terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

SEDE HOMENS!

Note o que ele já fala daquela época!

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* Estas linhas foram escritas a pedido dos jovens bacharéis para o elegante álbum que mandaram imprimir, comemorativo de sua formatura.

SEDE HOMENS!


Perdoai-me. Mas começo esta minha singela oração – se oração se pode chamar – pecando contra a modéstia que aconselham os preceitos da retórica, se bem que não me pareça pecar contra a modéstia que nos aconselha a ascese cristã. É que, senhores, começo falando de mim mesmo, falando até de um fato íntimo de família: não mo leveis a mal.

Quando fui levado à pia batismal, meu pai, profundamente cristão, querendo, sem dúvida, manifestar a Deus N. S. a sua gratidão por ver aumentada a descendência, e querendo, também, atrair sobre ela as bênçãos do alto, fez o voto de que, para o novo filho, ele havia de escolher um padrinho, não entre seus amigos e conhecidos, pessoas, talvez, de nome, talvez de posição, mas, sim, entre pessoas humildes do povo, um pobre qualquer que a divina Providência lhe deparasse. Chegou, assim, o dia do batismo e fomos à igreja sem padrinho. E foi ali, do meio da turba dos pobrezinhos que recebiam o pão da esmola – era uma terça-feira dedicada a Santo Antônio – que meu pai escolheu aquele de quem fiquei sendo afilhado. Era um homem pobre, de cor até, mas um homem honesto.

Este belo gesto de meu pai – por que não o louvar? – me veio à mente, em toda a grandeza da sua significação, quando, semanas atrás, recebi, lá em Petrópolis, cheio de admiração, o vosso honroso convite, senhores bacharéis, para vir ser seu vosso paraninfo, o vosso padrinho nesta solenidade, em que, qual outro batismo, recebeis a túnica branca, a toga viril, com a qual entrais, jubilosos, na efebia da vossa existência. Sim, distintos jovens, quisestes externar a Deus n. S. a vossa gratidão pelos muitos benefícios recebidos neste primeiro percurso da vossa vida que hoje terminais; quisestes, de certo, atrair as bênçãos do alto sobre a nova fase da vossa existência que iniciais agora e, por isso, este gesto, aliás incompreensível, de, deixando de escolher o vosso paraninfo de entre todos conterrâneos vossos, filhos ilustres deste glorioso Estado, ricos pelos seus merecimentos, ricos pelas suas virtudes, ricos pelo seu saber de posição, fostes buscar, lá ao longe, um pobre de saber, um pobre de virtudes, um pobre sem nome algum, um mendigo de Cristo, um pobre filho do poverelo de Assim.

Gestos assim, tão cheios de nobreza, tão cheios de elevação e generosidade, só os pode ter ou a crença sincera – como meu pai – ou a juventude não corrompida, a juventude radiosa – como vós.

Meus parabéns, queridos afilhados. E nesse vosso gesto eu vejo, esperançoso, uma garantia para a vossa vida futura.

É que entrais nela, não deslumbrados pela grandeza das exterioridades, mas, selando este dia da vossa vitória e do vosso triunfo, com a nota simpática da renúncia, da modéstia e da humildade. Parabéns!

Eis por que, sem vacilar, aceitei o vosso convite que tanto me desvanece: não quisera privar-vos de tão grande merecimento.

E deixai-me que continue na mesma analogia. Assim como eu me contentava com os presentinhos humildes de meu padrinho, feitos por suas próprias mãos, na oficina do seu trabalho, de certo vos contentareis também com o humilde presente que vos trago, feito por minhas próprias mãos, na minha pobre cela, tenda também do meu labutar cotidiano. Eu me contentava, sim, com a insignificâncias daquelas dádivas, porque as via feitas com sinceridade, com boa vontade, com amor. Oh! Isso, meus afilhados caríssimos, deveis, por força, reconhecer também na pequenez do meu presente: a boa vontade, a sinceridade, o amor, com que vo-lo dou. Recebei, pois, guardai nas vossas almas boas, o presente que da minh’alma sai, o desejo grande, o desejo imenso, o desejo infinito, quase, que sinto de concorrer para a vossa verdadeira felicidade, desejo vazado na singeleza desta oração, que é vossa, porque meditada para vós, para vós escrita, em horas que para vós roubei dos meus outros não poucos trabalhos.

E para que este desejo se converta em esplêndida realidade, eis um conselho – pois, sem dúvida, esperais um conselho do vosso paraninfo – eis um conselho, um só, para que o graveis, profundamente, nas vossas almas moças, e nelas possais medir, com coragem e ânimo, as suas exigências fortes e suaves, e, para que não haja desfalecimentos, as suas conseqüências e seus frutos ubérrimos também.

Afilhados da minh’alma, ouvi-me:

SEDE HOMENS!

***

Quando o jovem romano deixava solenemente a toga pretesta, orlada de púrpura, e envergava – cheio de si – a veste inteiramente cândida, a toga viril – que hoje recebeis – dizia-se, então: é homem!

Não serei eu, vosso paraninfo, paraninfo sincero, quem fomente a vossa possível vaidade, própria dos vossos anos, dizendo-vos: sois homens!

Não, queridos afilhados, perdoai-me, não sois homens ainda. Hoje é que começais a tornar-vos homens.

É verdade, o trabalho da vossa educação propriamente dita hoje se conclui. A educação que recebestes, quer na tranqüilidade suavíssima do lar, de uma mãe extremosa, de um pai vigilante, quer no convívio mais agitado do ginásio, dos vossos superiores e mestres capacíssimos, recebe, neste momento, a sua coroa.

Permiti-me, por isso, um parêntesis: Pais e mães que me ouvis – e que aos ausentes chegue a minha voz – superiores e mestres, receei os meus parabéns por este vosso trabalho importantíssimo que hoje findais. Recebei também os meus agradecimentos, pois à educação forte e suave que soubestes dar aos vossos folhos e discípulos é que devo esta brilhante turma de afilhados, que é, hoje, o meu orgulho.

E continuemos. Mas começa agora – digo começa, não porque só agora deva ter o seu início, mas, porque, isolada, vem mais à luz a sua importância – começa, agora, repito, outra educação muito mais valiosa, porque só de vós depende, a educação que vós deveis dar a vós mesmos. Sim, é esta auto-educação, da qual, infelizmente, se fala tão pouco à mocidade que entra na vida, que vos levará, afilhados queridos, à plenitude da virilidade.

E eu tremo! Não mo leveis a mal, meus afilhados, é um sinal de que vos quero bem. Eu tremo! Pois em que meio há de se realizar essa auto-educação? Eu tremo. Perdoai-me a minha fraqueza, se fraqueza é. Pois eu tremo, como treme o agricultor, que transplanta do viveiro recatado para o campo aberto o jovem cedro, que ficará ali exposto a chuvas demasiadas, capazes de lhe apodrecer as raízes; exposto aos raios inclementes do sol, que o podem ressecar; exposto à violência dos vendavais, que o podem abater. Entretanto o agricultor sabe a riqueza de seiva que se esconde no cedrozinho; sabe que ali está, em potência, um cedro gigantesco que pode afrontar, vitorioso, uma existência de séculos, e abrigar, sob sua opulenta fronte, gerações e gerações de homens.

Eu também sei, afilhados meus amigos, que riqueza de seiva forte, de seiva vigorosa em vós se oculta. Eu também sei que em vós existe latente o homem completo, capaz de afrontar, vitorioso, os vendavais da vida, capaz de abrigar sob a ramaria de seus préstimos e de suas realizações, boas porções da humanidade.

Eu sei tudo isso, e, entretanto, eu tremo, porque sei também que, jovens cedros, sois transplantados para o campo aberto da vida, nas grandes cidades, com os seus perigos e seduções; nas academias, cujo ambiente, em geral, não será favorável ao vosso desenvolvimento. Pois ali encontrareis – por que não o dizer e o dizer francamente? – ao lado de muito mestre competente, de muito mestre digno, de muito mestre mestre, o mestre mercenário, o mestre indigno, o mestre satã, cujo maior prazer será roubar ou perturbar, ao menos, a vossa fé; destruir ou abalar, ao menos, os vossos princípios sobre a moral, sobre a justiça, sobre a liberdade, sobre a família, e que, em troca, com um riso diabólico de uma vitória fácil e inglória, vos entregará ao vosso próprio e deplorável atrofiamento. E como se não bastasse, encontrareis ainda no campo aberto onde deveis medrar e crescer – salvo honrosas exceções, que, seja dito a bem a verdade, são cada vez mais numerosas – a turba multa de colegas sem escrúpulos que vos hão de empurrar, se não pela estrada larga da perdição completa, ao menos pela estrada batida e, por isso, estéril, em que se anda uma vida fôrra de qualquer obrigação, fôrra de qualquer responsabilidade, como se esta existência fosse uma pândega perene.

Encontrareis ainda o perigo dos livros que a vossa opinião, já então abalada da liberdade, vos dará licença de os ler todos; assim como o louco que julgasse ter liberdade de examinar, por própria experiência, numa drogaria, todas as poções, para ver quais as salutares, quais as venenosas. Encontrareis o cinema e o teatro modernos, na sua missão corruptora. Eis o campo aberto em que deveis medrar e crescer. E eu tremo!

É preciso que um sol benéfico, que um sol amigo ilumine o vosso transplantio e então vós, queridos afilhados, hoje, jovens cedros, sereis amanhã os cedros gigantescos, os homens completos que eu em vós desejo ver.

E este sol amigo, este sol desenvolvedor de energias, realizador de esperanças, é o IDEAL que deve iluminar a vossa vida.

Levantai a vossa fronte, na qual se vê estampada a grandeza da vossa raça, a grandeza dos vossos destinos; levantai-a para um ideal digno de vós, e haveis de vencer, haveis de vos desenvolver, haveis de vos tornar homens completos que eu para vós sonho, afilhados da minh’alma.

“Uma mocidade sem ideal é uma mocidade morta”, já escreveu alguém. Sede idealistas, no sentido sadio da palavra. “O ideal – o pensamento é de um escritor castelhano – é uma terra de promissão, com que se sonha através do deserto da vida. Como o sol, ele ilumina os nossos passos e infunde, com seu fogo, calor à existência. O homem sem ideal é um autômato, que se move e fala no cenário da vida, mas sem alma. O ideal pode às vezes enganar, mas estimula sempre. A apatia não corre risco de fracasso, por ser uma árvore sem frutos. Mas Jesus, ao se lhe deparar uma figueira sem figos, amaldiçoou-a. O homem sem ideal é também uma planta estéril. Quem corre atrás de um ideal há de lutar a cada passo, porém a luta é sinal de vida. A indiferença, inimiga de qualquer cometimento, sempre diz: Basta! O ideal, móvel de todo o progresso, sempre diz: Avante! E, por isso, a ciência é o ideal que engendra os sábios; a beleza, o ideal que faz surgir os artistas; a pátria, o ideal que forja os heróis; a religião, o ideal que inspira os Santos”. E o grande Pasteur dizia: “Feliz o homem que, tendo um ideal, consegue dedicar-se-lhe inteiramente”.

Saí, meus amigos, para o deserto da vida, guiados pela coluna luminosa de um ideal, ela vos há de guiar, com segurança, à Canaã suspirada da vossa felicidade.

E o vosso ideal, já vo-lo disse, é serdes homens. Ideal amplo, não há dúvida, que abrange em si todas as vossas nobres possibilidades, todas as vossas aspirações dignificantes.

Sede homens!

***

E se não levais a mal que eu analise convosco este ideal sublime que é, por assim dizer, o fim mesmo da nossa missão cá na terra, eu vos direi:

SEDE HOMENS DE CORAÇÃO!  - Homens que não conhecem somente a força, a dureza, o despotismo, mas que sabem exercer a brandura, a amabilidade, o amor, contudo sem sentimentalismo. Oh! se os homens experimentassem a força prodigiosa que se esconde na, assim chamada, fraqueza de coração! Quão diversas seriam as relações da sociedade. Educai o vosso coração! Não permitais que a brutalidade lhe abafe as vozes e as exigências. Sabei, sempre, amar com ternura, com carinho, vossos pais, irmãos, e todos os que vos rodeiam. Não vos envergonheis nunca de acariciar a criancinha, o pobre, de estender a mão ao mendigo; e, se preciso for, de abraçar o vosso empregado, o vosso operário. A isto não se chama descer, mas subir. Sede o esteio da fraqueza da mulher, o bastão da velhice. Amais os homens como irmãos, segundo o preceito de Cristo, e passai por este mundo, semeando o bem. Educai o vosso coração, ou, melhor, não sofrais que ele se perverta, pois eu sei que ele é bom. Interessai-vos pelas classes pobres, pelas classes que trabalham. Tratai-as, desde já, com simpatia, com amor, para que elas não procurem, revoltadas, fazer justiça pelas suas próprias mãos. Diversidade de classes, havê-la-á sempre, mas o que não é preciso haver é esta inimizade e ódio que as separam. Afilhados meus, talvez não avaliais bastante a importância deste conselho, entretanto, se houvesse mais homens de influência que fossem homens de coração, estariam resolvidos muitos dos problemas sociais que preocupam os que pensam. Lembrai-vos de um Ozanam, revolucionando pelo seu grande coração, cheio de caridade, os meios universitários de Paris.

Mas o vosso dever sobretudo, afilhados caríssimos, SEDE HOMENS DO DEVER! Por ele sacrificai as vossas comodidades, os vossos interesses, o vosso egoísmo. Para ele educai-vos com generosidade. O cumprimento do dever perpasse como um fio de aço que não conhece ruptura, por toda a vossa existência, quer estejais sós, quer na família, quer na sociedade. O dever que custa, que mortifica, que aborrece, que martiriza e que mata até, deveis abraçá-lo sem hesitação. Nunca, meus amigos, brincar com o dever. Oxalá ressoe sempre, aos vossos ouvidos, no momento da dificuldade, a voz providencial de um outro Barroso: “A família, a pátria, Deus n. S., esperam que cada um cumpra o seu dever!” A obediência a esta voz nos levará, com certeza, a um outro Riachuelo humilde,  desconhecido, como o afluente do Paraná – pois é o dever que mais custa o que por ninguém é observado – onde alcançareis a ivtória gloriosa. Oxalá nunca transijais com este imperativo das vossas consciências bem formadas, para que, na hora suprema, possais exclamar em verdade como o heróis de Trafalgar: “Louvado seja Deus! Cumpri sempre o meu dever!”.

Em última análise, meus amigos, é a voz da consciência que toma partido pelo dever. Mesmo quando por ignorância ou fraqueza ela se cala e somos admoestados pela voz de um superior ou de um amigo, é a consciência ainda que nos diz da legitimidade desta admoestação. Pois bem, a voz da consciência pode soar em vão, por poderosa que seja, quando falta ao homem uma vontade enérgica, decidida. Eis por que vos digo: SEDE HOMENS DE VONTADE! Sede homens de energia! Com ela, sereis um forte, um onipotente quase! Educai a vossa vontade, este presente régio com que Deus vos enriqueceu liberalmente. Fortificai-a cada vez mais: ela será capaz de milagres. Que não conseguiam os grandes homens à força de uma vontade férrea? Um Francisco de Sales de temperamento colérico que, pela energia em se vencer e dominar, chega a parecer o homem mais pacato do mundo. Um Elihu Burrit, aprendiz de ferreiro, que, aos 16 anos, resolveu realizar um milagre de força de vontade, consagrando ao estudo das línguas todo o minuto livre que lhe dava a forja ou a bigorna. E, assim, conseguiu aprender 18 línguas e mais de 30 dialetos. – Não foi a força de vontade que transformou Abraam Lincoln de carpinteiro e moleiro, que fora, até aos 20 anos, no grande presidente que pacificou o país e libertou do jugo da escravidão mais de 4 milhões de homens? Lede a vida do nosso grande Mauá; é uma escola de vontade, de energia. Abri o hagiológio cristão: cada página vos prega energia, cada página vos prega força de vontade.

E vendo-vos, cheios de vontade decidida e enérgica, necessário é que eu ponha em movimento esse moinho maravilhoso e vos diga também: SEDE HOMENS DE AÇÃO.

Ação! Ação! Eis o grito moderno levado até ao exagero pela filosofia de Nietzsche, em contraposição ao nirvana do pessimismo de Shopenhauer. Ação! Ação! Trabalho, atividade, também vos digo eu, meus afilhados, mas no sentido razoável da palavra. “Já é hora de surgir do sono” exclamar-vos-ei com São Paulo, principalmente hoje, quando todas as potências do mal estão em plena atividade, procurando subverter os últimos fundamentos da sociedade bem formada. Trabalhai em todas as modalidades possíveis do bem.

Não digamos com o budista “que todo o mal vem da ação”; digamos, antes, que todo o mal vem da indolência, da inércia, e acrescentemos com Cristo: “Meu Pai celeste sempre opera e eu não cesso de operar!”

O poeta árabe Imuru, querendo ouvir a pinião do ídolo Tebala, sobre certo empreendimento, tirou, diante dele, três vezes, a sorte, mas por três vezes ouviu a resposta: nada faças, descansa! – indignado o poeta, que se lhe aconselhasse a inércia quando ele queria operar, segurou os dados e os arremessou brutalmente na cara do ídolo. Não há perigo, meus afilhados, de que os nossos deuses aconselhem a indolência, quando tudo nos clama pela ação. Aí está a ação católica – para falar de uma só modalidade – alastrando-se por todo o mundo, já com frutos prometedores. Fazei vossas as palavras daquele admirável aviador francês J. D’Armoux, cuja vida é um exemplo para a mocidade moderna: “quero – escrevia ele, paralítico em uma cama – dois ritmos na vida: a suprema intensidade no trabalho e o ardor contínuo, mas sereno, a todas as horas do dia.” Fazei vossa a oração deste jovem herói: “Meu Deus, dai-me horror aos minutos perdidos!”

Mas para que a vossa atividade, a vossa ação sejam proveitosas, devo dizer-vos também:

SEDE HOMENS DE CONCENTRAÇÃO. – Sem a concentração e a reflexão que lhe é afim, o vosso trabalho seria prejuízo, e vós dispersaríeis forças de vossa alma que, unidas, operam maravilhas. Sede homens de concentração, homens de pensamento, nesta época dissipada, superficial e frívola em que vivemos. Esta concentração dos antigos resumiam naquela frase concisa: Age quod agis – Faze bem e inteiramente o que estás fazendo. E com esta consideração é que compreendemos como na idade média, apesar de faltarem todos estes meios sem número que auxiliam os que se dedicam à atividade intelectual nos nossos dias, havia, contudo, homens da envergadura de um Alberto Magno, de um Boaventura, de um Aquino, espíritos gigantes, cujo saber provoca admiração até dos sábios modernos. É que – como escreve Krier – o silêncio, a solidão, a união com Deus e uma vida ilibada davam-lhes ao espírito forças e asas para se levantarem dos seus manuais, poucos e deficientes, às regiões elevadas do saber. – Quem está concentrado, reflete. E Rui Barbosa dizia que o estudo é útil, somente, quando, pela reflexão, se assimila a matéria, quando ela se transforma em propriedade nossa. – Fazei como Balmes, o grande filósofo espanhol, que, durante o estudo, envolvia sua cabeça na ampla capa e, assim velado, ficava largos intervalos, a meditar sobre o que lera. Depois descobria-se e, como de um outro mundo de idéias, voltava para a atividade da vida. Meus afilhados, sede homens de pensamento, homens de concentração – em qualquer carreira que seguirdes – e vereis que de revelações, que de forças novas haveis de perceber nas vossas almas, e como vos sentireis com animo de vos aproveitar delas.

E mostrando-vos um ideal tão elevado do homem completo, nem me sinto com a coragem de vos chamar a atenção para uma faceta desta integridade a que aspirais.

Não, não vos direi – por me parecer desnecessário – que deveis ser HOMENS DE MORAL IRREPREENSÍVEL. Não vos direis que deveis detestar o vício que mata a felicidade, dando em troca um gozo baixo e passageiro. Não vos direi que deveis detestar o vício que destrói a energia, degrada a virilidade e a robustez do homem, e, por conseguinte, das nações. Não vo-lo direi – porque já o sabeis – que é justamente neste ponto que se mostra o verdadeiro homem, o homem de energia, que tem força para vencer as suas paixões e apetites inconfessáveis.

Sabeis muito bem – não é necessário que eu vo-lo lembre – que pertenceis ao sexto forte, e que deveis mostrar a vossa força respeitando o fraco.

O homem que se dix do sexo forte, mas que se deixa escravizar pelas seduções – quando criminosas – do sexo fraco, a que sexo pertencerá?!

Cercai de veneração a mulher, caros afilhados, para que um dia possais encontrar uma mulher digna de vós. Lembrai-vos de que tendes uma irmã, uma mãe, para as quais exigis, com razão, o respeito dos outros. E se não puderdes cercar de respeito a toda e qualquer mulher, cercai-a, ao menos, de compaixão. Não vos esqueçais do protótipo da mulher, a Imaculada, sob cujo manto fostes educados. Com estes princípios firmes, sereis vós colunas inabaláveis da nossa querida família brasileira, que na hora presente ameaça ruir.

E hoje se fala tanto em patriotismo, que pareceria uma falta, se eu não vos dissesse também:

SEDE HOMENS DA PÁTRIA! – Sim, caros afilhados, sede brasileiros e sereis lídimos patriotas, patriotas, daqueles que servem a pátria e não daqueles – infelizmente legiões – que são por elas servidos; patriotas dos que enriquecem a pátria e não dos que, às multidões, são enriquecidos por ela. Sede patriotas dos que sabem defender os interesses da pátria e não dos que, sob o manto do patriotismo, defendem os próprios interesses. Sacrificai-vos pela pátria, mas não sofrais que ela seja por vós sacrificada.

Sede patriotas! Mas o patriotismo, em vossa idade, consiste, como já disse d. Aquino Correia, principalmente em valorizardes a porção do Brasil que sois vós mesmos. Sabei ser brasileiros, sabei ser grandes, para que não desmereçais a grandeza do Brasil.

***

E eu, no meu justo desvanecimento de padrinho que vos ama, já me transporto ao futuro, onde vos vejo – engenheiros, médicos, advogados, militares e que sei mais? – cumprindo galhardamente, como homens completos, a vossa missão.

Mas, não vos comparei ao cedro? E o cedro secular e o cedro gigantesco não conhece, enfim, o seu declínio? Falta-lhe seiva, falta-lhe força e, um dia, o gigante tomba na estrada, ficando apenas o atestado de uma grandeza que passou. Será este o vosso destino? Oh! não – exclamareis com o poeta pagão, na consciência da vossa grandeza – “non omnis moriar!” eu não morrerei inteiramente. Emudecerá a minha vós, meus ouvidos fechar-se-ão, meus olhos deixarão de brilhar, minhas mãos se tornarão intertes, meu coração já não pulsará e eu tombarei sobre a estrada da vida. Contudo, non omnis moriar! Não morrerei inteiramente! Alguma coisa que em mim pensa, que em mim reflete, que em mim quer, que em mim sente, que em mim odeia, que em mim ama, há de se desprender de mim e, alçando o vôo, voltar para a sua origem divina donde saiu.

É por isso que eu vos digo, afilhados meus, em último lugar: SEDE HOMENS DE FÉ! De fé luminosa, de fé esclarecida, de fé racional, de fé operosa. Vivei esta fé integralmente – sem desânimo, sem respeito humano – na vossa vida particular, na vossa vida pública. Eu quisera neste instante (e é a primeira vez que me vem este desejo) despir, por momentos, este meu hábito que tanto me orgulho, para não parecer sermão este meu conselho. Falo-vos como homem que raciocina, que reflete.

Deus é a maior realidade, diante da qual não se pode passar indiferente, dizia há pouco, diante da assembléia ilustre, o nosso ilustre  amigo Tristão de Ataíde, o grande apóstolo leigo da nossa terra. Para com este Deus, quer queiramos, quer não, nós temos as nossas obrigações, das quais devemos prestar contas, um dia. Procurar conhecê-las e realizá-las, eis a tarefa do homem. Que só o pode elevar e enobrecer. Não vos esqueçais – gravai profundamente nas vossas almas grandes – que a religião é, em primeiro lugar, uma exigência da razão e não do coração, como, com desprezo, se diz. Tirai daí as conseqüências.

Afilhados da minh’alma. Afilhados que eu estimo, que eu desejo inteiramente felizes, quando a luz da ciência, a luz da amizade, a luz da glória, a luz da fama, a luz do prazer começarem a perder o brilho diante do vosso olhar baço, oh, então brilhe mais radiosa ainda a luz da vossa fé, conservada e vivida generosamente, durante toda a vossa vida, iluminando naquele momento supremo a senda da felicidade eterna.

Sem esta fé, podereis, talvez, ser grandes homens, mas de uma grandeza perecedora; nunca, porém, homens completos, cuja grandeza não pode perecer.

***

E se quereis, por fim, o vosso modelo, o vosso guia, eu repetirei a frase lapidar e inspirada do governador romano Pôncio Pilatos, frase cujo sentido profundo ele mesmo, no seu apoucamento, não podia compreender:

ECCE HOMO! – Eis o Homem por excelência, o Homem perfeito, o protótipo de todo homem: Jesus Cristo, nosso Senhor! O Homem de coração divino; o Homem do dever e da vontade até ao sacrifício supremo; o Homem que realizou o maior trabalho neste mundo, reformando-o; o Homem de pensamento criador de maravilhas; o Homem, contra cuja vida pura nunca puderam dizer coisa alguma os seus próprios inimigos; o Homem que soube, sem alardes, amar a sua pátria, que soube amar a Deus n. S., seu Pai. – ECCE HOMO! Eis o Homem! – Segui-o, afilhados meus, e atingireis a idade do homem perfeito, do homem completo de que fala o grande apóstolo São Paulo.

***

E termino, como comecei.

Quando eu recebia os presentes pobres de meu padrinho pobre – um carrinho de madeira, um cavalinho de pau, um banco, ou qualquer outra bagatela – ficava esquecido, horas inteiras, a brincar com eles, a examiná-los, tirando dali proveito para minha idade infantil.

Meus afilhados, eu não me iludo: o presente que vos dou – esta minha pobre oração – é bem humilde e modesto. É um presente pobre de um padrinho pobre.

Mas não vos esqueçais do amor e da sinceridade com que vo-lo dou. Por isso mais tarde, nas horas de lazer, em meio de vossa vida agitada de acadêmicos, tomais nas vossas mãos – assim como eu fazia em pequeno – o presente do vosso padrinho, que é um pedaço do seu coração, examinai-o e, talvez, com a experiência que então vos tiver dado a vida e com a vossa boa vontade, achareis nele algum estimulo que ajudar vos possa a conseguir, sem desfalecimentos, o vosso sublime ideal.

E, então – é de novo o meu justo orgulho de paraninfo que fala (pois a minha missão não termina com estas palavras, antes começa: levarei os vossos nomes, um por um, no breviário de minhas orações, onde, cotidianamente, vos recomendarei a Deus n. S., seguindo, com interesse todos os passos, lutas e triunfos da vossa vida) – e, então, repito, quando novos Diógenes, de lanterna em mão, procurarem pelo Brasil a fora, homens, homens completos dos quais a família, a pátria e a religião precisam, 37, com toda a certeza – a minha confiança e esperança em vós mo dizem – ao menos 37 homens completos, da nova geração, se hão de encontrar, que sois vós, distintos bacharéis de 1932, do Ginásio de Santo Antônio, de S. João Del-Rei, vós, minha alegria, vós, meu orgulho, vós, minha coroa.

Afilhados da minh’alma, ouvi-me:

SEDE HOMENS!

Meus afilhados

Exigis do padrinho pobre, que tanta coisa já vos disse no dia do vosso batismo glorioso, algumas linhas ainda, algum pensamento, algum conselho para vosso “Álbum”. Não posso dizer que não a afilhados que tanto estimo e dos quais me orgulho tanto.

Mas que conselho vos darei ainda?

Pois bem, afilhados meus amigos – é quase um corolário de tudo o que vos disse – conservai sempre a vossa liberdade. Longe de vós qualquer escravidão que avilta o homem que o degrada sempre.

Mas, entendei bem – eu vo-lo peço – em que consiste a liberdade verdadeira.

Nunca a confundais com a liberdade – se liberdade se pode chamar – que gozam as feras nas florestas ou os loucos pelas estradas.

Sede livres, mas da liberdade que gozam os verdadeiros filhos de Deus, que não são escravos da carne nem do orgulho, que não são escravos da ira ou da indolência, que não são escravos da adulação, que não são escravos do dinheiro, nem de um partido, nem do respeito humano, mas que só se submetem, e livremente, à razão, à autoridade, a Deus n. S., certos de que é essa tríplice sujeição que lhes dará a verdadeira liberdade que eleva o homem e que o dignifica também.

Sede livres, afilhados de minh’alma, para que possais voar, como a águia, às alturas maravilhosas da felicidade, que eu tão deveras vos desejo.

Mas se algum dia, desgraçadamente – o que não espero, nem posso imaginar – algum de vós, por fraqueza ou por descuido, cair num aduar de modernos muros, ficai sabendo todos que o vosso padrinho, como aqueles frades brancos das Mercês, não poupará canseiras, nem orações, nem sacrifícios, nem a própria vida, para comprar ao cativo a sua carta de alforria.

Crede, queridos afilhados, na amizade sincera de vosso padrinho.

Frei Henrique G. Trindade, O. F. M.
Petrópolis, 28/11/1932.