terça-feira, 8 de junho de 2010

História dos escritos neotestamentários - Parte 1

 Parte 2, 3, 4.



Estarei escrevendo um pouco sobre a história do Novo Testamento e parte da tradição cristã. Acho esse tema muito importante pois irá mostrar que algumas pessoas estão equivocadas quando falam sobre a confiabilidade e autenticidade desses textos. Não digo só os céticos, mas de alguns cristãos que parecem acreditar que o Novo Testamento foi ditado letra por letra por Deus, e que foi dado tudo prontinho, o que não é verdade.

Eu acho impressionante a história da igreja primitiva, principalmente sobre o surgimento dos textos canonicos. Espero que gostem também.

Parte I

Os discípulos de Jesus, tanto judeus quanto gentios, testemunharam o fato principal da história da salvação humana. Jesus, o Messias prometido nas escrituras judaicas nos mostrou qual era sua principal missão aqui: Morrer para a remissão dos nossos pecados. Além disso, como o profeta semelhante a Moisés, Jesus nos deixou diversas explicações e novos ensinamentos com uma autoridade diferente dos demais mestres, “porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas.” (Mateus 7:29). Howley declara que “durante seu ministério terreno, o Senhor mostrou a consciência do seu relacionamento singular com Deus, de sua própria autoridade. Em contraste com os mestres daquela época, ele afirmou com segurança a verdade das suas palavras, e seu direito de dizer: ‘Eu vos digo...’.”. Mas além de cumprir sua missão redentora, Jesus afirmou que, após sua ressurreição, passou a possuir o senhorio total. Ele está reinando agora, ele é o Senhor. Cesar era considerado o senhor, mas os cristãos afirmavam corajosamente que só Jesus Cristo é o senhor, essa foi uma das principais causas dos martírios. Entretanto, quanto mais eles sofriam perseguições, mais eles faziam questão de declarar o senhorio de Jesus, seja verbalmente, ou por escrito, mas principalmente com seu exemplo de vida.

    Seus discípulos fizeram questão de registrar o que aconteceu. Eles davam total importância às palavras e ensinamentos de Jesus que registraram o que até o momento fazia parte de sua tradição oral. Hoje esse conjunto de ensinamentos de Jesus escritos pelos seus discípulos são chamados de Novo Testamento. São textos que, além de explicar certas passagens do Antigo Testamento, nos falam do que aconteceu no seu tempo, das palavras de Jesus enquanto estava na terra, da causa e solução para o pecado. É um registro do que os cristãos primitivos consideravam ser a história da redenção. E isso foi realmente necessário, pois com o surgimento de heresias e outros tipos de controvérsias, se fez necessário o controle e precisão escrita.
    F. F. Bruce comenta que:

Durante os primeiros aproximadamente trinta anos após a morte e ressurreição de Cristo, não se sentiu grande necessidade de um relato escrito do seu ministério. Enquanto estivessem vivas testemunhas oculares dos eventos salvificos que pudessem falar com segurança do que tinham visto e ouvido, o testemunho de viva voz era suficiente. Até o tempo em que a boa nova foi contada por homens e mulheres que não tinham tido contato direto com Cristo nos dias da sua vida no corpo, eles sempre podiam apelar para a autoridade daqueles que tinham conhecimento de primeira mão. E essa atitude mental demorou para se extinguir. Ainda em 130 d.C., Papias, bispo de Hierápolis na Frigia, nos conta quanto era zeloso em conversar com aqueles que tinham conhecido os apóstolos e seus colaboradores, e como lhes perguntava o que os apóstolos realmente haviam dito, pois sentia que dessa forma estava em contato muito mais próximo com os fatos originais do evangelho do que poderia estar pela leitura de um registro escrito. (Comentário Bíblico NVI, p. 1486, Editora Vida)

Algumas pessoas falam que os ensinos de Jesus estão registrados somente nos evangelhos. Embora a maioria dos ditos estejam contidos nos evangelhos, isso não é verdade. Muitos dizem essas coisas pra poderem ignorar certos ensinamentos constrangedores (como se o que Jesus ensinou não fosse constrangedor). Mas tanto os evangelhos quanto Atos dos Apóstolos e as cartas apostólicas são tradições do primeiro século do que estes apóstolos, ou seus discípulos, afirmavam ter recebido diretamente de Jesus, ou, no caso de alguns discípulos, terem aprendido pelos apóstolos. É bom lembrar que alguns dos evangelhos são mais recentes do que parte das cartas apostólicas.

Os evangelhos foram escritos com propósitos diferentes entre si e entre os outros documentos cristãos. Alguns foram para relatar palavras que Jesus teria dito e que seus discípulos e oponentes também teriam afirmado. Mas isso se vê também nos outros textos. Quando Paulo fala da Santa Ceia, ele diz o seguinte:

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.”

Não há diferença nenhuma no que o que os evangelhos atribuem a Jesus e o que Paulo atribuiu a Jesus, no que diz respeito à afirmação de ter recebido isso de Jesus. Ambos afirmam que estas eram palavras (não necessariamente exatas) de Jesus. Ele diz que recebeu do Senhor, e passou para a comunidade. Depois, relata o que, segundo essa tradição, foram palavras de Jesus. Existem outras partes, como Hb 2:3; At 10:39,49; At 4:18:20; 1Jo 1:1,2. No Novo Testamento, pra quem lê atentamente, partes assim não são incomuns.

Também é bom lembrar que Jesus passou alguns anos ensinando os apóstolos e outros discípulos com sua doutrina. Como ele ensinou em diversos lugares e cidades, é lógico crer que ele repetiu doutrinas e parábolas. Essas doutrinas e parábolas foram registradas nos evangelhos, mas vários desses ensinamentos diretos de Jesus, pelo que os apóstolos afirmavam, estão contidas nessa tradição primitiva que foi depois registrada em documentos e lida nas comunidades cristãs. Por isso é razoável concluir que, segundo a tradição cristã, tanto os evangelhos quanto os outros documentos cristãos contém ensinos que as comunidades da época afirmavam ser de Jesus.

Atualmente podemos saber que o Novo Testamento foi preservado de forma extraordinária, e que são escritos autênticos do primeiro século com objetivos e destinatários diferentes, mesmo não possuindo os registros originais, mas diversas cópias manuscritas. Mas isso não impede que, com a critica textual, se possa estar muito próximo do que os escritores do Novo Testamento escreveram, garantindo assim sua autenticidade. Alguns autores, como Bart Erhman, com seu famoso livro “O que Jesus disse? O que Jesus não disse?” [1], insistem em dizer, com ajuda da mídia sensacionalista, que não possuímos os originais e o que temos são “só cópias, de cópias”, como se isso fosse alguma novidade. Ora, se não existem os originais, como ele cansa de dizer, como saber que tal variação é a mais próxima? Norman Geisler escreve que “Embora haja muitas releituras variantes nos manuscritos do NT, há uma multidão de manuscritos disponíveis para a comparação e correlação dessas leituras para chegar à leitura correlata. Por meio do estudo comparativo intensivo das leituras em 5.686 manuscritos gregos (existem cerca de 24.000 cópias, completas ou parciais, de outras línguas, incluindo o grego), os teólogos eliminaram cuidadosamente erros e adições de copistas ‘bem intencionados’ e discerniram quais manuscritos são mais precisos.”. [2] Trataremos um pouco sobre este assunto.

Hoje o debate está na confiabilidade dos escritos, ou seja, se o que eles escreveram é historicamente verdadeiro e não apenas parábolas cristãs que a igreja primitiva atribuiu a Jesus. Isso principalmente quando se trata do Jesus histórico.

Alguns textos foram escritos para comunidades cristãs especificas, porém com o ensino relevante para as demais igrejas, outras não se sabem os destinatários, no entanto sabemos que circulavam nas igrejas e eram atribuídos a algum apóstolo ou discípulo seu. Como Norman Geisler disse, “nesse momento, precisamos esclarecer um conceito errado muito comum sobre o NT. Quando falamos nos documentos do NT, não estamos falando de um único texto, mas de 27 textos. Os documentos do NT são 27 documentos diferentes, escritos em 27 rolos diferentes, por nove autores, num período de 20 a 50 anos. Esses textos específicos desde então foram reunidos em um único livro que hoje chamamos de Bíblia. Desse modo, o NT não é uma fonte única, mas uma coleção de fontes.” (Não tenho fé suficiente para ser ateu, p. 230)

    Sabemos também que eles trocavam liam as cartas em suas comunidades, e passavam umas para as outras o que os discípulos de Jesus escreveram. Paulo fala aos colossenses que “quando esta epístola tiver sido lida entre vós, fazei que também o seja na igreja dos laodicenses, e a que veio de Laodicéia lede-a vós também.” (Cl 4:16).

Essa tradição de considerar o Novo Testamento como palavra de Deus foi preservada e é ensinada pelos pais da igreja, e dá pra perceber que eles davam o mesmo valor atribuído ao Antigo Testamento. E isso, como foi visto, fez parte da tradição posterior:

Clemente de Roma, em sua Epístola aos coríntios (c. 95-97), chama os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) “Escrituras”. Ele emprega também as expressões “disse Deus” e “Está escrito”, a fim de indicar passagens do Novo Testamento (cf. caps. 36 e 46). Inácio de Antioquia (110 d.C.) escreveu sete cartas, nas quais fez numerosas citações do Novo Testamento. Policarpo (c. 110-135), um dos discípulos do apóstolo João, fez muitas citações dos livros do Novo Testamento em sua Epístola aos filipenses. Ás vezes, esse autor introduz tais citações como “dizem as Escrituras” (cf. cap. 12). A obra denominada O pastor, de Hermas (c. 115-140), foi escrita em estilo apocalíptico (visões), semelhante ao de Apocalipse, com inúmeras referências ao Novo Testamento. O didaquê (c. 100-120), ou Ensino dos doze apóstolos, como às vezes é chamado, registra muitas citações livres do Novo Testamento. Papias (c. 130-140) inclui o Novo Testamento num livro intitulado Interpretação dos discursos do Senhor, mesma expressão usada por Paulo em referencia ao Antigo Testamento, em Romanos 3:2. A chamada Epístola de Diogneto (c. 150) faz muitas alusões ao Novo Testamento sem um título. (Introdução bíblica, Norman geisler e Willian nix).


    Em que época, como, por quem e para quem (ou quais comunidades), eles foram escritos? Como sabemos que o Novo Testamento é um registro dos cristãos do primeiro século? E de que forma essa tradição escrita foi preservada?


Notas

1 - Que recomendo a leitura, mas não somente essa, pois penso que a sua conclusão foi forçada.
2 - Enciclopedia apologetica, p. 650


Autor: Jonadabe Rios

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