sábado, 26 de dezembro de 2009

O pano de fundo religioso do Novo Testamento (pagão)


O pano de fundo religioso do Novo Testamento (pagão)
Harold H. Rowdon




O século do Novo Testamento foi uma época de fé. É verdade que as antigas formas de religião estavam esgotadas, sendo mais apropriadas para cidades-Estado ou no máximo para um império pequeno do que para o império mundial que havia sido criado por Roma. Não obstante, no nível regional o fervor religioso se expressava na prática da magia e na veneração de deuses tradicionais que podiam ser equiparados, ou ao menos relacionados, aos grandes deuses gregos e romanos.
A religião era usada como uma ferramenta do governo – Augusto restaurou não menos que 82 templos em Roma – enquanto a adoração ao imperador, que começou como um movimento espontâneo, foi promovida como meio de criar um sentimento de lealdade ao império tanto quanto ao imperador. Novas formas de vida religiosa, das quais as religiões de mistério do Oriente são exemplos bem conhecidos, espalharam-se pelo império. Religiões filosóficas, tanto antigas quanto novas, ganharam adeptos.
As religiões do século I d.C. Compartilhavam numerosas características, umas mais, outra menos. EM geral, havia uma crença subjacente em alguma forma de dualismo religioso. Embora as religiões pagãs fossem com frequência amorais, se não imorais, geralmente havia um sentimento forte de conflito entre o bem e o mal, ou ao menos entre forças benévolas e malévolas para com o homem. Também havia geralmente uma aceitação inquestionável da possibilidade do controle mágico sobre coisas e pessoas. Isso aparece não somente na prática da magia, mas também na crença de que a observância minuciosa dos ritos religiosos apropriados era eficaz para garantir o favor do deus em questão. AO mesmo tempo, havia também a crença na ação da sorte por meio do destino que estava sob o controle dos deuses, demônios ou homens. Era quase inquestionável a pressuposição de que o destino humano era definido no final das contas pelas estrelas às quais, junto com o sol, a existência pessoal era atribuída. Não é necessário dizer que a realidade do miraculoso era em geral aceita, e numa confiança desmedida era depositada em escritos sagrados, especialmente se fossem antigos, misteriosos ou enigmáticos.
O mundo do NT era o mundo romano, que, embora restrito à região que circundava o mar Mediterrâneo, era praticamente coexistente com a civilização. É apropriado, portante, fazermos uma breve análise da religião pública do ponto de vista de Roma.
A religião estatal de roma, como aquela da Grécia a que estava associada, era politeísta em sua natureza e estava interessada em grande parte na manutenção do correto relacionamento com os deuses. Os deuses do panteão romano incluíam Júpiter, com frequência enaltecido como “o melhor e maior”; Marte, pai lendário do povo romano, e poderoso na guerra; Minerva, deusa de todos os que trabalhavam com o cérebro e as mãos; e Vesta, deusa do inextinguível fogo domestico, e símbolo da vida no lar e na família.
A adoração desses deuses era em grande parte formal e estava associada com templo, altar e imagem. Era também basicamente civil, em particular nos grandes dias festivos, quando se esperava que todos participassem dos rituais. Em vista do fato de que a família era a unidade básica da sociedade romana, não é de surpreender que a religião estivesse mais fortemente entrincheirada ai do que no contexto da adoração cívica [deuses domésticos dos romanos e erruscos. (N. Do R.), que com frequência era formal até certo ponto. Lares e Penates, simbólicos de lareira e lar, suscitavam a devoção religiosa da família
No campo, onde a religião era mais conservadora, santuários rústicos eram erguidos sempre que houvesse algum sentimento especial da presença de vida, de poder e de mistério (o numen divino), independentemente de ser uma fonte, um bosque de arvores veneráveis ou uma cadeia de altas montanhas. A esses santuários eram levadas ofertas de leite, queijo, cereais ou mesmo algumas flores; as ninfas que habitavam esses lugares deviam ser honradas e, alem delas, Fauno, deus da mata, Silvano, deus da natureza inconquistada, e outros semelhantes. Também havia Término (latim “Terminus”), que protegia os campos e as fronteiras, e os diversos deuses que protegiam as profissões e o comércio.
Os deuses que se devia chegar por meio de sacrifícios também podiam se comunicar com seus devotos por meio de sonhos, oráculos e a resposta de orações Alias, se os deuses não reagissem ã propiciação por meio de respostas de orações, os tributos prometidos não somente seriam retidos, mas o adorador podia reagir com desilusão e se voltar para outros deuses.
Uma característica importante da religião do seculo I era sua abertura para o sincretismo. O caminho para isso tinha sido preparado pelo desenvolvimento impressionante do Império Grego e a tendencia na religião helenística de identificar os deuses de diferentes povos e fundir os seus cultos. Alias, a religião da era helenística foi descrita por F. C. Grant como uma cadeia de lagos com muitos afluentes. Da mesma forma, Roma, à medida que ia conquistando o mundo, seguiu a mesma filosofia de reunir as religiões tanto quanto as nações debaixo de seu domínio
Como resultado, Júpiter e seus deuses de Roma foram equiparados a Zeus e os deuses da Grécia O processo pode ter sido mais adiante, pois é possivel que, quando os homens de Listra saudaram Barnabé e Paulo como Zeus e Hermes (At 14:11-13), tinham em mente não as grandes deidades de Roma, mas os deuses locais que tinham equiparado a eles. Não era somente uma questão de povos conquistado desejando adquirir os benefícios do poder dos deuses dos seus conquistadores. Os vitoriosos romanos perceberam que era necessário honrar os deuses de um povo que tinham subjugado, visto que talvez fossem “deuses romanos em roupagem nativa”(Charlesworth) e, de todo modo, se eram deuses, tinham de exercer algum poder ao menos nos seus próprios domínios “Sempre peça ajuda aos deuses”, disse um imperador romano do século II de temperamento filosófico (Marco Aurélio).
Durante o transcorrer do seculo I, um novo sentimento religioso foi nutrido no esforço de promover a unidade e o bem-estar do mundo romano. Mas a adoração ao imperador dificilmente era uma novidade. Não era desconhecida no Oriente Médio; Alexandre, o Grande, tinha recebido honras divinas; e, em todo caso, visto que se pensava que os deuses do mundo pagão tinham sido homens antes de se tornarem deuses e poderiam aparecer novamente com aparencia humana, a linha entre o humano e o divino era muito tênue em alguns lugares.
A adoração ao imperador passou por um desenvolvimento gradual, especialmente no Ocidente, onde a certa altura foi promovida para fins políticos No começo, o imperador era considerado o representante, e não a encarnação, do genius ou espirito líder de sua dinastia; e, como princeps, ele representava a própria Roma. Ele era o guardião do Estado, o defensor da paz e da ordem, o protetor do império, seu soter ou salvador. Como tal, foi um pequeno passo para que imperadores altamente reverenciados, como Augusto e Vespasiano, fossem incluídos na lista daqueles a quem o Estado adorava como divus ou divinos. O fato de um imperador exigir adoração durante a sua vida foi considerado por muito tempo uma aberracao digna apenas de um Calígula ou um Dominicano
Contudo, a crescente pompa e cerimonia com que os imperadores romanos eram cercados os fizeram parecer cada veis mais distantes das fileiras dos mortais comuns. Os homens vinham adorar ou fazer votos pelo genius ou espírito dos imperadores vivos, embora a adoração a imperadores se limitasse a atos ou palavras de reverencia ou elogio e não se estendiam às orações ou à obtenção de orientações por meio de sonhos. Especialmente nas províncias, a adoração ao imperador servia como fator de unificação, um sentimento de lealdade ao statos quo. Consagrações conjuntas ao deus local e ao imperador eram frequentes, e a adoração ao imperador era com frequência associada à adoração a Roma. O desconforto profundo que isso trouxe para os cristãos pode ser visto nas páginas do apocalipse.
UM dos mais fortes dissolventes da religião estabelecida foi o desenvolvimento do pensamento religioso. É verdade que a religião grega havia declinado por outras razoes – também desilusões com os padrões de conduta divina, a desintegração das cidades-Estado gregas com as quais a religião grega tinha sido tao intimamente identificada, e o crescimento resultante do individualismo por um lado e uma cosmovisão de coisas por outro. Mas tudo isso estava associado com o surgimento das escolas filosóficas de pensamento que desacreditaram não somente a religião grega, mas também a romana.
Havia uma certa medida de platonismo genuíno no seculo I; o surgimento do neoplatonismo não ocorreu antes do seculo III. O platonismo “representava uma perspectiva da realidade como espiritual, ideal, invisível; sendo os objetos exteriores visíveis do Universo apenas cópias ou sombras das realidades invisíveis”(F. C. Grant). Esse ponto de vista produziu uma atitude de renúncia e asceticismo, pois o corpo passou a ser considerado pouco mais do que a habitação temporária da alma. Foi desenvolvido um tipo de piedade interior que buscava diminuir o apego da alma ao corpo, e a certa altura o neoplatonismo defendeu o asceticismo rigoroso como meio para livrar a alma do peso do corpo.
Tem-se chamado atenção para o contrate entre sombras terrenas e realidades celestiais, que é um tema da carta aos Hebreus (cf. 2Co 4:18) e de textos como 2Co 5:1-8. Mas as semelhanças são superficiais; a riqueza e qualidade do pensamento bíblico tornam totalmente distinto.
A filosofia dos epicureus ensinava que o prazer deveria ser o objetivo da vida. Mesmo que em linguagem coloquial, o ponto de vista epicureu deu origem ao lema: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos mas o prazer que se buscava era a felicidade. Isso dependia, assim se acreditava, da paz da mente. Visto que a religião tendia a minar essa felicidade com seu temor do sobrenatural e seu fantasma do castigo depois da morte, os epicureus eram anti-religiosos. Para eles, o Universo consistia em átomos e espaço. A sorte dominava tudo, e não havia supervisão providencial feita pelo destino ou pelos deuses. Na morte, a alma se desintegrava, portanto não havia nada a ser temido depois. A existência da dor não era negada, mas Epicuro declarou numa frase famosa que, se aguda, a dor é breve, e se longa, é leve. A dor, ele afirmava, sempre pode ser compensada por lembranças da felicidade passada.
Os discípulos de Epicuro formavam grupos espalhados que seguiam um modo de vida comum sob cuidadosa regulamentação Ali eles praticavam, mesmo que só entre si, a virtude máxima, a amizade. Paulo encontrou epicureus em Atenas (At 17:18). Embora tivessem os seus próprios deuses – seres de beleza e poder sobrenaturais vivendo em paraísos de alguma forma protegidos da decadência geral – os epicureus em geral classificados, junto com os cristãos, como ateus, visto que negavam a existência das deidades tradicionais.
O cinismo – mais do que o epicurismo, uma palavra comum no seculo XX – foi uma atitude difundida amplamente no seculo I. O cínico assumia uma desconsideração altiva por tudo que era exterior a ele mesmo. A verdadeira nobreza, ele argumentava, estava na mente do homem, e não em ornamentos exteriores. O grande alvo da vida deveria ser provar que o homem pode viver sem coisas e ainda assim ser feliz, saudável e sábio O cinismo conduziu facilmente ao desprezo pela autoridade e moralidade como também pela religião Mesmo assim, os cínicos nunca foram suficientemente numerosos para se tornarem perigosos, e Vespasiano os repudiou como “cães vira-latas que só latem”.
A mais importante corrente filosófica da época, sem duvida, foi o estoicismo. De acordo com Wendland a marca registrada da era helenística, o estoicismo foi o único produto da busca intelectual grega a assumir proporções significativas na parte ocidental do mundo romano. Cicero, Sêneca e, no seculo II, Marco Aurélio, o imperador-filosofo, foram, entre outros, os que o propagaram.
Os problemas que o estoicismo se dedicava eram aqueles que a religião tradicional não tinha conseguido resolver e com que outras filosofias estavam se debatendo. Esses problemas foram bem definidos da seguinte forma: “Como se comportar em um mundo que se tornou tao grande, e onde o homem parece tao pequeno e independente, como lidar com o ataque do destino (seja bom, seja mal), sem hesitar, como enfrentar a morte e o luto, como permanecer no controle da sua alma” (Charlesworth).
As respostas que o estoicismo forneceu a essas questões surgiram de uma perspectiva do Universo que pode ser definida como “materialismo panteísta”. “Deus é natureza, é destino, é sorte, é Universo, é a mente que tudo preenche” (Sêneca). O espaço etéreo e ardente que era considerado a substancia divina e básica do universo foi identificado com a razão ou inteligencia que constitui o homem como homem em qualquer lugar que ele esteja. O ideal ético d estoicismo era uma vida em que o homem faz o que é apenas apropriado a sua natureza. Essa “lei da natureza”é conhecida de todos os homens, em todos os lugares. O que é necessário é que os homens sejam homens ao viverem de acordo com essa razão que é a lei do seu ser. Se fizerem isso, não vão dar lugar à paixão, ao sofrimento sem motivo ou à covardia, ou a qualquer demostração de emoções; eles serão livres dentro da fortaleza de sua própria mente para seguirem a lei do seu ser e assim atingirem o alvo da “auto-suficiência”pelos camanhos gêmeos da “apatia” e da “autodisciplina”. Essa era a logica do estoicismo. Embora muito critico em relação à religião tradicional, o estoicismo conseguiu entrar em acordo com ela por meio de uma interpretação alegórica dos seus antigos e ofensivos mitos religiosos.
O uso que paulo faz de ideias como conformidade com a natureza, suficiência, coisas que “não convém” e outras semelhantes levam alguns estudiosos a argumentar que ele havia sido influenciado pelo estoicismo. Paulo certamente não era adverso a usar termos em uso comum; mas ele invariavelmente os preencha com significado ovo. As pressuposições imensamente diferentes entre o cristianismo e o estoicismo (e.g., o monoteísmo em contraste com o panteísmo) demandam que as ideias de Paulo fluam numa direção muito distante da de Sêneca. “Em muitos casos, em que os paralelos estão mais próximos, a teoria de uma conexão histórica direta é impossível; em muitos outros, pode ser demonstrada como totalmente desnecessária; enquanto em não poucos exemplos, a semelhança, por notória que seja, deve ser condenada como ilusória e falaciosa” (Linghfoot). Não é de surpreender que Marco Aurélio, apesar dos seus sentimentos elevados, tenha desprezado os cristãos e aprovado a sua perseguição
Ainda permanece uma boa dose de incertezas acerca da natureza exata do gnosticismo e de seu papel no século I. É certo que constituiu uma ameaça seria à igreja crista no seculo II. Também não há duvidas de que tenha existido no seculo I em uma forma desenvolvida. Mas a natureza exata do gnosticismo ainda é uma questão de debate entre os estudiosos. Parece ter sido essencialmente eclético, extraindo ideias de muitas fontes. Não importa se ideias gregas, orientais ou judaicas predominavam no seu amálgama final, parece claro que muitas das noções que contribuía, para ele eram moeda corrente no seculo I.
Entre essas ideias, estavam as seguintes: a base dualista de abordagem; a ideia de intermediários entre uma divindade transcendente e um mundo que, sendo material, é necessariamente mau; a enfase na redenção do elemento espiritual do homem do corpo e do mundo material em que se tornou prisioneiro; a reivindicação de que a iniciação na gnosis (conhecimento) ´e o caminho do livramento e da liberdade; o modo de vida ascética que algumas seitas gnósticas demandavam e o antinomismo que outros permitiam ou até defendiam. Essas eram ideias correntes no seculo I, algumas delas sistemas de pensamento que foram resumidos anteriormente.
Paulo teve a oportunidade de advertir contra essas coisas. O dualismo é condenado em 1Tm 4:1-5. A adoração a intermediários angelicais é reprovada em Cl 2:18 e indiretamente em Cl 1:15-17. A enfase exagerada no conhecimento é desaprovado em Cl 2:8 e 1Co 8:1-3, e o ascetismo indevido em Cl 2:20-23. O gnosticismo incipiente confrontado por Paulo parece ter tido associação com o judaísmo (Cl 2:16,17).
Ad diversas escolas de filosofia tinham os seus propagadores entre os filósofos que mascateavam seus antigos assim como faiam com frequência os mestres das religiões Paulo percebeu que era necessário fazer uma distinção entre os tais e ele e seus companheiros (1Ts 2:3-6).
Tradicionalmente havia muito espaço nos mundos grego e romano para a pratica da religião pessoal. Ela normalmente complementava a religião oficial, embora se um suplicante estivesse desapontado poderia voltar-se para a religião particular como um substituto do culto publico que a partir daí seria para ele uma tarefa puramente mecânica Visto que a religião imperial cada vez mais deixava de satisfazer as aspirações espirituais, os homens se voltaram para formas novas ou desenvolvidas de religião pessoal.
A religião pessoal podia tomar a forma das praticas da magia. Nessas praticas, as aspirações espirituais se misturavam com os pedidos mais grosseiros e vulgares de satisfação física e material. Não havia linha demarcatória bem definida entre magia e religião; a adivinhação, por exemplo, era um elemento reconhecido da segunda. Papiros de magia contendo orações e hinos eram usados (At 19:19), e maldições magicas e imprecações eram pronunciadas. O uso da astrologia e de praticas supersticiosas repulsivas fazia parte da religião popular, especialmente entre as classes mais baixas da sociedade.
Era possível conseguir acesso a deidades menos importantes, menos distantes do que as do Olimpo e os deuses do Panteão, por meio de devoções pessoais. Asclépio, deus da cura, era m predileto universal. A diana dos efésios (Ártemis) desfrutava de ampla simpatia (At 19:27). Às vezes eram usados jejuns e purificações na esperança de se obter uma visão de um deus.
Talvez a característica mais marcante da religião do seculo I, alem da difusão do cristianismo, foi a proliferação de novas seitas do Oriente, e particularmente a popularidade crescente das religiões de mistério Essas novas seitas se espalharam em grande parte por causa do fracasso da religião tradicional em satisfazer a crescente percepção religiosa de uma época que não era somente marcada por um império mundial, mas também pelo individualismo amplamente difundido.
As religiões de mistério ofereciam a salvação com base em uma revelação divina e na certeza da ajuda divina para redimir os indivíduos dessa vida por meio do “novo nascimento para a eternidade”. Purificações simbólicas e refeições sacramentais proviam a iniciação ao “mistério”e davam uma aparência de verdade e plausibilidade. Geralmente havia uma inclinação para o monoteísmo, o deus da seita sendo geralmente a divindade suprema ou seu filho, cônjuge ou amigo leal. O apelo individualista, dirigido à alma na sua solicitação, mesmo que o individuo fosse levado a uma comunidade religiosa com implicações sociais. Podia haver também implicações éticas, muitas vezes na direção de renuncia ascética.
A religião de mistério não era nenhuma inovação A adoração a Demétrio em Elêusis tinha constituído uma religião local desse tipo nos dias da Grécia antiga. Diversas religiões de mistério foram introduzidas em Roma antes do inicio da Era Cristã, embora o seculo I tenha testemunhado sua ampla difusão
Havia diferenças notórias como também características comuns nas diversas religiões de mistério A da Ísis Egípcia era “bastante difundida, polida, mistica e muito feminina” (F. C. Grant). Ísis, e não só ela, afirmava que os nomes de outras deidades eram títulos que por direito eram dela e que suas funções na realidade pertenciam a ela. Ela era a grande deusa-mãe do mundo. O ministério sagrado da sua seita era o desmembramento do seu cônjuge, Osíris, por seu inimigo Sete; a busca pelos membros espalhados empreendida pela fiel Ísis; e sua restauração As nobres procissões; os cultos nos seus templos com purificações e ofertas de incenso em vez de sacrifícios de sangue; o santuário aberto; os hinos e a liturgia sagrada; tudo isso inspirava a emoção e devoção Mattingly descreveu Ísis em muitos aspectos como um protótipo da Virgem Maria.
A adoração a Cibele, a grande mãe da Anatólia, e seu jovem cônjuge, Atis, era de um tipo bem diferente. Tinha se originado na Frigia, onde, em danças loucas hipnóticas, seus devotos tinham se mutilado em honra de Cibele e de seu amante divino. Espalhou-se por muitos lugares. EM roma, os templos de Cibele com seus sacerdotes eunucos a certa altura conseguiram aceitação, apesar do sacramento do taurobolium, em que o iniciado aparentemente recebia a promessa de novo nascimento por meio de um banho em que se encharcava de sangue de touros.
O mitraísmo, embora tenha se tornado a mais popular das religiões de mistério com apelo especial par soldados, não estava difundido antes dos seculos II e III. De origem persa, o mitraísmo estava fundamentado no mito da luta cósmica entre Ahura-Mazda, a forca da verdade e da luz, e Ahriman, a força da falsidade e escuridão Mitra paladino da verdade e da luz, tinha morto o grande touro para a salvação do mundo, e um baixo relevo no fundo da caverna, natural ou artificial, em que aconteciam os encontros da religião, retratava seus feitos. O mitraísmo oferecia uma comunidade em que os membros eram comprometidos por cerimonias de iniciação e refeições comuns à lealdade mutua. Os iniciados podiam ascender na hierarquia por vários degraus e recebiam a promessa de uma vida abençoada no alem.
As semelhanças entre as religiões de mistério e o cristianismo são obvias; as diferenças são mais significativas. Em particular, as religiões de mistério não propunham uma figura histórica como salvador. Não há provas de nenhuma influencia exercida pelas ideias das religiões de misterio sobre o cristianismo. Alias, afirma-se que é possível facilmente argumentar que houve influencia no sentido oposto.
No mundo romano, a religião passou para o âmbito do controle do Estado; não era considerada meramente uma questão de convicção pessoal. Tanto as considerações politicas quanto as religiosas exigiam isso. Por um lado, pensava-se que o favor dos deuses dependia da observância fiel do culto por todos os súditos; por outro lado, pensava-se que a integridade do império era salvaguardada pela observância universal da religião imperial. Mas roma era extraordinariamente tolerante. Contanto que um homem cumprisse com suas obrigações com a religião oficial, estava livre para escolher sua própria superstitio, desde que não fosse à religião oficial, nem politicamente subversiva, nem ofensivamente imoral. Religiões oficiais que transgrediam qualquer desse pontos provavelmente seriam proscritas, como o druidismo na Gália e na Bretanha.
A extensão da tolerância romana pode ser vista no caso do judaísmo Aqui havia uma religião que não fazia concessões no seu monoteísmo e era caracterizada pelo fervor nacionalista e o zelo proselitista. Mesmo assim, obteve um modos vivendi. Isso se deveu em parte à consideração que preservava a honra dos romanos pelo fato de os judeus oferecerem o sacrifício à sua divindade em nome do imperador. Mais importante, talvez, era o fato de que os judeus tinham importância vital para a prosperidade comercial do império. Acima de tudo, os judeus eram uma comunidade bem conectada em todo o império, e proibir seu culto teria causado problemas amplos do tipo que os romanos sempre relutavam em provocar. A tolerância garantida aos judeus era um tanto incomoda, no entanto, e podia ser colocada em risco por rebeliões judaicas ou por protestos públicos contra os judeus (At 18:2).
No inicio, o cristianismo compartilhava da tolerância concedida ao judaísmo Assim, em Corinto, Galio considerou o cristianismo uma seita daquela religião e não tomou conhecimento do novo grupo (At 18:12-17), nem Festo (At 25:25) nem Agripa (At 26:31,32) consideraram as crenças de Paulo repreensíveis Mas os próprios judeus não demorariam em causar os cristas de subersão politica ou religiosa (At 17:6,7; 18:13), e os gentios cujos interesses materiais foram prejudicados pelo crescimento do cristianismo (At 16:19-22; 19:23-28) chamaram atenção para as anomalias religiosas do cristianismo.
Antes do final do período do NT, o cristianismo, que tinha se tornado cada vez mais distinto do judaísmo, era considerado por aqueles que não tinham conhecimento intimo dos seus adeptos um movimento indesejável com base em aspectos políticos, religiosos, sociais e ate morais. Sua atitude para com a religião pagã foi apreciada suficientemente, e sua perspectiva politica e moral foi suficientemente mal compreendida, a ponto de torna=lo objeto de um misto de medo e zombaria. O enlouquecido imperador Nero, que era suspeito de intencionalmente ter colocado fogo em Roma, conseguiu desviar a atenção para os cristãos com a perseguição de 64 d.C.
Na sua primeira carta, Pedro advertiu s cristãos da Asia Menor acerca dos sofrimentos que teriam que esperar (1Pe 2:12,19ss; 3:14; 4:12ss) e os encorajou a silenciar, com a demonstração de boas obras, a ignorância dos seus inimigos que compartilhavam a sua ignorância, podemos observar, com celebrados autores romanos. (Tácito descreveu o cristianismo como uma “superstição perniciosa”, e Suetônio o chamou de “superstição novica e prejudicial”).
Próximo do final do seculo I, irromperam mais perseguições em Roma como resultado da maldade de Dominicano Em outras partes do império, e em todos os tempos, os cristãos foram expostos aos perigos da perseguição (Ap 2:13). O cristianismo não possuía sanção legal, e havia precedentes para a perseguição Alem disso, um individuo ou uma multidão hostil poderiam forcar a mão de um magistrado relutante ao criar uma situação de desordem publica, como em Éfeso no tempo de Paulo (At 19).




BIBLIOGRAFIA


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