segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os castelos de areia.

Quero contar uma parábola que reflete o que aconteceu e está acontecendo com a Igreja de Cristo. É a estória de um Rei Eterno que decidiu edificar um belo castelo para sua morada e de sua família, que seria qualquer um que o amasse e decidisse viver com ele. De forma que quem morasse em seu edifício, no tempo determinado por esse Rei Eterno, também viveria com suas palavras de vida eterna.

Ele edificou a pedra fundamental, as colunas e todas as partes do castelo. Da ponte às janelas; do quarto ao banheiro. Todas as partes eram necessárias para formar um castelo segundo sua vontade. Esse Rei teve que viajar, mas instituiu servos para o representar, cada um com uma função, e um líder geral de sua confiança para que eles andassem sempre unidos.  A prometida vida seria vivida de uma vez por todas assim que voltasse
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O Rei demorou em sua viagem, de forma que com o passar do tempo seu castelo tornou‐se sujo, até mesmo alguns lideres gerais cometeram certos erros. Mas o castelo não estava abandonado, pois hora ou outra apareciam moradores zelosos. Estes o pintavam e concertavam lugares danificados.

Todos eles recitavam os ensinos do Rei no seu dia a dia de forma oral. Os professores ensinavam aos alunos utilizando também alguns livros, pois eles eram úteis. Esses livros não eram suficientes pra explicar tudo, já que sempre surgem falsas interpretações de leitores desavisados. Por isso o ensino instituído pelo Rei era feito por pessoas autorizadas, que inclusive fizeram uma lista dos livros científicos. Isso eles chamavam de tradição real.

Passados centenas de anos, começaram a surgir moradores que diziam entender de construção e do verdadeiro conhecimento real.  Segundo eles, o castelo não deveria ter janelas daquela forma, e a cor não combinava com uma realeza. “A porta está muito estreita”, afirmavam alguns. “Pra que tantas colunas?”, perguntavam outros. Nem mesmo os livros da biblioteca desse Rei, incluindo os livros científicos, feitas por escritores que o presenciaram, foram respeitados. Eles alegavam entender mais que os próprios lideres instituídos pelo Rei! Acontece que, por obra do inimigo do rei, cada um se intitulou um reformador da casa.

“Não combina com a realeza!”, era seu brado. “Vamos reformar a casa, assim que o Rei voltar, vai ver que fizemos a sua vontade”, “destruiremos estes fundamentos de falsos construtores e instituiremos os nossos próprios e verdadeiros fundamentos”. Mas eles não quiseram reforma‐la da mesma forma que os outros servos zelosos. Eles desejaram um castelo segundo suas vontades. Pegaram machados e marretas; bombas e pedras. Tentavam demolir o castelo, mesmo discordando um do outro.

Um aceitava a janela, pois não gostava da luz do sol que batia na sala, por isso a apedrejou. Outro, concordava que deveria ter janelas, para deixar o ar arejado. Mas todos concordavam que deveriam reconstruir a casa e destituir o líder instituído pelo Rei. Cada um deveria ser seu próprio líder. O problema é que cada um tentava fazer tudo segundo a sua própria vontade, por meio de divisões e mais divisões de grupos de reformadores.

Acabou que cada reformador decidiu montar seu barraco ou castelo de areia, e boa parte deles eram fora dos limites do castelo. Vários conjuntos de barracos e castelos de areia, um do lado do outro, alguns isolados de tudo. Tinham até os sem telhado! Ou os sem barraco, pois concluíram que só seu corpo basta, e seu corpo é o castelo (ignorando todo o fundamento posto pelo Rei). Tinha alguns barracos  dentro dos limites do castelo (afinal, até mesmo na Babilônia existem os exilados de Israel). Estes foram enganados por alguns reformadores enganados por outros que foram enganados pelo inimigo do Rei.

Muitos moradores do castelo foram convencidos pelos barraqueiros entrar no conjunto de barracas. Mas sempre existiam os que voltavam para seu verdadeiro lar: o castelo real. Mas os verdadeiros moradores zelosos, construtores autorizados de fato pelo Rei, trataram de concertar o estrago feito pelos auto‐intitulados reformadores. Alguns eram sinceros, mas sinceramente enganados.

O Rei ainda não voltou, entretanto o castelo real continua de pé e segundo a vontade do Rei. Mesmo com algumas falhas na pintura, mas sempre repintada da cor original nas partes falhas. Este castelo continua firme e forte, afinal, o próprio Rei Eterno prometeu que estaria com eles até a consumação do século e que as investidas dos bárbaros não prevaleceriam contra seu castelo. Infelizmente ainda há os que se alimentam dos mitos criados em relação ao castelo. Os mesmos acabam perdendo os tesouros dados de graça pelo Rei.

Seus moradores zelosos continuam a trabalhar, principalmente trazendo de volta estas pessoas enganadas. Cada vez mais os filhos do Rei Eterno voltam pra casa, ora avaliando seus próprios erros de construção, ora sendo convencidos por outros. Ambos esperam a volta do Rei e a revelação geral do seu reino.

A Igreja, assim como o castelo, continua firme, mesmo com as tempestades e pedradas, pois, como nosso Rei Eterno Jesus prometeu, as portas do inferno não prevalecerão contra a sua Igreja. A Santa e Uma Igreja Católica.

Autor: Jonadabe Rios

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Criação versus evolução – A ciência contradiz a Bíblia?


Peter Kreft e Ronald K. Tacelli

Antes de compararmos essas duas idéias, devemos distinguir três significados que a evolução pode ter:

1 – Evolução pode significar uma teoria sobre o que aconteceu para que espécies mais complexas aparecessem na terra e quando isto se deu, analisando os registros fósseis.

2 – Evolução pode significar uma teoria sobre como isso aconteceu pela seleção natural, pela sobrevivência do mais forte, mais apto.

3 – Evolução pode significar a ausência de um projeto divino para a criação, suprimindo Deus do processo de seleção natural. Esse terceiro sentido não é absolutamente científico, mas filosófico e teológico.

Podemos aceitar a evolução no sentido 1, mas não totalmente no sentido 2. Contudo, não podemos aceitar de modo algum uma evolução no sentido 3, porque existe uma contradição clara entre a Bíblia e a proposição 3, pois esta implicaria que Deus não é o Senhor da Criação. Mas vale lembrar que a evolução no sentido 3 não é de modo algum científica.

Também há sérios problemas quanto à evolução no sentido 2 e até no sentido 1, mas estes não chegam a contradizer a Bíblia. Os principais problemas científicos das proposições 1 e 2 incluem: a ausência de formas de transição no registro fóssil, a rapidez do aparecimento da nova espécie; a total ausência de qualquer evidência empírica para a herança de característica adquirida do ambiente, exceto dentro de uma espécie (por ex., os tentilhões de Darwin). Em outras palavras, não existe evidência empírica convincente de uma única espécie se desenvolvendo em [ou a partir de] outra. Mas, se houvesse, isto não implicaria uma contradição entre a teoria da evolução e a da criação.

Aqueles que crêem que existem tais contradições geralmente apontam para as duas seguintes questões: (1) As outras espécies foram criadas sobrenaturalmente por Deus ou evoluíram naturalmente pela seleção natural? (2) E nós? Somos feitos à imagem do King Kong ou de Deus? Adão foi filho de um macaco ou filho de Deus?

Vejamos resumidamente esses dois “pontos de atrito” para a controvérsia entre criação e evolução.

Com relação à primeira questão, não existe contradição lógica entre a afirmação na Bíblia de que no principio Deus criou os céus e a terra (Gn 1.1) e a afirmação de que a variedade de espécies teriam se desenvolvido pela seleção natural. A ciência é como o estudo da ecologia interna de um aquário. A Bíblia é como uma carta da pessoa que criou o aquário. Muito longe de serem logicamente exclusivas, as duas idéias da criação e da evolução facilmente complementam uma à outra ou, pelo menos, uma sugere a outra.

Não é dito na Bíblia que Deus criou (verbo bará) cada espécie por um ato separado, mas sim que Ele disse: Produza a terra seres vivos (Gn 1.24). Por outro lado, uma teoria da evolução que se confina à ciência empírica não pretende saber se existe ou não um Criador divino por trás das forças naturais. Mas certamente sugere fortemente um Criador cósmico.

Com relação À segunda questão, também não existe contradição lógica entre a afirmação da Bíblia de que a alma humana foi feita à “imagem de Deus”, foi “assoprada” (feita espírito) em nós a partir de Deus, e a afirmação da evolução de que nosso corpo teria evoluído de formas inferiores. Gênesis 2.7 permitiria tal origem dupla.

A atual controvérsia na biologia entre os “criacionistas” e os “evolucionistas” não representa real ameaça aos teólogos. Mas tem gerado um duplo mal-entendido. De um lado, muitos teólogos tem usado mal a Bíblia para tentar estabelecer ou desestabilizar uma teoria científica da maneira menos científica possível. Por outro lado, muitos cientistas têm usado  mal uma teoria da ciência para tentar tirar a credibilidade da Bíblia, da maneira menos filosófica possível. Ambos se agarraram às suas teorias extraterritoriais com tenacidade fanática. Muitos evolucionistas são tão “zelosos” e fundamentalistas quanto qualquer fundamentalista religioso. Leia Darwin on Trial [Darwin em julgamento], de Phillip Johnson.

Série sobre Cristo é retirada do ar no Líbano após protestos

Uma série de TV iraniana sobre a vida de Jesus Cristo foi retirada do ar no Líbano após protestos por mostrar uma versão da história diferente da aceita pela Igreja Católica.

A comunidade cristã libanesa acusa a série de basear a trama nos escritos apócrifos (não reconhecidos pela Igreja Católica) de Barnabé e mostra um Jesus que não é crucificado nem ressuscita.

Esta versão da vida de Jesus Cristo é próxima da retratada no Alcorão, onde ele é um reverenciado profeta.

O livro sagrado dos muçulmanos afirma que Deus salvou Jesus da crucificação e o alçou aos céus.

Polêmicas

A série estava sendo transmitida por dois canais libaneses, o Al Manar, ligado ao Hezbollah, e o NBN.

Geralmente as emissoras de TV do mundo islâmico usam o mês santo do Ramadã para lançar suas maiores produções, e muitas destas acabam gerando polêmicas.

O Líbano possui a maior comunidade cristã no Oriente Médio.

O cristianismo já foi a religião dominante no país, mas a comunidade cristã libanesa vem perdendo espaço para grupos muçulmanos sunitas e xiitas.
BBC

Isso parece mais uma tentativa de popularizar uma imagem não histórica de Jesus, principalmente por não ser baseado em fontes confiáveis do primeiro século, mas em livros escritos séculos depois. Há algum tempo assisti um video da vida de Jesus segundo o Islã, e sinceramente, achei o cúmulo.

Dentre os motivos para a crucificação de Jesus, estava o de que ele afirmou algo sobre Ismael (não lembro bem o que disse) que não foi aceito pelos judeus.

Esse Jesus fala claramente que não é Deus, e parece conhecer as controvérsias atuais. Como se tivesse escutado de um cristão do nosso século. O que é muito conveniente pra quem quer convencer boa parte das pessoas que não conhecem os estudos sobre o Jesus Histórico, da autenticidade do Novo Testamento (já que afirmam que o NT foi adulterado) e da crença cristã primitiva.

 Dentre algumas afirmações dos céticos em relação ao cristianismo estão:

- Paulo foi o verdadeiro fundador do cristianismo.
- A ressurreição não fazia parte da crença cristã primitiva.
- Não podemos confiar no Novo Testamento.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Bíblia Espiritual Versão em Retalhos

Depois de afirmar que a nossa salvação vem pelas obras, contrário ao que Jesus falou. Que Jesus não morreu para nos salvar, e sim para dar um exemplo e chamar atenção a humanidade.

Também que Jesus é apenas um espírito iluminado, seus discípulos o interpretaram errado (e ainda chamam Jesus de um grande mestre), Paulo ter errado a respeito de Jesus, e, principalmente, que as doutrinas cristãs são ensinos de homens declarados por concílio pra dominação política. Chegou a nova versão da Bíblia!

Nada de Bíblia Gay, Bíblia da Vitória Financeira ou Bíblia Deus um delírio.

A editora Gasparr acaba de lançar a nova versão da Bíblia: BEVR (Bíblia Espiritual Versão em Retalhos).

Com ela você pode ser convencido do que já acredita e ainda achar que é um verdadeiro cristãum!

Temos retalhos personalizados, a gosto do freguês. Não perca a oportunidade de retalhar a Bíblia você também.


Ps.: Só temos em versão de bolso.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pais da igreja: importância nula?

O Na mira da Verdade ao tentar defender a guarda do sábado, acabou tirando o valor devido dos Pais d Igreja. Foi afirmado que:

Os observadores do domingo, em uma tentativa desesperada de defender o indefensável, apelam aos pais da igreja e ao texto de Apocalipse 1:10 para “provar” que o “dia do Senhor” não é o sábado.
 Segundo o texto, os defensores do domingo erram em dois pontos:

1) Em usar a autoridade dos pais da igreja no lugar da autoridade da Bíblia (Jo 17:17);

2) Em dizer que a expressão grega Kuriakê heméra (Dia do Senhor), utilizada em Apocalipse 1:10, se refere ao primeiro dia da semana.


E depois de citar alguns pais da igreja, foi feito o seguinte comentário:

Tais homens são as autoridades doutrinárias dos observadores do domingo, caro leitor! Pasmem! Não foi por acaso que Adam Clarck, comentarista evangélico, disse sobre eles: “Em ponto de doutrina a autoridade deles é, a meu ver, nula” – Clarkes’s Commentary, on Proverbs 8.

Essa não é uma tentativa desesperada de defender o indefensável, mas uma forma de expor uma conclusão clara quando se estuda a história da igreja. Verão que até mesmo o texto de vocês serve como mais um argumento pra guarda do domingo.
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Então, pra começar, tenho que agradecer por me fazer perceber algo que não tinha notado antes.

Primeiro é bom deixar algo claro: A bíblia é sim autoridade para o cristão, mas é a única? Se é a única, o que dizer dos primeiros cristãos que não possuíam a bíblia como fonte pra doutrina cristã? Deixem-me explicar, assim verão que a tradição primitiva é sim também autoridade para o cristão.

Antes também gostaria de comentar o que afirmaram sobre os pais da igreja. Em que sentido a pessoa se torna assassino? Seria bom mostrar a passagem onde ele afirma isso pra avaliarmos, não?

Espero que não tenha feito como alguns que não chegaram a ler seus textos. Dá pra encontrar até na internet, e são muito bons pra leitura (tiveram forte influencia para que eu deixasse o protestantismo)
 Ele está certo em dizer que a santa ceia não é apenas um simbolismo, foi isso o que aprendeu e o que a Igreja tinha como ensino apostólico, não é razoável desprezar o testemunho dele nesses casos por não concordar com ele. Isso sobre Inácio, mas depois volto a falar sobre ele.

Sobre os outros a questão é parecida. Seria bom citar os trechos pra avaliarmos o que eles tinham a dizer, e não é porque acreditavam em coisas cientificamente erradas (como o caso de Barnabé) que deveríamos ignorar seu testemunho.

Mas uma coisa é importante notar, e foi o que notei ao ler seu artigo: todos eles acreditam de forma universal que o domingo era guardado entre os Cristãos. É bom lembrar que a universalidade foi um dos fatores de aceitação do Canon.

Então, pra resumir, mesmo não concordando como heresias o que foi tachado como (purgatório, primazia de Roma e que a ceia não é apenas um simbolismo), não dá pra dizer que a autoridade deles é nula. Chega a ser engraçado, pois é através dessas mesmas autoridades que o Canon bíblico foi apoiado e estudado.

Duvido que quando forem defender o Canon vão chamar essas autoridades de nulas. Vamos ser honestos, e lembrem-se disso quando forem tratar do Canon Bíblico, seja sobre o Antigo Testamento ou no Novo.

Primeiro a Igreja observava a universalidade dos livros, se eram aceitos em todas as igrejas de origem claramente apostólica, então eram considerados canônicos. Os que não eram aceitos por todos, mas tinham certa confiabilidade, chamados deuterocanonicos (não estou falando dos deuterocanonicos do AT), utilizavam alguns outros meios, mas todos concordavam que a universalidade deve ser usada como fator.

Então é isso que quero dizer, também, na questão do sábado: a guarda do domingo era algo universal que, ao contrário do que dizem, pode ser observado até mesmo no Novo Testamento, mas essa não é a questão a ser tratada.
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A importância da tradição primitiva e da crença universal (Católica) não para por aí. Continuemos com o exemplo do Canon.

Os cristãos primitivos não tinham o Novo Testamento. Eles tinham um livro aqui, outro ali recebido. Aos poucos eles foram aceitos e aos poucos o Canon foi determinado. Então, qual era a base de fé deles? O Antigo Testamento, as cartas que possuíam (e não eram completas como nós temos hoje graças a essa tradição) e a tradição oral recebida pelos apóstolos. As várias alusões às escrituras, na maioria das vezes, são sobre o AT.

Isso pode ser visto em todos os pais da igreja que escreveram muito antes da formação do Canon. Era o registro da tradição oral que eles haviam recebido, um registro das crenças primitivas antes da formação do Canon e que ajudaram a formar o mesmo. Eles são unânimes quanto a isso.

Não dá pra ignorar isso, nem a tradição oral preservada no primeiro século como explicação de passagens difíceis, e dizer que a importância deles é nula. Os livros do NT são inspirados? Sim. Sabemos isso de que forma? A Bíblia caiu do céu e veio se reproduzindo de forma assexuada? Não.

Por esses motivos (e existem outros, mas pretendo escrever de forma resumida) não seria honesto negar que a Igreja é mãe do Canon. Alguns dizem que ela é serva do Canon, mas, se fosse serva o mesmo teria surgido antes da fundação da Igreja. Mas não foi assim que aconteceu. E o Antigo Testamento? Bom, só ele não serve como manual para o Cristão, e através dele não podemos determinar quais deveriam ser os livros inspirados e escritos pelos apóstolos.

Apesar de termos uma lista dos livros canônicos pelos pais da Igreja, eles não mostram alusões conclusivas, pois às vezes são citados os apócrifos. A decisão foi tomada pela Igreja, através do Magistério, observando somente os livros de acordo com a tradição, e não o contrário.

Mas por não ser algo conclusivo, deveríamos ignorar os textos patrísticos? De maneira nenhuma, eles serviram como base para essas discussões. Mas o que dá pra ser observado é que a Tradição Católica (Universal) da Igreja foi um dos fatores pra o reconhecimento do Canon, o que já exclui a possibilidade da Igreja ser serva do Canon.

E o Canon não foi reconhecido pra servir de regra para os cristãos somente, mas como forma de listar os livros autorizados para serem lidos nas Igrejas pelos cristãos e lutar contra os livros que começavam a surgir, os apócrifos.

Só isso acaba com a suficiência da bíblia para todos os assuntos importantes do cristianismo, pois se fosse suficiente, seria suficiente até mesmo para determinar quais são os livros inspirados, mas se não foi suficiente pra isso, então não é suficiente pra todo assunto importante para o cristianismo.

Assim, não deve ser a única regra de fé. Mas qual seria? Bom, é outra questão, e não quero sair mais do assunto principal (embora esse seja relacionado).

Tratei isso aqui apenas pra mostrar a importância da tradição primitiva, pois se negá-la (principalmente dizendo que sua importância é nula), a conseqüência vai ser negar a própria bíblia.

Mas a principal evidencia para que o Dia do Senhor seja o Domingo não é o texto do evangelho de Pedro, e sim de Inácio. Veja:

"Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre" - Magnésios 9,1

Ele cita alguns que negam, os judaizantes, mas não os que estavam de acordo com a sucessão e tradição apostólica.

Inácio de Antióquia que viveu entre 30 e 106/110 d.C (bem antes da formação do Novo Testamento, e logo no nascimento da igreja, que veio de tradição e sucessão apostólica), foi discipulo de João e conheceu Paulo. Fala claramente que os cristãos deixaram de guardar o Sábado para guardar o dia do Senhor (se não fosse o sábado, seria que dia que estaria se referindo?).

Essa data é muito próxima a escrita do livro de Apocalipse o que mostra que não é nula a evidencia de que o Dia do Senhor que se fala no Apocalipse é o domingo, já que isso fazia parte da linguagem cristã e Inácio viveu no tempo em que o Apocalipse foi escrito, além de ter sido discípulo de João.

Então, mesmo que no AT o sábado seja considerado o Dia do Senhor, isso não muda o fato de que todos os cristãos primitivos de origem apostólica consideravam o Domingo este dia. Por isso eles não servem pra serem usados como argumento para um cristão, no máximo isso pode servir pra um judeu.

Também, no segundo artigo, citaram algumas palavras de Jesus. Isso também em nada influencia no que os cristãos acreditavam, afinal, as falas foram ditas por Jesus antes de sua morte e ressurreição. É óbvio que como um judeu, ele guardaria o sábado, e como Deus, é Senhor do Sábado. Mas o cristianismo tem vários elementos diferentes do judaísmo, e, repito, isso não muda o fato da universalidade da guarda dos domingos pelos cristãos.

O que dá a entender que quando alguns cristãos (como os apóstolos) iam aos sábados às sinagogas, não significava que eles estavam guardando como forma de salvação ou algum tipo de aliança, mas aproveitando a oportunidade para pregar a Palavra de Deus, como Paulo afirmou que fazia.

Bom, escrevi isso pra mostrar que a Tradição é sim importante e decisiva (e foi até mesmo para o Canon). Apesar de que podemos ver biblicamente que o sábado não precisa ser guardado pelos cristãos, não pretendi escrever sobre isso aqui. Apenas mostrar que a unanimidade dos cristãos sobre esse assunto não é uma tentativa desesperada, mas sim uma prova histórica da crença cristã primitiva, e que, se ignorar isso (ou tentar tirar o credito deles), vão ter que ignorar a própria formação do Canon.

Autor: Jonadabe Rios

Em defesa dos deuterocanonicos

James Akin


Quando católicos e protestantes falam sobre a Bíblia, os dois grupos atualmente possuem dois livros diferentes

No século 16, os reformadores protestantes removeram uma parte do Antigo Testamento que não era compatível com a sua teologia. Diziam que estes livros não eram inspirados e os chamaram de "apócrifos".

Os católicos se referem a eles como "deuterocanônicos" (pois foram disputados por alguns autores e sua canonicidade foi estabelecida mais tarde que o resto), enquanto que os demais livros são chamados de "protocanônicos" (sua canonicidade foi estabelecida primeiro).

Seguindo o argumento protestante sobre a integridade da Bíblia, a Igreja Católica reafirmou a inspiração divina dos livros deuterocanônicos no Concílio de Trento em 1546. Fazendo isto, ela reafirmou o que já havia sendo crido desde os tempos primitivos.

Quem organizou o Antigo Testamento?

A Igreja não nega que existem alguns livros que são realmente "apócrifos". Durante a era da igreja primitiva, existiam manuscritos que supunham ser inspirados, mas não eram. Muitos chegaram até nós, como o "Apocalipse de Pedro" e o "Evangelho de Tomé", cujas igrejas cristãs rejeitaram como não pertencendo às Escrituras.

Durante o primeiro século, os judeus discordavam sobre a constituição do cânon das Escrituras. De fato, havia muitos "cânons" sendo usados, incluindo livros usados por cristãos. Para combater a disseminação do rito cristão, os rabinos se encontraram na cidade de Jâmnia em 90 d.C. para determinar quais os livros que continham as verdadeiras palavras de Deus. Pronunciaram-se afirmando que muitos livros, incluindo os Evangelhos, eram impróprios para serem considerados Escritura Sagrada. Este cânon também excluiu 7 livros (Baruc, Sirácida, 1 e 2 Macabeus, Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, e algumas porções de Daniel e Esther) que os cristãos consideravam como parte do Antigo Testamento.

O grupo de judeus que estavam em Jâmnia tornou-se o grupo dominante no decorrer da história judaica, e hoje muitos judeus aceitam tal cânon. Entretanto, alguns judeus, como os da Etiópia, seguiam um cânon diferente, e idêntico ao cânon Católico do Antigo Testamento, pois incluíam os sete livros deuterocanônicos (cf. Enciclopédia Judaica, vol 6, p. 1147).

Não é necessário dizer que a Igreja não aderiu ao resultado de Jâmnia. Primeiro, um Concílio judaico após a época de Cristo não guarda ligações com os seguidores de Cristo. Segundo, Jâmnia rejeitou precisamente os documentos que constituíam a base da Igreja Cristã: os Evangelhos e outros documentos do Novo Testamento. Terceiro, rejeitando os deuterocanônicos, Jâmnia rejeitou livros que foram usados por Jesus e os apóstolos  e que estavam contidos na edição da Bíblia que os apóstolos usaram no dia-a-dia: a Septuaginta.

 Os apóstolos e os deuterocanônicos

 A aceitação pelos cristãos dos deuterocanônicos era lógica porque estes estavam incluídos na Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento que os apóstolos usaram para evangelizar. Dois terços das citações do Antigo Testamento no Novo são oriundos da Septuaginta. Em nenhuma parte os apóstolos falaram aos seus discípulos ou convertidos para evitar estes sete livros ou alguma doutrina contida nele. Assim como os judeus pelo mundo que usam a versão da Septuaginta, os primeiros cristãos aceitaram os livros encontrados nela. Sabiam que os apóstolos não iriam engana-los ou arriscar suas almas colocando falsas Escrituras em suas mãos , especialmente não os avisando contra isto.

Mas os apóstolos não colocaram os deuterocanônicos nas mãos de seus convertidos simplesmente como parte da Septuaginta. Eles regularmente citavam-nos em seus escritos. Por exemplo, Hebreus 11 nos encoraja a imitar os heróis do Antigo Testamento e no Antigo Testamento "mulheres houve, até, que receberam ressuscitados os seus mortos. Alguns foram torturados, rejeitados, não querendo o seu resgate, para alcançarem melhor ressurreição" (Hb 11,35).

Existem alguns exemplos de mulheres recebendo de volta seus mortos pela ressurreição no Antigo Testamento protestante. Você pode achar Elias ressuscitando o filho da viúva de Sarepeta em 1 Reis 17, e você pode achar seu sucessor Eliseu ressuscitando o filho da mulher sunamita em 2 Reis 4, mas uma coisa não se poderá achar em nenhum lugar no Antigo testamento protestante, do começo ao fim, de Gênesis a Malaquias: alguém é torturado e rejeita o seu resgate para alcançarem melhor ressurreição. Querendo achar tal fato, deve procurar no Antigo Testamento da Bíblia católica, justamente nos livros deuterocanônicos que Martinho Lutero retirou de sua Bíblia.

Esta história é encontrada em 2 Mac 7, onde lemos que durante a perseguição dos Macabeus, "Aconteceu também que, tendo sido presos sete irmãos com sua mãe, o rei os queria obrigar a comer carne de porco contra a lei...os outros irmãos exortavam-se mutuamente com sua mãe, a morrerem corajosamente, dizendo: 'O Senhor Deus vê e consola-se em nós'...Morto deste modo o primeiro, levaram o segundo ao suplício...respondendo na língua dos seus pais, disse: Não! Pelo que este também padeceu os mesmos tormentos que o primeiro. Estando já para dar o último suspiro, disse desta maneira: 'tu ó malvado, faze-nos perder a vida presente, mas Deus, o Rei do universo, nos ressuscitará para a vida eterna, a nós que morremos, por fidelidade às suas leis'" (2 Mac 7,1.5-9).

Os filhos morreram um por um, proclamando que eles serão recompensados pela ressurreição. "Entretanto a mãe deles, sobremaneira admirável e digna de memória, vendo morrer os seus sete filhos em um só dia, suportou heroicamente a sua morte, pela esperança que tinha no Senhor. Cheia de nobres sentimentos, exortava, na língua dos seus pais, a cada um deles em particular, dando firmeza... Dizia-lhes: 'não sei como fostes formados em meu ventre; não fui eu quem vos deu o espírito e a vida, ou que formei os membros do vosso corpo. O criador do mundo, que formou o homem no seu nascimento e deu a origem a todas as coisas, vos tornará a dar o espírito e a vida, por sua misericórdia, em recompensa do quanto agora vos desprezais a vós mesmos, por amor das suas leis'", Diz o último irmão, "Não temas este algoz, mas sê digno de teus irmãos, aceita a morte, para que eu te encontre com eles no dia da misericórdia" (2 Mac 7,20-23.29).

Este é uma das referências do Novo Testamento aos deuterocanônicos. Os primeiros cristãs reconheciam amplamente estes livros como Escrituras Sagradas, não somente porque os apóstolos os colocaram em suas mãos, mas porque também se referiram a eles no próprio Novo Testamento, citando o que recordavam como exemplos a serem seguidos.

 Os Pais falam

 A aceitação dos deuterocanônicos é evidente ao longo da história da Igreja. O historiador protestante J.N.D. Kelly escreve:

    "Deveria ser observado que o Antigo Testamento admitido como autoridade na Igreja era algo maior e mais compreensivo que o Antigo Testamento protestante...ela sempre incluiu, com alguns graus de reconhecimento, os chamados apócrifos ou deuterocanônicos. A razão para isso é que o Antigo Testamento que passou em primeira instância nas mãos dos cristãos era... a versão grega conhecida como Septuaginta... a maioria das citações nas Escrituras encontradas no Novo Testamento são baseadas nelas preferencialmente do que a versão hebraica... nos primeiros dois séculos... a Igreja parece ter aceitado a todos, ou a maioria destes livros adicionais, como inspirados e trataram-nos sem dúvida como Escritura Sagrada. Citações de Sabedoria, por exemplo, ocorrem em 1 Clemente e Barnabé... Policarpo cita Tobias, e o Didache cita Eclesiástico. Irineu se refere a Sabedoria, a história de Susana, Bel e o dragão (livro de Daniel), e Baruc. O uso dos deuterocanônicos por Tertuliano, Hipólito, Cipriano e Clemente de Alexandria é tão freqüente que referências detalhadas são necessárias" (Doutrina Cristã Antiga, 53-54).

O reconhecimento dos deuterocanônicos como parte da Bíblia dada pessoalmente pelos pais também foi conferida por esses mesmos pais como uma regra, quando se encontravam nos Concílios da Igreja. Os resultados dos Concílios são especialmente úteis porque não representam a visão de uma só pessoa, mas o que fora aceito pelos líderes da Igreja de todas as regiões.

O cânon das Escrituras, Antigo e Novo Testamento, foi fixado definitivamente no Concílio de Roma em 382, sob a autoridade do Papa Damaso I. E foi logo reconhecido por sucessivos Concílios, tanto regionais como gerais. O mesmo cânon foi firmado no Concílio de Hipona em 393 e no de Cartago em 397. O fato destes Concílios não serem "ecumênicos" não rejeita o fato de suas decisões não serem aceitos como baseadas em verdade de fé. Em 405 o Papa Inocêncio I reafirmou o cânon em uma carta ao bispo Exuperius de Toulouse. Outro Concílio de Cartago, este no ano de 419, reafirmou o cânon como os seus predecessores e pediu ao papa Bonifácio que  "confirme este cânon, pois estas são as que recebemos de nossos pais para serem lidos na Igreja". Todos estes canos formavam a mesma Bíblia católica atual, todos eles incluindo os deuterocanônicos.

Este mesmo cânon foi implicitamente confirmado no sétimo Concílio Ecumênico, o de Nicéia II (787), que aprovou os resultados do Concílio de Cartago de 419, e explicitamente reafirmou nos Concílios Ecumênicos de Florença (1442), Trento (1546), Vaticano I (1870) e Vaticano II (1965).

 As acusações protestantes

Os deuterocanônicos mostram doutrinas da Igreja Católica, e por esta razão eles foram retirados do Antigo Testamento por Lutero e colocados como apêndice sem números de páginas! Lutero também retirou livros do Novo Testamento: Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse  e os colocou como apêndice, sem páginas, da mesma forma que os outros. Estes foram mais tarde recolocados de volta no Novo Testamento por outros protestantes, mas os 7 livros do AT foram deixados. Em 1827, o British and Foreign Bible Society retirou também este apêndice, sendo este o motivo pelo qual não são encontrados nas Bíblias protestantes mais contemporâneas, apesar de ainda serem encontradas em traduções protestantes clássicas, como a King James Version.

A razão porque eles foram retirados é que ensinam doutrinas católicas que os protestantes rejeitam. Acima citamos um exemplo onde a carta aos Hebreus nos mostra um exemplo do Antigo Testamento contido em 2 Mac 7, um incidente não encontrado em nenhuma Bíblia protestante, mas facilmente localizada na Bíblia católica. Porque Lutero teria retirado este livro se ele claramente serviu de fonte para aquela parte do Novo Testamento? Simples: alguns capítulos mais adiante o livro apóia a prática da oração às almas dos mortos para que sejam purificados das conseqüências dos seus pecados (2 Mac 12,41-45); em outras palavras, a doutrina católica do purgatório. Desde que Lutero rejeitou o ensino histórico do purgatório (que data de antes de Cristo, como mostra o livro de Macabeus), ele teve que retirar este livro da Bíblia e coloca-lo como apêndice. (Note que ele também retirou Hebreus, o livro que cita 2 Macabeus, e o colocou também como apêndice)

Para justificar esta rejeição a livros que estavam na Bíblia desde tempos antes dos apóstolos (a Septuaginta foi escrita antes dos apóstolos), os primeiros protestantes recorreram ao fato de que os judeus daqueles dias não honraram tais livros, retornando assim ao Concílio de Jâmnia. Mas os reformadores estavam atentos apenas aos judeus europeus; não prestando a devida atenção aos judeus africanos, como os etíopes, que aceitavam os deuterocanônicos como parte de sua Bíblia. Eles censuraram as referências ao deuterocanônicos no Novo Testamento, assim como seu uso da Septuaginta. Ignoraram o fato de que existiam múltiplos cânnos judaicos circulando no primeiro século, apelando a um Concílio judaico pós-cristão que não possuía nenhuma autoridade para com os cristãos para se falar que "os judeus não aceitaram estes livros". Na verdade, foram longe tentar buscar algo que suportasse a rejeição a estes livros da Bíblia.

 Reescrevendo a história da Igreja

 Anos mais tarde eles até iniciaram a propagação do mito de que a Igreja Católica "adicionou" estes sete livros à Bíblia no Concílio de Trento.

Os protestantes também tentaram distorcer as evidências patrísticas em favor do deuterocanônicos. Alguns superficialmente afirmam que os Pais da Igreja não os aceitavam, enquanto outros fazem reivindicações comedidas que certos importantes pais, como Jerônimo, também não os aceitava.

É verdade que Jerônimo, e poucos e isoladas escritores, não aceitavam alguns deuterocanônicos como inspirados. Entretanto, Jerônimo fora persuadido, contra sua convicção original, a incluir os deuterocanônicos em sua edição Vulgata pelo fato de que os livros eram comumente aceitos e era esperado que fossem incluídos em todas as edições da Bíblia.

Além do mais, deve ser documentado que em anos mais tarde Jerônimo de fato aceitou certos deuterocanônicos como inspirados. Em sua resposta a Rufino, ele defendeu bravamente as partes deuterocanônicas de Daniel mesmo que os judeus de seu tempo não o fizessem.

Ele escreveu, "Que pecado eu cometi se segui o julgamento da Igreja? Mas ele que traz acusações contra mim por relatar as objeções a que os judeus estavam acostumados a formar contra a história de Susana... e a história de Bel e o dragão, que não se acham nos volumes hebraicos, provam que ele é apenas um bajulador insensato. Eu não estava relatando minha própria visão, mas antes as questões que eles (os judeus) estavam acostumados a fazer contra nós" (Contra Rufinus 11,33 [402 d.C.]). Desta forma Jerônimo reconheceu o princípio pelo qual o cânon foi fixado: o julgamento da Igreja, não dos judeus.

Outros escritores protestantes citam como objeção aos deuterocanônicos, que Atanásio e Orígenes não os aceitavam. Ora, Atanásio aceitava o livro de Baruc (Festal Letter 39) e Orígenes aceitava todos os deuterocanônicos, mas simplesmente recomendava não os usar nos debates com os judeus.

Contudo, apesar de alguns disparates e hesitações de alguns escritores como Jerônimo, a Igreja permaneceu firme em sua afirmação histórica sobre os deuterocanônicos como inspirados e vindos com os apóstolos. O protestante J.N.D. Kelly afirma isto apesar da dúvida de Jerônimo:

    "Pela grande maioria, porém, os escritos deuterocanônicos atingiram o grau de inspirados com o máximo de senso. Agostinho, por exemplo, cuja influência no ocidente foi decisiva, não fazia distinção entre eles e o resto do Antigo Testamento... a mesma atitude com ao apócrifos foi demosntrada nos Sínodos de Hipona e Cartago em 393 e 397, respectivamente, e também na famosa carta do papa Inocêncio I ao bispo de Toulouse Exuperius, em 405" (Doutrina Cristã Antiga, 55-56).

Este é, portanto, um grande mito pelo qual os protestantes acusam os católciso de terem "adicionado" os deuterocanônicos à Bíblia no Concílio de Trento. Estes livros estavam na Bíblia antes de o cânon pretender ser definido, o que ocorreu só em 380 d.C. tudo o que Trento fez foi reafirmar, em face dos ataques protestantes à Bíblia católica, o que tem sido a histórica Bíblia da Igreja: a edição padrão seria a Vulgata de Jerônimo, incluindo os deuterocanônicos!

Os deuterocanônicos do Novo Testamento

É irônico que os protestantes rejeitem a inclusão dos deuterocanônicos pelos Concílios de Hipona e Cartago, porque nestes Concílios da Igreja antiga também foram definidos os livros do Novo Testamento. Principalemnte pelo ano 300 havia uma ampla discussão sobre quais livros exatamente deveriam pertencer ao Novo Testamento. Alguns livros, como os Evangelhos, Atos e a maioria das cartas de Paulo foram rapidamente aceitos. Contudo alguns livros, mais notavelmente Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, e Apocalipse permaneceram em ardente disputa até que o cânon foi fixado. São, de fato, "deuterocanônicos do Novo Testamento".

Enquanto os portestantes aceitam o testemunho dos Concílios de Hipona e Cartago (os Concílios que eles mesmos mais citam) para a canonicidade dos deuterocanônicos do Novo Testamento, não estão dispostos a aceitar o testemunho dos mesmos Concílios para a canonicidade dos deuterocanônicos do Antigo Testamento. Realmente irônico!

Fonte: Catholic Information Network. Tradução do Veritatis Splendor por Rondinelly Ribeiro

Os deuterocanonicos contradizem os outros livros da Bíblia?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Para compreender a Santíssima Trindade

(Estudos de D. Estevão Bettencourt – Teólogo de renome nacional e internacional, um dos tradutores da Bíblia de Jerusalém e TEB, dedicou sua vida aos estudos bíblicos, foi muito respeitado no meio acadêmico, deixou uma das maiores Escolas de Teologia do Brasil – Mater Ecclesiae)

Deus pode ser conhecido mediante a razão natural. Todavia os filósofos se detiveram em noção fria e temerosa de Deus. Escrevia Aristóteles († 322aC): “Seria um absurdo querer alguém amar a Deus” (Ética maior 2,2 1208).

Deus, porém, se revelou aos homens na mensagem judeu-cristã (bíblica), dando-lhes a conhecer que Deus é pessoal (possuidor de inteligência e vontade) e não força neutra; é Pai, é Amor, é tão rico que se afirma 3 vezes (como Pai, Filho e Espírito Santo).


• O Antigo Testamento

No AT a necessidade de incutir a unicidade de Deus impedia a revelação da trindade de pessoas em Deus. Os israelitas tendiam mesmo a afastar cada vez mais Deus dos homens, substituindo o nome de Deus por locuções como “Ele, o Altíssimo, o Eterno, o Nome...”.

Verdade é que Deus fala algumas vezes como se fosse um sujeito plural:

Gn1,26 ...Façamos...

Gn3,22 ...como um de nós...

Gn11,7 ...Desçamos e confundamos...

Is 6,8 ...Quem enviaremos...

Trata-se de formas de plural intensivo, que designam o valor do sujeito que fala, não, porém, a sua pluralidade.

Contudo não podemos deixar de observar a tendência, dos autores do AT, a conceber como se fossem pessoas certos conceitos ou atributos de Deus; é o que dá especialmente em relação à Sabedoria, à Palavra e ao Espírito de Deus.

1.1 # Sabedoria

A sabedoria como tal é um atributo de Deus e do homem. Todavia nos livros sapienciais ela foi sendo concebida como pessoa; assim em...

Jó 28,1-28
Br 3,4 – 4
Pr 8,12-36
Eclo 24,5-32
Sb 7,22-26

A sabedoria “sai da boca do Altíssimo, e, como a neblina, cobre a terra...reina sobre todos os povos e nações” (Eclo 24,3-6). Só Deus sabe onde ela habita; só Deus conhece o caminho que leva a ela (cf. Jó 28,23). Desde a eternidade, ela foi estabelecida, antes das montanhas e dos mares, foi gerada; assistia a Deus, como mestre-de-obra, na criação do mundo; todo tempo ela brincava na presença de Deus e se alegrava com os homens (cf. Pr 8,22-31). Ela apareceu sobre a terra e no meio dos homens conviveu (cf.Br 3,38). É um “espírito inteligente, santo, imaculado, amigo do bem, todo-poderoso...É “um reflexo de luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus, uma imagem da sua bondade” (Sb 7,22-26).

Embora esses textos insinuem ser a Sabedoria uma pessoa distinta de Deus, sabemos que a mentalidade judaica não os podia entender senão como figuras literárias, que personificam poeticamente um atributo de Deus. No NT, porém, São Paulo alude a esses textos e identifica a Sabedoria com a 2ª pessoa da SS. Trindade ou o Cristo Jesus:

1Cor 1,24 “Cristo é o poder e a sabedoria de Deus”

Hb 1,3 “Cristo é o resplendor da glória de Deus e a imagem da sua substância; sustenta todas as coisas pela sua palavra poderosa”

Cl 1,15 “Cristo é a imagem do Deus invisível”

O apóstolo, ilustrado pela revelação do Cristo Jesus, releu os textos do AT de modo a descobrir neles uma revelação antecipada da segunda pessoa da SS.Trindade.

1.2 # A Palavra

A Palavra (dabar), para que os semitas, tinha mais importância do que para nós. Atribuíam-lhe eficácia própria, que durava para além do momento em que era proferida.

Assim a palavra de Deus é tida como criadora:

Gn 1,3.6.9.11.14s.20.24 “Deus disse...E assim se fez”

Sl 33,6 “O céu foi feita pela palavra do Senhor”

Sb 9,1 “Deus dos pais,...que tudo criaste com tua palavra”

Sl 147,15 “O Senhor envia suas ordens à terra e sua palavra corre velozmente”

A eficácia atribuída à palavra de Deus explica tenha sido ela concebida como pessoa ao lado do próprio Deus; assim, por exemplo, nos seguintes textos:

Is 55,10s “Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam sem ter regado a terra..., tal ocorre com a palavra de minha boca; ela não torna a mim sem fruto; antes, ela cumpre a minha vontade e assegura o êxito da minha missão para a qual a enviei”

Sb 18,14s “Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite mediava seu rápido percurso, tua palavra onipotente precipitou-se do trono real dos céus”
Sb 16,12 “Não os curou nem erva, nem ungüento, mas a tua palavra, Senhor, que a tudo cura”

Nesses textos não há, segundo os judeus que os escreveram, senão personificação
Poética ou figura literária. Todavia o apóstolo São João desenvolveu a concepção
judaica, apresentado a segunda pessoa da SS.Trindade como a Palavra (Lógos, em
grego); cf. Jo 1,1.14: “No princípio existia o Lógos, e o Lógos estava com Deus e o Lógos
era Deus... E o Lógos se fez carne, em habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a
glória do Unigênito do Pai”.

1.3 # O Espírito de Deus

O termo hebraico ruah (em latim, spiritus, espírito) significa “vento, brisa silenciosa,
Tempestade...”. Está associado a idéia de vida. Em conseqüência, as intervenções de
Deus em favor do seu povo na história são atribuídas ao ruah (força vivificante) de Deus. É este quem transforma os homens, tornando-os capazes de façanhas excepcionais; tenham-se em vista o caso de Sansão (Jz 13,25;14,6).

O Messias prometido pelos profetas seria portador de ruah:

Is 11,1-5
Is 42,1-3
Is 61,1s
Jl 3,1-4

Essa força vivificante de Deus seria dada a todos os homens:

Is 32,15-20
Is 44,3-5

E produziria novas criaturas:

Ez 11,19
Ez 18,31
Ez 36,26
Ez 37,1-10

Nota-se também a tendência a personificar o Espírito entre os judeus; cf.Is 63,10s ; 2Sm 23,2. Isto, porém, sem ultrapassar os termos de uma figura poética. O NT mais uma vez desenvolveu o pensamento judaico, apresentando o Espírito como a terceira pessoa da SS.Trindade, cf. Jo 14,25 / Jo 16,7.13 / At 2,1-22.


• O Novo Testamento

Jesus explicitou as noções judaicas, falando abertamente do Pai e do Espírito, que com o Filho constituem um só Deus em 3 pessoas (obs: 3 pessoas numa única divindade).

A SS.Trindade aparece em algumas fórmulas marcantes:

Mt 28,18s
“Ide e fazei com que todas as naçõesmse tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” – Temos aqui a fórmula tal como era aplicada na liturgia do Batismo; a justaposição mediante a preposição e significa a igualdade de natureza da 3 pessoas divinas.

Mt 3,16 / Mc 1,11 / Lc 3,22
No Batismo de Jesus, o Pai se fez ouvir apontando o Filho e o Espírito Santo se manifesta sob forma de pomba (a pomba era, nas literaturas antigas, um sinal que servia para identificar).

Lc 1,20-35
Na anunciação do anjo a Maria, o Pai é dito “o Altíssimo, o Senhor Deus”; o Espírito Santo é identificado com o “Poder do Altíssimo”. Este recobre Maria com a sua sombra, como as asas de um pássaro recobrem uma criatura, simbolizando a ação divina fecundante e vivificante (cf. Sl 17,8 ; Sl 57,2 ; Gn 1,2); em conseqüência, Maria recebe em seu seio o Filho de Deus, ao qual ela deverá dar a natureza humana, para que Ele nasça como Filho de Deus e (enquanto homem) como Filho de Maria.

2Cor 13,13
“A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!” – Nesta fórmula, Deus(Pai) é tido como o Amor (pois, na verdade, foi como Amor que Ele quis identificar-se no NT, cf. 1Jo 4,16). Esse Amor tem um sorriso (graça)para os homens, que é o Filho feito homem, manifestação do Pai. Essa graça se comunica a cada homem mediante o Espírito Santo, ao qual, portanto, é atribuída a comunhão.

Gl 4,6
“Porque sois filhos, enviou Deus em nossos corações e o Espírito do seu Filho, que clama: Abbá, Pai!” (cf.Rm 8,15) – Este texto nos diz que o Espírito Santo, nos faz filhos no Filho e, consequentemente, com o Filho nos leva a clamar a palavra por excelência: Abbá, Pai.
Somos assim inseridos na vida trinitária; a consciência deste fato era tão viva para os antigos cristãos que aprendiam a dizer Abbá desde os primeiros dias da sua conversão, ficando essa palavra aramaica, mesmo fora da Palestina, como a palavra mais típica e fundamental da mensagem cristã.

Ef 2,18
“Por Cristo...num só Espírito temos acesso ao Pai”. – Neste texto é apresentado o papel de cada uma das pessoas trinitárias na obra da salvação do homem: O Espírito Santo é sempre aquele que nos faz filhos ou aquele que nos atinge em nosso íntimo. Ele nos leva ao Pai (que é o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Último) mediante o Filho (que é nosso Pontífice ou Mediador – o único). “Ao Pai pelo Filho no Espírito Santo” é a fórmula clássica da piedade cristã. Vivemos no “Espírito Santo” (cf.1Cor 12,3 ; Rm8,9.11), pois é o Espírito que anima e vivifica o corpo de Cristo que é a Igreja.

Tt 3,4-6
“Quando a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se manifestaram..., fomos lavados pelo poder regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele ricamente derramou sobre nós por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador”. – Como se vê, o Pai é o Amor, que tem a iniciativa de nos salvar, o Filho é o Mediador, e o Espírito Santo é a força de Deus que nos recria, fazendo-nos consortes da vida trinitária.

Hb 2,3s:
“A salvação começou a ser anunciada pelo Senhor. Depois foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram, testemunhando Deus juntamente com eles..., pelos dons do Espírito Santo distribuídos segundo a sua vontade”... – Deus (Pai) é o princípio de toda salvação; o Filho é a palavra, que na terra anuncia essa Boa-Nova do Pai; o Espírito Santo é Aquele que em nossos corações explana e interpreta a mensagem.

Tal é a doutrina dos escritos do NT. Tem aspecto vivencial, procurando enfatizar o significado salvífico das verdades da fé. – Desde o séc. II os cristãos se viram diante de séria interrogação: como conciliar a unidade de Deus (tão incutida pela AT e pela razão) com a trindade de suas Pessoas? Ou há 3 deuses ou as Pessoas Divinas não passam de aspectos ou facetas de um único Deus – tal era o dilema que se impunha à reflexão dos cristãos.

É para este problema que nos voltamos agora...

As primeiras tentativas de conciliar unidade e trindade em Deus foram falhas: tendiam a subordinar o Filho do Pai (o Espírito Santo era menos estudado). Tal teoria nos séc. II e III tomou o nome de monarquianismo ( defendia a monarquia divina).

No séc. IV, o subordinacionismo foi reapresentado por Ário de Alexandria a partir de 315: afirmava ser o filho a primeira e mais excelente criatura do Pai. Tendo sida concebida a paz aos cristãos em 313, compreendeu-se a controvérsia tenha tomado vulto que nunca tivera. Em conseqüência, reuniu-se o primeiro Concílio Ecumênico da história em Nicéia (Asia Menor) no ano de 325, o qual reuniu uma profissão de fé, que afirmava:

“Cremos... em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido do Pai como Unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial com o Pai, por quem foi feito tudo que há no céu e na terra” (DS 125[54]).

Vê-se que o texto acentua a identidade de substância do Pai e do Filho para afirmar que o Filho não foi criado (quem cria, tira do nada), mas gerado (quem gera se prolonga no filho gerado); o Filho é Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.

Todavia a disputa não se encerrou em 325. Entre outras questões, restava a das relações com do Espírito Santo com o Pai e o Filho. Após decênios de debates, reuniu-se o Concílio de Constantinopla I em 381, que acrescentou à profissão nicena de fé os dados referentes ao Espírito Santo:

“Cremos no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai (cf.Jo 15,26), com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o qual falou pelos profetas” (DS 150[86]).

Afirmando que o Espírito Santo é adorado com o Pai e o Filho, os padres conciliares queriam incutir a identidade de substância (ou a Divindade) do Espírito Santo com o Pai e o Filho.

Só foi possível aos teólogos chegar à formulação exata do dogma após recorrerem à distinção entre ousia (essência, natureza) e hypóstasis (pessoa). Aquela é única (a Divindade); as pessoas porém são 3, sem esfacelar nem retalhar a natureza divina, como 3 são os ângulos de um triângulo sem esfacelar a superfície do triângulo.


• As Processões em Deus

Os teólogos tentaram, desde os primeiros séculos, penetrar de algum modo no mistério da vida de Deus Uno e Trino. Não há dúvida, esta escapa à plena compreensão da inteligência humana, que é sempre finita. Como quer que seja, a reflexão teológica pode mostrar não somente que o mistério da SS.Trindade não é um absurdo, mas também que grande harmonia e conveniência existem nesse mistério.*

*Obs: Há quem diga popurlamente: Se 1+1+1=3, como é que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo não são 3 deuses? Na mesma linguagem popular pode-se responder: 1+1+1=3, mas 1x1x1=1! – Assim se desfaz a objeção mal concebida.

Eis como, em síntese, se pode ilustrar o mistério da SS.Trindade.

A S.Escritura, ao falar do Pai e do Filho, supõe procedência (ou processão) do Filho em relação ao Pai. No tocante ao Espírito Santo, diz Jesus: “O Espírito da verdade, que procede do Pai...(Jo 15,26).*

*Obs: Não confundir processão com procissão, que é uma cerimônia religiosa. Processão vem de proceder e só se usa na linguagem teológica trinitária.

Vejamos pois o que é uma processão:

- É simples a origem de um ser a partir de outro. Não implica relação de causalidade entre um e outro. Por exemplo, a luz e o calor procedem de uma lâmpada acesa (há relação de causalidade no caso); a estrada de Rio-São Paulo procede do ponto A (não há relação de causalidade entre o A e a estrada, mas há uma processão ou procedência).

Há 2 tipos de processão: a Transeunte e a Imanente

Na processão Transeunte, o termo que procede sai do princípio donde procede. É o que ocorre quando alguém escreve uma carta (esta sai para fora da pessoa que escreve); quando alguém confecciona uma obra de arte...

Na processão Imanente, o termo que procede permanece no sujeito donde procede. É o que acontece com nossas ações vitais: o conhecer, o querer, o ver, o ouvir... A ação permanece no sujeito como perfeição deste. Por exemplo, quando admiro uma paisagem, nada sai de mim; não obstante, realizo uma atividade, olhando, refletindo, imaginando..., que me enriquece interiormente.

Dentre as ações imanentes, as mais nobres são as da vida intelectiva: o conhecer intelectivo e o querer (que decorre do conhecimento).

Observemos o que ocorre em nós: nosso eu é dotado de intelecto (mediante o qual somos chamados a conhecer a verdade) e de vontade (mediante a qual queremos e amamos a verdade, que é um bem).*

Obs: A filosofia ensina que o Ser, na mediada em que é considerado pela inteligência, é verdade e, na medida em que é desejado pela vontade, é um Bem.

Assim nossa vida é uma contínua procura da verdade (mediante a inteligência), que suscita em nós momentos de gozo e deleite (amor).

Transponhamos essa realidade para Deus, já que somos imagem e semelhança dele.

Em Deus não existem só processões transeuntes (criação do mundo e do homem), mas há processões imanentes. Sim; em Deus há um conhecer intelectivo e um quere (que é também amor). Todavia Deus não conhece a verdade pouco a pouco, mas num único ato de Deus conhece toda verdade; consequentemente, com um único ato Deus ama todo o Bem.

E qual é o objetivo do conhecimento e do amor de Deus?

- É o próprio Deus. Deus não depende de criatura alguma para conhecer e amar; toda criatura começa no tempo, só Deus é eterno. Isto quer dizer: desde toda eternidade Deus se conhece cabal e exaustivamente e, conhecendo-se, projeta uma imagem de Si, igual ao próprio Deus que a projeta (não há retalhamento e nem diminuição nesta imagem); é um segundo eu em Deus, é Deus de Deus ou a segunda pessoa da SS.Trindade. A Sagrada Escritura dá a essa pessoa os nomes de Filho, Logos (conceito, palavra), Imagem (todo Filho é imagem e palavra de seu pai) – cf.Mc 1,11 (Filho); Jo 1,1(Logos); Cl 1,15 (Imagem). Tal é a primeira processão existente em Deus; a de ser entendida a semelhança do que se dá quando projetamos nossos conceitos e os contemplamos mentalmente; também tem analogia com a geração ou com o relacionamento existente entre Pai e Filho.*

*Obs: É de notar, aliás, que o mesmo verbo conceber se aplica tanto à concepção de noções ou idéias quanto à concepção de um filho. O pensador concebe um projeto mental; a mãe concebe um filho.

Mas a vida de Deus – como a de qualquer um de nós – não é só conhecimento. Este suscita o amor. Por isso o conhecimento que Deus tem de si, suscita o amor de Deus a esse bem, que é Ele mesmo. O amor em Deus não é um ato parcelado ( em Deus nada pode ser parcelado), mas é o próprio Deus que ama, ou ainda: é o amor que o Pai tem ao Filho e que o Filho tem ao Pai. Esse amor é chamado Espírito Santo. Tal é a segunda processão existente em Deus: é a terceira pessoa ou do terceiro eu, que procede do Pai e do Filho; na falta de outro nome, essa processão é chamada “espiração”, pois tem por termo o Espírito.

Vemos assim que em Deus deve haver duas processões em três pessoas. Não pode haver nem mais nem menos. É importante salientar que essas processões não implicam temporalidade (antes e depois), nem hierarquia, nem dependência. No único e permanente instante da eternidade, Deus se conhece gerando o seu Filho igual ao Pai, e Deus se ama, produzindo o Amor Subsistente.

Há, pois, uma só natureza em Deus, duas processões e três pessoas. As processões, sendo imanentes, não dividem nem retalham a única natureza divina; não constituem 3 deuses, mas um só Deus ou uma só natureza divina, que se afirma 2 vezes.

A analogia assim exposta é a que mais se aproxima da vida de Deus. Os antigos escritores da Igreja propunha outras, que a seu modo ilustram a SS.Trindade.

Imaginemos um lençol de água debaixo da terra; é algo de grande, mas invisível e insondável aos olhos da criatura. Esse lençol se manifesta mediante um “olho de água”, que revela aos poucos a quantidade e qualidade de água oculta. Por sua vez, esse olho de água dá origem a um córrego, que irriga e “vivifica” toda a terra vizinha. – Ora o lençol de água invisível representa o Pai; o olho de água, o Filho ou o Logos, que diz que há no lençol; o córrego representa o Espírito Santo, que comunica a todos os homens a vida decorrente da água oculta.

Imaginemos outrossim um tronco de planta com suas raízes invisíveis. É portador de uma vida, que se manifesta na flor. Esta, por sua vez, exala um suave perfume, que impregna todo o ambiente. Ora o tronco com suas raízes significa o Pai; a flor que fala e revela, simboliza o Filho; o suave odor representa o Espírito Santo. – Estas duas últimas é o princípio sem princípio; é o Deus invisível também chamado “Abismo” e “Silêncio”. O Filho é a imagem ou palavra do Pai; pelo Filho é que o Pai se dá a conhecer aos homens; Ele é também o mediador e o Pontífice. O Espírito Santo é Deus que atinge cada homem na sua intimidade e lhe fala ao coração; é o Artífice da santificação de cada um.

Há outra maneira de figurar a SS.Trindade, muito usual na arte latina: É a do triângulo eqüilátero. Este apresenta uma só área, que é focalizada diversamente a partir de cada um dos seus ângulos: A,B e C; estes são iguais entre si, mas ocupam posições diversas e inconfundíveis dentro da unidade da figura.


• As missões divinas

Em sua vida íntima, Deus é uno e trino. Conhecemos tal mistério através de sua manifestação na história da salvação. Esta nos ensina que existe um Pai, o qual nos enviou o seu Filho (mistério da encarnação na plenitude dos tempos; cf. Gl4,4). O Pai e o Filho, por sua vez, nos enviaram o Espírito Santo como dom por excelência, como hóspede invisível de cada coração em estado de graça; cf. Jo 14,26. – Ao falar-nos desses “envios” ou dessas “missões”, a S.Escritura dá-nos a entender que são o eco temporal das eternas processões existentes em Deus.

O estudo das missões divinas dá ao tratado da SS.Trindade uma nota muito viva e concreta. O mistério de Deus aparece profundamente inserido dentro da trama da história dos homens.

O Pai não é enviado, porque não procede. É Ele quem envia o Filho como Salvador, nascido de Maria. “Quando chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para reunir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4s). Esta é a missão visível do Filho, que não implica subordinação da segunda em relação à primeira, e que torna Deus, de modo novo e mais íntimo, presente às criaturas.

O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é-nos enviado por ambos: ... de modo visível, sob formas de línguas de fogo, no dia de Pentecostes (cf. At 2); ... de modo invisível à guisa de hóspede interior, no dia do Batismo de cada cristão: “Porque sois filhos, enviou Deus em nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai! De modo que já não és escravo, mas filho. E, se és filho, és também herdeiro, graças a Deus” Gl 4,6s).

O Espírito Santo é o dom que o Pai e o Filho nos entregam como conseqüência da vitória de Cristo; Ele é o “outro Paráclito (Consolador)”, na ausência de Cristo (cf. Jo 14,16).

Vê-se assim que a santificação dos homens se faz por comunhão com a vida das 3 pessoas divinas; por obra do Espírito Santo, o cristão é feito filho no Filho e, com o Filho, volta ao Pai. A piedade cristã deve saber orientar-se diante desta verdade; especialmente a sua oração há de se mover dentro do esquema: Ao Pai por Cristo no Espírito Santo.

As doxologias (fórmulas de glorificação) antigamente rezavam “Glória ao Pai, pelo Filho no Espírito Santo”. No século IV, porém, surgiu a heresia ariana, que subordinava o Filho ao Pai, prevalecendo-se, entre outras coisas, de tal fórmula. Em conseqüência, os autores católicos enfatizaram outra redação: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”, frase em que são postas exatamente no mesmo plano as 3 pessoas divinas. Esta outra maneira de rezar tem seu fundamento teológico e acabou prevalecendo sobre a anterior. Todavia não nos deveria levar a esquecer o papel que toca a cada Pessoa trinitária na santificação do cristão.


• As apropriações

Chamamos “propriedades” certos predicados que convêm, de maneira exclusiva, a uma Pessoa divina: assim a inascibilidade e a paternidade, ao Pai; a filiação, o ser Palavra, o ser imagem, ao Filho; a espiração passiva, o ser Amor e o ser Dom, ao Espírito Santo.

Na Liturgia e na Sagrada Escritura, ocorre também apropriações. Apropriação é o ato de atribuir a determinada Pessoa Divina um predicado comum as três; essa apropriação se faz na base da semelhança que tal predicado comum tem com alguma propriedade.

Na verdade, as três pessoas são igualmente poderosas e criaram o mundo; todavia parece que o ato de criar tem especial afinidade com o Pai, porque este é o Princípio sem princípio ou o Alfa em Deus. – Ao Filho é apropriada a Sabedoria (1Cor 1,24), não porque só Ele seja sábio, mas porque Ele é a palavra do Pai. – Ao Espírito Santo é apropriada a santificação implica consumação no amor. São numerosas as apropriações que a piedade cristã tem efetuado em seus hinos e textos litúrgicos.