ele.

Declarava que tinha ordenado a matança, para evitar, frustrar, uma conspiração de Coligny e seus amigos, em que ele devia perecer com toda a Família Real.

Toda a Europa admitiu esta enorme mentira diplomática, menos a Alemanha e Suíça.

Como conseqüência, Carlos IX recebeu mensagens congratulatórias do Senado de Veneza, do Duque da Toscana, de Filipe II da Espanha e de Isabel da Inglaterra.

É verdade que Pio V urgiu freqüentemente com a Corte da França, que tomasse medidas enérgicas contra os huguenotes, que ele, com toda a razão, considerava inimigos da Igreja e do Estado.

Escreveu a Carlos e a Catarina, que “declarassem guerra aos inimigos da Igreja e os destruíssem a todos sem dar tréguas aos rebeldes, para libertar de vez a França de sedições e cenas sangrentas.”

Não nos arvoramos em juízes das razões políticas que motivaram este particular interesse do Papa pela conservação da monarquia francesa; se bem que pensamos que uma decisão enérgica teria evitado o derramamento de sangue, que se lhe seguiu.

O Papa insistia em que era necessário obter uma vitória decisiva até submeter completamente os rebeldes e sentia-se incomodado, quando lhe notificavam que as vitórias do Rei enriqueciam e fortificavam os inimigos.

Mas uma coisa é guerra oficialmente declarada, e outra são assassínios pessoais.

Nem um só Bispo esteve presente, quando a “junta” maquinou a matança; nem um só a aprovou depois de perpetrada.

O Cardeal de Lorena, que tantas vezes nos pintam a abençoar as adagas dos assassinos de Paris, estava em Roma, quando se deu a catástrofe.

Todos os historiadores, católicos e protestantes, estão de acordo que a inspiradora e autora deste tristíssimo acontecimento foi Catarina de Médicis.

Um escritor protestante, que publicou recentemente a sua vida, diz: “Sobre  Catarina pesará sempre a responsabilidade da matança de S. Bartolomeu”. E acrescenta: “Ninguém, que conheça alguma coisa do seu caráter através de suas cartas, ou tenha estudado com atenção a sua tortuosa política de governo, pode suspeitar, sequer por um momento, que andou nisto alguma coisa que se parecesse com fanatismo religioso” (Van Dyck: Catherine de Medicis, 2., 88)

Quanto ao número de mortos durante as seis semanas que durou a matança, nada se sabe de positivo; tudo é conjectural; e os cálculos fazem-nos lembrar dos geólogos modernos acerca da idade do mundo. Basta dizer que vão de 2.000 a 110.000.

Lorde Acton e Van Dyck calculam de 3.000 e 4.001, em Paris; e outros tantos nas Províncias.

Segundo um antigo livros de contas do Hotel da Cidade de Paris, citado pelo P. Caveirac na sua “Apologia de Luiz XIV”, foram sepultado os cadáveres de 1.190 vitimas, no Cemitério dos Inocentes.

O “Martirologio Huguenote”, publicado em 1581, só apresenta 786 nomes.

Sabe-se, pelo “Relatório de Beauviller”, mensageiro do rei da França, pelas cartas ao embaixador francês De Ferals, do Cardeal de Borbão e do Núncio, que a Corte Francesa não vacilou em mentir ao Papa, informando-o de que a matança tinha sido um justo castigo imposto aos conspiradores.

Brantôme diz nas “Memórias” que quando o Papa, mais tarde, teve conhecimento da verdadeira causa do morticínio, chorou lágrimas amargas e condenou-o como “ilegal e proibido por Deus”.

Fonte: Caixa de Perguntas, B. L. Conway, p. 387-389