domingo, 1 de dezembro de 2013

O desejo de ver a Deus - Parte Final

I. Não temos naturalmente em nós o desejo de ver Deus em si mesmo; isto está provado. Este desejo, porém, nos é dado; assim, nós o temos de forma sobrenatural. É necessário, consequentemente, colocarmos na cabeça que, se o homem fosse deixado em seu estado puramente natural, ele não teria este desejo. Ora, visto o poder que teria o homem, neste estado, de conhecer a Deus pela razão remontando do efeito à causa, e visto sua tendência de desejar ver diretamente o que ele conhece indiretamente, nós achamos difícil concluir que o homem, no estado puramente natural, não pode desejar ver Deus imediatamente. Por outro lado, visto de forma intima, profunda, universal, que há em nós este desejo em nosso estado atual, temos dificuldade em nos persuadir que este desejo em nós não seja essencial, e não seja uma das tendências, um dos das necessidades naturais de nossa natureza. Assim como os autores pensavam que este desejo nos era natural e que há controvérsia neste tema entre os teólogos e filósofos.

Esta dificuldade que nós temos de nos persuadir que este desejo não nos é natural, e esta controvérsia entre os teólogos a respeito do assunto, são como evidencia da força que Deus colocou este desejo em nós, e de intima ligação que foi estabelecido entre o elemento natural e o sobrenatural, quando foi isto foi depositado em nós.

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II. Na antiguidade pagã, o ateísmo se cobriu às vezes, sobretudo nos últimos tempos, de um culto vago da natureza, de uma admiração estéril de suas maravilhas. É precisamente o mesmo erro que reapareceu no século XVIII. Sêneca e os mais sábios filósofos continuaram, como um ateísmo desigual, pelos mesmos argumentos dos modernos apologistas da fé. Isto voltou nos dois últimos séculos; o que aprendeu a humanidade sobre Deus?

sábado, 30 de novembro de 2013

Deus - Exposição sobre a ação do Espírito Santo (Parte IV)

IV – EXPOSIÇÃO SOBRE A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA SANTIFICAÇÃO DAS ALMAS E SUA AÇÃO, DE UMA PARTE NAS OPERAÇÕES DIVINAS AD INTRA, DE OUTRA NA ENCARNAÇÃO DO VERBO.

Na processão das pessoas divinas, o Verbo recebe apenas o nome e a qualidade de Filho; O Espírito Santo procede, mas não é o Filho. Por quê? Porque a operação divina pelo qual o Filho vem do Pai é a única que tem como objetivo a produção de um ser consubstancial (por natureza), distinto (por pessoa), mas que seja a imagem e semelhança do Pai; por consequencia, é a única que pode ser chamada, e que realmente é uma geração. A operação divina para o Espírito Santo vem do Pai não sendo da mesma espécie, embora seja também uma processão (este é um termo genérico), não pode ser chamado e não é, de fato, uma geração, mas uma operação.

Mas o Espírito Santo tem, na relação do Pai com o Filho, uma parte intima e necessária; Ele é sua conexão de amor. E se é impossível que o Pai [seja], sem que, pelo fato mesmo de seu ser, ele gera o Filho, do mesmo modo é impossível que o Pai gere o Filho e que o Filho seja gerado pelo Pai sem que, por esse motivo, todos os dois juntos respirem, exalem, soprem, se enviem reciprocamente o Espírito Santo.

(Pode-se dizer que o Espírito Santo tem, na geração eterna do Verbo, uma parte ativa, e que, por este motivo, o Pai gera o Filho? Não supõe a processão do Espírito Santo logicamente antes à geração do verbo? Se é possível dizer, sem receio, este ponto adquirido me servirá para explicar ainda mais expressamente a relação seguida que estabeleci entre a parte do Espírito Santo na geração eterna do Verbo e o que ela teve em sua Encarnação).

É sobre o papel do Espírito Santo que foi fundada a conveniência por meio do qual o Filho se encarnou, e Maria concebeu pela operação do Espírito Santo, não por meio do Pai, ou por uma operação atribuída à natureza, mas da relação a uma pessoa cujas características e atribuições pessoais estão em jogo. Aqui ainda eu lembro que encontrei na geração eterna: a encarnação forma um homem que procede do Pai por geração e que pode, por direito, ser chamado, que é o Filho; ele não pode também ser chamado de filho adotivo; ele é a semelhança formal de Deus O Pai, e sua geração carnal tem por objetivo a produção de um ser semelhante. Era, portanto, necessário que o Espírito Santo viesse da mesma ação.

É ainda sobre as mesmas observações e noções teológicas, por conveniência, das mesmas características, propriedades e atribuições pessoais, que está fundada a doutrina católica da graça santificante e da parte que têm as três pessoas divinas. Pela graça santificante e a elevação à ordem sobrenatural, nós nos tornamos filhos de Deus; nós recebemos, por adoção sem dúvida, mas de uma maneira real, uma conexão de descendência divina que nos faz filhos de Deus e que o nome exato é geração. De toda fraseologia da geração divina, após o Nosso Senhor, de nascimento e de vida nova que nos foi dada; desta idéia de semelhança divina sempre unida a esta filiação adotiva e deificação, para fazer o fundo da descrição da graça santificante. Por último, a mesma operação atribuída ao Espírito Santo, em nossa santificação, na formação de filho de Deus em nós, na nossa deificação, no ponto em que eu poderia fazer a seguinte observação de São Paulo: dificilmente se tem, das numerosas passagens onde ele apresenta, a descrição da graça santificante e que não contenham, como um dos elementos essenciais e primeiros desta descrição, as operações interiores do Espírito Santo nas almas.

Do mesmo modo da geração eterna do Verbo, não é certo que se conceba que a processão do Espírito Santo resulte de uma relação de amor entre as duas primeiras pessoas, e que à imagem desta operação divina, a geração terrestre de Jesus Cristo tem semelhante característica, não é certo ser descrito sem uma cooperação ativa do Espírito Santo fazendo com que o verbo se encarne em Maria; o mesmo é em virtude da mesma lei oculta, em toda a série de gerações místicas de Jesus Cristo, em suas diversas espécies, vós não podeis negligenciar a ação do Espírito Santo que coopera na mesma medida a estas novas e misteriosas gerações do Verbo. Assim, a formação de Jesus Cristo nas almas pela graça santificante é chamada uma geração mística de Jesus Cristo. Ora, o Espírito Santo foi exibido como o agente e princípio direto para sua operação santificante; é a ele mesmo que se atribui a causa ativa de toda santidade. É uma outra geração mística do Verbo, em que consiste na geração da fé e da inteligência das coisas reveladas; isto pode ser considerado como sua operação tanto na Igreja em geral quanto em cada inteligência católica em particular; é o Verbo que é gerado, pois é o pensamento de Deus, a palavra divina que é concebida, que se forma, que cresce e nasce nas almas. Mas assim é pela operação do Espírito Santo que se realiza esta geração, pois é Ele que ilumina, que inspira e que dá a fé.

sábado, 16 de novembro de 2013

Deus - Deus e a Criação (Parte III)

Retirado do livro "Etudes sur Dieu, l'Eglise, le Pape e sur le surnature" do Padre Jean-Baptiste Aubry.


I. Quando se considera atentamente, à luz da Escritura e da teologia, a grande e completa economia das obras de Deus no mundo, observamos se dividir, ou se agrupar em três belas e vastas frases, que cada uma porta visivelmente a presença e as características próprias de uma das três pessoas da Trindade.

Se vê Deus, o Pai, presidindo à criação e o Antigo Testamento, operando todo este majestoso trabalho, reivindicando a glória, como as outras pessoas da Trindade, a ele atribuem também a Escritura e a tradição. Em todo Antigo Testamento, é o Pai que aparece sobretudo; as duas outras pessoas agem com Ele, sem dúvida, mas são mais escondidos; o mistério da Santíssima Trindade é anunciado com menos clareza no Antigo Testamento. Quando o Pai, no fim de seu trabalho, entra em seu repouso, deixou, sobretudo, agir o Filho. O Filho agiu, mas menos diretamente e apenas por concomitância: Cume o eram cunta componens(I)

O Filho chega à sua torre, no meio ou na plenitude dos tempos, para fazer a ligação entre o trabalho do Pai e do Espírito Santo. Seu trabalho é a Redenção; isso é feito o mais rápido possível. É ele sobretudo que age, é necessário que ele esqueça as duas outras pessoas. Ele previne seus apóstolos em breve vem a noite onde não agirá mais, que ele não pode dizer tudo aos seus apóstolos, mas que um outro virá lhes dizer o resto; e, por afirmar a unidade, ele diz que ele mesmo irá pedir a seu Pai para enviar este outro; seu trabalho termina, ele entra na sua glória ou seu repouso, para deixar agir o Espírito Santo.

Jesus Cristo sobre ao Céu, o Espírito Santo desce e começa seu trabalho imenso que vai até o fim dos tempos, que é a Igreja, e a aplicação do fruto da Redenção pela Igreja. O Pai e o Filho continuam a agir com ele. O Pai, anunciou várias vezes antes de cessar seu trabalho! Trabalho do Filho; O Filho, tendo concluído seu ato, ainda tem duas coisas ao coração, que é lembrar que Ele age com seu Pai e anuncia o trabalho do Espírito Santo; o Espírito Santo, por sua vez, cuidou em fazer conhecer na Igreja o mistério da Santíssima Trindade, que é a promulgação do trabalho simultâneo das três pessoas.

Ao buscar imagens naturais ou sobrenaturais para compreensão, na medida do possível, para a Santíssima Trindade, dir-se-á a unidade de substância na pluralidade de pessoas. Mas, isto não é mais belo e expressivo por consistir em buscar a imagem da Trindade em seus trabalhos? Porque nós sabemos que Deus não fez nada além de sua imagem, e, como dizem os escolásticos, o vestígio da Trindade está em todos os trabalhos de Deus. E, a partir dos trabalhos de Deus, sendo este último o mais alto, por portar a imagem de Deus mais perfeita; uma única humanidade deificada em três grandes trabalhos igualmente divinos.

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II. Qui continet omnia scientiam habet vocis (i).

Curiosa e profunda reflexão! Como o Espírito Santo contém tudo? (1º) Sendo o tipo primordial de todos os seres, Ele tem em si todos os seus protótipos; (2º) tudo que ele deu aos seres criados não é mais que uma participação do que ele tem essencialmente e de forma perfeita; (3º) seu poder envolve, sustenta e conserva tudo o que existe; (4º) é Ele que comunica interiormente às almas pela sua graça.

Como Ele tem a ciência da voz? Nos três títulos precedentes. Pois ele porta em si a ideia primeira de todas as coisas, é nele que se realizam, ao pronunciar seu nome com uma vontade criadora. Pois ele tem em si de forma excelente e superior o que as criaturas em si por participação, sua palavra é precisamente a emissão para fora de si desta participação de seu ser. Por sustentar e conter todas as coisas pelo seu poder, sua palavra é precisamente o exercício deste poder conservador dos seres. Sendo espírito, é Ele quem, em Deus, tem por função de falar às almas.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Deus - Atributos e perfeições (Parte II)

Retirado do livro "Etudes sur Dieu, l'Eglise, le Pape e sur le surnature" do Padre Jean-Baptiste Aubry.

I. Quando nós dizemos que Deus não pode ser, nem ter o poder de produzir uma criatura igual a si, que não é livre de fazer o mal, etc.; estas negações são uma maneira imperfeita e incompleta de falar, pois a imperfeição e o defeito são inerentes à nossa linguagem humana empregada para designar as coisas infinitas, com expressões feitas para exprimir coisas finitas. Estritamente falando (forma literal), se acredita que falta em Deus um poder, uma perfeição, uma liberdade, ou qualquer coisa que de fato Deus não tem; pelo contrário, estas expressões insuficientes têm o objetivo de exprimir ou, por meio da palavra, de fazer entender por signos que nada de bom e de real falta à Deus e a impossibilidade de ser, de produzir uma criatura igual a si, de fazer o mal, é precisamente a perfeição de seu poder e de sua liberdade!

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II. A doutrina da eternidade simultânea, que de Deus, ato puro e essência de todos os atos, que da identidade real dos atributos e operações divinas com sua essência, dá a solução fora das questões teológicas insolúveis nela. Esta solução é misteriosa e incompreensível, é verdade; mas ao menos sabemos onde ela está, e não buscaremos em outro lugar, como quando se conhece que um objeto está em tal lugar, embora não possamos encontrar este lugar em si, ao menos se conduzirá suas buscas sobre um outro ponto.

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III. Esta reflexão de Tertuliano: Accipe... Deum... de suo optimum, de nostro justum. Nisi enim homo deliquisset, optimum solummodo Deum nosset ex proprietate nature; at nunc etiam justum eum patitur ex cause necessitate, não me parece justa de fato; ela parece reduzir a idéia de justiça à aceitação de um justiça vingativa. Deus, quando jamais teve que punir, teria ainda 1º possuído em si essencialmente este admirável atributo que nós chamamos de justiça; 2º exerceu sobre suas criaturas os atos que ela, em si, carrega de bom.

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IV. A consideração do Ser absoluto e infinito de Deus, de seu domínio absoluto sobre toda criatura, e de seus atributos, eternidade, todo-poder, justiça, misericórdia, é a base necessária da moral e de toda lei, é o apoio, a força e a formação da consciência.

Há profundas noções espirituais e belas considerações místicas a se traçar no estudo da vida íntima de Deus. Com efeito, Deus é a fonte de toda vida, de todo sobrenatural.

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Para ver a primeira parte, clique aqui.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Deus – A Trindade. (Parte I)


Retirado do livro "Etudes sur Dieu, l'Eglise, le Pape e sur le surnature" do Padre Jean-Baptiste Aubry.
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I. Se Deus é um Deus vivente, se a vida está nEle, é necessário que ela participe de sua perfeição. Entretanto, a perfeição da vida se termina, se consuma, em três graus: O Ser, o Pensamento e O Amor. Nós devemos, portanto, encontrar em Deus estes três graus; não se pode dividir sua substância em três, tanto porque esta substância repugna nela mesma toda divisão quanto porque estas três substâncias não têm, por sua propriedade, divisão entre elas na substância em que elas estão, mas mantêm-se uma única substância. Como não pode haver em Deus nada de real e subsistente que não tenha sua personalidade completa, é necessário que tenha em Deus três pessoas distintas.

A união, a distinção e as relações das três pessoas podem ser estudadas à luz do que nós portamos (o que faz parte de nossa natureza) e do que podemos observar.

A geração do Verbo pelo Pai, ou seja, do pensamento ou palavra interior, é o tipo da nossa; por conseqüência, a nossa pode dar uma idéia dela. Ela é a primeira e excelente realização na atividade do Ser divino, exercício da inteligência ou pronunciação do Verbo interior.

A geração de nosso pensamento em nós e a pronúncia de nossa palavra interior é, assim, nossa operação mais elevada; mas nós somos seres finitos e inferiores, assim, esta operação em nós não pode lembrar em tudo à operação divina. Não pode, sobretudo, conduzir à produção de um verbo subsistente e pessoal. Ela não é mais que um desdobramento*. Porém, ela porta todas as características de uma geração intelectual que lembra a geração eterna do Verbo divino.

A procissão do Espírito Santo, amor mútuo do Pai e do Filho, pode, da mesma maneira, ser estudada sobre o tipo que nós portamos. Qual é, em nós, o objeto e a causa do amor? Nossa semelhança que vemos no outro. A paternidade produz um filho à imagem do pai e objeto de seu amor. Assim é em Deus, onde o Filho é a imagem e o esplendor do Pai. Mas em nós, este amor não é mais que um sentimento, uma relação, e não o termo subsistente de uma relação. Em Deus, é necessário que se tenha um termo subsistente de uma relação.

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II. Como nos assombra encontrar três pessoas em uma natureza, se nós portamos em nós mesmos duas naturezas em uma pessoa? Um é mais compreensível que o outro? E se negamos a primeira porque é incompreensível, porque não negamos a segunda?

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III. Passei longos tempos meditando ou fazendo simples comparações pouco engenhosas, à maneira dos escolásticos, buscando em todas as criaturas um reflexo, uma semelhança da Trindade e também de outros mistérios da fé, analogias que eles buscavam sobretudo entre a maneira que as atribuições do homem procedem de alguma forma uma da outra e a relação entre as pessoas divinas.

Entretanto, hoje eu creio que essas comparações e analogias têm um fundamento real em uma real semelhança. Com efeito, uma vez que Deus fez tudo que existe nos dois mundos, espiritual e material, e toda criatura é a expressão de seu poder, é necessário que sua vida intima seja reproduzida, seja impressa, leve sua expressão, e, assim, tenha o reflexo da vida divina. Pode ser que haja engano na maneira de encontrar, mas se não buscar não se vai encontrar; Deus é o ideal de tudo, não um ideal abstrato, impessoal, privado de existência real, mas um ideal existente, ou o tipo e exemplar ao mesmo tempo em que é autor.


* Nota do tradutor: A palavra original é adobration. Não encontrei o significado desta palavra, e, por isso, tentei deduzi-la pelo contexto. Caso alguém a encontre, e seja diferente, eu ficaria grato ser corrigido.

sábado, 27 de julho de 2013

Como um ex-protestante abraçou o Catolicismo

 O seguinte testemunho é de Fábio Salgado, mais um protestante que encontrou a verdadeira Igreja de Jesus Cristo: a Igreja Católica.

http://fabiosalgado.blogspot.com.br/2013/07/minha-segunda-conversao-como-um-ex.html

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Quando me converti ao Cristianismo no dia 25 de janeiro de 2009, prometi a algumas pessoas que descreveria aquilo que eu costumo de chamar "o meu caminho de Damasco" neste blog. Àqueles que conhecem a experiência de conversão de Paulo, que ainda se chamava Saulo — vejam o capítulo 9 de Atos —, sabem que a sua conversão deu-se quando ele estava a caminho de Damasco para prender cristãos — a imagem acima de Caravaggio chama-se "A conversão de São Paulo". Paulo teve uma experiência singular pessoal e intransferível. Creio que todo cristão genuíno, mesmo aqueles que nasceram e foram criados em um lar cristão, tem de ter o seu caminho de Damasco em algum momento. Tive o meu na referida data. Apesar da promessa, sempre adiei o projeto de escrever sobre a minha experiência porque acredito que deveria fazê-lo em um livro e que o espaço deste blog seria inadequado para relatar o ocorrido. As minha pretensão, entretanto, não é a de cumprir a minha antiga promessa, mas a de relatar o que chamei no título desta postagem como sendo a minha segunda conversão. Muitos já devem saber, e se não o sabiam sabem agora, que me converti ao Catolicismo. Antes, era um batista, evangélico, protestante; agora, sou um católico apostólico romano.

Antes, devo ressaltar que não tenho pretensões de converter ninguém. O meu objetivo aqui é o de registrar uma explicação da minha conversão a fim de não ter de repeti-la sempre, poupando-me de esforços desnecessários, embora tenha de confessar que ela ainda não está organizada suficientemente para que eu possa descrevê-la de maneira concisa — por isso, peço perdão, de antemão, se esta postagem apelar a digressões de modo excessivo ou se eu acabar estendendo-me em demasia. Não é a minha intenção aqui fazer uma apologética de todas as doutrinas católicas, até porque o espaço seria totalmente inadequado para tanto: precisaria escrever um livro para isso — de fato, há uma vasta literatura que já faz isso e procurarei indicar algumas leituras no decorrer deste texto não apenas para fundamentar o que digo, mas para oferecer um apoio de leitura a quem tiver o interesse sincero de conhecer a verdade.

Minha jornada ao Catolicismo, creio eu, iniciou-se em 2011. Como praticamente todos os protestantes que conheço — fui dar-me conta das proporções do anticatolicismo dos protestantes apenas muito recentemente —, conhecia o Catolicismo apenas por meio de chavões, caricaturas e espantalhos. Nunca tinha lido nada católico e só conhecia a Igreja Católica de segunda mão, a partir das críticas dos protestantes. Minha mãe, tomando conhecimento do meu catolicismo neste ano, perguntou-me certa feita: "Ué, você não dizia que tinha de ser muito burro pra ser católico?". Sim! Eu já disse isso antigamente, quando não tinha a menor idéia de como os católicos continuavam adorando as imagens depois de um texto tão claro como o de Êxodo 20.4: "Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra" [Nova Versão Internacional (NVI) — uma tradução protestante!]. De maneira semelhante, cheguei a dizer quando era agnóstico, antes da minha conversão ao Cristianismo em 2009, que poderiam internar-me em um hospício se algum dia eu tornasse-me um cristão.

Acompanho o programa TrueOutspeak (http://www.blogtalkradio.com/olavo) do filósofo Olavo de Carvalho desde 2010. Mesmo tendo começado apenas em 2010, ouvi todos os programas desde 2006, o que são mais de 300 programas, com média de 50min de duração. O programa, que antes era semanal, passou a ser mensal neste ano. O professor Olavo chegou a anunciar o fim do programa em dezembro do ano passado, mas resolveu retomá-lo mensalmente por conta da enorme quantidade de protestos. O professor Olavo, por quem tenho imensa consideração, respeito e admiração, sempre iniciava os seus programas dizendo o seguinte: "Começamos mais uma vez invocando a santíssima Virgem Maria e o Santo Padre Pio de Pietrelcina para que roguem a Deus que nenhuma injustiça se cometa nesse programa". Quando percebi a erudição do professor Olavo e vi que ele era católico, logo pensei: "é... ninguém é perfeito.". Aquilo, entretanto, intrigava-me porque sabia que a última pessoa do mundo que eu diria que não estudou um assunto seria o professor Olavo. Será que ele, simplesmente, não sabia de passagens como a de Êxodo 20? Em 2011, ouvi um de seus programas citando o padre Paulo Ricardo (http://padrepauloricardo.org/). Procurei o seu site em outubro de 2011 e deixei uma pergunta que reproduzo aqui:

"Padre Paulo Ricardo, em primeiro lugar, parabéns pelo seu trabalho. Deus, com certeza, reserva o seu galardão no céu pela edificação que o senhor traz-nos com os seus vídeos e textos. Cresci na tradição protestante tradicional, para ser específico, a tradição Batista, e sempre tive uma visão bastante distorcida sobre o Catolicismo, baseada naquele catolicismo denunciado por Lutero no medievo. 

Tenho tentado despojar-me do preconceito para tentar compreender melhor a tradição católica e tenho me impressionado e me surpreendido quanto mais aprendo. Tenho quatro dúvidas que gostaria que me fossem respondidas se possível.

— A primeira pergunta refere-se à reza e às repetições. Jesus, antes de ensinar como se deve orar, disse o seguinte:

"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes." [Mateus 6:7-8] 

Se logo antes de ensinar o Pai Nosso Cristo pede que não façamos uso de vãs repetições, por que se reza com repetições?

— A segunda pergunta refere-se às imagens. O segundo mandamento diz:
"Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra." [Êxodo 20:4] 

Por que, então, faz-se imagens? 

— A terceira refere-se às intercessões feitas aos santos ou mesmo à virgem Maria. Paulo, diz o seguinte: 

"Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem." [1 Timóteo 2:5] 

Ora, se apenas Cristo é o mediador entre Deus e os homens, por que os católicos apelam a outros mediadores, além de Cristo? 

— A última refere-se à salvação. Uma das cinco solas da tradição reformada defende que o homem é justificado somente pela sua fé. Eu discordo disso, crendo que a salvação é obtida pela fé, numa conjunção com as obras. Se não fosse desse modo, o texto de Hebreus 12.14 não diria que sem a santificação ninguém verá o Senhor ou não se falaria de pecados que têm por conseqüência que não se verá a Deus. Costuma-se utilizar o argumento de que o converso, certamente, seguirá o caminho da santificação, mas acho tal argumento controverso e sem justificação. Qual a visão da Igreja Católica a respeito do assunto? Sempre ouvi dizer que ela prega que a salvação vem pelas obras.

Espero que as minhas perguntas sejam respondidas assim que possível e agradeço, desde já, a atenção dispensada. 

Paz de Cristo!
Fábio Salgado"
  Fiz algumas modificações na última pergunta porque na época fui impreciso, falando de "graça" em vez de fé. Não conhecia naquela época o documento assinado no dia 31 de outubro de 1999 intitulado "Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação".
(http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_31101999_cath-luth-joint-declaration_po.html)
No ponto 15 dessa declaração, luteranos e católicos afirmam: "Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras". Esse documento é muito claro. Recentemente, um pastor disse para mim que a Igreja Católica não crê que somos salvos somente pela graça. Quando eu disse que ele estava errado, ele simplesmente disse que isso era óbvio. Quando eu mencionei esse documento, ele, simplesmente, disse que não iria ler nada. Nesse momento, tenho de deixar algo claro aqui. O professor Olavo de Carvalho, no seu já mencionado programa TrueOutspeak, certa feita, disse o seguinte:

"Se o cara não estudou, não sabe, tem é que calar a boca. Eu acho que o direito de ter opinião é proporcional ao interesse sincero que você tem pelo assunto. Se você não tem interesse pelo assunto pra você sequer ler alguma coisa, por que nós devemos ter interesse em ouvir a sua opinião?"

Aqueles que conhecem o tom do professor nesse programa — o tom dele nas suas aulas é completamente diferente — devem saber que o professor não foi tão educado e polido como procuro ser — infelizmente ou felizmente (não saberia dizer ao certo). Aqui está a sua fala completa: http://www.youtube.com/watch?v=pzZNeBam6ZQ . Concordo com ele: as pessoas não estudam e simplesmente querem opinar sobre aquilo que não entendem.

Voltando à minha pergunta de 2011, recebi a seguinte resposta no mesmo dia:

      "Salve Maria!
    Caro Fábio,
    Muito obrigado pela sua mensagem.
    Sua pergunta já foi encaminhada e na medida do possível, será respondida pelo Pe. Paulo Ricardo durante o podcast "A Resposta Católica".

    Aconselho que assista os vídeos dos links abaixo:
    http://padrepauloricardo.org/audio/18-a-resposta-catolica-intercessao-dos-santos/

    http://padrepauloricardo.org/audio/20-a-resposta-catolica-culto-aos-santos-e-sua-imagens/

    Gostaria de aproveitar a oportunidade e convidá-lo a participar dos cursos online do site padrepauloricardo.org e ajudá-lo nesse projeto de formação e incentivar outros a fazê-lo. Nele encontrará um vasto conteúdo para defender e ensinar a fé católica com mais firmeza e solidez.
    Ajude-nos a manter este trabalho de apostolado na internet, pela formação dos católicos, por amor a Santa Igreja e sua Sagrada Tradição.
    Contamos com as suas orações.
    Deus o abençoe sempre.

    Ad maiorem Dei gloriam
    Equipe Christo Nihil Praeponere - padrepauloricardo.org "


Os dois vídeos indicados foram o estopim para que eu percebesse que eu sabia absolutamente nada sobre o Catolicismo e que deveria dar-me ao trabalho de estudar seriamente o assunto. Infelizmente, na época, era um mero bolsista de iniciação científica da UnB e não tinha dinheiro para pagar o acesso ao site do padre Paulo Ricardo e sabia que meus pais nunca aceitariam ajudar-me a pagar cursos sobre o Catolicismo. No dia seguinte, mandei outra mensagem, angustiado com o pouco conhecimento que percebi ter:

    "Padre Paulo Ricardo, o senhor poderia indicar uma bibliografia para quem quer entender o Catolicismo? Além dos documentos da igreja, do ponto de vista da Teologia Católica, quais textos o senhor recomendaria?

    Abraço e paz de Cristo!"

Recebi a resposta, novamente, no mesmo dia:

    "Salve Maria!
    Caro Fábio,
    Muito obrigado pela sua mensagem.
    Recomendo que comece por estudar a História da Igreja.
    Segue abaixo algumas indicações:

    DUÉ, Andrea.  Atlas histórico do cristianismo. Aparecida-SP: Santuário; Petrópolis: Vozes, 1999.
    FRÖLICH, Roland. Curso básico de história da Igreja. 4ª ed. São Paulo: Paulus, 2005.
    RATZINGER, Joseph. Compreender a Igreja hoje: vocação para a comunhão. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
    BIHLMEYER; TUECHLE, Hermann.  História da Igreja: antiguidade cristã. São Paulo: Paulinas, 1964.
    DANIÉLOU, Jean; MARROU, Henri. Nova história da Igreja: dos primórdios a São Gregório Magno, v. 1. Petrópolis: Vozes, 1965.
    PIERINI, Franco. A idade antiga: curso de história da Igreja, vol. 1. São Paulo: Paulus, 1998.
    ROMAG, Dagoberto.  Compêndio de história da Igreja: a antiguidade cristã, v.1, 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1949.
    SESBOÜÉ, Bernard; WOLINSKI, Joseph.  O Deus da Salvação. Col.: SESBOÜÉ, B. (dir.) História dos Dogmas, vol. 1. São Paulo: Loyola, 2002.
    VERDETE, Carlos.  História da Igreja Católica: das origens até o cisma do Oriente (1054), v. 1. São Paulo: Paulus, 2006.
    DANIEL-ROPS, Henri. História da Igreja de Cristo. Tradução de Henrique Ruas; revisão de Emérico da Gama - São Paulo: Quadrante, (10 vols.), 2006.
    LLORCA, Bernardino; GARCÍA-VILLOSLADA, Ricardo e LABOA, Juan María. Historia de la Iglesia Católica. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (5 vols.), 2005.

    Contamos com as suas orações.
    Deus o abençoe sempre.

    Ad maiorem Dei gloriam
    Equipe Christo Nihil Praeponere"

Resolvi levar a sério a recomendação e comecei a estudar seriamente a história do Cristianismo e da Igreja Católica. Faço questão de ressaltar que fui respondido no mesmo dia porque já procurei corresponder-me com muitos pastores do meio cristão brasileiro, mas fui ignorado na maior parte das vezes. Creio que o estrelato deve ter subido às suas cabeças, pois consigo corresponder-me mais facilmente com filósofos estrangeiros extremamente produtivos de maneira muito mais fácil. Conto nos dedos das mãos os filósofos do exterior que deixaram de dar-me respostas. Não posso deixar de citar uma das poucas exceções, que foi o pastor Luiz Sayão, que respondeu inúmeros questionamentos meus por meio do seu programa "Conversando com Luiz Sayão" (http://rtm.radio.br/novo/interna/radio/conversando-com-luiz-sayao). Até hoje estou estudando a bibliografia acima que me foi indicada. Os cinco volumes de Llorca, García-Villoslada e Laboa, por exemplo, eu só comprei recentemente. Antes de ler e estudar essa bibliografia, já tinha estudado a história do Cristianismo da perspectiva de alguns protestantes como, por exemplo, a "História Ilustrada do Cristianismo" de Justo L González, quando ainda não tinha sido editada em apenas dois volumes, e "Uma História do Cristianismo", de Kenneth Scott Latourette. Lembro-me de que algo que me impressionou ao ler González foi que ele já apontava que, na verdade, a Contrarreforma começou antes da Reforma, por mais paradoxal que seja a partir dos nomes. Já na Espanha, a Igreja Católica já tinha começado várias reformas antes de Lutero. É importante dizer aqui que Lutero, de fato, estava certo em muita coisa. Havia, realmente, muitos abusos por parte do Clero. Lutero estava vivo quando o famoso Papa Alexandre VI, o Bórgia, foi eleito. Para ter a imaginação estimulada, recomendo a série "The Borgias".

Por falar em Lutero, resolvi começar a lê-lo por conta própria (procurem os vários volumes de "Obras Selecionadas" lançadas pela Editora Sinodal). Fiquei horrorizado com Lutero. Descobri que, por exemplo, Lutero acrescentou o termo "alleyn", em Romanos 3.28, para reforçar sua doutrina. Procurem os debates desse sujeito com Erasmo de Roterdã, por exemplo, e vejam como ele era grosseiro. As pessoas não têm o trabalho de, por exemplo, ler as 95 teses de Lutero e mal sabem que ele mesmo não era avesso às indulgências, mas apenas ao comércio de indulgências como se vê claramente na sua septuagésima segunda tese: "Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.". Quem nunca se deu ao trabalho de ler todas as teses, pode fazê-lo aqui:
http://www.monergismo.com/textos/credos/lutero_teses.htm

Cresci ouvindo as pessoas dizerem que a Igreja desestimulava a leitura da Bíblia, assim como a sua tradução. Se vocês consultarem o "The Cambridge History of the Bible", especificamente o volume 2, "The West from the Fathers to the Reformation", editado por G. W. H. Lampe, vocês verão, por exemplo, que muito antes de Lutero, 58 anos antes, já havia a primeira Bíblia impressa no Alemão e que durante esses 58 anos os católicos imprimiram 30 diferentes edições alemãs da Bíblia — procurem, também, o livro "As diferenças entre a Igreja Católica e Igrejas Evangélicas", de autoria do ex-protestante Jaime Francisco de Moura. Isso não foi exclusividade da Língua Alemã, mas ocorre, por exemplo, com o Espanhol, o Holandês, o Francês, em Inglês, entre outros idiomas.

Percebi que o desconhecimento era generalizado: até mesmo aqueles que se diziam ex-católicos sabiam de absolutamente nada da Doutrina Católica. O sociólogo Alberto Carlos Almeida — vejam as entrevistas dele ao Roda Viva e à Marília Gabriela — costuma apontar que os protestantes sempre foram bons na educação do povo em geral e que os católicos sempre foram bons na educação da elite — prova disso são as diferenças entre os índices educacionais de países majoritariamente protestantes e majoritariamente católicos, além do nível acadêmico das universidades católicas e das universidades protestantes. Como os protestantes baseiam-se no "Sola Scriptura", eles estavam extremamente interessados em alfabetizar as pessoas. Foi-se, entretanto, o tempo em que os protestantes eram conhecidos pelo seu domínio das Escrituras, uma vez que há protestantes de todo tipo hoje, inclusive denominações que, incrivelmente, desaconselham a leitura da Bíblia. Ouvi recentemente um batista tradicional beirando os sessenta anos dizendo-me que nunca tinha ouvido falar do "Sola Scriptura". Da mesma maneira, pegue uma igreja presbiteriana tradicional ou uma batista tradicional que defenda ferrenhamente que o cristão deve apenas basear-se nas Escrituras. Serão raros aqueles que terão lido a Bíblia toda durante anos de conversão. Digo isso porque os católicos são conhecidos por seu desconhecimento das Escrituras, mas creio que se levarmos em conta o conhecimento que um católico médio tem da Tradição, considerando-se que o católico não aceita a "Sola Scriptura", e formos comparar com o conhecimento de um protestante médio acerca das Escrituras, a diferença não será tanta.

Voltando à fala de algumas pessoas que falam sobre o desestímulo da leitura da Bíblia, reproduzo aqui um trecho do livro do Jaime de Moura que já mencionei:

 "João Crisóstomo (354-407 dC), doutor da Igreja, escreveu: 'É isto que tem destruído todas as coisas: vocês pensarem que a leitura da Escritura é tarefa apenas para os monges, quando na verdade vocês precisam dela muito mais do que eles. Aqueles que se põem no mundo e diariamente são feridos têm mais necessidade da medicina. Assim, age bem pior aquele que não lê as Escrituras, supondo que são supérfluas. Tais coisas são invenção do diabo' (Homilia sobre Mat. 2,5).

 Papa S. Gregório I (+604 dC), escreveu: 'O Imperador dos Céus, o Senhor dos homens e dos anjos, enviou suas epístolas para vós, para que aproveiteis a vossa vida, mas vós negligenciais a lê-las devidamente. Estudai e meditai diariamente sobre as palavras do vosso Criador - eu vos imploro. Aprendei o coração de Deus nas palavras de Deus, para que possais aspirar as coisas eternas, para que vossas almas possam ser despertadas pelo desejo da alegria celestial" (Epístola V,46).

 S. Bernardo de Clairvaux (1090-1153 dC), doutor e padre da Igreja, escreveu: 'A pessoa que deseja muito a Deus estuda e medita sobre a Palavra inspirada, para conhecer o que ela diz. É assim que essa pessoa certamente encontra aquele a quem deseja' (Comentário ao Cântico dos Cânticos, Sermão 23,3).

 Papa S. Pio X (1903-1914 dC), escreveu: 'Nada poderia nos alegrar mais do que ver nossos queridos filhos criarem o hábito de ler os Evangelhos, não apenas de tempos em tempos, mas diariamente'.

 Finalmente, o Catecismo da Igreja Católica declara: 'A Igreja 'exorta com veemência e de modo peculiar todos os fiéis cristãos... a que, pela freqüente leitura das divinas Escrituras, aprendam «a eminente ciência de Jesus Cristo» [Fil. 3,8]. «Porquanto ignorar as Escrituras é ignorar Cristo»' [S. Jerônimo]" (CIC 133).

 A proibição de que falam os protestantes, é que o Concílio de Tolosa (França) proibiu traduções da Bíblia para o vernáculo para evitar erros, proibição retirada pelo Concílio da Tarragona (Espanha) em 1233.

O Sínodo de Oxford (1408) proibiu a publicação e a leitura de textos vernáculos da Bíblia não autorizados. O mesmo se deu no Sínodo dos Bispos alemães em Mogúncia (1485), devido a confusão doutrinária criada por John Wiclef (1320-84). O Concílio de Trento (1545-1563) declarou autêntica a Vulgata latina, tradução devida a S. Jerônimo (+420) e decretou que as traduções da Bíblia deveriam conter o visto do Bispo diocesano, para se evitar abusos de tradução.
 Isso aconteceu porque a Igreja exerce seu papel de zelar pela fidelidade da doutrina conf. (2 Timóteo 4, 2); (Tito 1, 13). É o que aconteceu ao contrário com os protestantes. Lutero divulgou a Bíblia para que cada um pudesse interpretar a sua maneira.".

Estou mencionando alguns pontos de equívoco aqui porque a confusão dos protestantes acerca do Catolicismo é enorme! Nesta semana, um pastor perguntou-me se eu cria na Infalibilidade Papal. Após a minha resposta afirmativa, ele perguntou se eu achava que o Papa não pecava. Quando eu falei que era óbvio que não e que, inclusive, o Papa confessava-se toda semana, ele achou que eu estava contradizendo-me. O referido pastor disse-me que as encíclicas papais contradizem-se. Uma pessoa que não compreende nem ao menos a doutrina da Infalibilidade Papal e que não sabe que ela refere-se apenas a definições "ex cathedra" e que encíclicas não são declarações desse tipo, simplesmente, não entende em absoluto a Doutrina Católica. O que tenho visto em todos os textos com críticas ao Catolicismo que procurei, de Boettner a Aníbal Pereira dos Reis, são falsificações grosseiras. Pessoas que, definitivamente, não entenderam nada da doutrina católica, que, simplesmente, não estudaram. Assim diz o Catecismo da Igreja Católica, que estudo todos os dias desde março deste ano:

    "891 " 'Goza desta infalibilidade o Pontífice Romano, chefe do colégio dos Bispos, por força de seu cargo quando, na qualidade de pastor e doutor supremo de todos os fiéis e encarregado de confirmar seus irmãos na fé, proclama, por um ato definitivo, um ponto de doutrina que concerne à fé ou aos costumes... A infalibilidade prometida à Igreja reside também no corpo episcopal quanto este exerce seu magistério supremo em união com o sucessor de Pedro', sobretudo em um Concílio Ecumênico[1611]. Quando, por seu Magistério supremo, a Igreja propõe alguma coisa 'a crer como sendo revelada por Deus'[1612] e como ensinamento de Cristo, 'é preciso aderir na obediência da fé a tais definições'[1613]. Esta infalibilidade tem a mesma extensão que o próprio depósito da Revelação divina[1614]."

    [1611] LG 25; Vaticano I: DS 3074.
[1612] DV 10
    [1613] LG 25
[1614] Cf. LG 25"

   Vejam que o texto acima é muito restrito com relação à Infalibilidade Papal — percebam, também, que ele cita documentos da Igreja e dos Concílios. Para uma visão introdutória destes, recomendo o livro "História dos concílios ecumênicos" organizado pelo Giuseppe Alberigo. Para vocês terem uma idéia, as duas únicas declarações "ex-cathedra" em 2000 anos foram os dogmas da Imaculada Conceição (1854) e da Assunção (1950). Um bom livro para quem nunca estudou nada ter uma noção bem introdutória dessas doutrinas é o livro "Catolicismo para leigos", de John Trigilio Jr. e Kenneth Brighenti.

   São muitas as barbaridades que ouço de protestantes que, comprovadamente, não estudaram. Ouvi, também nesta semana, alguém dizendo que a Teologia Católica é feita apenas do aristotelismo. Essa pessoa, simplesmente, desconhece tanto a história da Filosofia quanto do Cristianismo, pois qualquer estudante de Filosofia Medieval e Antiga sabe que Aristóteles era muito mal visto pela cristandade, que o conhecia pouco, uma vez que o movimento de tradução das duas obras deu-se no fim do século XII. Tomás de Aquino foi o grande responsável pela incorporação de Aristóteles à teologia cristã.

   Um pastor afirmou para mim que as heresias da Igreja Católica começaram com Constantino, repetindo o que todo protestante fala. Quando o acusei de desconhecimento, fui acusado de ter o costume de diminuir as pessoas. Creio que ele não fazia idéia do que eu estava falando porque apostaria todos os meus livros que ele não estudou nem 1% da literatura referente à patrologia greco-latina e siríaco-oriental. Para vocês terem uma idéia do que eu estou falando, dêem uma olhada nos 221 volumes da patrologia latina (http://www.logos.com/product/28902/patrologiae-cursus-completus-series-latina), nos 167 volumes da patrologia grega (http://www.logos.com/product/28903/patrologiae-cursus-completus-series-graeca) e nos 18 volumes da siríaco-oriental que ainda não está completa
(http://www.logos.com/product/28982/patrologia-syriaca). Se alguma alma caridosa quiser comprar esse material para mim, ficaria muito grato.

   Vamos voltar à minha história. No ano passado, uma colega minha perguntou-me, sabendo que gosto muito de ler, se eu já tinha lido Chesterton e o que achava dele. Vergonhosamente, disse que nada conhecia dele. Resolvi, então, comprar tudo o que havia sido lançado dele em Português, apenas por uma questão de facilidade de acesso, e não por eu ser monoglota, uma vez que ainda não tinha as condições que tenho hoje de importar livros, graças à minha bolsa de mestrado. O Chesterton, simplesmente, tornou-se um dos meus autores favoritos. Ele é um escritor realmente muito talentoso. Quando estava no meu terceiro ou quarto livro dele, descobri que ele era um ex-anglicano converso ao Catolicismo. Fiquei muito impressionado com aquilo e fui procurar livros dele tratando o assunto. Cheguei ao livro "Todos os caminhos levam a Roma". Pesquisando sobre esse livro, cheguei ao livro "Todos os caminhos vão dar a Roma" do casal Hahn, que na edição mais nova foi traduzido com precisamente o mesmo título do livro de Chesterton. Por curiosidade, comprei os dois livros. O interessante é que o título original "Rome sweet home" é um trocadilho intraduzível com "Lar, doce lar". Ninguém me recomendou o livro do casal Hahn, mas cheguei a ele por essa feliz "coincidência".

   Se você, leitor, quer entender um pouco sobre como se deu a minha conversão, leia o livro do casal Hahn, Scott e Kimberly. É um livro maravilhoso! Ele fez toda a diferença na minha vida. Ele conta a história de um casal que era presbiteriano e calvinista e que se converteu ao Catolicismo durante os seus anos de estudo de Teologia. É uma bela história. Virei um fã do Scott Hahn e saí comprando tudo o que havia dele em Português para depois comprar os ebooks dele que ainda não tinham sido traduzidos.

   Depois que terminei a leitura desse livro, uma série de "coincidências" começaram a ocorrer. Estava estudando Existencialismo em um curso ministrado pelo meu atual orientador, Julio Cabrera, e vimos uma série de autores católicos: Gabriel Marcel, Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. é bom dizer que o professor Cabrera não é religioso. Só não digo que ele é ateu porque creio que ele não gostaria de ser classificado assim por crer que não precisa posicionar-se acerca de uma questão que ele não aceita. Na mesma semana, minha namorada enviou-me um vídeo da Gabriela Rocha cantando a canção "Restless" (http://www.youtube.com/watch?v=ooQhH3AIu2A). Quando fui procurar quem era a cantora original, descobri a Audrey Assad, uma ex-protestante que se converteu ao Catolicismo. Por meio dela, cheguei ao Matt Maher, outro músico ex-protestante converso! Sem que eu fizesse esforço, encontrava uma série de conversos ex-protestantes. Durante a minha vida toda, nunca tinha ouvido falar dessas conversões, mas apenas de ex-católicos. O meu próprio pai é um ex-católico. Agora, desafio o leitor a procurar na rede livros e depoimentos de ex-católicos que se converteram ao Protestantismo e de ex-protestantes que se converteram ao Catolicismo. Em primeiro lugar, os últimos são inúmeros. Você encontrará muitos depoimentos. Infelizmente, o material em Português não é tão vasto como aquele de Língua Inglesa. O Jaime Francisco de Moura, que já citei, tem um livro chamado "Por que estes ex-protestantes se tornaram Católicos! Testemunhos de ex-pastores e leigos que voltaram à Igreja Mãe". Há, também, o livro "Homens que regressaram à Igreja" do Severin Lamping. Para quem lê na Língua Inglesa, há uma série de três livros editados pelo Patrick Madrid: "Surprised by truth: 11 converts give the biblical an historical reasons for becoming catholic"; "Surprised by truth 2: 15 men and women give the biblical and historical reasons for becoming catholic"; "Surprised by truth 3: 10 more converts explain the biblical and historical reasons for becoming catholic". Compare o nível dos argumentos dos dois lados. Para ser sincero, nunca encontrei um protestante anticatólico que demonstrasse conhecer a doutrina católica. Ainda estou à procura desse livro porque, por enquanto, só encontro argumentos falaciosos que fazem uso de espantalhos. O padre Paulo Ricardo fala num vídeo que os protestantes, em sua grande maioria, rejeitam uma completa caricatura da fé católica (http://www.youtube.com/watch?v=1Pu0AP4VvwU). Os católicos baseiam-se, também, na Tradição. Os textos da patrologia que coloquei aqui são apenas o começo dessa Tradição. Pergunto-me quantos protestantes já leram pelo menos o Catecismo da Igreja Católica. A resposta é óbvia a partir das acusações infundadas que já demonstram ignorância apenas pelo questionamento.

   Discutirei agora o que um apologista católico, também ex-protestante, chamado Dave Armstrong, chama de "o calcanhar de Aquiles do Protestantismo", que é o "Sola Scriptura". Essa doutrina afirma que as Escrituras são tomadas como a única regra de fé e conduta. Se existe algo que aprendi com a Filosofia Analítica, especificamente, com o Paradoxo de Russell, foi que sempre temos de considerar o critério da autorreferência. Se a Escritura é a única base de fé e conduta, pergunto-me onde está isso na Bíblia. A resposta é: não está! Mostrem-me um versículo sequer que afirme isso; pelo contrário, vocês encontrarão inúmeros textos contra a "Sola Scriptura". O próprio Dave Armstrong, que já citei, tem um livro chamado "100 biblical arguments against Sola Sciptura". Eu concordo plenamente com o Armstrong e creio que se a "Sola Scriptura" for derrubada todo o Protestantismo desaba junto. Apenas isso já é suficiente para abandonar o Protestantismo a meu ver. Por isso, estou estudando um vasto material para eu mesmo escrever um livro chamado "O calcanhar de Aquiles do Protestantismo". Para citar apenas alguns textos sobre o assunto, há o livro "Not by Scripture Alone: A Catholic Critique of the Protestant Doctrine of Sola Scriptura", do Robert A. Sungenis, e a trilogia "Holy Scripture: The Ground and Pillar of Our Faith" — "Volume I: A Biblical Defense of the Reformation Principle of Sola Scriptura" (David T. King); "Volume II: An Historical Defense of the Reformation Principle of Sola Scriptura" (William Webster); "Volume III: The Writings of the Church Fathers Affirming the Reformation Principle of Sola Scriptura" (David T. King; William Webster). Como vocês podem ver, esta trilogia defende o "Sola Scriptura". Eu vou ler e estudar essas 1107 páginas de defesa do "Sola Scriptura", fora os outros livros que estou organizando como bibliografia. Isso não é nada mais do que a minha obrigação porque isso é ter honestidade intelectual, o que está difícil de encontrar no Brasil.

   Outro ponto com relação à "Sola Scriptura" é que foi a Igreja quem compilou as Escrituras. Por que os protestantes aceitam a Bíblia como ela está? Que arbitrariedade é essa? Simplesmente, não tem lógica crer que Deus inspirou quem escreveu, mas não inspirou quem ouviria a mensagem e identificá-la-ia como inspirada, como costuma dizer o padre Paulo Ricardo. Por que os protestantes aceitam a autoridade da Igreja Católica para escolher o Novo Testamento, mas não aceitam a autoridade da Igreja para escolher o cânone do Antigo Testamento? Se você quer jogar fora a autoridade da Igreja, jogue fora junto as Escrituras que a própria Igreja escolheu. Tenhamos em mente, agora, a seguinte situação: suponha que alguém me deu uma série de jornais antigos e que eu estou fazendo uma seleção apenas dos noticiários sobre assassinatos, jogando fora todo o resto. Digamos que eu tenha compilado um livro com esse material. Você não encontraria nele, pelo menos em princípio, nada que falasse de eventos que nada tivessem a ver com um assassinato. Da mesma maneira, a Igreja Católica compilou as Escrituras de acordo com a Tradição, com aquilo que ela tinha na oralidade — os métodos foram muitos, mas nos detenhamos apenas nesse quesito a título de argumentação. Vocês acreditam mesmo que haveria algo nas Escrituras que seria contraditório à Tradição e à Doutrina Católica? É muita ingenuidade pensar isso. Alguém pode questionar-me, dizendo que a Igreja Católica perverteu-se com o tempo; no entanto, sinto informá-lo de que o reconhecimento de dogmas no decorrer da história da Igreja, como a Imaculada Conceição ou a Assunção, já mencionadas neste texto, foram apenas reconhecimentos de algo que já estava presente na Igreja. Os diversos textos dos padres apostólicos, por exemplo, comprovam todas as doutrinas católicas. Depois que me convenci de que a "Sola Scriptura" estava, realmente, equivocada, fui procurar os argumentos católicos para as suas doutrinas e fui vendo que todas têm base bíblica. Um outro apologeta ex-protestante que posso recomendar é o filósofo Peter Kreeft. Que princípio é esse que não existiu durante mais de duzentos anos enquanto os cristãos não tinham uma Bíblia compilada e que seria impossível de ser aplicado na Idade Média quando não havia imprensa, as Bíblias eram copiadas à mão e a maior parte das pessoas nem sabia ler? Teria Cristo abandonado a sua Igreja, em vez de estar com ela "todos os dias" como prometeu em Mateus 28.20, resolvendo reaparecer apenas com Lutero e os reformadores depois no século XVI?

   Sempre gostei de interpretação de texto. Uma das áreas que mais estudei em Teologia foi Hermenêutica. Estudando autores como Grant R. Osborne, Kevin Vanhoozer, Uwe Wegner, Gordon Fee, Douglas Stuart, entre outros, você dá-se conta de que a metodologia para interpretar-se a Bíblia, simplesmente, não está na Bíblia. Isso é externo a ela. Envolvi-me durante muito tempo com discussões com calvinistas, uma vez que era arminiano. Percebi, em um dado momento, que, simplesmente, o embate nunca seria resolvido por meio das Escrituras: os dois lados faziam uso delas, mas tinham pressupostos de leitura distintos. Quando li pela primeira vez a Bíblia após ter estudado Descartes, fazendo uso do seu método da dúvida hiperbólica, cheguei à conclusão de que a Bíblia não poderia ser a Palavra de Deus de modo algum, pois achava que a Bíblia não poderia ter nenhum erro de nenhuma estirpe. Ainda não conhecia aos 15 anos as discussões sobre infalibilidade bíblica, inerrância etc. . Acreditei, durante um tempo, que a Ciência seria a norteadora da interpretação bíblica. Com o tempo, percebi que aquilo não daria certo e acreditei que a Lógica seria a condutora; no entanto, vi fracassar esse critério também depois de estudar a fundo. É importante ressaltar que levei a sério o estudo do Trivium medieval — Lógica, Gramática e Retórica. No medievo, era imprescindível que um teólogo estudasse isso; hoje, infelizmente, os teólogos não sabem nem escrever e compreender um texto, quanto mais saber Lógica e Filosofia — creio sinceramente que não se faz Teologia sem Filosofia. No ano passado, usando recursos de Lógica Modal em discussões com um pastor, ele disse que Matemática tinha nada a ver com aquilo. Ele, simplesmente, desconhecia toda a literatura de Filosofia Analítica da Religião. Autores como William Lane Craig, Plantinga ou Swinburne, que qualquer estudante de graduação que estude uma introdução de Filosofia da Religião conhece, usam e abusam de ferramentas lógicas. Quando você denuncia essa inaptidão, ainda por cima, é tido por arrogante, em vez de essas pessoas serem tidas por picaretas. Enfim, o que quero dizer aqui é que percebi que se não apelássemos à Tradição da Igreja, cairíamos num vale-tudo, como de fato o Protestantismo caiu, com suas mais de 30 mil denominações, com outras mil surgindo diariamente, como indicam as estatísticas — não me lembro de onde li isso para indicar os números precisos e a fonte exata. É importante ressaltar que toda vez que se fala de "Tradição" as pessoas falam de "tradições humanas". A própria Igreja Católica faz essa distinção. A Tradição da Igreja são "as verdades transmitidas através dos tempos pela viva Voz de Cristo na sua Igreja". Tradições humanas "são leis feitas por homens e que podem ser modificadas.".

   O próprio Lutero, com o tempo, percebeu o seu erro:

    "Este não quer o batismo, aquele nega os sacramentos; há quem admita outro mundo entre este e o juízo final, quem ensina que Cristo não é Deus; uns dizem isto, outros aquilo, em breve serão tantas as seitas e tantas as religiões quantas são as cabeças.". [Luthers M. In. Weimar, XVIII, 547; De Wett III, 61)

    "Se o mundo durar mais tempo, será necessário receber de novo os decretos dos concílios (católicos) a fim de conservar a unidade da fé contra as diversas interpretações da Escritura que por aí correm.". (Carta de Lutero a Zwinglio. In Bougard, Le Christianisme et les temps presents, tomo IV (7), p.289)

   Retirei as duas citações acima de outro livro que indico: "Em defesa da Fé Católica nas questões mais difíceis", do Alessandro Lima.

   Outro ponto do qual discordo há tempos é o "Sola Fide", como vocês podem ver na pergunta de 2011 que fiz ao padre Paulo Ricardo. Leiam Tiago. O livro é muito claro e só não enxerga quem não quer. Lutero sabia disso e por isso dizia: "A carta de Tiago é uma carta de palha, pois não contém nada de evangélico" ("Preface to the New Testament', ed. Dillenberger, p. 19). Todo o Novo Testamento, com as suas advertências para o cristão, simplesmente, não faz sentido se as obras são conseqüências necessárias da fé. Aqui, é importante ressaltar que o católico não crê que as obras salvam. Ouvi o absurdo por parte de um pastor que os sete sacramentos serviam para a salvação. Ele, simplesmente, não sabia nem a definição de um sacramento: "um sinal sensível e eficaz da graça, instituído por Jesus Cristo para santificar as nossas almas". Aproveito aqui para recomendar o excelente livro do Leo J. Trese chamado "A fé explicada". Para quem quer ter uma visão panorâmica do Catolicismo, é um ótimo livro. O Sungenis, que já citei aqui, tem um livro de 773 páginas chamado "Not by faith alone: a biblical study of the catholic doctrine of justification" sobre o assunto. O livro do Trese diz o seguinte:

    "Certa vez, li na secção de pequenas notícias de um jornal que um homem construiu uma casa para a sua família. Ele mesmo executou quase todas as obras, investindo todas as suas economias nos materiais. Quando a terminou, verificou com horror que se tinha enganado de propriedade e que a tinha construído no terreno de um vizinho. Este, tranqüilamente, apossou-se da casa, enquanto o construtor não pôde fazer outra coisa senão chorar o dinheiro e o tempo perdidos.
       Por lamentável que nos pareça a história deste homem, não chega a ter importância se a compararmos com a da pessoa que vive sem a graça santificante. Por nobres e heróicas que sejam as suas ações, não têm valor aos olhos de Deus.".

   Vejam que as obras isoladamente, sem a Graça, não servem para nada! Agora, quantos de vocês já ouviram pessoas repetindo que a Igreja Católica crê que as pessoas são salvas pelas obras? Leiam o documento que mencionei neste texto sobre a justificação para vocês entenderem melhor o que a Igreja Católica entende sobre a questão.

   Estudando cada vez mais a Doutrina da Igreja Católica, senti-me extremamente solitário: afinal, estava chegando a várias conclusões apenas por meio do estudo, sem interagir com ninguém que pudesse ajudar-me. Comecei a orar a Deus pedindo ajuda. No dia 24 de maio, fui participar de uma reunião com um grupo de Brasília que pretendia iniciar estudos sobre o Conservadorismo. Quando apareci na reunião, estava lá apenas o Felipe Melo, autor do blog "Juventude Conservadora da UnB"
(http://unbconservadora.blogspot.com.br/).

   Sabia que o Felipe tinha se tornado católico, se não me engano, em 2011. Como estávamos só nós dois, acabamos conversando e disse a ele que estava em uma jornada de conversão ao Catolicismo. Ele disse-me que logo depois da reunião ele iria ao CEAC (http://www.ceacdf.org.br/), um centro católico da Opus Dei. Fiquei meio assustado e disse a ele que o que eu conhecia da Opus Dei vinha dos livros do Dan Brown. Ele logo tranqüilizou-me, dizendo que não encontraria pessoas mutilando-se lá e nem sangue espalhado pelo chão. Fiquei, também, mais tranqüilo porque sabia que o próprio Scott Hahn é da Opus Dei, por meio do seu livro sobre o assunto chamado "Trabalho ordinário, graça extraordinária". Chegando lá, gostei bastante do ambiente. Fui muito bem recebido e acolhido. Ele falou-me do padre Rafael Stanziona de Moraes, cujo livro "Por que confessar-se" recomendo fortemente: o meu entendimento da confissão mudou completamente depois dessa leitura. O Felipe disse-me que o padre Rafael era formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP, em Física pela mesma Universidade, que tinha sido professor do IME aos 21 anos, que havia feito mestrado em Matemática e que tinha se doutorado em Teologia Moral pela Universidade de Navarra. Fiquei muito empolgado ao saber disso porque eu mesmo iniciei minha vida acadêmica na Física, fui para a Matemática e terminei na Filosofia. Ainda por cima, estava estudando uma série de textos sobre Teologia Moral. O Felipe disse-me que ele tinha um acompanhamento com o padre Rafael e eu disse que gostaria de fazer o mesmo. Isso ocorreu em uma sexta-feira. Marquei, então, um encontro com o padre Rafael para a terça seguinte.

   Antes de continuar a história, outra razão que me levou ao Catolicismo foi a questão da Moral. No ano passado, por meio de discussões com o professor Julio Cabrera sobre a sua Ética Negativa, após uma série de conferências que fui na UnB, comecei a interessar-me por Ética. Sempre fui uma pessoa mais teórica, meu principal interesse na época era Lógica e Filosofia da Linguagem. Nunca achei que fosse ter interesse em estudar Ética, o que hoje me parece absurdo. Só fui ter aulas pela primeira vez com o professor Cabrera, por quem já tinha admiração desde 2007 — cito ele no meu antigo flog:  (http://www.fotolog.com.br/fabiosal/23552538/) —  no primeiro semestre de 2011. O professor Cabrera, embora eu tivesse dito a ele que nunca tinha estudado nada de Ética e nem feito a disciplina, que fui fazer no meu último semestre na graduação, nunca me desprezou. Pelo contrário, chegou a escrever um texto respondendo questões que tinha feito a ele http://pt.scribd.com/doc/98045319/ACERCA-DO-CARATER-CONTINGENTE-DA-ETICA-NEGATIVA-Julio-Cabrera . Ainda estou devendo uma resposta a ele. Digo isso porque já tive a experiência de pessoas acreditarem que o seu diploma é uma razão suficiente para que se tenha alguma autoridade, desprezando quem não tenha um. O filósofo Olavo de Carvalho, que mencionei aqui, não tem diploma e é, simplesmente, a pessoa mais culta que já conheci. O professor Cabrera sempre me tratou com igualdade em todas as discussões que já tive com ele — e olha que não foram poucas. Meus argumentos sempre foram tratados enquanto argumentos a despeito do fato de eu ter um diploma na época ou não, do fato de ele ter muitos mais anos de estudo que eu, ser muito mais culto ou pelo fato de eu nunca ter estudado Ética. Curiosamente, quando fui fazer oficialmente o curso de Ética, que infelizmente não fiz com o professor Cabrera, dei-me conta de que aprenderia nada nele porque tinha aprendido muito mais por meio das discussões com o professor Cabrera.

   Na época, fui convencido de que a procriação seria imoral, como o professor Cabrera defende a partir da sua Ética Negativa, mas o interessante é que os seus argumentos não dependem do seu sistema ético particular. Durante muito tempo, defendi que a procriação seria imoral e cheguei a convencer outras pessoas, incluindo a minha própria namorada. Um argumento do padre Paulo Ricardo, entretanto, foi crucial para mudar o meu pensamento. Ele dizia que uma pessoa que se questiona sobre o número de filhos já não está pensando a partir de uma cosmovisão cristã, uma vez que toda a Bíblia mostra os filhos como sendo bênçãos, e uma questão que sempre me incomodou a partir daquilo que vejo em outras pessoas sempre foi a questão de elas dizerem-se cristãs defendendo pontos completamente absurdos quando se tem em vista o Cristianismo. Enfim, comecei a buscar literaturas que discutissem a Ética Cristã. Para a minha surpresa, encontrei quase nada produzido entre os protestantes e uma vasta discussão entre os católicos. Tomás de Aquino, Santo Afonso de Ligório, Dietrich von Hildebrand, Bernhard Häring, Servais Pinckaers, Martin Rhonheimer, o próprio Alasdair MacIntyre, que é um filósofo bastante conhecido, Jacques Maritain, entre muitos outros. Todos eles católicos! Fiquei impressionado com toda a discussão moral desses autores. O que me impressionou também foi que várias conclusões a que cheguei em termos de Ética pensando sozinho já eram defendidas pela Igreja Católica. Não foi apenas a Teologia Moral católica que me impressionou, mas a sua Teologia de modo geral. Teólogos como Henri de Lubac, Bernard Lonergan, Hans Urs von Balthasar, Reginald Garrigou-Lagrange, Jean Daniélou, o próprio Ratzinger, o Papa João Paulo II, com a sua Teologia do Corpo maravilhosa, entre muitos outros são de um nível altíssimo. Quando você estuda esses teólogos e passa para um teólogo protestante, a diferença de nível é realmente gritante.

   O Scott Hahn já tinha apontado para uma questão no "Todos os caminhos levam a Roma" que me fizeram ter cuidado com a questão litúrgica. Li dois livros dele sobre o assunto: "O Banquete do Cordeiro" e "A Sagrada Escritura no Mistério da Santa Missa", organizado junto com o Flaherty. O Scott relata no seu livro sobre a sua conversão, as diferença entre a missa e um culto evangélico. Eu sabia que não encontraria um coro todos os domingos com várias vozes como eu tinha na minha igreja antiga. Sabia que não teria um órgão imponente como havia na minha igreja batista. Sabia, entretanto, que os católicos criam na transubstanciação, presença real de Cristo na Missa, e que ela toda tinha uma razão de ser que o Scott Hahn explica muito bem. Depois da explicação dele, não vejo, por exemplo, como entender o Apocalipse sem a Missa — na verdade, é Apocalipse que explica a Missa. Só fui à minha primeira Missa depois de ter certeza de que eu entenderia o que está acontecendo nela em termos litúrgicos. No dia 16 de junho, fui à minha primeira missa na Paróquia São Pedro de Alcântara. Tinha dito ao padre Rafael que a minha antiga Igreja costumava ter um culto muito cuidadoso e que gostaria de freqüentar uma paróquia que tivesse cuidado com a liturgia. Dentre as duas que ele indicou-me, essa era a que ficava mais perto de casa. Foi emocionante ver na Missa tudo aquilo que eu tinha estudado. Vi com os meus próprios olhos como os católicos respeitavam as Escrituras —  o Scott Hahn já tinha explicado que se você for às missas todos os dias durante três anos você escutaria toda a Escritura na Missa, diferentemente dos cultos evangélicos nos quais o pastor prega o que quiser. Já tinha ouvido falar dos milagres eucarísticos, mas tive a oportunidade de presenciar um milagre durante uma Missa no dia 16 de junho na minha própria vida. Isso eu contarei algum dia quando escrever melhor sobre a minha conversão em algum livro. Como dizia Tomás de Aquino, "contra fatos, não há argumentos".

   Uma pessoa que também me ajudou bastante foi um professor meu com quem, também, tive a primeira aula no primeiro semestre de 2011, chamado Scott Randall Paine. Coincidentemente, o professor Scott, que é outra das pessoas mais cultas que já conheci, é um especialista na obra de Chesterton. Ele fez o seu doutorado sobre Chesterton — "Chesterton e o universo". No ano passado, fiz dois cursos com o professor Scott sobre Filosofia Oriental. No segundo semestre, o professor emprestou-me um livro que estava carimbado como "Rev. Scott Randall Paine". Eu perguntei a ele sobre o "Reverendo" e ele disse-me que era padre. Até então, eu não sabia. Contei várias das minhas dúvidas sobre o Catolicismo ao professor Scott e ele ajudou-me com várias delas. Outra coisa que me impressionou muito no Catolicismo é algo que já tinha me impressionado nos meus estudos de religiões orientais: todas elas tinham costumes que envolviam toda a dimensão humana, seja física ou mental. O Protestantismo era muito abstrato quando comparado às grandes religiões — nunca achei que fosse reclamar de excesso de abstração. O Catolicismo possui toda uma dimensão ascética e mística — não confundam com esoterismo! Recomendo o excelente "Compêndio de Teologia Ascética e Mística" do pe. Tanquerey — que não existe no Protestantismo. A minha vida de santificação tem se tornado mais fácil e, por incrível que pareça, o próprio entendimento de várias doutrinas católicas ajudam na sua vida espiritual. Eu seguiria o Catolicismo mesmo que me fizesse mal porque sei que é verdadeiro, mas nunca me senti tão bem na minha vida. Sempre ouvi falar de uma felicidade que o Cristianismo deveria produzir, mas só tenho descoberto essa felicidade depois da minha descoberta do Catolicismo. Deus tem colocado na minha vida pessoas realmente comprometidas com a Sua Palavra e que são extremamente piedosas e, como se já não bastasse a sua piedade, além do mais, conhecem bastante as Escrituras e a Tradição da Igreja Católica.

   Não posso deixar de citar um grande amigo que conheci pelo Facebook, que é o Arthur Olinto, que está passando por uma experiência bem parecida com a minha. Temos planos de escrever um livro sobre a nossa conversão ao Catolicismo. Na semana passada, conheci o padre da paróquia que estou freqüentando: tinha marcado um dia para conversar com ele. Expliquei ao padre Givanildo sobre a minha conversão e, para a minha alegria, soube que a paróquia tinha um coral. No mesmo dia, em uma quarta-feira, fui ao ensaio e reconheci a lindíssima "Cantique de jean Racine" de Fauré no ensaio. Gosto muito de música e temia que não tivesse a oportunidade de usar o meu dom na Igreja. Até nisso Deus foi bondoso comigo. Ouvi, um dia desses, um comentário malicioso de que as missas são sem graça quando comparadas ao cultos protestantes. Penso que a pirotecnia, o espetáculo e a pompa costumam ser inversamente proporcionais àquilo que realmente tem importância. Quando, por exemplo, um artista precisa de mil bailarinos, fogos de artifício e efeitos especiais, é porque o seu talento não é suficiente para despertar o interesse do ouvinte. Não trocaria, sinceramente, qualquer show da Beyoncé, por exemplo, por um show do Caetano Veloso. Qualquer semelhança com a diferença entre o minimalismo das missas católicas e a grandiloqüência dos cultos protestantes não é mera coincidência.

   Para terminar, tenho sofrido uma perseguição e uma incompreensão por parte dos protestantes que nunca cheguei a sofrer quando me declarava ser um agnóstico. Creio que a razão principal deve ser porque a maior parte das pessoas nem sabia do que se tratava ser um agnóstico, enquanto o espantalho do Catolicismo está pronto para ser queimado: afinal, não é todo mundo que vai dar-se ao trabalho de estudar os documentos eclesiásticos, a patrologia e a patrística, os textos dos doutores da Igreja etc. Tenho tentado não reagir ao anticatolicismo dos Protestantes com um antiprotestantismo; no entanto, tem sido difícil. Já cheguei a ouvir que "o Diabo está batendo palmas" diante da notícia da minha conversão. Não tinha a noção de que as pessoas fossem tão intolerantes. Sinto-me confortado pelas palavras de Tomás de Kempis:

    "Cristo teve adversários e difamadores; e você quer ter todos os homens por amigos e benfeitores seus? [...] Viver pacificamente com pessoas difíceis, e perversas, ou indisciplinadas, é uma grande graça e um feito muitíssimo louvável e corajoso. Não obstante, toda nossa paz nessa vida miserável consiste mais em sofrimento humilde do que em não sentir as adversidades. Seja forte com Cristo, e por Cristo, se você deseja Reinar com Cristo.".

   Tenho constatado na prática o que disse certa feita Pio XII:

    "os homens [...] facilmente procuram persuadir-se de que seja falso ou ao menos duvidoso aquilo que não desejam que seja verdadeiro.".

   As pessoas, infelizmente, estou pouco interessadas na verdade, por mais que saibam que no Cristianismo a verdade é Cristo. Conheço, ainda, muito pouco do Catolicismo se eu for comparar a outras coisas que já estudei: afinal, descobri todo um mundo que nunca havia explorado. Quanto mais estudo, no entanto, mais tenho a certeza de que a Igreja Católica tem sido desde sempre o depósito da fé cristã e que Cristo nunca abandonou a Sua Igreja, mas sempre esteve com ela.


sábado, 25 de maio de 2013

Galileu Galilei à luz da história

"[...] O interesse que levantou a condenação eclesiástica do físico e astrônomo pisano Galileu Galilei, o famoso "Caso Galilei", é manifestado pela literatura que provocou e ainda suscita em todas as línguas culturais. Quando, no século passado, a cúria romana franqueou as atas dos processos de 1616 e 1632, quase imediatamente e no mesmo ano de 1877, os documentos principais foram publicados em três línguas: alemã, francesa e italiana. Desde então propriamente não se pode mais falar de "Questão Galilei", pois todos os fatos estão à luz do dia. Sem falar dos inúmeros ataques à Igreja Católica, onde domina a má fé, podem-se apontar numerosos estudos bem documentados, que levam ao público o conhecimento do caso. [...] Quem não ouviu falar de Galileu Galilei? O grande sábio, o gênio turbulento, matemático, físico, astrônomo, observador e pensador, lutador vitorioso e derrotado, promovendo a ciência e sucumbindo a erros, entregue a altas contemplações e inclinado aos prazeres da vida, admirado e louvado, criticado e acusado, elevado aos fastígios da glória e humilhado como réu e criminoso. Como sua vida está cheia de estranhos contrastes e contradições, também o é sua memória na história. Seus admiradores o exaltam, seus adversários o condenam. Boa e má fé se misturam, como também os fatos históricos se entremeiam com lendas. O que devemos pensar deste homem enigmático? A esta pergunta não é possível responder em poucas palavras. O presente trabalho procura elucidar o "Caso Galilei", expondo e ponderando os fatos históricos, tirados de documentos originais e transmitidos por testemunhas fidedignas. Ouvindo as próprias palavras de Galilei e dos mais atores da tragédia, ser-nos-á possível separar a lenda da verdade e formar um juízo seguro e justo. [...]"

Você pode baixar no Alexandria Católica: http://alexandriacatolica.blogspot.com.br/2013/05/colecao-vozes-em-defesa-da-fe-caderno.html

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O êxodo em massa de cristãos do mundo islâmico - Raymond Ibrahim

Estamos revivendo a história real de como o mundo islâmico (boa parte do qual, antes das guerras de conquista islâmicas, era quase inteiramente cristã) se formou.

A Comissão Americana de Liberdade Religiosa Internacional (U.S. Commission on International Religious Freedom) declarou recentemente: “A fuga de cristãos da região é sem precedentes, e está crescendo a cada ano”.  Antes de nossa geração passar, “os cristãos poderão ter desaparecido completamente do Iraque, do Afeganistão e do Egito”.

Constantes reportagens sobre o mundo islâmico certamente confirmam essa conclusão: O Iraque foi o primeiro indicador do destino que aguardava os cristãos assim que as forças islâmicas se viram livres dos controles que os ditadores lhes impunham.

Em 2003, a população cristã do Iraque era de pelo menos um milhão. Hoje já são menos de 400.000, resultado de uma campanha anticristã que começou com a ocupação americana do país, quando inúmeras igrejas cristãs sofreram ataques a bomba e inúmeros cristãos foram mortos, inclusive por crucificação e decapitação.

Os ataques a uma igreja em Bagdá em 2010, na qual quase 60 fiéis cristãos foram assassinados, foi apenas a ponta de um iceberg que durava uma década.

Agora, com os EUA apoiando a jihad contra o presidente secular sírio Assad, o mesmo padrão teria que chegar à Síria: regiões e cidades inteiras onde cristãos viveram durante séculos antes do islamismo existir agora estão ficando vazias, pois os rebeldes visam os cristãos para sequestros, pilhagens e decapitações, tudo em obediência ao clamor das mesquitas, que dizem à população que é um “dever secreto” expulsar os cristãos.

Em outubro de 2012 o último cristão na cidade de Homs, que tinha uma população cristã de cerca de 80.000 antes da chegada dos jihadistas, foi assassinado.  Uma adolescente síria disse: “Fugimos porque estavam tentando nos matar… porque somos cristãos…  Nossos vizinhos se viraram contra nós. No fim, quando fugimos, fomos pelas sacadas. Sequer ousamos sair na rua em frente à nossa casa”.

No Egito, cerca de 100.000 cristãos coptas fugiram da sua terra natal logo após a “Primavera Árabe”.  Em setembro de 2012, a pequena comunidade cristã de Sinai foi atacada e expulsa por muçulmanos ligados à Al Qaeda, segundo reportagem da Reuters. Mas mesmo antes disso, a Igreja Ortodoxa Copta lamentou os “incidentes frequentes de remoção de coptas das suas casas, por força ou ameaça.

As remoções começaram em Ameriya [62 famílias cristãs expulsas], depois se estenderam para Dahshur [120 famílias cristãs expulsas], e hoje em dia o terror e as ameaças alcançaram os corações e almas de nossas crianças coptas em Sinai”.

Iraque, Síria e Egito são parte do mundo árabe.  Mas mesmo nas nações africanas e europeias com maioria cristã, os cristãos estão fugindo.

Em Mali, depois de um golpe islâmico em 2012, quase 200.000 cristãos fugiram.  De acordo com reportagens, “a Igreja em Mali corre o risco de ser erradicada”, principalmente no norte “onde rebeldes querem estabelecer um estado islâmico independente e expulsar os cristãos… tem havido buscas de casa em casa por cristãos que possam estar escondidos, igrejas e outras propriedades cristãs foram pilhadas ou destruídas, e pessoas são torturadas para revelar parentes cristãos”. Pelo menos um pastor foi decapitado.

Até mesmo na europeia Bósnia cristãos estão fugindo em massa, “em meio a crescente discriminação e islamização”.  Apenas 440.000 católicos permanecem na nação balcânica, metade do número antes da guerra. 

Os problemas citados são típicos: “enquanto dezenas de mesquitas são construídas na capital Bósnia Sarajevo, nenhuma autorização de construção foi dada a igrejas cristãs”. “O tempo está se encurtando enquanto ocorre uma aceleração preocupante no radicalismo”, declarou uma autoridade, que acrescentou que o povo da Bósnia e Herzegovina foi “perseguido por séculos” depois que as forças europeias “não lhes deram apoio na sua luta contra o Império Otomano”.

E a história se repete.

Pode-se citar ainda vários casos:

Na Etiópia, depois que um cristão foi acusado de profanar um Alcorão, milhares de cristãos foram forçados a sair de suas casas quando “extremistas muçulmanos incendiaram cerca de 50 igrejas e dezenas de casas de cristãos”.

Na Costa do Marfim, onde cristãos têm sido literalmente crucificados, os rebeldes islâmicos “massacraram centenas e desalojaram dezenas de milhares” de cristãos.

Na Líbia, os rebeldes islâmicos forçaram várias ordens religiosas cristãs, que ajudavam pessoas doentes e necessitadas no país desde 1921, a fugir.

Para qualquer pessoa que acompanha o problema dos cristãos sob perseguição islâmica, nada disso é surpresa.  Como documentei em meu novo livro "Crucified Again: Exposing Islam’s New War on Christians” (Mais uma Vez Crucificado: Expondo a Nova Guerra do Islamismo Contra os Cristãos), Em todo o mundo islâmico, em nações que não compartilham a mesma raça, língua, cultura ou economia, em nações que têm em comum apenas o islamismo, cristãos estão sendo perseguidos até a extinção. Essa é a verdadeira face do ressurgimento do extremismo islâmico.

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Fonte: Julio Severo

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A Igreja em face do tempo presente - A. D. Sertillanges


“Deus fez no meio de nós uma obra que, desprendida de qualquer outra causa e só dele dependendo, enche todos os tempos e todos os lugares”17. É nestes termos que Bousset julga poder apresentar aos seus contemporâneos a Igreja eterna. Ele sabe que a Igreja reivindica como fundamento os milagres evangélicos, e que esta manifestação exterior serve como que de selo ao ato do nascimento dela. Mas, depois que esses milagres a fundaram e a sustentaram no seu crescimento, no seu surto de conquista, e na sua resistência aos poderes, ela própria pretende, como manifestação exterior também do mesmo Deus, o mesmo brilho que por ela como por eles se faz reconhecer.
   
Nisso, ela não os suplanta, continua-os, visto como eles já estão nela. Com eles ela revela o divino no homem. Ela é uma síntese de milagres e um milagre a mais.

Propriamente, esse milagre novo consiste na existência entre nós de um organismo social humano-divino e que leva uma vida humano-divina, mostrando portanto Deus em sociedade com o homem e o homem em sociedade com Deus.

Esse organismo, nos seus primórdios, no momento em que todo recém-nascido exerce o mais poderosamente a sua força assimiladora, deslumbra o mundo pagão. A sua unidade, a sua constituição já forte, a evidência do seu fermento intenso, a vida do Espírito nela, brilhavam, e às almas chamadas e predestinadas persuadiam de que a sua pátria ali estava. Como dissemos, isso fez mais para a conversão do mundo do que os milagres particulares relatados nos Atos. Esses “sinais” apagavam-se, de alguma sorte, ante o sinal por excelência.

Hoje em dia, embora o trabalho do Espírito seja menos visível, em compensação são mais visíveis os seus resultados. E a Igreja pretende que esse sinal baste, normalmente, para convencer uma alma atenta e reta. Não nos podemos admirar disto. Se Deus age deveras em cooperação com o homem, e com o homem social, que evolve no visível, isso deve ver-se. Que Deus seja aqui como em toda parte o “Deus oculto” a título de causa invisível em si mesma e que quer ser discreta, isso não impede que fenômenos em que ele desempenha um papel essencial não possam deixar de revelar a sua presença, se já o coração o procura.

É preciso para isso o coração, porque sempre, nas coisas morais, é requerido este ponto de partida, e porque, aliás, sendo a fé uma graça, semente de vida eterna, não se vê que, para se revelar, possa o Bem soberano assim oferecido desprezar as disposições morais de quem se abeira dele. Assente, porém, isto, a convicção deve ser possível, ou melhor, normalmente falando, a negação impossível. “É impossível que os que amam a Deus d e todo o seu coração desconheçam a Igreja, tão evidente é ela”, escreveu Pascal.


A vida divina da Igreja faz-se reconhecer, a quem quer vê-la, pela sua perpetuidade e pelos seus caracteres. A Igreja é a eternidade no tempo, e a eternidade é simultaneamente uma perpetuidade, pois envolve o tempo, e uma superioridade de natureza em relação às nossas durações mutáveis. As durações igualam os seres. Nossas durações, as nossas, são durações fragmentárias e reduzidas às nossas medidas; a duração de Deus é imutável e infinita no seu ser, que é o do próprio Deus. Se, pois, Deus vive deveras com o homem na terra, graças à encarnação continuada e socializada, a vida assim constituída será dotada conjuntamente de uma perpetuidade indefectível e de uma superioridade relativa sempre, visto que o homem faz parte dela, mas suficiente para indicar que o homem, aqui, não está só; que o Autor de seu ser retomou a obra na sua base, para levá-la mais alto.


Perpetuidade, dizemos primeiro. Para quem sabe ver, há aí um fato surpreendente. Pela sua própria definição e pelas suas próprias declarações mil vezes repetidas, a Igreja é obrigada a ser perpétua. Estranha obrigação essa. O profeta que assim se enfeita com o futuro arrisca-se cada hora a ser desmentido. Por isso o adversário, sentindo o lado fraco que contra a instituição e a doutrina uma tal pretensão lhe oferece, apressa-se, ele, a profetizar a morte da Igreja, a declarar iminente essa morte, a mostrá-la, já assente, por assim dizer, nos seus pródomos certos.

A tática é boa. Não há maneira mais segura de arruinar moralmente a Igreja, de que lançar o descrédito sobre toda a sua duração, do que provar –se se provasse – que essa duração terá um termo. Se a Igreja deve morrer, ela nada é. Se a Igreja está não somente no tempo, o que deve ser, porém é súdita do tempo, é que está abandonada ao tempo assim como tudo o mais, e não está suspensa à eternidade. Por outros termos: se a Igreja morrer, se morrer numa data qualquer antes do fim do homem – e o homem, em verdade, não morre-, é que ela é humana somente, é que não é humano-divina, é que não é o que pretende ser, e para encurtar razões, é que não é nada.

Mas a Igreja não se perturba com esse perigo, e já há dois mil anos que escuta calmamente os que a ameaçam dele. Passado tal não seria uma garantia do futuro? Creram-no grandes historiadores, impressionados não somente com o fato, mas com o estado d’alma que o acompanha, com essa prodigiosa certeza por entre tantos reveses, com essa tranquilidade no curso e de períodos históricos movimentados em extremo, diversos e fecundos em surpresas.

Uma tal força psicológica é por si só um fenômeno surpreendente. Um poder tão seguro de si mesmo e do seu futuro, tão decidido no que faz e tão pouco inquieto com as contradições, com os ataques, com os obstáculos, com todas as ciladas que, entretanto, com a sua vasta experiência, ele sabe armadas sob os passos de todas as instituições: é um desafio. Que audácia o pretender assim fazer exceção sozinho!

E, não há dizer, o fato responde; sempre respondeu ao sentimento que a nossa Igreja tem dele, como se esse sentimento houvesse partido do próprio fato. A Igreja circula entre os acontecimentos como o sonâmbulo à beira do telhado. O sonâmbulo não cai, guiado que é por um espírito interior, numa feliz ignorância do perigo que tangencia. Acordai-o, tirai-lhe a sua inconsciente segurança, feita de certeza vital: ele está perdido. Assim a Igreja se perdesse a sua fé. Porém não a pode perder. O seu Espírito interior a um só tempo lhe comunica o sentimento da sua perenidade e lhe dá em toda parte segurança de si.

A Igreja entende sobreviver a tudo o que pretende ser o futuro, e já enterrou muitos dos que lhe meditavam ou aguardavam a perda. Tempestades não lhe têm faltado; mas os tornados no oceano e as tempestades de areia do Saara não afetam a estabilidade da terra. A Igreja esposou a terra; ela é a própria terra encimada pela cruz, a terra viva, santificada por uma Presença invisível, e ela não tem medo. Um dia, a terra morrerá, mais numa apoteose que a Igreja diz sua. Ela não teme esse acontecimento, espera-o. Do lado de cá, profeta de si mesma, projetando o que ela é sobre o que amanhã será, a Igreja diz: O futuro é meu, porque em mim está esse futuro já adquirido com Aquele que o regula. O tempo não me contém; eu, a Igreja, é que contenho o tempo, pelo meu Espírito, seu princípio eterno. Beber na taça do tempo a duração eterna é a sorte de todo aquele que adere a mim e comunga com a minha alma secreta. Muitas coisas me fazem sofrer, mas nenhuma me desconcerta nem me inquieta. A adversidade retempera-me. Um fracasso significa para mim: recomeça; como um êxito significa: prossegue. Por cima da cabeça de meus inimigos e para além dos obstáculos, eu olho uma finalidade visível a mim, mas tão exigente que eu não posso desviar dela meus olhares nem minha marcha. Completar meu Cristo na terra, o Cristo coletivo, a assembleia universal a que ele chamou seu corpo: é esse o meu trabalho. Trabalho de todos os tempos, sem dúvida! E é por isso que eu não morro.

Quer se arrazoe, quer se desarrazoe sobre isso, a força íntima assim manifestada tem algo de único. Supõe, ao que parece, no invisível, fora das nossas durações indecisas e fugazes, uma cumplicidade.

Procura-se a explicação disso num iluminismo feliz da nossa fé, e, por outra parte, em contingências históricas cada uma das quais se presta a explicações naturais. Está bem. Mas o iluminismo da Igreja é muito positivo; a ingenuidade não é coisa dessa avó, que sabe aonde vai, e que impressiona o observador justamente pela certeza imperturbável do que faz.

Explicação indigente é o menos que aqui possa dizer-se. Na verdade, a explicação é nula; por quanto, se a misticidade pode realmente ter seus desvios, a Igreja, que controla a misticidade com um rigor severo, deve ser chamada sobremística, e escapa ao perigo porque deve prevê-lo. Ela não sonha; a sua certeza é serena; é bem em pleno despertar e de posse de toda experiência humana que ela diz: Há em mim algo de sobre-humano; eu, que assisto ou presido a tantas mortes, sei que não morro.

Quanto às contingências históricas, estas existem. Não se trata de negar as causalidades inerentes a uma vida que está na terra, embora não proceda unicamente da terra. Cada um dos casos apresentados por essa extraordinária história é suscetível de explicações que se afiguram suficientes, e que o seriam, tomado à parte esse caso. Mas o que assim se não explica é a repetição indefinida de contigências semelhantes e semelhantemente previstas, de tal modo que a instituição que lhes é objeto possa dizer tranquilamente que elas se repetirão sempre, sem que nada, até agora, desminta.

Difícil é, nestas condições, fugir à observação de Pascal: “E tudo isso se faz pela força que o predissera”. A predição não é muito menos extraordinária que o fato. O fato confirma a predição. Digamos que há aí um só fato ao mesmo tempo espiritual e histórico, profético e efetivo. E segue-se que a explicação da Igreja, quanto à sua perpetuidade, está na própria Igreja. A Igreja é o vivente imortal que seu Cristo predisse ao constituí-la; ela recebeu a imortalidade com o ser, e é por isso que afronta o tempo; é por isso que, por assim dizer, devora os ferozes acontecimentos feitos para devorá-la, e prossegue através de tudo os seus destinos tranquilos. Isso não são hábitos de homem.

Ademais, quando se fala de perpetuidade a respeito de uma sociedade religiosa, não se trata de uma perpetuidade exclusivamente política ou administrativa. Isso seria uma mera conservação de quadros. Para que a Igreja seja verdadeiramente perpétua, é preciso que se conservem, como fazendo parte dela mesma, e sem alteração essencial: o seu pensamento, isto é, o seu dogma; a sua prática, isto é, a sua moral e a sua liturgia; a sua organização, isto é, o seu sacerdócio e os chefes do seu sacerdócio – bispos, representantes dos Doze, Papa, sucessor de Pedro, e lugar-tenente de Cristo. É tudo isso que não deve perecer.

E quantas ocasiões para que isso tenha perecido! Pode-se dizer que tudo é ocasião para isso; porque o histórico se move no acidental. É clássico este adágio: Em história, tudo resulta sempre diversamente do que se previra. De sorte que, se não houvesse aí um princípio interno de indefectibilidade, de continuidade, tudo iria sempre a esmo, quer dizer, ao aniquilamento sem remédio; os dogmas desvanecer-se-iam em opiniões de indivíduos e de grupos (como no protestantismo); a prática moral e os sacramentos, a autoridade e as disciplinas mais essenciais teriam a mesma sorte; nada resistiria dessa contextura imensa, que, ao contrário, idêntica a si mesma vemos atravessar assim os séculos como os azares.

Todas as religiões têm mudado profundamente e têm-se esmigalhado em seitas: a Igreja de Jesus Cristo é fiel à sua tradição unitária, memória onde – sem prejuízo das adaptações que são o sinal da vida e que o serviço exige – se acham consignadas uma vez por todas as confidências de Deus à humanidade e as criações da sua graça.

Bem longe que o tempo deteriore a Igreja, ao contrário, ele lhe traz constantemente materiais novos; aumenta-lhe todos os órgãos e diferencia-os, sem prejudicar a ideia vital. Quem lê hoje S. Paulo reconhece nele a sua fé, a sua regra de vida, a sua prática ritual, o seu sacerdócio, a sua organização essencial; mas que riqueza aumentada! Que adaptação sempre mais perfeita aos problemas novos! Que manifestação obtida para o que o grão continha! Já não é mais o “grão de mostarda”, é verdadeiramente a grande “árvore”.

E, se há crises e atrasos, falhas no funcionamento, não há razão para nos admirarmos; é a parte do homem. Jesus Cristo prometeu Jesus Cristo prometeu à sua Igreja uma duração indefectível; não lhe prometeu uma saúde indefectível; ela tem as suas doenças, “que não levam à morte”. Cabe a nós fazer que ela melhore, pois a saúde, a nossa de fiéis e chefes é que proporciona a dela. Mas não se precisa de nós para que ela viva; ou, pelo menos, se de certa maneira a vida dela depende de nós, o Senhor dos corações aí está para que não falta o “restinho” em que Israel pode subsistir, reserva dos tempos melhores e penhor do triunfo eterno.


Observarei que a vitalidade da Igreja, condição da sua perenidade, é visível hoje mais do que nunca, primeiro porque o seu desenvolvimento interno está mais adiantado, a sua diferenciação aumentada ao mesmo tempo que a sua unidade reforçada (duplo sinal característico do progresso), o seu surfo de penetração no coração das raças desdobrado com vigor novo; mas também porque, por esse mesmo fato e em ração de circunstâncias históricas providenciais, o princípio católico se manifesta mais independente de tudo o que não é ele.

Uma substância reconhece-se melhor quando é isolada. Os concluíos do Império constantiniano, o equilíbrio ofensivo do Sacerdócio e do Império, a aparência de misto político constituído pelo poder temporal, tudo isso pereceu. A Igreja é pura; pode-se ver o que ela é. E que é ela? É isso mesmo: um poder espiritual independente e que, a despeito das aparências superficiais que eu assinalo, sempre o foi. E pensar-se-á que isto não seja nada? Augusto Comte via nisso um fenômeno de primeira grandeza, depois de reconhecer aí uma condição de futuro da sociedade humana. A lua suspensa à noite no céu claro já não nos admira, porém KEPLER, Newton, Laplace ou Poincaré passaram anos a calcular esse equilíbrio delicado, irmão de um sono tranquilo.

A Igreja – tem-se acaso pensado nisto? – é a única sociedade religiosa assim independente que jamais se haja mostrado na humanidade. Não seria isto um prodígio? É um prodígio nisto que uma sociedade espiritualmente independente deve ter em si tudo o que uma autarquia dessa espécie exige para sobreviver, para não se misturar com coisa alguma de dissolvente, para se não deixar absorver por coisa alguma de envolvente ou de insinuante, e assim manter no mundo um poder alheio ao mundo, como seria em física um corpo liberto das forças cósmicas, inacessível às influências que tudo transformam.

As “autarquias econômicas” de que nos falam agora, onde é que se realizam? Unicamente lá onde a natureza proveu a isso, dando ao grupo que a ele aspira tudo o que é preciso à sua vizinhança e sem temor da vizinhança. Se a Igreja pode ser e é uma autarquia espiritual perfeita, é que portanto tem em si, a título independente e garantido contra toda alteração, contra todo desvio, tudo o que uma vida religiosa perpétua e universal comporta. Deve ela poder ir a toda parte sem se misturar em parte alguma; ocupar-se de tudo e influir em tudo sem que nada a contamine; durar sempre sem que à falta de uma condição temporal – entendo entre as que são alheias ao seu próprio funcionamento – possa deixá-la cair. Pese-se um tal requisito.

No curso das idades, acontecimentos não têm faltado para porem à prova essa alta independência e para aboli-la. Ela sempre se mostrou superior a eles. Os poderes têm feito tudo para captar essa força e para escravizá-la; as lutas épicas em razão disso por ela sustentadas são bastante conhecidas: ela tem-se saído delas constantemente vitoriosa. Agora, todos querem tratar com ela; e ela se presta a isso; porque, se ela é independente de todos quanto à sua vida, entende de não ser independente de ninguém quanto à ação; quer dizer que está disposta a uma colaboração universal. Mas, se às vezes os que tratam com a Igreja o fazem no velho espírito de envolvimento de que eu falava, ela tem com que desmanchar e desmancha todos esses ardis terrenos. Aos vorazes, poderá ela abandonar algumas penas de suas asas; mas não interromperá o seu voo.

Em pequenos círculos inteligentes, porém míopes, as pessoas deixam-se levar a dizer que “Musolini meteu no bolso Pio XI”, que “Hitler repete a história”, etc. Isso são palavras pouco sérias. Elevem-se antes esses tais à contemplação deste espetáculo: um soberano sem Estados, investido – por quem? – de um poder ante o qual o universo se inclina, que diz sim, que diz não aos mais poderosos como aos mais pequenos, e que da minúscula “Cidade”, território de teoria, quase irrisório se a irradiação dele não fosse tão solene, marca encontro para o futuro, sobre documentos autênticos, a tantos poderes que a ele não corresponderão.

Quanto durará Mussolini? Quanto Hitler? Quanto os regimes e as combinações políticas que temos sob os olhos?* não sei; mas o Papa aí estava de tal forma antes deles, que, sem se arriscar, pode-se dizer que aí estará depois deles e depois dos que lhe aguardam a herança. Todas essas sortes de poderes têm passado, estendendo a mão a Pedro para engodá-lo, para utilizá-lo; eles têm passado, e Pedro fica. Há aí um princípio de vida, sem dúvida, e no entanto cumpriria dizer qual.


A independência, que é um indício de força e, nas condições em que a Igreja a manifesta, de força propriamente sobre-humana, essa independência poderia conceber-se sem ação conquistadora? Vimos essa ação nos seus primórdios; foi fulminante. É normal que hoje em dia o seja menos, e sabemos o motivo; porém ela é mais evidente do que nunca. O reflorescimento missionário é mesmo assinalado, na ora atual, por um caráter extremamente impressionante e por um grande alcance de futuro: entendo a sua catolicidade intrínseca, se assim posso dizer, pelo acesso de todas as raças de homens ao sacerdócio e ao episcopado católicos, até aqui mais ou menos reservados, não de direito, por certo, mas de fato, só à raça branca.

No interior dos nossos grupos cristãos, a multiplicação das obras católicas deixar-nos-ia estupefatos, se soubéssemos ver. Poderíamos nós supor o menor começo delas, ou mesmo o antegozo, se não fora a Igreja? Não entendo dizer que a Igreja faça tudo; às vezes faz-se melhor do que ela; mas foi ela quem lançou tudo; o que ela mesma não faz, procede dela quanto à origem primeira e quanto às influências que sofre: emulação, concursos, exemplos.

Diversas tanto quanto as necessidades espirituais e temporais do homem, diversas tanto quanto a vida, a que é que se podem comparar as obras de criação ou de inspiração católica? Noutras partes há reflexos delas: da Igreja vem a luz. Há migalhas esparsas: nela está o pão.

Por certo! Muito mais haveria ainda por fazer do que o que a Igreja faz. Somos impacientes, e mui sinceramente podemos ficar impressionados com as lentidões seculares da Igreja mais do que com a sua ação secular. Mas, além de, aqui, intervirem as liberdades, e os acontecimentos, e os meios resistentes, não nos deveríamos precatar contra uma confusão dos valores e das escalas que os medem? Não é no absoluto, é comparativamente que convém julgar, quando se pede à experiência a resposta a esta pergunta: a Igreja é da mesma natureza que as outras potências deste mundo, ou de natureza superior?

No absoluto, tudo é lento daquilo que se move através do humano. O próprio Deus deve evitar os métodos “catastróficos”, inimigos da sua sabedoria, que é “número, peso e medida”. A Igreja, agente da Providência, e bem decidida a com ela se manter em contato, a não precedê-la, procura nos fatos passo a passo seguidos os vestígios de seu Deus, e é assim que ela marcha. A gente apressada censura-lhe isso: mas a gente apressada é a mais apta a perder o tempo que a gente calma utiliza em toda a extensão. A Igreja realiza milagres de atividade precisamente porque não se apressa, não compromete nada, nunca se obriga ao recuo, olha longe e sem impaciência no sentido do futuro; em suma, porque conduz a ação temporal num espírito superior ao tempo.


Falar-nos-ão de tantas misérias na Igreja? Consinto, contanto que se acrescente: e tanta santidade. Pode-se desconhecer a força santificante e purificadora da Igreja sob suas duas formas essenciais: a forma mística e a forma educativa ou moral?

Misticamente, a vida sacramental sublima, purifica e arrasta à obra boa uma multidão de corações. Cristo tem um império ao qual nem de longe qualquer império deste mundo pode ousar comparar-se. A despeito da carne, do mundo e de Satanás, três potências adversas. Ele obtém de seus fiéis efeitos de virtude e de ação espiritual que os meios antecristãos ou não cristãos não podem pensar em conhecer; ou, se a eles chegam, devem-no ainda a Ele pelos caminhos desviados que havemos descrito.

Mesmo onde quer que a lei cedeu, aquilo que subsiste de vida sacramental: batismos, primeiras comunhões, casamentos, ritos funerários, cerimônias públicas e privadas, ainda conserva uma armadura tal qual a uma civilização indecisa; o futuro aí está em expectativa, e bem longe que só haja nisso um legado do passado. Muito errados andaríamos em subestimar esses “restos”.

Moralizadora, a Igreja o é em nome do céu e em vista do céu; mas o terreno de onde se alça o voo para o céu é a terra. O Reino de Deus é temporal, dizíamos, precisamente porque é eterno. Por isso a Igreja é uma educadora de atenção sempre vigilante, e de psicologia admirável, de experiência consumada, utilizando todos os recursos da alma e da vida, envolvendo esta toda, como se, gerado por ela, o cristão nunca acabasse de nascer, e lhe vivesse no amplo seio.

Um dos mais altos e dos mais preciosos caracteres da Igreja, como educadora, é a sua arte de tirar o bem do mal. Ela reergue o pecador e não o desanima; sem pactuar, longe disto! Ela sabe compadecer-se e compreender. Salva e utiliza assim uma multidão de valores que uma sociedade sem alma abandona às forças do mal, e depois rejeita.

Quem dirá o de que assim se privam grupos talvez muito apressados em denegrir e em combater neste ponto a vida católica! Os grandes pecadores que se tornaram santos, e obras como Betânia, o Bom Pastor, ou Nossa Senhora da Caridade, ou as simples capelanias de prisões, sem falar de tantos outros sinais, deveriam no entanto fazer refletir. A Igreja faz beleza com as fealdades, e com a força revirada das paixões faz energias puras. Pedro, sobre o Lago, pede a Jesus para afastar-se dele porque ele é um pecador; mas a Toda-Pureza não tem destes pudores hipócritas; ela só se afasta convidando, como uma mãe diante do filho que tropeça, e todo o surto do arrependimento chama o homem para sobre o coração dela.


Não se quer que a santidade, que o poder santificador da Igreja prove a sua divindade, porque, primeiro, ao gosto do censor não há bastante bem nela, e há demasiado mal. Objeção tal não surpreende; fá-la muitas vezes a si mesmo o crente, e grande necessidade tem então de se lembrar da advertência de seu Senhor: “Bem aventurado aquele que se não escandalizar de mim” (Mt XI, 6). Mas no fundo desta dificuldade, como de muitas outras, há simplesmente isto: Exige-se que a Igreja seja humana ou divina, à escolha; não se quer que ela seja o que é; humana e divina, conjuntamente, com todas as consequências. Se uma vez se consente nesta última situação, compreende-se que, pela sua divindade, deve haver na Igreja grandes efeitos de Graça, e bem cego quem os não vê; mas, pela sua humanidade, deve ela oferecer também todas as misérias humanas, digo todas, visto haver nela todo o homem.

Quanto mais humanidade há na Igreja, tanto mais divindade deve nela haver para que ela sequer subsista; porém, quanto mais divindade há, isto é, sabedoria, respeito do homem, cuidado de deixar à obra um cunho de livre esforço e de responsabilidade, tanto mais imperfeições e taras devem nela encontrar-se.

Sem dúvida, poderia acontecer que esta última condição, a só olhar a ela, abolisse a primeira, e que de alguma sorte o humano afastasse a Deus. Mas isto é uma suposição inteiramente gratuita. A malícia do homem não iguala o poder de Deus. A Igreja tem em si, quando preciso, com que se reformar de dentro, mediante reconcentração do seu Espírito em individualidades que bem se devem chamar providenciais, embora em aparência nascidas do acaso, já que, à maneira da providência eterna, surgem sempre. Sempre o acaso, isto não será a providência?

Quanto a recusar a hipótese, exigindo o divino puro, sob pena de absolutamente não mais ver a Deus, isto é ditar a Deus o seu proceder. Melhor é, sem dúvida, fazer por dentro este gesto simplíssimo, a bem dizer profundíssimo e por isto quase heroico, de se inclinar perante Deus. Então, a objeção se esvai.

Pode ela, é verdade, dar lugar a outra. A santidade, na Igreja, não provaria a sua divindade, porque tudo o que se vê é explicável pelo homem. Mas na realidade, como observava Santo Agostinho, é mais difícil fazer um santo ou converter um pecador do que ressuscitar um morto, o que não é obra de homem. A despeito da audácia de uma tal fórmula, pode-se dizer que é tão difícil fazer um santo como fazer um Deus: um raio de sol ou um sol não são obra semelhante? É ao contato de Deus e do homem que a santidade jorra; reconhece-o um puro filósofo, como Bergson, e é esse, reconhece-o ele mais ou menos também, um dom especial da Igreja. A conclusão está bem próxima.

A santidade da Igreja é divindade latente. Brilha em certos pontos, em certas vidas, brilha amplamente, embora menos sensivelmente para a desatenção, no funcionamento geral da obra. Santidade concentrada ou santidade difusa, santidade brilhante ou humilde santidade, é sempre Deus que aflora, esse Deus que a humanidade procurava, que o seu capricho fabricava, e que um dia irrompeu nela mesma. Perguntava Santo Agostinho: “Que vale Juno em face de uma velhinha que é uma fiel cristã?”. Não é preciso mais do que estar atento a tudo isso para vê-lo; mas é preciso olhá-lo com os olhos da alma, e não com o espírito só.

Tendo-o reconhecido, e tendo-se capacitado de que, para a Igreja, fazer cristãos quer dizer humanos completos, em Deus, e juntos, bem pronto se está para confessar que a Igreja e a civilização são solidárias, de tal sorte que o milagre religioso vem aqui ao encontro do fato humano e nele se reforça.

Não se ignora, conquanto às vezes se goste de esquecer ou se esqueça por inadvertência, o que a Igreja fez no passado. Nenhum historiador recusaria dizer que ela, a Madre Igreja, foi quem carregou nos joelhos a civilização moderna. Mas o que ela fez no passado, está armada para fazê-lo muito mais ainda, desenvolvida como jamais o foi; rica de funções, de pessoal e de obras: capaz de atingir, de alto a baixo da escala dos espíritos, das situações sociais e das almas, todos os elementos humanos em busca de progresso e de felicidade.

O gênio moral que habita a Igreja é o fermento animador e o sal conservador das civilizações. O sentido da vida, as leis do indivíduo, da família, dos grupos profissionais e especialistas de qualquer especialidade, da sociedade nacional e internacional, com todos os seus meios psicológicos e místicos, no terreno moral, fazem parte do seu depósito. Ela nos ajuda a adaptá-los às circunstâncias diversas. A sua ciência moral é uma consequência do seu dogma, e a sua maternidade goza do dom de conselho.

“Alma das nações”, como dizem os Papas da Idade Média, ela pode fornecer aos nossos grupos, no espiritual, todas as suas normas de ação e todas as impulsões que os guiam. Ela consolida o reinado das leis, fazendo-as partir da Razão divina e ir ter aos seus juízos; humaniza-as banhando a justiça no amor. Aos fatos de autoridade ela dá por princípio a autoridade serviço público da parte de Deus; aos fatos de subordinação dá a obediência ao poder como a Deus; aos fatos individuais que preparam a matéria social dá a vida depósito divino e atividade em marcha para Deus. Estão aí bases firmes.

A construção poderá em seguida inspirar-se nas largas vistas de governo que são as da Igreja. A Igreja é eminentemente democrática quanto à definição e à apreciação dos seus valores sociais; canoniza os santos e não os chefes, os humildes virtuosos e não os fortes. É, entretanto, aristocrática pelas suas Igrejas particulares que os bispos governam, e é monárquica em razão de Cristo e da sua representação visível, o Papa. Pode assim dar modelos de governo a todos os Estados, como lhes dita seus fins supremos.

O sentido social é nela tão forte que o cidadão, comungando na sua larga vida, hauriria nela um espírito cívico em harmonia com o que seria então a sua vida espiritual. Numa grande cidade de que a gente gosta, a gente se sente confirmado a um tempo no seu sentimento social e na sua personalidade; oceano e remeiro harmonizam-se; no seio da Igreja universal animada de caridade e agrupada em torno de Cristo, cada um se tranquiliza na sua própria força e na força coletiva; é um em si e um com todos; sente a humanidade dentro e fora, com Deus em toda parte.

Como então, em particular, a eucaristia, que é como que a encarnação de Cristo em todos nós, poderia não nos unir? Grande é a inconsciência humana; todavia, não se podem negar os vastos efeitos desse sacramento no conjunto das sociedades cristãs. Não seria preciso mais do que fidelidade para reforçar essa ação e combater o esfacelamento, os antagonismos criados no corpo social pelo choque dos sentimentos e dos interesses, privados dos seus limites e do seu freio. É certamente no dogma, na moral e no culto católicos que o acionamento desse freio e o sentido desses limites são incomparavelmente mais bem assegurados.

Afirmando o Deus vivo, e pondo-nos com ele em vida comum; reintegrando-o, se assim posso dizer, em todas as suas funções, em relação a tantas religiões e filosofias que o dissolvem – Deus criador, Deus legislador, Deus providência, Deus justo e remunerador, Deus amor, - o catolicismo está em força para estabelecer a criatura na sua consciência e na sua solidez interior, nas suas atividades autênticas e nas suas relações verdadeiras. É o fundamento da vida que doravante é firme.

Trata-se da vida internacional, que a civilização deve considerar hoje em dia como por assim dizer idêntica a si mesma? A Igreja é competente pra isso tanto em relação ao princípio como do ponto de vista dos meios de realização. Pode-se dizer que, aos olhos da Igreja, a sociedade internacional é o fim dos Estados, a título de síntese humana em Deus e em Jesus Cristo, na razão que nos liga e no destino sobrenatural que são agora obra dos melhores! Penetre em toda parte e impregne tudo a cidade cristã, “alma das nações”, e a cidade universal está feita.

A comunidade internacional é para a Igreja um fim, pela boa razão de que é um começo, e de que sempre os princípios e os fins se correspondem. É da comunhão dos homens em Deus e em Cristo que tudo parte na vida católica. Se tudo parte disso no empreendimento e na intenção, a isso não deve tudo chegar na execução? Unidade espiritual, unidade moral, unidade jurídica, unidade política sob uma forma qualquer: pode isto dissociar-se sempre? Abordando o homem na sua unidade, o homem total, a Igreja ao pode deixar de querer a livre realização, pelo homem, do cosmos humano, como pela sua providência Deus realiza o cosmos universal.

O grande obstáculo à união dos povos está, de um lado, na materialização das almas, que multiplica as competições pela partilha das riquezas deste mundo, e, de outro, nos desvios do próprio ideal, que muitíssimas vezes se extravia, ou se particulariza, ou se exacerba. O exemplo das guerras de religião ou de prestígio aí está para nos mostrar que o idealismo nem sempre trabalha pela paz. Talvez que a catolicidade tenha aqui censuras a se fazer. Porém, fiel ao seu princípio de justiça e de amor, elevando e unificando ao mesmo tempo os homens, como a gente se aproxima em galgando um píncaro, a Igreja tem tudo o que é preciso para preparar o futuro do verdadeiro gênero humano, da sociedade humana definitiva.


Em suma, a Igreja em toda parte faz dominar o espírito, e, por via de consequência, a unidade de espírito, ligando-nos ao Espírito supremo.  Ora, é uma verdade essencial, por demais desconhecida das nossas febres “soi-disant” realizadoras, que todo trabalho civilizador tem origem no espírito. As simples técnicas, sabemos o que delas se faz; elas dão força à barbaria tanto quanto aos valores humanos. Das nossas multidões materializadas tendem elas a fazer uma massa de indivíduos que, espiritualmente, já não são pessoas. A Igreja desejaria fazer deles pessoas sagradas, de boa mente diria com Bergson: deuses.


E não é essa uma razão para que ela despreze as técnicas. Nunca a ouviremos maldizer das invenções, das organizações, das máquinas, dos processos e dos engenhos quase milagrosos que, pelo contrário, ela gosta de glorificar benzendo-os. Porém ela sabe e repete que todos esses valores, servos do espírito, e do espírito santificado, não o substituem; os efeitos deles dependem deste mais do que deles mesmos; pois sem ele, através da ruína do homem, eles só redundam no nada de si. Dividem o indivíduo de si mesmo corrompendo-o; dividem-no de outrem pela inveja, mesmo quando já não é pela necessidade.

Não se diga, pois, que por sua missão a Igreja, suposto que faça um trabalho útil, só o destine à salvação eterna. É verdade que a Igreja tem este escopo e não tem segredos para a organização deste mundo; mas a organização deste mundo depende dela porque depende dos homens, e, nos homens, depende justamente dessas virtudes, desses valores morais que os devem conduzir à salvação eterna.

“As coisas que vemos não foram feitas de coisas que se veem”, diz a Epístola aos Hebreus (XI, 3). A civilização visível tem fontes invisíveis; reside nos corações; a forma dos nossos pensamentos, dos nossos desejos, das nossas ações individuais, das nossas relações, das nossas reações mútuas em todas as ordens e em todos os cenários será a forma dela. A Igreja, que age sobre tudo isso na medida em que se lhe é fiel, trabalha em tudo, se bem que por si mesma se mantenha fora dos nossos trabalhos. Ela é a eternidade no tempo, dizemos nós incessantemente, a eternidade que anima o tempo, sem que a meçam os nossos relógios.

Nos nossos dias de perturbação e de progressos materiais em tão violento contraste, não é inútil relembrar estas coisas. O mundo moderno é um instrumento admirável, mas desafinado; os sons individuais persistem belos e possantes, porém a música peca.

Muitos não veem a cauã dos nossos males e atribuem-na a algum erro de método ou de organização. Pelam para os peritos, e muitas vezes estes procuram simplesmente meios para favorecer e exasperar a loucura dos homens. Sem dúvida há em nós defeitos de organização, defeitos de método; mas por detrás disso, e pela razão mesmo de haver isso, há outra coisa. Há os apetites desencadeados, uma febre absurda de vida a toda velocidade, como de quem se persuade de ter apenas um curto instante para gozar. Há os nossos laços afrouxados pela ausência das virtudes sociais: justiça, amor, que por sua vez dependem das nossas virtudes individuais.

Tornando-nos bons, nós nos tornamos um bem de todos; a solidariedade, que se estabelece pela boa vontade mútua, não é então uma cadeia de elos ocos, assume valor ao mesmo tempo que coerência. De nada serve estar ligado a outrem se nada lhe trazer de benéfico! – talvez infligindo-lhes taras! – nem amar o próximo como a si mesmo, tal como o quer o Evangelho, se nada se tem de si que amar.

Abdicação ou absurda presunção, isto é, abdicação retardada e cataclisma: tal é a alternativa imposta a um mundo que recusa as leis da vida e que, por uma extensão que o fato consagra tanto quanto a fé atesta, recusa as suas próprias leis sobrenaturais.

A medida que o sentimento de Deus e o sentimento da nossa unidade espiritual em Deus, tal como a concebe e a organiza Igreja, se vai enfraquecendo, vê-se proporcionalmente baixar o sentimento dos homens da unidade interior e da comunidade moral. Não há mais, dentro e fora, senão forças esparsas ou bloqueadas para fins utilitários. Não há mais senão funções.

É em Deus criador que se acham originariamente a ideia do homem, a ideia da humanidade, a ideia do universo, território e matéria de civilizações: é aí que cumpre reencontrá-las, e o caminho normal dessa ascensão, desse retorno espiritual, é a Igreja. O olhar para a matéria vem depois. O estatuário pensa em bloco; mas pensa primeiro na forma de arte da estátua e na forma do monumento que ele decora.

É por isso que Cristo homem, iniciador e chefe permanente da Igreja, Cristo na sua pessoa e na doutrina que a exprime propondo-a, é o ponto de partida ideal da civilização; a sua perfeição domina-a toda desde as mais antigas idades; ela é sua regra também para o futuro. Graças ao Homem-Deus, a Igreja casa em si o ideal e o real, o terrestre e o celeste. Obriga segundo Deus e convida segundo o homem, cuja imagem autêntica apresenta; é assim inspiradora perfeita do trabalho humano, e o seu socorro mais eficaz. É preciso céu e terra para a germinação do que quer que seja, planta ou homem.

Por seu turno, esses espelhos vivos de Cristo que se chamam os santos são, em nome dele, modelos e agentes de civilização que se não deveriam desconhecer. Que não deve a humanidade a homens como S. Paulo, Santo Agostinho, S. Bernardo, S. Francisco e S. Domingos, Santo Inácio e S. João Batista de La Salle, S. Francisco de Sales e S. Vicente de Paulo?  O que eles trazem nem sempre é brilhante e mensurável a título imediato; mas é um trabalho de fonte, e na medida em que a fonte lhes recebe a mensagem, torna-se, por igualdade de valor inato ou técnico, um elemento de verdadeira civilização.

Os chefes de estado que foram santos, como S. Luís, ou chefes militares como Sonis, como Foch, filósofos como Alberto Magno e S. Tomás de Aquino, artistas como Haydb, sábios como Linné ou Newton, não foram sublimados, em igualdade de gênio ou de poder, pela sua fé ativa e pela retidão da sua vida? Assim, generalizando, uma sociedade cristã é sublimada em todos os seus valores de civilização temporal, além da salvaguarda proporcionada ao que constituía esse fundo.

Felizmente, resta-nos muito daquilo que a Igreja verteu nas almas de nossos pais. A nossa civilização é um lençol d’água cuja superfície mostra uma triste escuma que terá sempre suas camadas inferiores; mas entre as duas, circula uma corrente pura e forte, formada das altas consciências cristãs e dos herdeiros, talvez inconscientes, do passado cristão.

É por isso que não há razão alguma para desesperar; mas é preciso despertar os dorminhocos e reconduzir os transviados, para que o milagre de Deus no meio de nós não seja vão, justamente no momento em que a sua oportunidade e as suas possibilidades de manifestação mais se patenteiam.

Quanto mais a humanidade dura, tanto mais necessidade tem daquilo que lhe permite tomar valor, começando por se desprender de si mesma. Quanto mais tempo há, tanto mais empréstimos à eternidade se fazem mister; quanto mais humanidade há, tanto mais divindade se torna mais necessária hoje do que nunca. Cumpre que ela nos batize, se não somos batizados, que nos confirme, nos faça comungar juntos e com Deus, nos ordene, nos perdoe também, nos case de um casamento puro e fecundo com a natureza santificada, e, se preciso, visto que as nações e as civilizações morrem, nos unja antes da paz do túmulo e da vinda a lume dos séculos novos..

Mas também, sempre mais necessário, a Igreja está sempre mais disponível. Ela é forte; pode carregar as desventuras do mundo e suas culpas, tanto quanto as suas virtudes e as suas venturas.


Quer se queira quer não, deve-se pois convir que as suas afirmações relativas a si mesma são justificadas; ela é “o estandarte levantado sobre as nações” de que fala o Concílio de Trento, e pelo qual a construção divina se reconhece. Só o dogma da Igreja explica o fato da Igreja. Fora isso, não há explicação pertinente. A gente dos primeiros séculos estava segura disso. Quando sucede duvidarmos disso, é que nossos olhos estão menos frescos. Deus queira que acontecimentos mais graves não nos refresque, mostrando-nos tragicamente aquilo que nos falta depois que acreditáramos tê-lo. Nossos pais, mais humildes, compreendiam que não o tinham.

   


17 – Bousset, Oração fúnebre de Ana de Gonzaga.
* - Pergunta que foi formulada ao tempo em que foi escrito este livro. A resposta, ao tempo em que aparece esta tradução, já está dada pelo desfecho da grande guerra. (Nota do Tradutor).