domingo, 31 de outubro de 2010

Islã, a religião de Jesus? [Parte 2]

Por Jonadabe Rios

Não pude fazer a postagem no sábado, como havia dito, mas está aí a segunda parte do texto onde é demonstrado que o Islã está longe de ser a religião de Jesus, pelo menos segundo as "evidencias" que os muçulmanos têm apresentado.

- A mensagem de Jesus foi adulterada?
   
O sr. Ahmad me surpreendeu, mas não foi uma boa surpresa. Me surpreendeu pois a partir desse momento a sua argumentação se tornou cada vez menos razoável. Além de não conhecer doutrinas cristãs complexas como a Trindade e a Encarnação, no texto ele demonstra quase nenhum conhecimento em doutrinas e eventos relatados nos escritos neotestamentários que qualquer pessoa honesta com uma leitura superficial entenderia. Segundo ele, a mensagem de Jesus foi adulterada, principalmente por Paulo, mas será que isto está de acordo com os fatos? Veremos que o que o sr. Ahmad propõe, assim como as alegações anteriores, não confirma o que ele pretende comprovar.
   
Seus argumentos basicamente são que a mensagem de Paulo supostamente é diferente da de Jesus e dos demais apóstolos, e que, um grupo cristão genuíno de discípulos de Jesus não aceitou a doutrina ensinada por Paulo. Além desses erros, existem outros. Por exemplo, Moisés diz em Dt 31.29 que Israel se corromperia, mas é afirmado como corrupção do ensino. Entretanto a corrupção que é relatada é a corrupção moral, e não a corrupção dos ensinos. Após isso ele afirma que "os ensinamentos de Jesus também foram alterados em nome da salvação", principalmente por causa de Paulo, onde se pretende provar pela própria Bíblia (que já se considera adulterada) que Paulo modificou a mensagem de Jesus.
   
E quais são os argumentos? O primeiro é "durante a vida de Jesus" Paulo "jamais foi crente, mais ainda, fois eu maior inimigo!", como se isso fosse um argumento sério conta Paulo. Isso todos, até mesmo seus inimigos, tinham por consciência, mas nenhum deles usava tal fato como argumento, afinal, eles sabiam que isso não se constitui em nenhum argumento sério. Logo após o sr. Ahmad cita alguns versículos sobre a conversão de Paulo, seu apostolado e alguns que não o tinham por apóstolo. "Quem o acusava? Quem dizia que ele não é apóstolo? Os autênticos apóstolos e discípulos de Jesus. Aqueles que estiveram com ele desde o inicio da mensagem, desde o primeiro dia. Aqueles que creram realmente em Jesus e sacrificavam suas vidas por ele", afirma no texto. Interessante é que nem mesmo Pedro, que é um dos quais Jesus mais tinha confiança e esteve sempre com Jesus, considerou Paulo apóstolo, mas é mais parece ter sido mais interessante ainda negar esse fato, o que nos faz considerar que se Pedro, Tiago (irmão do Senhor) e outros apóstolos consideravam Paulo como um, tais que não o consideravam não estavam de acordo com a comunhão apostólica (os que receberam a ordem de Jesus para ensinar sua mensagem), talvez tivessem visto Jesus (é uma possibilidade), mas com certeza não tiveram esse oficio ordenado pelo próprio Jesus. Também é feita uma alusão à rejeição de Paulo pelos discípulos. Sim ele foi, mas não foi por ensinar doutrinas contrárias. Devido ao momento de perseguição que a Igreja de Cristo estava passando, e ao fato de que Paulo foi um dos que haviam perseguido, é totalmente óbvio que os cristãos não estavam o rejeitando por algum ensino falso, mas por precaução. O próprio texto citado pelo sr. Ahmad explica isso:

“Quando chegou a Jerusalém, tentou reunir-se aos discípulos, mas todos estavam com [medo] dele, não acreditando que fosse realmente um discípulo. Então Barnabé tomou Saulo consigo, o apresentou aos apóstolos, e lhes contou como Saulo no caminho tinha visto o Senhor, como o Senhor lhe havia falado, e como ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus na cidade de damasco” Atos 9.26-27
   
Paulo necessitou sim da ajuda de Barnabé, mas não para que aceitassem aquele de quem ensinava doutrinas diferentes, mas aquele que outrora era perseguidor mas que acabara por se tornar como os apóstolos e seus discípulos: perseguido. A primeira reação dos cristãos é totalmente esperada, por isso não entendi porque isso foi utilizado como motivo de crer nas alegações do texto.
   
Depois de citar At 9.26-27 é feita as seguintes perguntas:

“Por que os evangelhos dos discípulos de Jesus foram esquecidos e são apócrifos, enquanto as cartas daquele que vestiu o apostolado após Jesus e nunca olhou para ele com a paz e a misericórdia, as cartas deste, sim, são sagradas, e são fonte para o estabelecimento da religião do Senhor? Onde estão as cartas de Barnabé, já que ele foi o primeiro? Onde estão os escritos dos verdadeiros discípulos de Jesus?”
   
A questão da aceitação dos evangelhos não é tão obscura como o sr. Ahmad pretende descrever. Primeiro é bom notar que há a possibilidade de boa parte dos apóstolos não ter escrito nada (já que muitos não sabiam escrever), ou de ter se perdido, ou até mesmo de que, mesmo sabendo escrever, outros apóstolos não viram a necessidade. É bom lembrar que as cartas só possuíam o objetivo de exortar e resolver problemas nos locais em que o Evangelho já fora pregado, e não fazer um punhado de livros feitos para divulgar esse evangelho (como se fosse jornais, ou como alguns protestantes fazem), muito menos para que pessoas vários séculos depois ficassem despreocupados quanto ao que ensinavam. Eles estavam na verdade bem preocupados em fazer o que Jesus mandou, que era propagar o evangelho, e essa propagação era de forma oral. Foi necessário a utilização de alguns escritos (como as cartas e os evangelhos), mas não para substituir o que pregavam, e sim apenas para suprir algumas necessidades. Os livros não se tornaram apócrifos porque foram rejeitados pela Igreja, aconteceu exatamente o contrário: eles foram rejeitados porque eram apócrifos. É importante lembrar que o significado mais exato de apócrifo não é “escondido” (como se os livros tivessem sido escondidos pela Igreja), mas o sentido de “oculto” (oposto de público). Eles eram (não se tornaram) apócrifos porque as próprias comunidades cristãs não liam esses livros de forma pública, na sua liturgia e culto. Tais livros não eram lidos assim porque, além de ir de encontro com a Tradição que haviam recebido, porque era evidente a falsificação, ou heresia. Por exemplo, o Evangelho de Barnabé (que os Muçulmanos gostam de citar) é considerado inautêntico, e um livro provavelmente da Idade Média. Talvez faltou um estudo sério do sr. Ahmad, talvez faltou honestidade. Prefiro pensar que foi falta de um aprofundamento, mas isso não é importante agora. Em todo caso, é importante que antes de criticar a formação canônica atual, deve-se pelo menos conhecer suas motivações, objetivos e meios para formá-lo. [10] Para concluir essa questão, quero dizer que não é verdade que Paulo ainda possuía plenos poderes que havia recebido pelos chefes dos sacerdotes, ou não seria depois da conversão um dos perseguidos, e até mesmo sofrido represálias por parte dos judeus posteriormente. Paulo e Barnabé não se separaram em suas pregações por nenhum motivo doutrinário (e seria ilógico, pois em outras ocasiões o mesmo Barnabé apoiou Paulo nas questões em que o autor do texto não concorda como doutrina genuína), mas porque Paulo não desejava ficar com quem outrora não cumpriu com suas obrigações (Marcos). Mas o sr. Ahmad vai muito além do que está escrito para afirmar que “os Atos dos Apóstolos não passa por completo a gravidade do conflito, e tenta fazer acreditar que a escolha de Marcos por Barnabé como companheiro de viajem foi a única razão deste conflito. O [fato] é que Paulo separou-se de Barnabé e dos outros discípulos definitivamente.”. Além de ir contra o texto, com suposições que não possuem nenhum respaldo na história cristã primitiva, comete o erro grotesco de afirmar que a separação não foi apenas onde e como evangelizar, mas de uma desunião maior de modo que acabou se separando dos outros discípulos, coisa que o próprio livro de Atos registra posteriormente como sendo mentira. Tanto que o próprio autor do livro de Atos (Lucas) indica posteriormente que até mesmo ele esteve com Paulo depois dessa ocasião (At 16.10,16).

Mas o autor parece citar as supostas contradições entre o ensino de Jesus e os de Paulo como mais provas de que Paulo adulterou a mensagem do Senhor Jesus. A primeira razão a negar o apostolado de Paulo é que, para ser verdade que Paulo seria um apóstolo, Jesus deveria ter anunciado que “ele ou um individuo cujas qualidades são dele será apóstolos... há várias parábolas e profecias narradas por Jesus, por que então, ele não profetizaria sobre tão importante apóstolo?”. Como o sr. Ahmad não cita nenhuma razão porque Jesus [deveria necessariamente] ter dito isso para que o apóstolo Paulo fosse considerado como tal, já que não há nenhuma razão para considerar essa condição como verdadeira,  passarei as outras afirmações.

Nas outras objeções o sr. Ahmad demonstra mais ainda uma falta de conhecimento dos ensinos revelados na Bíblia. Paulo de forma alguma faz discriminação entre os judeus e pagãos, mas demonstra apenas e simplesmente que o mesmo Evangelho foi confiado a ele e a Pedro, mas cada um com uma missão: Pedro para os judeus, enquanto Paulo para os pagãos. Na terceira, quarta e quinta objeções, por exemplo não é só Paulo que fala que a Lei não é fator determinante para a salvação do cristão, pois isso estava em conformidade com os outros apóstolos (At 15). Por que o sr. Ahmad insiste em não citar esses fatos, como fez outras vezes? Suspeito que o leitor sabe responder essa pergunta. Mas além disso, notei que os que afirmam que a doutrina de Paulo é diferente do que Jesus ensinou acabam por ignorar alguns fatores:

“O Evangelho do Reino [a mensagem de Jesus] é essencialmente o mesmo que o Evangelho da Graça; as aparentes diferenças são devidas a dois diferentes pontos de perspectiva ao longo da linha da história redentora. Deveria ser óbvio que, se o nosso Senhor experimentara grande dificuldade em convencer os seus discípulos que a morte messiânica era um fato dentro do escopo do propósito divino (Mt 16.21-23), dificilmente ele poderia instruí-los a respeito do [significado gracioso] e redentor dessa morte. Era inaceitável que o evangelho, as boas novas de redenção antes do evento, deveria estar descrito em termos diferentes daqueles usados pelos apóstolos depois que o evento da morte e ressurreição diferentes daqueles usados pelos apóstolos depois que o evento da morte e ressurreição já havia se tornado uma parte da história da redenção. Pela mesma razão, seria de supor-se como natural que alguém encontrasse a diversidade dentro de uma unidade básica, e, de fato, é isso o que encontramos.” [11]
   
Evangelho da Graça tal que não era pregado somente por Paulo, como qualquer um pode ver em qualquer leitura sincera e não arbitrária dos evangelhos, e, a menos que se considere que os evangelhos e todas as cartas apostólicas foram corrompidas a ponto de que não podemos saber a mensagem que pretenderam passar originalmente, como afirmam alguns muçulmanos e que segundo os estudiosos atuais não é verdade, qualquer pessoa honesta vai observar os ensinos da salvação pela fé em Cristo Jesus, e que Cristo cumpriu a lei, e não aboliu, mas quando participamos da sua morte também estamos mortos pela lei (e assim como Jesus ressuscitaremos). [12]
   
A sexta alegação de corrupção paulina, como se não bastasse, também provém do não conhecimento da doutrina do pecado original. A doutrina do pecado original não é que pagamos pelos erros de Adão, contrariando o ensino da Bíblia que cada um morrerá por seus próprios pecados (Dt 24.16; Jr 31.30; Ez 18.20; Mt 7.1,2). Na verdade ensina que pecamos juntos com Adão (assim como morremos juntos com Jesus), por conta disso a natureza humana está inclinada ao pecado, por isso desejamos o que é mal (Sl 14.2,3; Sl 5.10; Sl 140.4; Sl 10.7; Is 59.7,8; Sl 36.2; Rm 3.10-18).
   
A sétima objeção é da morte de Jesus. Essa talvez seja a que menos está de acordo com a realidade e as atuais descobertas históricas, e é uma das evidências históricas sobre a inveracidade do Alcorão como alegação. Antes de citar o que os historiadores afirmam, é bom lembrar o leitor que o sr. Ahmad em todo momento citou os Evangelhos, Atos, e outros versículos bíblicos, mas por que calou-se em relação a isso nesse momento? O sr. Ahmad sabe que o Novo Testamento é unânime quanto a morte de Jesus. Por que não acreditar, então, como constantemente afirmava, no que os genuínos discípulos de cristo? Usarei uma pergunta parecida: Por que acreditar quanto a morte de Jesus em Maomé que viveu cerca de 600 anos depois do que nos próprios discípulos autorizados de Jesus? Por que apelar para tais discípulos quando convém, e nesse momento ficar totalmente mudo? Só pressupondo a inspiração do Alcorão e ignorando os fatos históricos pra crer nisso, mas suspeito que o leitor já sabe a resposta das perguntas referentes ao silêncio do sr. Ahmad ao se tratar as afirmações dos discípulos de Jesus no caso da morte do seu mestre. Eles seriam os últimos a querer admitir isso, exatamente porque segunda a lei morrer daquela forma é uma maldição, mas eles não se cansaram de proclamar tal mensagem que fazia parte do Evangelho pregado, e nesse momento foi ignorado convenientemente.
   
E o que os atuais historiadores afirmam?  John Dominic Crossan dedica fez um trabalho extenso sobre o Jesus Histórico, e gostaria de mencionar dois trabalhos dele, que é “Jesus, uma biografia revolucionária” e “Quem matou Jesus?”. No primeiro livro ele cita no capítulo seis (Os cães sob a cruz), e o segundo citado é exatamente sobre a controvérsia de quem matou Jesus (os lideres judeus ou os romanos?). Monica Sevaltici, no livro “Jesus de Nazaré, uma outra história”, onde estão escritos vários artigos sobre o Jesus histórico, também confirma este fato. No seu trabalho ela fala sobre a provável data do nascimento e morte de Jesus, onde os dados apresentados “transporta a crucificação de Jesus para a data de 36 d.C” (p. 39). Claro que a data não é de total importância aqui, e sim o fato da morte de Jesus na cruz que se insiste em negar. J. P. Meier, no livro “Um judeu marginal” (v. 1), é mais um dentre [todos] atuais historiadores que confirmam a morte de Jesus como fato (Cap. 11). É claro que não concordo em tudo que tais historiadores afirmam, o que quero mostrar é que a morte de Jesus na cruz é algo unânime entre os historiadores, e o que fiz foi citar alguns dentre vários outros, sejam eles cristãos, ateus, judeus ou agnósticos.
   
É lembrar ao leitor que a crença infundada dos muçulmanos de que Jesus não morreu é principalmente baseada no Evangelho de Barnabé, comprovadamente não histórico, tanto que sua importância na pesquisa do Jesus histórico é nula. No entanto isso é bem conveniente aos muçulmanos, pois, mesmo sem confiabilidade na questão do Jesus histórico, este livro anda sendo utilizado como se fosse uma fonte segura. Segundo J. Slomp “a pesquisa acadêmica provou cabalmente que esse evangelho é falso. Essa opinião também é compartilhada por vários eruditos muçulmanos” (The gospel dispute, Islamochistiana. p. 68) No mais, se utilizarmos o critério histórico da multiplicidade de atestação, veremos que é atestada por todos os documentos do primeiro século escritos, sejam eles cristãos ou não. Só isso serviria para desbancar a alegação de que Jesus não morreu. O que não dá para entender é tanta vontade de crer a qualquer custo em uma crença tão infundada como essa de que Jesus não morreu.

-    A Torá e o Evangelho (que outrora, sobre a morte de Jesus, foi silenciado) anuncia o envio de Maomé?

O Sr. Ahmad acaba por me decepcionar de vez. Além de continuar com os mesmos erros de aceitar como preservados alguns textos por pura conveniência, acabou fazendo interpretações forçadas dos versículos bíblicos. Não tratarei das supostas profecias ditas por Maomé e que, segundo ele se cumpriram, irei me resumir às interpretações e citações sobre Jesus e Moisés referente a Maomé. Da mesma forma que as outras alegações, irei primeiro demonstrar parte dos equívocos seguindo da explicação dos versículos tratados.

1 – É um profeta. Como observamos, não há nenhum problema em Jesus ser profeta, pois de fato ele foi como o próprio autor admite e defende.

2 – Não é dos filhos de Israel. É afirmado que a profecia de Deuteronômio não fala que será dos filhos de Israel, quando esta é uma interpretação forçada e arbitrária. Segundo ele “é costume da Torá denominar o termo ‘irmão’ para ‘primo’”. Sim é costume, mas isso não significa que necessariamente devemos crer que não será dos filhos de Israel, mas que demos avaliar se será dos Israelita ou de algum povo com parentesco. O Sr. Ahmad não mostra razões para acreditarmos que não serão os filhos de Israel e sim de Ismael, e na verdade o próprio contexto mostra o contrário, pois é dito que “não terão herança no meio de teus irmão”. É bom lembrar também que o termo “irmãos” pode sim se referir a primos, mas sempre era entre os israelitas, ou seja, primos e irmãos de um mesmo povo (Israel) e não a outros povos.

3 – É feita uma comparação entre Jesus, Maomé e Moisés, tentando provar que Jesus não foi o profeta semelhante a Moisés. Mas ocorre o erro de se pensar que o tipo de profeta seria exatamente igual a Moisés em suas características seculares em vez de suas características de profeta, a forma de profetizar e a característica desta mensagem. Demonstrarei mais adiante que é exatamente o contrário do que ele tenta argumentar.

4 – Não há lugar nessa profecia afirmando que tal profeta não lê nem escreve, e mesmo que houvesse não há evidências de que Jesus sabia escrever (que é diferente de saber ler). Em todo caso, se fossemos utilizar a mesma forma de comparação do Sr. Ahmad, Maomé então já não teria a qualificação de ser considerado este profeta pois Moisés sabia ler e escrever, enquanto Maomé não, segundo o próprio texto. Que contradição! Por que será que o Sr. Ahmad omitiu este fato? Posteriormente, para piorar, ele afirma que a exortação de Isaías se refere a declaração do inicio da revelação a Maomé. Deixo que o leitor leia por si mesmo tals versos bíblicos, e veja como o propósito da mensagem de Isaías é fortemente distorcida.

5 – O Sr. Ahmad afirma que o trecho da profecia de que “ele lhes dirá tudo o que eu lhes ordenar” significa que ele iria transmitir toda a religião de Deus (que nesse caso supostamente seria Maomé). Mas o trecho de forma alguma fala que ele transmitiria toda a religião de Deus, fala apenas que faria tudo que Deus ordenaria, mas não afirma que seria toda essa religião. Por isso, novamente, mais uma “prova” de que Maomé é este profeta se torna bem forçada e arbitrária. Portanto Jesus está em total conformidade com esta profecia, pois afirmou dizer tudo que o Pai havia lhe ordenado, inclusive que ainda há coisas que seriam ensinadas.

6 – Quem não seguir o que este profeta falar, Deus o punirá. Segundo o Sr. Ahmad, “ele é um profeta cuja obediência é obrigatória a todos, e quem não ouvi-lo e obedecê-lo estará sujeito ao castigo de Deus. E isto é o que ocorreu com todos os inimigos do profeta Muhammad (saas), entre os pagãos árabes e outras nações, quando negaram a sua mensagem”. No entanto o texto tanto de Moisés, quanto a interpretação de Pedro citada por ele, não fala de destruição dessa forma, mas que Deus pedirá contas e que quem não seguir o profeta será eliminado do seu povo, o que não significa também necessariamente que será da forma que Maomé fez. E os textos continuam a ser forçados em sua interpretação...

7 – Este profeta não será morto. Em nenhum lugar na profecia fala que o profeta não será morto, e o trecho citado de que “o profeta que ousar falar em meu nome alguma coisa que não lhe ordenei, ou que falar em nome de outros deuses, terá que ser morto” não é referencia à alegação de que o Profeta não seria morto, muito menos algo referente a este profeta, mas sobre os falsos profetas. Entretanto se insiste em fazer malabarismos para que o texto ensine o que o convém.

8 – São apresentadas supostas profecias de Maomé. Como havia dito, não tratarei dessas supostas profecias (pois todas elas, devidamente contextualizadas, mostram a falsidade de tais alegações muçulmanas), apenas pretendo mostrar à luz das evidencias bíblicas que Maomé não é esse profeta semelhante a Moisés. Mas observamos que as que pretendiam comprovar algo, só comprovaram como o texto é tendencioso.

Quanto a Jesus ter profetizado a vinda de Maomé, o que se pode dizer é que “não há base alguma para se concluir que o ‘Consolador’ que Jesus mencionou seja Maomé. Em primeiro Lugar, nem um único dos 5.366 manuscritos gregos do NT contém a palavra [periclytos] (“o que é louvado”), que os muçulmanos dizem ser a expressão correta, Em segundo lugar, Jesus identifica claramente o ‘Consolador’ como sendo o Espírito Santo, não Maomé. Cristo referiu-se ao ‘consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará’ (Jo 14.26). Em terceiro lugar, o ‘Consolador’ foi dado aos discípulos de Jesus (‘Ele vos dará’, v. 16), e Maomé não foi seu discípulo. Em quarto lugar, o ‘Consolador’ estaria para sempre com eles (v. 16), e Maomé já morreu há 13 séculos! Em quinto lugar, Jesus disse aos discípulos: ‘vós o [o Consolador] conheceis’ (v. 17), e eles não conheciam Maomé, que não nasceu senão depois de seis séculos. Em sexto lugar, Jesus disse a seus apóstolos que o Consolador estaria neles (‘em vós’, v. 17). Em nenhum sentido Maomé poderia estar ‘nos’ apóstolos de Jesus, Em sétimo lugar, nosso Senhor afirmou que o Consolador seria enviado em seu nome (de Jesus, v. 26). Mas nenhum islamita crê que Maomé tenha sido enviado por Jesus, em seu nome. Em oitavo lugar, o Consolador que Jesus enviaria não iria falar por si mesmo (Jo 16.31), o passo que Maomé constantemente testifica de si mesmo no Corão (cf. Sura 33.40). E, nono lugar, o Consolador iria glorificar Jesus (Jo 16.14), e Maomé declara substituir Jesus, na condição de um profeta posterior. Finalmente, Jesus afirmou que o Consolador viria ‘não muito depois destes dias’ (At 1.5), ao passo que Maomé veio somente depois de seiscentos anos.”. [13]

O Sr. Ahmad tem a disposição de afirmar que todas as evidências comprovam que Maomé é o profeta anunciado por Jesus e Maomé. Se a comparação da profecia de Moisés não se fundamenta, a afirmação de que Jesus profetizou a vinda de Maomé fica no mesmo patamar. Tal interpretação além de vir de um erro de leitura (e crença infundada da adulteração desse texto), outros diversos versículos do NT e da própria profecia desmentem o que o Islamismo ensina. Somente ignorando arbitrariamente os outros textos neotestamentários, que outrora foram aceitos convenientemente, para acreditar que a profecia se refere a Maomé. Mas isto seria desobedecer ao próprio Deus, que nos deu capacidade de entender o que um texto diz e quando as evidências apontam para um lado (que Maomé não é esse profeta) e não para outro.

Agora vamos ao que as Escrituras realmente afirmam. Então, o que as Escrituras dizem sobre o Profeta? Como Jesus cumpriu esta profecia? Qual a conclusão disso tudo?

Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos teus irmãos. Colocarei minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar.
   
Deus promete que enviará um profeta como Moisés, profeta que falará tudo o que Deus comunicar e ordenar. Como observamos, Maomé possui mais diferenças que semelhanças em relação a Moisés, principalmente fazendo o tipo de comparação do Sr. Ahmad. Tanto as diferenças até mesmo comparadas a Jesus foram omitidas, por exemplo, segundo ele Jesus não foi perseguido, mas não é isso que mostram as Escrituras. De fato ele foi morto exatamente por causa de uma perseguição que sofreu. Mas o que o texto parece indicar é que a semelhança não seria nestes detalhes (apesar de que até mesmo nestes detalhes Maomé não possui totais semelhanças), mas na forma em que Moisés era profeta, ou seja, no relacionamento entre Deus e Moisés. Por exemplo, sendo um judeu (entre os irmãos, conforme a profecia), Jesus disse que nada faz por si mesmo, mas que fala o que seu Pai ensinou; também que não tem falado por si mesmo, se não o que o Pai tem prescrito o que dizer e anunciar. (Jo 8.28; 12.49), da mesma forma que a profecia afirma que “lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar”. Como profeta, Moisés se relacionou com Deus “face a face”, e Jesus em seu ministério afirmou possuir este tipo de relação com o Pai. Este profeta, assim como Moisés, daria o real significado da Lei, e isto foi o que Jesus veio fazer (e vários muçulmanos admitem). Existem estudos mais detalhados sobre essa questão que seria interessante ao leitor [], mas o que pretendi mostrar aqui é que Maomé não preenche as características do profeta que teria um ministério profético como o seu (na forma de profetizar, anunciando tudo o que o Pai tem prescrito, não anunciando sobre si mesmo e que falou “face a face” com Deus), mas se cumpre em Jesus.

 - Conclusão

Os muçulmanos parecem estar bem dispostos a admitir os critérios históricos e os escritos bíblicos quando não contradizem sua doutrina. Mas ao ponto em que os ensinos bíblicos e tais critérios começam a demonstrar a falsidade de suas alegações, o que acabam por fazer é ignorá-los ou considerá-los inautênticos de forma puramente arbitrária. Na verdade o que o Sr. Ahmad fez nesse trabalho foi somente pressupor que o Alcorão é verdadeiro, e tentar mostrar que até mesmo a Bíblia e a história mostram isso, quando evidenciam exatamente o contrário. Creio que o leitor pôde observar os raciocínios em círculos, erros de leitura (como a casa do paraclito) e as arbitrariedades, além das interpretações totalmente forçadas dignas de um malabarista. Ainda há muitas questões contra o movimento islâmico que poderiam ser tratadas, mas preferi fazer isto em outras ocasiões e me ater apenas nas interpretações e alusões bíblicas. Mas, diante do que foi apresentado, o Islamismo está longe de ser uma nova revelação de Deus aos homens, Maomé está longe de ser o Profeta predito por Moisés e o Consolador profetizado por Jesus, e este Jesus está bem longe de ter o Islã como sua religião. Espero também que os defensores do Islamismo conheçam pelo menos o básico das doutrinas cristãs antes de questioná-las com críticas sem fundamento algum na realidade.

NOTAS

[10] – Sobre este assunto, indico o livro “O Canon bíblico” do Prof. Alessandro Lima.
[11] – Teologia do Novo Testamento, George Eldon Ladd, p. 31
[12] – http://www.answering-islam.org/portugues/cristianismo-basico/pagarpecados.html
[13] – Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia, p. 427 e 428, Norman Geisler e Thomas Howe.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A precisão do Evangelho Oral - Josh McDowell

A dependência na tradição oral era um obstáculo para aqueles que viveram na época de Jesus? Eles não pareciam pensar assim. Já sabemos como Papias valorizou a "voz viva e constante" dos apóstolos e seus discipulos do que os livros. O Mixná defendeu a tradição oral, advertindo que os documentos escritos poderiam ser falsificados, e, assim, preservar o erro para sempre. Daniel Rops complementa:

"Da mesma maneira, Santo Irineu, bispo de Lyon, lembra do tempo em que ouviu São Policarpo, o grande bispo de Esmirna, narrando o que ele próprio lembrava de São João. Aqui podemos sentir o calor humano, a mesma verdade da vida; quando, muito posteriormente, o texto escrito foi definitivamente imposto, após ter rivalizado por muito tempo com a palavra falada, seria possível imaginar que nessas condições os dois tivessem sido diferentes? O texto escrito preserva, para todos que podem ouvir, a marca comovente desses testemunhos vivos.

A disseminação do material sobre Jesus, contudo, não foi confiada a esmo aos cristãos não-instruidos que poderiam distorcer a mensagem. Quando foi preciso um sucessor para Judas Iscariotes, uma qualificação exigida pelos apóstolos era de que o sucessor fosse testemunha ocular de todo o ministério de Jesus:

"É necessário, pois, que dos varões que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus andou entre nós, começando desde o batismo de João até o dia em que dentre nós foi levado para cima, um deles se torne testemunha conosco da sua ressurreição. (Atos 1.21,22)

Harold Riesenfeld, o respeitado estudioso sueco do Novo Testamento, conclui que para os discípulos "as palavras e as ações de Jesus são uma palavra santa, comparável a do Antigo Testamento, e a transmissão desse precioso material é confiado a pessoas especiais".

Assim, os discípulos seguiram a prática de suas comunidades judaicas na escolha de pessoas especiais, comparáveis em muitos aspectos aos rabinos, responsáveis pela preservação e transmissão da "santa" tradição. A tarefa consumia tempo bastante para que essas pessoas fossem desobrigadas de outros deveres domésticos e pudessem se dedicar em tempo integral à oração e ao ministério da palavra (Atos 6.4).

O pensador sueco, Birger Gerhardsson, na primeira metade da sua Memory and Manuscript [Memória e manuscrito], explica os procedimentos que as autoridades judaicas utilizavam para receber e transmitir com precisão a sua tradição oral. Na segunda metade do livro, ele revela a evidência do uso pela igreja primitiva de práticas semelhantes para transmitir a tradição oral a respeito de Jesus.

Herhardsson apresenta várias citações rabínicas para demonstrar como era importante na cultura judaica receber e transmitir sua tradição oral com precisão. Por exemplo, no Talmude babilônico, o tratado de Sotá 22a revela que os judeus tinham a intenção de memorizar até mesmo o que eles não entendiam: "O mago murmura e não entende o que está dizendo. Da mesma maneira o tanaíta recita e não entende o que ele está dizendo". No mesmo Talmude, o tratado Aboda Zara 19a afirma que "se deveria sempre recitar (embora se esquecesse e) embora não se entendesse o que se está dizendo". Em vários e diferentes textos, um pupilo é descrito como aquele que aprende uma doutrina específica por meio das palavras, "ele a aprendeu dele 'quarenta vezes',e ela se tornou para ele como o seu tesouro".

Em muitas situações, os rabinos dão aos seus alunos estratagemas mnemônicos para lhes ajudar a guardar determinadas passagens.

Aqueles que descobriram a utilidade da técnica de memorizar repetindo em voz alta reconhecerão a eficiência deste conselho: "Deixe seus ouvidos ouvirem o que você permite passar pelos seus lábios". R. Akiba enfatizou o estudo diário da Torá dizendo, "Cante todos os dias, cante todos os dias".

Fortes advertências contra o esquecimento incluiam esta censira de R. Meir: "Todo homem que esquece uma única palavra do seu Mixná (isto é, aquilo que ele aprendeu), a Escritura o considera como se ele tivesse perdido a alma!". Se um professor esquecer o que um dia soube, por exemplo, por causa de uma doença, ele teria que voltar aos seus próprios alunos para reaprender o que dele esqueceu.

É algum milagre que por centenas de anos os judeus puderam preservar volumes de tradição oral? Eles finalmente registraram o Mixná aproximadamente em 200 d.C., o Talmude Palestino ou de Jerusalém em 350-425 d.C. e o Talmude Babilônico em 500 d.C. Quando se pensa por um momento que cada uma das testemunhas oculares da vida de Jesus teve na infância ao menos parte do treino ilustrado acima, é quase absurdo pensar que elas teriam permitido a ocorrência de erro nas palavras de Jesus que desejavam preservar. É quase de admirar-se a razão de Jesus haver dito que precisava enviar o Espírito Santo que "vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito" (João 14.26)

É evidente nos evangelhos que Jesus exprimiu sua doutrina em segmentos fáceis de lembrar. As parábolas são geralmente concisas e tranquilamente recordáveis. Certos dizeres, como em Mateus 11.17, indicam a prática da doutrina de Jesus dentro de uma cultura oral: "Tocamo-vo flauta, e não dançastes; cantamos lamentações, e não pranteastes". A história dos dois homens que construiram as suas casas, um na areia e o outro na pedra, contém paralelos e contrastes na fraseologia que apontam para o ouvinte (Mt 7.24-27).
Desde o principio, embora os discipulos mal compreendessem o que o messiado de Jesus significava, eles não duvidaram que Ele fosse o Messias. João provavelmente percebera que os outros escritores dos Evangelhos não registraram alguns eventos cruciais referentes ao período anterior ao momento em que deixaram suas redes para seguir Jesus. Assim, ele relata André encontrando Pedro e anunciando: "Havemos achado o Messias" (João 1.41).

Quando Filipe contou a Natanael sobre Jesus, ele usou claramente termos judaicos implícitos para se referir a Jesus como o Messias: "Acabamos de achar aqueles de quem escreveram Moisés na lei, e os profetas" (João 1.45).

Usando a palavra grega para Messias, Mateus 23.10 relembra o ensinamento de Jesus: "Nem queirais ser chamados guias; porque um só é vosso Guia, que é o Cristo". Gerhardsson conclui:

"Toda probabilidade histórica está em favor dos discípulos de Jesus e de todo o cristianismo primitivo por terem conferido aos dizeres daquele que acreditavam ser o Messias, no mínimo, o mesmo grau de respeito que os alunos de um rabino cnferiam às palavras de seu mestre!"

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O inferno não é ódio divino - Peter Kreeft

Muitos crêem que, por existir o inferno, Deus deve ser um Ser irado, vingativo e odioso [que descarregará sua fúria sobre os pecadores]. Quem pensa assim, ignora a possibilidade de que a consciência dos pecadores sobre o amor de Deus por eles desprezado possa constituir-se uma tortura no inferno. Esse amor poderia torturá-los devido ao egoismo com o qual os pecadores condenados insistiram e apegaram-se [levando-os à destruição e ao afastamento total daquele que é a própra vida e o próprio amor].

Assim como a beleza de uma ópera pode ser uma tortura para alguém que tenha uma inveja cega de seu compositor, as chamas do inferno podem ser feitas do ódio dos condenados pelo amor singular de Deus.
A expressão bíblica "a ira de Deus" (A) pode ser uma metáfora, como "o senhor arrependeu-se" ou um antropomorfismo, como "a forte destra de Deus"; ou seja, pode não ser literal. Se não for uma metáfora, mas literalmente ira (ódio), (B) pode ser uma projeção do ódio do pecador condenado para com Deus, em vez de ódio do próprio Deus. Se a expressão referir-se literalmente à ira de Deus, e não a uma projeção subjetiva humana, (C) é uma ira associada à santidade e à justiça de Deus, e não um ressentimento ardente da parte dele; é uma medida dele contra o pecado, não contra os pecadores.

Deus pratica o que prega: ama os pecadores, e odeia o pecado, removendo-o, assim como os cirurgiões, por amarem seus pacientes, odeiam o câncer que os ameaça e eliminam-no. Todo pecado deve encontrar seu destino necessário: a exclusão do céu. Apenas os que não se dissociarem de seus pecados terão esse destino. Logo, os condenados ao inferno serão aqueles que se recusarem a abandonar seus pecados, arrependendo-se e sendo salvos por Cristo.

domingo, 24 de outubro de 2010

Invocação ou louvor?

Sois grande, Senhor, e infinitamente digno de ser louvado" [1]. "É grande o vosso poder e incomensurável vossa sabedoria." [2] O homem, fragmentozinho da criação, quer louvar-Vos; o homem que publica a sua mortalidade, arrastando o testemunho do seu pecado e a prova de que Vós resistis aos soberbos. Todavia, esse homem, particulazinha da criação, deseja louvar-Vos. Vós o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para Vós e o nosso coração vive inqueto, enquanto não repousar em Vós.
Concedei, Senhor, que eu perfeitamente saiva se primeiro Vos deva invocar ou louvar, se primeiro, Vos deva conhecer ou invocar.

Mas quem é que Vos invoca se antes não Vos conhece? Esse, na sua ignorância, corre perigo de invocar a outrem. - Ou, porventura não sois antes invocado para depois serdes conhecido? "Mas como invocarão Aquele em quem não acreditam? Ou como hão de acreditar, sem que alguém lhes pregue?" [3] "Louvarão ao Senhor, aqueles que O buscarem" [4]. Na verdade os que O buscam, encontrá-lO-ão e aqueles que O encontram, hão de louvá-lO.

Que eu Vos procure, Senhor, invocando-Vos; e que Vos invoque, crendo em Vós, pois nos fostes pregado. Senhor, invoca-Vos a fé que me destes, a fé que me inspirastes por intermédio da humanidade de Vosso Filho e pelo ministério do Vosso pregador. [5]

Santo Agostinho

[1] -Sl 95.4
[2] -Sl 146.5
[3] -Rm 10.14
[4] -Sl 21.7
[5] - Referência a Santo Ambrósio que contribuiu para a conversão de Agostinho.

sábado, 23 de outubro de 2010

Islã, a religião de Jesus? [Parte 1]

Por Jonadabe Rios

Resolvi fazer alguns comentários referentes ao texto citado (Islã, a religião de Jesus) devido aos inúmeros erros tanto históricos quanto lógicos, que, ao que parece, algumas pessoas por não conhecerem não somente a verdadeira religião de Jesus, mas  também sua mensagem, têm sido levadas por esse tipo de argumentação, que, ou só serve para convencer quem já está convencido, ou convencer quem não conhece a própria religião e livro que diz seguir.


Não quero com o presente comentário fazer uma defesa de que o Cristianismo é a revelação de Deus, mas que o Islã não é, ou, pelo menos, não pode ser considerado assim por meio de suas principais alegações referentes a Jesus Cristo, a Bíblia e ao Cristianismo, pois estas são infundadas. Existem v. Se algum muçulmano não se convencer com este texto, que pelo menos seja intelectualmente honesto e  através dele você possa avaliar suas próprias crenças estudando a fundo estas questões, principalmente com as obras indicadas. Estou aberto a comentários e algum tipo de diálogo, claro que sem aquele clima pesado que alguns debates possuem e não vão a lugar algum. Também espero ajudar ao cristão que se encontra diante de tais argumentações, mas que por qualquer motivo não sabe como responder, ou que, apesar de saber responder as alegações dos muçulmanos, deseja saber o que outros cristãos têm a dizer.

Comentários são bem vindos, desde que sejam feitos com respeito. No próximo sábado postarei a segunda parte, e, como é possível que enviarão respostas ao que coloquei aqui, é provável que posteriormente faça alguns outros comentários a respeito destas respostas.

Introdução

Utimamente tenho observado em alguns debates, livros, vídeos e textos as típicas argumentações utilizadas pelos muçulmanos, alguns ex-cristãos convertidos (ou revertidos, como gostam de dizer) ao Islã. Mas boa parte deles não se mostram eficientes ao tentar mostrar que o Islã é a revelação de Deus, principalmente que está de acordo com o ensino de Jesus.

Para mostrar as evidencias de alguma coisa a se acreditar, como uma religião, a pior coisa a se fazer é uma argumentação onde já se pressupõe que tal religião é verdadeira. É verdade que até mesmo vários cristãos têm feito isso, no entanto isto é observado nos que são considerados os melhores trabalhos de defesa ao Islã. Este foi um dos erros cometidos no livro. O autor já pressupõe que, (1) o Islã é a religião revelada por Deus, (2) que os livros considerados inspirados pelos cristãos foram adulterados e reunidos de forma simplesmente humana, e que por isso não podemos confiar neles e (3) que alguns traços da verdade podem ser ainda encontrados nesse livro, pois condizem com a verdade revelada por Deus ao profeta Maomé. Interessante é notar que nenhum método histórico-crítico é utilizado para saber quais partes teriam sido adulteradas, mas apenas as que convém concordar, pois já estão de acordo com a pressuposição número 1. É basicamente assim: O Islã é a verdade e Jesus é um profeta do Islã, a Bíblia, apesar de ter sido adulterada, contém traços da verdade, e os traços dessa verdade são os que concordam com o que o Alcorão diz. Nenhum estudo sério é feito dessa forma, entretanto os seus defensores afirmam que tais colocações são baseadas nas atuais descobertas. Isso mostra que, para começar, os principais argumentos do texto são verdadeiros raciocínios em círculos.

O autor afirma que "como já citamos anteriormente, o muçulmano crê na Torá e no Evangelho como livros de Deus. Porém o muçulmano não crê na formação atual da Bíblia, porque é do conhecimento do mundo inteiro que ela foi escrita, formada e canonizada por humanos que misturaram a palavra de Deus à palavra humana, por isso não serve mais de guia. [...] Isto significa que os versículos da Bíblia serão citados a seguir apenas para provar que ainda há na Bíblia [vestígios da verdade que pregamos], verdade esta que [existia integralmente] na Torá e no Evangelho, mas foi [esquecida e alterada e, depois, resgatada pelo Alcorão.]" (grifos meus). Interessante é que, talvez de forma astuta, tal autor fez a colocação de que é "do conhecimento do mundo inteiro" que a Bíblia foi escrita, formada e canonizada por humanos, e que estes misturaram a Palavra de Deus  com a humana, o que só é verdade apenas para quem já crê na mensagem do Alcorão, pois teria que necessariamente considerar o que contradiga-o como mensagem humana. Novamente o sr. Ahmad comete alguns outros equívocos. O primeiro deles, que é um erro comum entre os muçulmanos, é confundir o conceito de inspiração Bíblico que os cristãos dão à Bíblia com o conceito de inspiração que os muçulmanos dão ao Corão. Não são os mesmos conceitos, e não se pode utilizar o mesmo padrão para julgar o outros, pois ambos não passam também de pressuposições. Para os cristão a Bíblia é a Palavra de Deus não no sentido estrito, pois a Palavra de Deus é Jesus Cristo. Ele é a Palavra Viva, o Verbo Divino, e por isso a Bíblia (assim como a Tradição para os católicos) é um reflexo dessa Palavra que é vivida por cada cristão - Devo lembrar aqui que é impossível que se deixe a Tradição de lado, pois as próprias Escrituras cristãs são parte da Tradição cristã que foi escrita. - Este reflexo foi sim escrito por seres humanos, e preservado por eles por ajuda Divina, conforme Jesus houvera prometido (que, de forma conveniente, é só negar que foram promessas autênticas). E se somente o simples fato de que o ser humano foi um meio utilizado por Deus para esta transmissão significasse de verdade que as pessoas necessariamente misturariam palavras de homens junto com a Palavra de Deus, é bom lembrar que nas próprias palavras do mesmo autor citado o Alcorão "foi sendo transmitido e memorizado por milhões de pessoas, crianças e adultos, letrados e iletrados, e assim está preservado até os dias de hoje". Ele concorda, então, que a transmissão da Palavra por seres humanos não é um fator necessário para a corrupção da mensagem, tendo em vista que Deus pode providenciar meios para isso.
   
Tendo mostrado as pressuposições infundadas, como a de que a Bíblia foi adulterada - principalmente com a tempestade em copo d'água que alguns, não só muçulmanos, têm feito referente a autenticidade bíblica, principalmente depois que Bart Ehman lançou um livro sobre o assunto [1] - vamos ainda assim avaliar os textos retirados (ou retalhados) da Bíblia de forma conveniente pela pressuposição de que somente é autêntico e revelado por Deus o que condiz com o que o sr. Ahmad já crê ser a palavra de Deus: o Corão.
   
Gostaria de fazer algumas observações. Não tratarei versículo por versículo em todos os temas citados no texto, pois alguns possuem conceitos parecidos, e por isso tratarei do conceito. Além disso, me vi obrigado a colocar os conceitos de algumas doutrinas cristãs reveladas na Bíblia, além dos versículos para comprovar tais conceitos, como resposta a algumas citações de versículos e suas respectivas conclusões precipitadas devido a uma falta de entendimento dos mesmos conceitos. O sr. Ahmad às vezes acaba criticando o que ele acha ser a doutrina cristã, e não a doutrina como ela é de fato, o que não é razoável. Além desses conceitos, algumas das respostas possuirão o que os atuais historiadores descobriram sobre Jesus através dos métodos históricos. Ou seja, além da Bíblia e a Tradição Cristã primitiva, as colocações do sr. Ahmad serão refutadas com a própria história. Espero que seja uma leitura produtiva.

1 - Deus é Único.
   
Dos que já conversei, ou li algo, que afirmaram que a Trindade é algo contraditório e não é ensinada nas Escrituras, todos eles, sem exceção, não sabiam o real conceito da Trindade, não só dela, mas da Encarnação de Jesus Cristo e suas duas naturezas. Tinham em mente e em suas críticas apenas um conceito infundado. O sr. Ahmad não foi diferente.  Mas antes de falar desse conceito, vamos lembrar de alguns fatos que às vezes esquecem quando se trata desse tema.
   
Deus é um Ser além de tudo que podemos imaginar. Apesar de ter revelado-se a Nós, pelo simples fato de sermos limitados e Ele Ilimitado, nunca saberemos tudo sobre sua Natureza, e só podemos saber algumas coisas sobre Ele pois lhe aprouve que nos fosse revelado. A razão humana é limitada até mesmo para o limitado, imagine para o Ilimitado? Não estou dizendo com  isto que devemos aceitar a Trindade como contraditória, pois pretendo defender que não é. Quero apenas que tenham em mente a todo momento, que é um conceito realmente complicado, [além da nossa razão] como é a própria Natureza Divina, mas não [contrária à lógica]. Uma vez que começamos a admitir nossos limites e a Natureza Ilimitada de Deus, podemos aceitar que apesar da Trindade ser além da nossa razão (como várias coisas até mesmo limitadas são além da nossa razão), mas não é contraditória.

O conceito da Santíssima Trindade
   
Gostaria de dizer primeiro o que a Trindade não significa. Ela não significa que existem três deuses com a mesma natureza, não significa que existem três modos em que Deus se revelou ao mundo, mas exatamente o que o próprio nome o diz: são três [pessoas] em uma única [natureza]. (Atenção aos destaques)
   
Mas então, como explicar esse conceito logicamente? Como assim três pessoas em uma única natureza? E por que destacar "pessoas" e "natureza"? Norman Geisler e Peter Boccino, no livro Fundamentos Inabaláveis, dão a explicação para isso:

"Quanto à teologia, falar da natureza ou essência de Deus é falar a respeito de [que] espécie de Ser Deus é, enquanto falar da personalidade de Deus é falar a respeito de [quem] Deus é. [...] Isto é, ele tem uma natureza divina (o quê) compartilhada pelas três pessoas (quem) - o Pai (quem1), o Filho (quem2), e o Espírito Santo (quem3). Pode-se também dizer que Deus é uma unidade Divina que consiste em uma pluralidade de Pessoas. A [identidade] desse Ser tripessoal é composta de uma relação interna que contém três pessoas individuais distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. [...] Não há três deuses (três quês) - há somente um Deus (quê) e três pessoas (três quem) que possuem essa única natureza divina." (Fundamentos Inabaláveis, p. 320 e 321)
   
Uma boa analogia (lembrando que nenhuma analogia é completa, principalmente em se tratando de Deus) é a do triângulo. O triângulo é um único elemento (comparado ao "quê) que possui três pontas (comparado aos três "quem"), cada ponta é da natureza do triângulo, mas cada ponta faz parte do triângulo, e de forma alguma, por esse motivo, cada ponta vai ser um único triângulo de forma que sejam três triângulos, assim como a Trindade, logicamente falando, não é três deuses. Dizer que a Trindade são três naturezas divinas distintas é cometido pelo erro de confundir as pessoas divinas (assim como as pontas do triângulo) com a natureza divina. Falar da natureza de Deus é falar que espécie de ser Ele é, falar da personalidade de Deus é sobre quem Ele é. Quando falamos que Deus é uma Trindade, queremos dizer que ele é uma pluralidade dentro de uma unidade. Ele tem [uma] natureza divina (o quê) compartilhada pelas três pessoas (quem) - o Pai (quem 1), o Filho (quem 2) e o Espírito Santo (quem 3).
   
Assim, os cristãos sempre concordaram que há somente um único Deus. E isso é evidenciado nos versículos citados arbitrariamente no evangelho pelo sr. Ahmad. Convém lembrar que os textos dos evangelhos são registros feitas décadas depois pelas comunidades cristãs do que eles acreditavam [2], e é fato que eles acreditavam que Deus é um (se não, não teriam registrado), mas também é fato que tais cristãos acreditavam que haviam três pessoas divinas. É bom lembrar que a crença da Trindade ainda não havia sido explicada, pois era apenas parte do que eles criam por Jesus ter revelado sem que ainda tivessem refletido sobre tais ensinos. Por isso não é tão explicito.
   
Então, não estamos a afirmar que Deus é uma pessoa e três pessoas ao mesmo tempo, nem que Deus é uma natureza e três naturezas distintas ao mesmo tempo, de modo que não há motivo para dizer que "jamais a Trindade pode ser considerada por uma pessoa em sã consciência como unicidade". Uma ponta de fato não pode ser igual a três pontas, mas três pontas podem formar um único triângulo. O que mostra que a Trindade não é algo contraditório e ilógico. Ela é sim além da razão, assim como os próprios limites de nossa razão, dentre outras coisas limitadas que não nos são acessíveis, e como a própria Natureza Ilimitada de Deus. Dizer que algo é inverídico simplesmente porque é além da nossa razão é negar tudo isso que foi citado como verdadeiro, e ainda mais.
   
No texto se afirma que "Jesus se tornou igual a Deus ou mais importante, Deus tem filho e tem mãe, portanto não é mais único, têm semelhantes!". Com isso o autor que dizer algo como "Jesus é diferente do Pai, mas é ao mesmo tempo o Pai". Esse é um erro comum devido a falta de entendimento do conceito trinitário, mas já que sabemos o real conceito trinitário, não faz sentido criticar a Trindade com um espantalho. A [pessoa] Jesus é diferente da [pessoa] Pai como [pessoas], mas ambos compartilham a [natureza] (quê) divina. Assim como a ponta direita do triangulo não é a ponta esquerda como [ponta], mas ambos compartilham a mesma natureza (triângulo). Vale lembrar também que "pessoa" não é como nós chamamos os seres humanos, mas algo como uma personalidade, intelecto.
   
Uma vez que sabemos que a Trindade não é algo contrário a um Deus único (assim como três pontas não são contrários a um único triângulo), vamos avaliar as supostas más interpretações de algumas expressões citadas no texto. As expressões mencionadas foram: Filho de Deus, Pai e Jesus como "O caminho, a verdade e a vida". Após isso, vamos avaliar algumas das bases para a crença na divindade de Jesus.
   
Mas antes de tratar do títulos atribuídos a Jesus, vale ressaltar que eles não são apenas referente à sua natureza, mas muitas vezes sobre sua obra, objetivo passado, presente e futuro. Da mesma forma em que alguns nomes ou títulos foram dados a Deus no Antigo Testamento. Por isso não creio que todas as colocações presentes estão de acordo com o que até mesmo alguns cristãos, por diversos motivos, afirmam. Por exemplo, os titulos de "Profeta", "Servo Sofredor", "Sumo Sacerdote" estão ligados a obra terrena de Jesus; Os de Jesus como "Messias" e "Filho do Homem" são da obra futura;  Jesus sendo chamado de "Senhor" e "Salvador" são de sua obra presente, enquanto "Logos", "Filho de Deus" e "Deus" estão ligados a sua preexistência. É claro que tais títulos fizeram os cristãos refletirem principalmente sobre a natureza de Jesus de maneira mais abrangente, o que não considero errado. Esse também é um erro comum entre as afirmações dos muçulmanos. Por conta de sua crença já preestabelecida, conforme já observamos, acabam interpretando tais textos não de acordo com a tradição cristã [3] autêntica que escreveu tais textos e que anunciava todos esses títulos, mas aceitando somente o que convenientemente está de acordo com o Islã.

- Jesus como "O Filho de Deus", e Deus sendo chamado de Pai (Abba).
   
Deus constantemente chama seus servos de filhos, Israel de seu filho primogênito, o Rei de Israel como também seu filho, bem como os que promovem a paz ou os que são perseguidos por causa do nome de Jesus. Também Jesus foi intitulado como "O Filho de Deus". (Ex 4.22; Os 11.1; Is 1.2 e 30.1; Jr 31.20; Sl 82.6; Ml 1.6; 2 Sm 7.14; Mt 5.9,44,45; dentre vários outros que poderiam citados) A questão é: que tipo de filiação tais pessoas (ou povo, como é o caso de Israel) possui diante de Deus? Por que interpretar as palavras de Jesus como filiação de natureza, e não apenas como um título de honra e união? Segundo as palavras do sr. Ahmad "o termo 'filho' não foi entendido como filho gerado, mas foi entendido como 'servo' de Deus, foi entendido que 'Deus os ama assim como um pai ama ao seu filho', por isso Ele para estes é um pai e eles são seus filhos, foi entendido que Ele é nomeado 'Pai' e eles 'filhos' porque Ele os protege e eles andam com Ele. Assim foram chamados como demonstração da proximidade entre eles e Deus, sendo este um título de honra para o ser humano. Portanto, termos como: 'eu hoje o gerei' significa 'criei'". O que proponho é avaliar o que cada grupo pensava sobre tais afirmações. Não é porque ambos são chamados de alguma forma como "filhos de Deus" signifique que todas as expressões Bíblicas possuam o mesmo significado sem qualquer justificativa coerente. Assim, mediante ao contexto do próprio livro, além do contexto geral (como o que os cristãos [primitivos] pretendiam afirmar quando repassaram que Jesus é O Filho de Deus, até mesmo mostrando as afirmações que ouviram e aprenderam do próprio Jesus, ou como o Salmista entendia tais afirmações quando afirmou que o rei era gerado por Deus. Isso é importante pois até mesmo parte dos judeus possuíam entendimento diferente para alguns títulos mencionados nas escrituras, como o Messias, ou, como acontece atualmente, os vários tipos de entendimento para o conceito de "Inspiração".
   
Primeiro vamos avaliar as afirmações do Antigo Testamento. A maioria dos exemplos citados são da forma que o autor citado explica, pois são sobre apenas um tipo de proximidade entre a pessoa (ou povo) e Deus, por isso não creio ser relevante tratá-los. Mas e a afirmação de que Israel é o "filho primogênito" ou de Davi a quem Deus disse "eu hoje o gerei"?
   
Quanto ao Salmo 2,7, é bom lembrar que esta profecia, mesmo com algumas objeções, é considerada uma profecia messiânica. É claro que o Salmo estava falando também do rei na celebração de sua entronização, mas, isso não é problema segundo os métodos de interpretações [4]. E isto fazia parte da crença dos judeus que tinham Jesus como messias. Após Pedro e João relatarem sua prisão aos irmãos de sua comunidade, "todos juntos elevaram a voz a Deus", e depois de citar que Deus falou pelo Espírito Santo através de Davi, afirma que Jesus é esse servo a quem Deus ungiu (At 4,19-27). "Essa interpretação teológica do papel do rei davídico vai muito além da realidade da experiência histórica da monarquia. Nenhum rei de Judá (nem mesmo Davi) chegou a exercer domínio mundial. À medida que os reis de Judá se afastavam cada vez mais desse ideal posto diante deles, os homens olhavam para o futuro, ou seja, o cumprimento da promessa divina a Davi (2Sm 7.8-16; Is 9.7; 11.1-5; Jr 23.5). Após a queda de Jerusalém em 587 a.C. e o fim da monarquia, salmos como esse passaram a ser compreendidos e usados de forma profética e messiânica. Os autores do NT (e os cristãos em geral) enxergam o cumprimento desse salmo no reinado de Jesus, o Messias (At 4.25-28; 13.13; Hb 1.5; 5,5; Mt 3.17; Rm 1.4; Ap 2.26,27; 12.5; 19.15." [5] Ou seja, em conformidade com os escritos do Antigo Testamento (como os exemplos de 2Sm, Is e Jr) e do Novo Testamento, tal profecia é referente ao Messias. Segundo o próprio Alcorão Jesus é o Messias, e por isso podemos concordar que quem é o Filho Gerado por Deus é Jesus. Mas antes de observar o significado dessa "geração" e de filiação referente a Jesus, vamos avaliar a questão da primogenitura de Israel.
   
"Dirás a Faraó: Assim falou Iahweh: o meu filho primogênito é Israel. E eu te disse: 'Deixe partir o meu filho, para que me sirva!' Mas, uma vez que recusas deixá-lo partir, eis que farei perecer o teu filho primogênito" (Ex 4.22,23). Esse trecho escrito por Moisés (segundo a tradição) deve, por esse motivo, ser observado segundo os outros escritos do mesmo autor, o que vai indicar que essa filiação é de proeminência (Ex 19.6; Dt 7.6; 14.2) entre os demais povos por conta do propósito que Deus prometeu a esse povo. Em Deuteronomio 1.31 o autor afirma que "no deserto viste que Iahweh teu Deus te levou, como um homem leva seu filho", fazendo referência ao caso da libertação de Israel. Ora, se segundo Moisés Israel é destacado por ter proeminência, e segundo o mesmo profeta Israel na verdade não possui nenhuma filiação referente a natureza de Deus, mas na verdade era tido como um filho por conta dessa proeminência, como já era de se esperar (seria um tanto ilógico afirmar que tal filiação significasse a essência divinda de um povo). Mas e as afirmações de algum tipo de filiação com Deus feitas por Jesus e seus discípulos? Ela é se refere à natureza divina, apenas sobre a proeminência de Jesus ou, quem sabe, ambas as coisas? "Gerar" nesses casos significa "criar" ou algo mais? O melhor a fazer é avaliar as próprias palavras de Jesus e discípulos, as reações de seus ouvintes e o contexto cristão primitivo. Este título está intimamente ligado com o fato de Jesus ter chamado Deus de "Pai", que é tratado no texto do sr. Ahmad, por isso ambas as objeções serão tratadas juntas.
   
Jesus nunca é chamado de [um] Filho de Deus, como vários outros exemplos bíblicos, mas como O Filho de Deus que mantinha um tipo de relação especial com o Pai [6]. Tudo que ele sabia e pregava era porque havia recebido diretamente do seu Pai, como Ele mesmo diz que cuidava dos "negócios de meu Pai". O Pai diz que Jesus é o seu Filho amado, a quem se compraz (Mt 3.17) [7]. Depois disso, em uma reunião reveladora com seus discípulos, Pedro afirma que Jesus é "o Cristo, o Filho do Deus Vivo" (Mt 16.16), onde Jesus afirma que quem revelou a pedro foi [seu] Pai que está nos céus: " "porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus" (v. 17). Antes dessa ocasião, os que estavam no barco com Jesus afirmaram que Ele é verdadeiramente "o Filho de Deus" (Mt 14.33). Jesus diz: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também", colocando-se junto com a mesa atividade divina. Afirmou saiu do Pai (Jo 16.28). Ele sai [do] Pai e vem ao mundo, e deixa o mundo e vai para o Pai. Tanto que depois os discípulos creram que Ele havia saído de Deus (v. 30). Essas afirmações são espantosas, e indicam que a filiação divina é algo mais que apenas uma proeminência. Não estou a afirmar que não houve proeminência, mas que os textos apostólicos são unanimes ao afirmar que Jesus não é apenas [um] filho de Deus, mas [o] Filho de Deus. Ele é o Filho de Deus que foi gerado pelo Pai.

Mas qual, então, o que significa Jesus ter sido gerado pelo Pai? O sr. Ahmad afirma que "gerar" possui o sentido de "criar", afinal, o rei não poderia ter sido gerado por Deus e assim possuir a mesma natureza divina dEle. Mas agora que sabemos que esse salmo na verdade é um salmo messiânico, e que está em conformidade com o a afirmação de que Jesus Cristo foi gerado pelo Pai, como outros versículos bíblicos que mostram isso (Hb 1.5; 5.5), basta saber o verdadeiro significado da palavra gerar. Quando um ser humano gera outro ser humano, ele gera um ser da mesma natureza. Então, ao afirmar que Jesus é o Filho que foi gerado pelo Pai ("Tu és meu filho, e hoje te gerei") significa que Jesus possui a mesma natureza do Pai. É uma forma humana de afirmar coisas que estão além da nossa razão. É como se as escrituras estivessem falando que, da mesma forma que um filho humano gerado por um ser humano é de natureza humana, Jesus foi gerado pelo Pai, e por isso possui a mesma natureza do Pai. Entretanto, se Jesus foi gerado "hoje", e Deus é Eterno, como Jesus pode possuir essa natureza que o Pai possui (a eternidade) se Deus disse "hoje te gerei"? Basta lembrarmos que a percepção nossa do tempo não é o mesmo que ocorre com Deus, que está além do mesmo. Santo Agostinho percebeu bem essa questão, e tratou de fazer a seguinte confissão:

"Sendo pois, Vós, o obreiro de todos os tempos - se é que existiu algum tempo antes da criação do céu e da terra - por que razão se diz que Vos abstínheis de toda a obra? Efetivamente fostes Vós que criastes esse mesmo tempo, nem ele podia decorrer antes de o criardes! Porém, se antes da criação do céu e da terra não havia tempo, para que perguntar o que fazíeis [então]? Não podia haver [então], onde não havia tempo. Não é no tempo que Vós precedeis o tempo, pois, de outro modo, não seríeis anterior a todos os tempos. Precedeis, porém, todo o passado, alteando-Vos sobre ele com a Vossa eternidade sempre presente. Dominais todo o futuro porque está ainda para vir. Quando ele chegar, já será pretérito. Vós, pelo contrário, permaneceis sempre o mesmo e os Vossos anos não morrem. Os Vossos anos não vão nem vêm. Porém os nossos vão e vêm, para que todos venham. Todos os Vossos anos estão conjuntamente parados, porque estão fixos, nem os anos que chegam expulsão os que vão, porque estes não passam. Quanto aos nossos anos, só poderão existir [todos], quando todos já não existirem. Os Vossos anos são como um só dia, e o Vosso dia não se repete de modo que possa chamar-se quotidiano, mas um perpétuo [hoje], porque Vosso hoje não se afasta do [amanhã], nem sucede o [ontem]. O vosso hoje é a eternidade. Por isso gerastes coeterno Vosso Filho a quem dissestes: 'Eu hoje te gerei'. Criastes todos os tempos e existis antes de todos os tempos. Não é concebível um tempo em que se possa dizer que não havia tempo".
   
É bom o leitor notar que esse texto de Santo Agostinho não foi colocado como uma explicação ao mesmo nível da explicação bíblica, mas como uma explicação lógica de como Jesus foi "gerado" pelo Pai, possuindo assim [toda] a natureza divina do Pai, inclusive a eternidade. Portanto, dizer que Jesus foi "gerado" só foi um modo de afirmar que o Filho possui a mesma substancia do Pai, como ensinam as Escrituras, assim como um filho humano possui a mesma natureza de seu pai humano. Mas esse termo não foi empregado pra dizer que Jesus possui um inicio, já que isso seria contráditório. Por que contraditório? Bom, uma das características da natureza do Pai, como observamos, é a Eternidade (não possuir começo nem fim, não há um momento em que não exista), então ao afirmar que o Filho foi gerado do Pai, e, por isso, possui a mesma natureza, o Filho então tem a natureza eterna, assim como o Pai. É claro que agora teremos que conciliar também a crença de que Jesus é também humano. Como isso pode ser possível? Não é algo contraditório? Vou tentar argumentar que não, mas isso será adiante. Basta por agora avaliar as primeiras objeções que foram levantadas.
   
Quanto as afirmações neotestamentárias de Mateus (5,9,44,45), diante de tudo que observamos até aqui, não se refere a nenhum tipo de filiação de natureza, tanto que em outros ensinos de outros escritos apostólicos, isso ocorria como uma adoção. (Romanos 8:15)

- Jesus como "o caminho, a verdade e a vida"
   
Novamente nesta objeção o sr. Ahmad parece não saber o mínimo do conceito da Trindade e da Encarnação de Jesus Cristo (que não será tratada agora). Ele não tenta responder da mesma forma que os outros títulos de Jesus, mas afirma que os cristãos nunca se dirigiram a Jesus como objeto de adoração, mas que o Mestre foi apenas um exemplo, de forma que a afirmação de que Jesus "eu sou o caminho a verdade e a vida, e ninguém [vem] ao Pai a não ser por mim" significa, em suas próprias palavras, que "ninguém chega a Deus senão pelo meu caminho, fazendo como eu faço, O adorando como eu adoro. Não é para chegar e adorar a ele, porque Jesus nunca adorou a ele mesmo quando dizia 'Ó Senhor', se dirigia ao Único Deus e não era um deus se dirigindo a ele mesmo e não era um deus se dirigindo a outro!!!". É lamentável que o Islã tenha que se apoiar numa falta de entendimento do que é revelado nas escrituras, e dos conceitos que foram formados a partir delas. Como posteriormente a isso o sr. Ahmad irá criticar a divindade de
Jesus citando outros títulos dEle como sendo homem e profeta, por exemplo (o que nenhum cristão nega), achei conveniente tratar da Encarnação de Jesus, e o verdadeiro conceito nesse momento, de modo que quando tais títulos e afirmações de sua humanidade e submissão ao Pai forem utilizados, o que bastará será fazer apenas alguns comentários. [9]


- O Verbo se fez carne.
   
Continuo a lembrar que o leitor leve sempre em consideração a explicação trinitária, caso contrário, o mesmo espantalho criado para denegrir tal doutrina vai continuar impedi-lo de observar tais questões de forma lógica.
   
A afirmação de que Deus se fez homem não quer dizer que ele se limitou a natureza humana, mas que acrescentou a humanidade, se subordinou ao Pai e aceitou todas as limitações que nós seres humanos temos, mas não pecou. Foi isso o que Paulo quis dizer em Filipenses 2:5--11, Jo 1:1-14; Hb 2:17;

"De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai."
   
Quando Jesus foi concebido não deixou de ser Deus mas [acrescentou] a natureza humana. Jesus enquanto estava como humano, estava sujeito as nossas fraquezas, tanto que em tudo foi tentado, sentia fome, sede e medo, como todos que tem a natureza humana. Ele não deixou de ser Deus, pois essas tentações não eram para sua natureza Divina. E por esse motivo, é possível logicamente afirmar que Jesus com a natureza humana adicionada pode muito bem ser profeta e possui outros títulos humanos. Só não percebe isso quem não quer ser honesto e continuar a criticar tal conceito de forma obstinada. Dessa forma, o que resta é mostrar como o conceito trinitário se relaciona com a encarnação do Verbo. Norman Geisler também faz uma ótima colocação sobre essa questão:

"A identidade desse ser tripessoal é composta de uma relação interna que contém três pessoas individuais distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Agora pode ficar um pouco mais claro que o quê infinito (Deus) não se tornou um quê finito (homem); ao contrário, Deus o Filho (quem 2), tendo uma natureza infinita (quê 1), acrescentou-se e assumiu uma natureza finita - um quê finito (quê 2). Não há três deuses (três quem) - há somente um Deus (quê 1) e três pessoas (três quem) que possuem essa única natureza divina. Foi somente a segunda pessoa, Jesus (quem 2) que compartilha a natureza divina (quê 1),, que assumiu uma segunda natureza, a natureza humana (quê 2)

Conseqüentemente, Jesus, Deus-Filho, veio à terra assumindo a natureza humana.

[...]

A doutrina simplesmente é que nosso Senhor Jesus Cristo como eterno Filho de Deus reteve o complexo total dos atributos divinos, e sempre e em todas as circunstancias comportou-se de maneira perfeitamente coerente com seus atributos divinos. Ele assumiu um complexo de atributos humanos essenciais e, durante "os dias de sua carne" (Hb 5:7) sempre e em todas as circunstâncias comportou-se de maneira perfeitamente coerente com sua natureza humana sem pecado."
   
Só considera tais conceitos como politeísmo quem também parece acreditar, como o sr. Ahmad, que nossa imaginação é suficiente para entender a realidade última que é o Eterno Deus. Entretanto, nossa imaginação também é humana e limitada, e por isso não é correto dizer que tais conceitos ensinam politeísmo tendo isso como motivo. Segundo ele, quando falamos do Deus Pai, imaginamos uma pessoa; ao falar do Deus Filho e Deus Espírito Santo, imaginamos outras pessoas. O problema é que isso não é verdade pra quem entende esse mistério Divino que é a Trindade. Pois além de cometer o erro de presumir que nossa imaginação é suficiente para mostrar algo sobre os mistérios da natureza Eterna de Deus, tais pessoas imaginam a Trindade não apenas como três pessoas, mas como três seres de natureza distinta, o que não condiz com o ensino da Santíssima Trindade. Além de que, mesmo com nossa imaginação limitada, imaginando a Trindade como três seres, não significa que tal pessoa possa crer que Deus de fato seja três naturezas distintas e semelhantes (politeísmo) mas apenas utiliza antropomorfismos para representar o que Deus revelou para a humanidade. Entretanto, fazer uso de antropomorfismos não é necessariamente um erro teológico, pois o próprio Deus é apresentado nas Escrituras com antropormofismos, não porque ele é como um homem ou suas ações e emoções são humanas, mas porque nossa razão é limitada e Ele sabe disso.
   
Em várias ocasiões o Novo Testamento faz questão de mostrar que Jesus tem as duas naturezas. Por isso em questões como essas não devemos esquecer disso. Para concluir, gostaria de deixar um texto de Martim J. Scoot sobre a encarnação:

“Como todos os cristãos sabem, a encarnação significa que Deus (isto é, o Filho de Deus) se fez homem. Isso não quer dizer que Deus se tornou homem, nem que Deus cessou de ser Deus e começou a ser homem; mas que, permanecendo como Deus, ele assumiu ou tomou uma natureza nova, a saber, a humana, unindo esta à natureza divina no ser ou na pessoa – Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

Na festa das bodas de Cana, a água tornou-se em vinho pela vontade de Jesus Cristo, o Senhor da Criação (João 2:1-11). Não aconteceu assim quando Deus se fez homem, pois em Caná a água deixou de ser água, quando se tornou em vinho, mas Deus continuou sendo Deus, quando se fez homem.

Um exemplo que nos poderá ajudar a compreender em que sentido Deus se fez homem, mais ainda não ilustra de maneira perfeita a questão, é aquele de um rei que por sua própria vontade se fizera mendigo. Se um rei poderoso deixasse seu trono e o luxo da corte, e vestisse os trapos de um mendigo, vivesse com mendigos, compartilhasse seus sofrimentos, etc., e isto para poder melhorar as condições de vida, diríamos que o rei se fez mendigo, porém ele continuou sendo verdadeiramente rei. Seria correto dizer que o que o mendigo sofreu era o sofrimento de um rei; que, quando o mendigo expiava uma culpa era o rei que expiava, etc.

Visto que Jesus Cristo é Deus e homem, é evidente que Deus, de alguma maneira, é homem também. Agora, como é que Deus é homem? Está claro que ele nem sempre foi homem, porque o homem não é eterno, mas Deus o é. Em um certo tempo definido, portanto, Deus se fez homem tomando a natureza humana. Que queremos dizer com a expressão “tomar a natureza humana”? Queremos dizer que o Filho de Deus, permanecendo Deus, tomou outra natureza, a saber, a do homem, e a uniu de tal maneira com a sua, que constituiu uma Pessoa, Jesus Cristo.

A encarnação, portanto, significa que o Filho de Deus, verdadeiro Deus desde toda a eternidade, no curso do tempo se fez homem também, em uma Pessoa, Jesus Cristo, constituída de duas naturezas , a humana e a divina. Isso, naturalmente é um mistério. Não podemos compreendê-lo, assim como tampouco podemos conceber a própria Trindade. Há mistérios em toda parte. Não podemos compreender como a erva e a água, que alimentam o gado, se transformam em carne e sangue. Uma análise química do leite não demonstra conter ele nenhum ingrediente de sangue, entretanto, o leite materno se torna em sangue e carne da criança. Nem a própria mãe sabe como no seu corpo se produz o leite que dá a seu filho.

Nenhum dentre os sábios do mundo pode explicar a conexão existente entre o pensamento e a expressão desse pensamento, ou seja, as palavras. Não devemos, pois, estranhar se não podemos compreender a encarnação de Cristo. Cremos nela porque aquele que a revelou é o próprio Deus, que não pode enganar nem ser enganado.”
   
Espero que todos preconceitos sejam deixados de lado, e você tenha chegado a óbvia conclusão de que as alegações do Islã sobre Jesus não se sustentam, e que, da mesma forma, as objeções à Trindade e a Encarnação são baseadas num profundo desconhecimento dos mesmos ensinos.

- Conclusão.
   
Mesmo citando somente os versos bíblicos de forma arbitrária, tais versículos não corroboram a alegação de que o Islã ensina o que o Antigo e Novo Testamentos ensinaram sobre Jesus, além de que as principais objeções são fruto de um péssimo entendimento das doutrinas cristãs, o que não é razoável para quem quer defender as alegações do Alcorão e do Islã como religião verdadeira, e, principalmente, como a religião de Jesus.
   
É bom salientar que meu objetivo aqui não foi fazer uma defesa detalhada da Divindade de Jesus, mas uma explicação de tais conceitos (com algumas referências bíblicas) e responder as afirmações do sr. Ahmad. Como essas explicações também servem para responder a questão da humanidade de Jesus (que os cristãos nunca negaram) e dEle ser um profeta, pois para isso basta entender o que ensinamos, passarei para as outras alusões de que a Bíblia confirma o que o Alcorão ensina. Não tratarei de forma detalhada todos os aspectos colocados, pois os considero bem irrelevantes, ao contrário da afirmação de que a mensagem de Jesus foi alterada, Jesus não morreu crucificado, e que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo mostram profecias sobre Maomé. Não posso deixar de lamentar que nessas argumentações, apesar do autor ensinar que a Bíblia foi adulterada, acata como verdadeiro só o que era conveniente de acordo com o que ele já acreditava. Então, deixarei os aspectos menos importantes para o final.


Notas

[1] - Sobre esse assunto indico os livros "Merece confiança o Novo Testamento?" de F. F. Bruce, "Questões cruciais do Novo Testamento" de Craig Bloomberg e os seguintes artigos na internet: http://porquecreio.blogspot.com/2010/09/o-novo-testamento-e-historicamente.html | http://porquecreio.blogspot.com/2010/09/o-polemico-bart-d-ehrman.html.
[2] - http://porquecreio.blogspot.com/2010/06/historia-dos-escritos-neotestamentarios_10.html
[3] - A tradição não era amorfa, e os próprios evangelhos são registros escritos de tal tradição. Para mais informações sobre as evidências da confiabilidade dessa tradição e de como ela preservou a mensagem cristã escrita, leia a nota [1]. Sobre a importância da Tradição também indico o seguinte texto: http://porquecreio.blogspot.com/2010/08/pais-da-igreja-importancia-nula.html
[4] - Este veio da forma "Sod" de interpretação.
[5] - Comentário Bíblico NVI, p. 764.
[6] - E no presente momento, com a devida explicação da Trindade feita anteriormente, creio que o leitor honesto saberá diferenciar o Filho do Pai nessas questões.
[7] - Segundo a Bíblia de Jerusalém "Essa visão interpretativa designa, antes de tudo, Jesus como o verdadeiro Servo anunciado por Isaías. Entretanto, o termo 'Filho', que acaba por substituir o termo 'Servo' (graças ao duplo sentido da palavra grega 'pais'), salienta o caráter messiânico e propriamente filial de sua relação com o Pai (cf. 4.3 + )
[8] - Santo Agostinho, Confissões, p.277 e 278, Editora Universitária São Francisco
[9] - Além desse breve comentário, indico o livro "Cristologia do Novo Testamento" de Oscar Culmann, onde o autor faz avaliações, utilizando o método histórico-critico, dos títulos atribuídos a Jesus.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Os Salmos, por Oscar Cullmann - Parte 1

Os salmos que o Antigo Testamento nos transmitiu, na verdade, representam apenas uma pequena parte de todos os salmos existentes no Antigo Israel. Sua grande importância já se evidencia no fato de haver numerosos salmos fora do "Saltério", p. ex. em Ex 15; 1Sm 2; 2Sm 22, bem como nos livros proféticos: Is 38.10-20; Jn 2; Hc 3, etc.

O Saltério divide-se em cinco "livros". Destacam-se, claramente, um do outro pela doxologia, um canto de louvor a Deus, acrescentada no fim do último salmo de cada livro: Sl 1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150 (no fim falta uma doxologia especial, porque o próprio Sl 150 representa o louvor final). Essa subdivisão, evidentemente, foi feita numa época em que a coleção de salmos já existia na forma atual.

No entanto, ainda se pode reconhecer que, já antes, existiam coleções menores independentes. Assim temos, p. ex. no fim do Sl 72, a seguinte notícia: "Findam as orações de Davi, filho de Jessé". Essa observação, evidentemente, formava outrora o fecho de uma coleção especial de "Salmos de Davi". Além dos salmos 51-72, porém, no fim dos quais acha-se essa anotação, também nos Salmos 3-41 levam, em geral, o título "de Davi", de modo que se obtém a impressão de que existiam duas coleções de Davi.

A par dessas, sobressaem ainda outros grupos por um título comum: os Salmos de Coré (42-49), os Salmos de Asafe (73-83), além de um grupo que, conforme J. F. de Almeida, leva o título "Cantico de romagem"> Al 120-134. O significado do respectivo termo hebraico é um tanto incerto; provavelmente, trata-se de "Cânticos de romaria" ou, talvez, "graduais". Afinal, ainda é interessante que, em um grupo inteiro de salmos, o nome de Deus "Javé" (traduzido por "o Senhor") tenha sido substituido por "Elohim" ("Deus"): Sl 42-83.

Isso pode ser verificado com facilidade pela comparação entre os Sl 14 e 53, que, aliás, são quase literalmente idênticos. Portanto, podemos supor que os Salmos de Coré (42-49), o segundo grupo de Salmos de Davi (51-72) e os Salmos de Asafe (73-83) formassem juntos uma coleção, na qual foi efetuada essa mudança do nome de Deus.

Tudo isso torna patente que o Saltério, em sua forma atual, é resultado de um crescimento paulatino. Neste aspecto ele é comparável com nossos hinários, que também são o produto final de uma longa história do hino eclesiástico, e sempre se baseiam em hinários e coleções de cânticos mais antigos. E, como um hinário moderno contém hinos do tempo desde antes da Reforma até nossos dias, assim também os salmos provêm das mais diversas épocas da história de Israel. Entretanto, a maioria dos casos, é muito dificil determinar o tempo exato de sua origem. Só raras vezes achavam-se indicios seguros a este respeito, assim p. ex. no Sl 137, que nasceu "às margens dos rios da Babilônia", por tanto, durante o exílio babilônico, no século VI a.C.

A comparação com o hinário ainda tem sua boa razão num outro particular: os salmos revelam, todos eles, uma relação mais ou menos clara com o culto. E neste ponto pode-se, muitas vezes, reconhecer mais claramente qual o ensejo em que foram usados. Visto que forma e conteúdo estão em uma correlação determinada, os salmos podem ser classificados em diversos "gêneros", que apresentam, cada qual, as mesmas características formas e provêm de um mesmo lugar ("Stiz im Leben") no contexto do culto. A classificação segundo o gênero é, em muitos casos, ao mesmo tempo, um importante meio para a interpretação de um salmo, já que deste modo se torna patente seu verdadeiro intuito. Disso falaremos mais detalhadamente a seguir.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Alguns mitos sobre as Cruzadas - Por Thomas F. Madden

Thomas F. Madden
Diretor do Departamento de História da Universidade de Saint Louis. É autor do livro A Concise History of the Crusades (Uma História concisa das Cruzadas) e co autor do livro The Fourth Crusade (A Quarta Cruzada).
   
Muitas pessoas, no Oriente e no Ocidente, consideram as Cruzadas uma mancha negra na História da Civilização Ocidental em geral, e da Igreja Católica em particular. Citadas por ambas as partes no conflito entre os Estados Unidos e os terroristas árabes, as Cruzadas voltaram aos noticiários, aos filmes e às séries de televisão. Propalam-se velhos mitos e reacendem-se discussões. Um bom exame da História das Cruzadas é, portanto, indispensável
 

O Presidente George W. Bush foi infeliz quando chamou a guerra contra o terrorismo de “Cruzada”, tendo recebido inúmeras críticas por empregar uma palavra que seria tão ferina e ofensiva para com os muçulmanos de todo o mundo. No entanto, os próprios árabes também fazem uso desse termo. Osama bin Laden e o Mullah Omar com freqüência chamaram os norte-americanos de “cruzados”, e qualificaram os atuais conflitos como uma “Cruzada contra o Islã”. De fato, as Cruzadas estão bem presentes na memória do mundo muçulmano.

O Ocidente, por sua vez, também não esqueceu as Cruzadas. Qualquer um que queira intimidar os católicos não demorará a jogar-lhes no rosto as Cruzadas e a Inquisição. As Cruzadas são com freqüência apresentadas como um exemplo clássico do mal que pode ser feito por uma religião organizada. O homem médio, tanto no Cairo como em Nova York, tende a concordar com a idéia de que as Cruzadas foram um ataque não-provocado, cínico e insidioso, promovido por fanáticos contra o pacífico, próspero e sofisticado mundo muçulmano da época.

Isso não foi sempre assim. Na Idade Média, não havia cristão na Europa que não tivesse certeza de que as Cruzadas eram sumamente boas e justas. Os próprios muçulmanos respeitavam os ideais das Cruzadas e a nobreza dos homens que nelas lutavam.

As coisas começaram a mudar com a Reforma Protestante. Para Martinho Lutero – que já havia rejeitado a autoridade do Papa e a doutrina sobre as indulgências – as Cruzadas não passavam de manobras de um papado sedento de poder. Chegava a afirmar que lutar contra os muçulmanos equivalia a lutar contra o próprio Cristo, pois Ele tinha enviado os turcos para punir a Cristandade pelos seus pecados. Quando o sultão Suleiman o Magnífico (1495?-1566) começou a invadir a Áustria com os exércitos otomanos, Lutero mudou de opinião sobre a necessidade de lutar, mas manteve-se firme em suas críticas às Cruzadas.

Ao longo dos duzentos anos seguintes, as pessoas tendiam a ver as Cruzadas com olhos confessionais: os protestantes lançavam-lhes vitupérios e os católicos, elogios. Quanto a Suleiman e seus sucessores, ambos concordavam: queriam livrar-se dele.

A atual visão a respeito das Cruzadas nasceu do Iluminismo do século XVIII. Muitos dos então chamados “filósofos”, como Voltaire, pensavam que a Cristandade medieval fora apenas uma vil superstição. Para eles as Cruzadas foram uma migração de bárbaros devida ao fanatismo, à ganância e à luxúria. A partir desse momento, a versão iluminista sobre as Cruzadas entrou e saiu de moda algumas vezes. As Cruzadas receberam boa imprensa e foram consideradas como guerras de nobreza (mas não de religião) durante o Romantismo e até o início do século XX. Depois da Segunda Guerra, contudo, a opinião geral voltou-se decisivamente contra as Cruzadas. Na esteira de Hitler, Mussolini e Stalin, os historiadores concluíram que a guerra por motivos ideológicos – seja qual for a ideologia em questão – é abominável.

Esse sentimento de aversão foi resumido por Steven Runciman nos três volumes do seu livro A History of the Crusades (Uma História das Cruzadas, 1951-1954). Para Runciman, as Cruzadas foram atos de intolerância moralmente repugnantes praticados em nome de Deus. Os homens medievais que brandiam a cruz e marchavam rumo ao Oriente Médio eram ou perversos cínicos, ou avarentos vorazes, ou crédulos ingênuos. Esse livro, aliás literariamente bem escrito, tornou-se logo o padrão: com esse único golpe, Runciman conseguiu definir a moderna visão popular sobre as Cruzadas.

A partir de 1970, as Cruzadas receberam a atenção de centenas de pesquisadores, que as esquadrinharam meticulosamente. Como resultado, sabemos hoje muito mais a respeito das guerras santas da Cristandade do que jamais soubemos. Contudo, os frutos de décadas de pesquisa histórica só lentamente vão penetrando nas mentes do grande público. Isso se deve em parte aos próprios historiadores profissionais, sempre propensos a publicar estudos que pela sua própria natureza exigem uma linguagem muito técnica, de difícil compreensão para quem não é especialista. Contribui também para essa situação a clara relutância das elites contemporâneas em abandonar a visão “runcimaniana” das Cruzadas. Sendo assim, os livros populares sobre o tema – livros que as pessoas continuam querendo ler, apesar de tudo – tendem a repetir a conversa de Runciman.

O mesmo vale para as outras mídias, como o cinema e a televisão. Um exemplo é o documentário As Cruzadas, uma produção da BBC/A&E de 1995, estrelada por Terry Jones. Para dar um certo ar de autoridade ao que mostravam, os produtores intercalaram as cenas com entrevistas a importantes historiadores das Cruzadas, que expressavam suas opiniões sobre cada evento retratado. O problema é que os historiadores de hoje discordam das idéias de Runciman. Mas os produtores não se importaram com isso: simplesmente editaram as gravações das entrevistas, selecionando fragmentos e seqüências que, uma vez montados, davam a impressão de que os historiadores concordavam com Runciman. Um deles, o Dr. Jonathan Riley-Smith, veio dizer-me depois, num tom irado: “Eles me mostraram dizendo coisas nas quais eu não acredito!”

Mas afinal, qual é a verdadeira história das Cruzadas? Como o leitor pode imaginar, trata se de uma longa história. Mas existem muitos bons historiadores que ao longo dos últimos vinte anos vêm colocando as coisas no seu devido lugar. Por agora, tendo em vista o bombardeio que as Cruzadas vêm recebendo atualmente, o melhor será esclarecer justamente o que as Cruzadas não foram. Enumeramos a seguir alguns dos mitos mais comuns, dizendo por que eles são falsos.


Mito nº 1: As Cruzadas foram guerras contra um pacífico mundo muçulmano que nada fizera contra o Ocidente.

Não há nada de mais falso. Desde os tempos de Maomé, os muçulmanos lançaram-se à conquista do mundo cristão. E fizeram um ótimo trabalho: após poucos séculos de incessantes conquistas, os exércitos muçulmanos tomaram todo o norte da África, o Oriente Médio, a Ásia Menor e a maior parte da Península Ibérica. Em outras palavras: ao findar o século XI, as forças islâmicas já haviam capturado dois terços do mundo cristão. A Palestina, terra de Jesus Cristo; o Egito, berço do monaquismo cristão; a Ásia Menor, onde São Paulo estabeleceu as primeiras comunidades cristãs. Não conquistaram a periferia da Cristandade, mas o seu núcleo. E os impérios muçulmanos não pararam por aí: continuaram pressionando pelo leste em direção a Constantinopla, até que finalmente a tomaram e invadiram a própria Europa.

Se uma agressão não-provocada existiu, foi a muçulmana. Chegou-se a um ponto em que só restava à Cristandade defender-se ou simplesmente sucumbir à conquista muçulmana. A Primeira Cruzada foi convocada pelo Papa Urbano II em 1095 para atender aos apelos urgentes do Imperador bizantino de Constantinopla, Aleixo I Comneno (1081-1118). Urbano convocou os cavaleiros cristãos para irem em socorro dos seus irmãos do Leste. Foi uma obra de misericórdia: livrar os cristãos do Oriente de seus conquistadores muçulmanos. Em outras palavras, as Cruzadas foram desde o início uma guerra defensiva. Toda a história das Cruzadas do Ocidente foi a história de uma resposta à agressão muçulmana.


Mito nº 2: Os Cruzados traziam o símbolo da Cruz, mas o que realmente queriam eram as pilhagens e as terras. As intenções piedosas não passavam de máscara para encobrir a ganância e cobiça.

Uma opinião comum entre os historiadores é a de que o aumento da população na Europa originou uma crise, devida ao excesso de “segundos filhos” de nobres, treinados nas artes bélicas de cavalaria, mas sem terras ou feudos onde se estabelecer. Por esse motivo, as Cruzadas seriam uma válvula de escape, mandando esses homens belicosos para longe da Europa, onde pudessem obter terras para si à custa dos outros. Os pesquisadores atuais, graças à ajuda de bancos de dados computadorizados, desmontaram esse mito. Hoje sabemos que os “primeiros filhos” da Europa foram os que responderam ao apelo do Papa em 1095, e também nas Cruzadas seguintes.

Empreender uma Cruzada era uma operação extremamente cara. Os Senhores tiveram que hipotecar suas terras para angariar os fundos necessários. Além do mais, não estavam interessados em reinos no além-mar. Como os soldados de hoje, o Cruzado medieval orgulhava se de estar cumprindo o seu dever, mas queria voltar para casa. Após o espetacular sucesso da Primeira Cruzada, com Jerusalém e grande parte da Palestina em seu poder, quase todos os Cruzados voltaram. Somente um pequeno grupo ficou para consolidar e governar os territórios recém-conquistados. Foram raras as pilhagens. Embora de fato sonhassem com as grandes riquezas das cidades do Oriente, praticamente nenhum Cruzado conseguiu recuperar os seus gastos. Mas não foram nem o dinheiro nem as terras o principal motivo que os levaram às Cruzadas: o que queriam era fazer penitência pelos seus pecados e merecer a própria salvação fazendo boas obras em terras distantes.


Mito nº 3: Quando os Cruzados tomaram Jerusalém em 1099, massacraram todos os homens, mulheres e crianças, enchendo as ruas de sangue até os tornozelos.

Esse é o modo preferido de pôr em evidência o caráter malévolo das Cruzadas. Num recente discurso em Georgetown, o ex-presidente Bill Clinton disse que esse foi um dos motivos pelos quais agora os Estados Unidos são alvo de terroristas (embora no citado discurso o Sr. Clinton tenha subido o nível do sangue até a altura dos joelhos, para dar mais ênfase). É certamente verdade que muita gente morreu em Jerusalém após a tomada da cidade pelos Cruzados. Mas o fato deve ser analisado no seu contexto histórico.

O costume vigente em todas as civilizações pré-modernas, tanto na Europa quanto na Ásia, era que se uma cidade resistisse à captura e fosse tomada pela força, sua posse caberia às forças vitoriosas. Isso incluía não somente os edifícios e os bens, mas também as pessoas. Por isso, cada cidade ou fortaleza devia pensar muito bem se podia ou não resistir a um cerco: se não pudesse, o mais prudente era negociar os termos da rendição. No caso de Jerusalém, seus defensores resistiram até o último instante. Calcularam que as imponentes muralhas da cidade conteriam os Cruzados até chegarem os reforços do Egito. Eles erraram: a cidade caiu e conseqüentemente foi saqueada. Muitos morreram, mas outros muitos foram aprisionados ou deixados livres para partir. Pelos padrões modernos, isso talvez pareça brutal, mas até mesmo um cavaleiro medieval poderia replicar dizendo que nos bombardeios modernos morrem mais inocentes – homens, mulheres e crianças – do que seria possível passar ao fio da espada em um ou dois dias.

Convém lembrar também que nas cidades muçulmanas que se renderam aos Cruzados, as pessoas foram deixadas em paz, na posse das suas propriedades, e com permissão para praticar livremente a sua religião. Quanto às ruas cheias de sangue, nenhum historiador aceita isso: não passa de um mero recurso literário. Jerusalém é uma cidade grande, e a quantidade de pessoas que seria necessário abater para inundar as ruas com dez centímetros de sangue é muito superior à população de toda a região.


Mito nº 4: As Cruzadas não passaram de colonialismo medieval enfeitado com ornamentos religiosos.

É importante lembrar que, na Idade Média, o Ocidente não era uma cultura poderosa e dominante, que se lançava sobre uma região primitiva ou atrasada. Era o Oriente muçulmano que era poderoso, próspero e opulento. A Europa era o terceiro mundo. O Reino Latino de Jerusalém, fundado após a Primeira Cruzada, não era um latifúndio católico incrustado em terras muçulmanas, como depois viriam a ser as terras de plantio em algumas colônias ibéricas ou inglesas na América. A presença católica nesse Reino sempre foi mínima: menos de um décimo da população. Católicos eram os governantes, os juízes, alguns mercadores italianos e os membros das ordens militares: o resto, a imensa maioria da população, era de muçulmanos. O Reino de Jerusalém não era uma colônia agrícola nem industrial, como depois viriam ser as da América ou da Índia: era apenas uma cabeça-de-ponte fortificada.

A intenção primordial dos Cruzados era defender os Lugares Santos na Palestina – principalmente Jerusalém – e garantir um ambiente seguro para que os peregrinos cristãos pudessem visitá-los. Nenhum país europeu funcionava como metrópole, no sentido de manter relações de exploração econômica, nem havia na Europa quem se beneficiasse economicamente com a ocupação. Muito pelo contrário: as despesas das Cruzadas e da manutenção do Reino Latino de Jerusalém ceifaram pesadamente os recursos europeus. Como posto avançado, o Reino de Jerusalém manteve-se sempre atento ao seu papel militar. Enquanto os muçulmanos guerrearam entre si o Reino esteve a salvo, mas quando se uniram, conseguiram conquistar as fortalezas, capturar as cidades e em 1291 expulsar os cristãos definitivamente.


Mito nº 5: As Cruzadas combateram também os judeus.

Nenhum Papa jamais conclamou uma Cruzada contra os judeus. Durante a Primeira Cruzada, um grande bando de arruaceiros – que não fazia parte do exército principal – decidiu atacar as cidades da Renânia para matar e roubar os judeus dali. As razões para esse ato foram por um lado a pura cobiça, e por outro a falsa crença de que os judeus, por terem matado Jesus Cristo, eram também alvos legítimos das Cruzadas. O Papa Urbano II e os seus sucessores condenaram energicamente esses ataques, e os bispos locais – juntamente com o clero e os leigos – fizeram o que podiam para defender os judeus, embora com pouco sucesso. Algo parecido ocorreu na fase inicial da Segunda Cruzada, quando um grupo de renegados matou muitos judeus na Alemanha, até que São Bernardo os apanhou e pôs um fim a isso.

Essas falhas foram um infeliz subproduto do entusiasmo pelas Cruzadas, mas nunca o seu objetivo. Para usar uma analogia moderna: durante a Segunda Guerra Mundial alguns soldados cometeram crimes quando estavam em outros países (pelos quais, aliás, foram presos e punidos), mas isso não justifica dizer que o objetivo da Segunda Guerra foi o de cometer crimes.


Mito nº 6: As Cruzadas foram algo tão vil e degenerado que houve até uma Cruzada das Crianças.

A chamada “Cruzada das Crianças” de 1212 nem foi uma Cruzada nem consistiu num exército de crianças. Foi uma onda de entusiasmo religioso especialmente prolongada na Alemanha que levou alguns jovens – na maior parte adolescentes – a se autoproclamarem Cruzados e começarem a marchar rumo ao Mediterrâneo. Ao longo do caminho foram recebendo grande apoio popular, e a companhia de não poucos bandoleiros, ladrões e mendigos. O movimento se desmembrou quando chegou à Itália e terminou quando o mar se recusou a abrir-se para dar-lhes passagem... O Papa Inocêncio III não convocou essa tal “Cruzada”, pelo contrário: pediu insistentemente para que os não combatentes ficassem em casa e apoiassem o esforço de guerra apenas com jejuns, orações e esmolas. Nesse episódio, depois de louvar o zelo e a disposição desses jovens que tinham marchado até tão longe, mandou-os de volta para casa.


Mito nº 7: O Papa João Paulo II pediu perdão pelas Cruzadas.

É um mito curioso, porque João Paulo II – que já havia pedido perdão por todas as injustiças que os cristãos cometeram ao longo dos séculos – foi muito criticado justamente por não ter pedido perdão expressamente pelas Cruzadas. É verdade que João Paulo II pediu perdão aos gregos pelo saque de Constantinopla em 1204, durante a Quarta Cruzada, mas o Papa da época, Inocêncio III, também já tinha manifestado o seu pesar a respeito desse trágico incidente. Da sua parte, Inocêncio III fizera tudo para evitar que isso acontecesse.


Mito nº 8: Os muçulmanos, que conservam uma viva lembrança das Cruzadas, têm toda a razão em odiar o Ocidente.


De fato, o mundo muçulmano tem uma lembrança das Cruzadas tão boa quanto a do Ocidente, ou seja, uma lembrança incorreta. Isso não deve surpreender-nos, pois os muçulmanos obtêm a sua imagem das Cruzadas através mesmas histórias mal contadas que o Ocidente. O mundo muçulmano costuma celebrar as Cruzadas como uma grande vitória sua (aliás, eles venceram mesmo). Mas os autores ocidentais, envergonhados do seu passado imperialista, inverteram os papéis e passaram a pintar as Cruzadas como uma agressão e os muçulmanos como pacíficos sofredores agredidos. Fazendo isso, simplesmente omitiram os séculos de triunfos muçulmanos, e em seu lugar colocaram apenas o consolo do vitimismo.


Fonte: Ignatius Insight
Tradução: Quadrante