quinta-feira, 10 de junho de 2010

História dos escritos neotestamentarios - Parte II

 Parte 1, 3, 4.



Os evangelhos, as cartas apostólicas e o Apocalipse são datados entre 45 a 100 AD. Os evangelhos são anônimos, eles não se identificam como de “Mateus”, “Lucas”, “Marcos” ou João, isso foi atribuído desde a tradição antiga a eles. O evangelho que, hoje, temos mais certeza do seu autor é o de Lucas, pois foi endereçado ao “excelentíssimo Teófilo”, o mesmo que os Atos dos Apóstolos foi enviado. Esse “Teófilo”, por conta do seu significado (aquele que ama a Deus), por vezes é interpretado não como um individuo, mas a todo o cristão.

No entanto, mesmo não tendo total certeza de quem escreveu os evangelhos, a tradição primitiva é uniforme quando se trata disso, e mesmo com as diversas disputas teológicas que existiram desde o começo da igreja, não há disputa referente a isso. Craig Bloomberg cita outros motivos que reforçam a idéia de que é improvável que a igreja tenha atribuído a esses escritores para dar mais credibilidade:

Marcos e Lucas nem sequer pertenciam ao grupo dos 12. Mateus sim, mas era odiado porque fora coletor de impostos; portanto, depois de Judas Iscariotes (que traiu Jesus!), seria ele a figura mais abominável. Compare isso com o que aconteceu quando os fantasiosos evangelhos apócrifos foram escritos muito depois. As pessoas atribuíram sua autoria a personagens conhecidos e exemplares: Filipe, Pedro, Maria, Tiago. Esses nomes tinham muito mais prestígio que os de Mateus, Marcos e Lucas. Respondendo então à sua pergunta, não haveria por que conferir a autoria a esses três indivíduos menos respeitáveis se não fossem de fato os verdadeiros autores.

Sobre o evangelho de João diz que:

Não há dúvida quanto ao nome do autor: era João mesmo. A questão é que não se sabe se foi João, o apóstolo, ou se foi outro.

Já vimos, de inicio, a importância da tradição para preservar os nomes dos escritores dos evangelhos. O mesmo ocorre nas epístolas, embora algumas não se saiba realmente o autor. No entanto, o mais importante aqui não é a atribuição dos nomes de quem escreveu os evangelhos e as cartas, mas que de fato eles são documentos escritos do que os cristãos do século I acreditavam e do que os apóstolos ensinavam.
Lucas, como disse na introdução, se informou minuciosamente dos fatos ocorridos. Ele fala que utilizou de fontes orais e escritas, bem mais antigas, de pessoas que presenciaram tudo e que também se importaram em registrar. Paulo também fala de uma tradição que ele recebeu e que ele ensinou, e também escreveu (1 Coríntios 11:2; 2 Tessalonicenses 2:15; 3:6). E em 1Corintios 15 Paulo fala de um evangelho anunciado, que recebeu e que eles também receberam, continua afirmando que “primeiramente vos entreguei o que também recebi”, relatando uma tradição bem mais antiga que a primeira carta aos Coríntios (que foi escrita provavelmente por volta de 55 A.D.). É importante notar que Pedro, testemunha ocular e apóstolo de Jesus Cristo, considerava verdade cristã o que Paulo escrevia (2 Pedro 3:15).

A mesma coisa se pode perceber sobre os outros escritos do Novo Testamento, que, como foram escritos por contemporâneos, e, na sua maioria, testemunhas oculares de Jesus, eles se tratam, de fato, da tradição cristã mais antiga que temos registrado. Várias descobertas arqueológicas mostram que eles eram realmente do primeiro século, algumas delas mostram que se pode confiar no Novo Testamento como registro histórico, mas isso não é importante nesse momento.

Por fim, é importante destacar que naquela época a tradição oral tinha muito valor, mais até que o que estava escrito, e que, por várias testemunhas oculares ainda estarem vivas pelo fato de que foram registrados no primeiro século, qualquer erro que pudesse acontecer eventualmente, seja ensinado oralmente ou passado por escrito, estas várias testemunhas iriam corrigir. O que possivelmente pode ter acontecido com algum dos relatos que Lucas se baseou, avaliando o que escreveram e conferindo com quem presenciou tudo. É bom lembrar o cuidado que tinham ao preservar a tradição oral. Como a cultura palestina daquela época era basicamente oral, as pessoas desenvolviam desde cedo uma grande capacidade de memorização de textos e ensinos de sua tradição judaica. Isso influenciou muito a tradição oral cristã.

É importante ressaltar que a tradição oral daquela época é muito diferente e superior do que se passa oralmente em nossos dias. Hoje, por conta dos novos meios de comunicação e registros de informações, os fatos passados oralmente não têm muita importância. Diferente do que era para as pessoas da época.
Os judeus, por exemplo, gravavam partes completas da Tora, outros a gravavam de forma completa. Sabe-se que quando os copistas faziam uma cópia, passavam para algum rabino que tinha memorizado a Tora para conferir e corrigir algum erro, ou comparavam com a que eles mesmos tinham memorizado. Além disso, a população contava histórias de forma poética e musical, o que facilitava mais ainda essa memorização. Quando não tinham nada pra fazer, basicamente um treino de memória era feito, pois participavam de reuniões onde se contava histórias já memorizadas, passando isso pela sua tradição. Caso alguém tivesse uma tradição diferente, ou algum detalhe errado do que ouvira, outros que sabiam o corrigia.
De qualquer forma, a tradição oral não pode ser comparada com o jogo do “telefone sem fio”, como alguns fazem pra invalidá-la. Ainda hoje há casos de pessoas que memorizam histórias de cordel inteiras na segunda vez que a escutam. Craig Bloomberg diz que

“O Império Romano do século I continha somente culturas orais. Toda informação importante circulava de boca em boca. A maioria das pessoas que vivia no império era analfabeta. Os homens judeus tinham uma instrução muito maior do que o resto da população, porque muitos deles freqüentaram a escola em sinagogas locais, desde os cinco anos de idade até os doze ou treze. Eles teriam aprendido o suficiente para serem capazes de ler as Escrituras em hebraico, mas poucos teriam meios para possuir suas próprias cópias.” (Questões cruciais do NT, p. 31)

Além dessa rigorosa tradição oral (que não existia somente entre os judeus, como se pode notar), há outra possibilidade que Bloomberg observa:

“Em primeiro lugar, existe evidência de que os rabinos permitiam que os indivíduos tomassem nota depois dos ensinamentos, para facilitar o aprendizado e a memorização. Embora esta noção tenha sido satirizada, não é, de maneira alguma, irracional imaginar alguns dos discípulos de Jesus rabiscando lembretes para si mesmos depois de um dia de exposição ao seu ministério de ensinamento, para ajudá-los a recordar os pontos principais. Algo semelhante a isso parece ter sido o processo utilizado em Qumran, para preservar os ensinamentos do seu ‘Professor de Justiça’ anônimo. Em segundo lugar, o costume de Pedro, João e Tiago no livro de Atos, e nas epístolas, de realizar viagens ou fazer localização geográfica, mostra que a Igreja Primitiva desejava assegurar a exatidão daquilo que era pregado ou ensinado (Veja especialmente At 8; 15; 21; Gl 1 – 2). A igreja rescem-nascida não era uma entidade amorfa e descontrolada como muitas vezes é retratada; mas, ao contrário, era uma comunidade ‘impulsionada por objetivos’ com uma reconhecida liderança e mecanismos de responsabilidade.” (Ibid., p. 32)

Juntando o grau de importância da tradição oral com o registro dessa tradição passada em várias comunidades cristãs, que poderiam conferir e comparar o que estava escrito com o que haviam recebido, além do registro da própria comunidade de sua tradição oral (como é o caso de alguns evangelhos), ora lida em sua própria comunidade, ora copiada e repassada em outras comunidades apostólicas, dá pra notar a importância que os cristãos davam ao registrarem uma tradição mais antiga, e foi o que aconteceu com o que chamamos de Novo Testamento.

Eles presenciaram, pesquisaram, conferiram minuciosamente e registraram o que acreditavam ser a verdade cristã. As escrituras são o reflexo da tradição antiga, e não o contrário. Além disso (e por isso, também), no inicio, os cristãos não viam a necessidade de registrar, na forma atual, pois esperavam naqueles tempos o retorno de Jesus. Porem, com o tempo passando, perceberam essa necessidade, pois a importância que davam a isso foi tão grande que eles pretenderam preservar os escritos para a posteridade. Mas como isso aconteceu?

Autor: Jonadabe Rios 

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