terça-feira, 30 de agosto de 2011

Dicas para seres um militante ateu intelectualmente realizado

Com que então tu viste a luz e decidiste entregar a tua vida à militância ateísta. Muito bem. Agora que vais lutar por um mundo melhor (livre do crenças religiosas, principalmente o Cristianismo) há certas coisas que não podes dizer ou pensar. Podes pensar, mas tens que ter o cuidado de nunca dizê-las.
Há certos chavões e atitudes que podem fazer toda a diferença na tua vida. Ficam aqui algumas dicas que te podem ajudar a seres um militante ateu intelectualmente realizado:



1) Sempre que te apresentarem evidências da existência de Deus, diz que é um “argumento homem-palha“, “circularidade de raciocínio” ou “falácia da bifurcação“. Se alguma coisa for transcrita de outro lugar, diz que é “quote-mining“. Se a afirmação for de um evolucionista, diz que “foi tirada do contexto“.

2) Sempre que um Cristão disser que “coisas criadas implicam um criador”, rejeita esse argumento de senso comum, dizendo: “Isso é o velho argumento do relógio de William Paley“. Toma o cuidado de nunca dizeres como é que isso refuta o que o Cristão disse.

3) Sempre que um Cristão te disser que, ao aceitar Cristo, tens tudo a ganhar e nada a perder, diz que isso é a velha “aposta de Pascal“.

4) Sempre que um Cristão te disser que existem dezenas de historiadores antigos que referem o Senhor Jesus como Figura Histórica, diz que “os relatos foram todos adulterados pela Igreja Católica“. Atenção: nunca digas que a Igreja tinha pouco ou nenhum controle sobre a composição do Novo Testamento uma vez que, em vez de andarem a adulterar Textos que consideram Sagrados, os Cristãos andavam em fuga pelas suas vidas.

5) Mete na tua cabeça que a Bíblia está cheia de contradições e erros, mesmo sem leres as passagens em questão. Aprende a respeito da Bíblia, não a lê-la, mas a partir de sites ateístas.

6) Diz que, em tempos, já foste um “Cristão genuíno” que “ia sempre à igreja” e até ensinava lições às crianças e aos adolescentes (uma das coisas que há de bom nisto de ser ateu é que podes mentir à vontade, já que não acreditas em valores morais absolutos). Se um cristão contestar esta tua afirmação, dizendo: “Mas se deixaste de acreditar em Deus é porque nunca foste um cristão de verdade”… diz que isso é a falácia do “Nenhum escocês de verdade“.

Nunca reveles que, ao contrário da falácia do escocês, a Bíblia tem um critério segundo o qual pode-se ver que quem deixa a Igreja nunca foi Cristão (1 João 2:19.

7) Decora os ensinamentos dos grandes militantes ateus da tua década. Aprende aquilo que tipos como Sam Harris, Richard Dawkins e Christopher Hitchens dizem a respeito da religião e vai dizê-lo nos blogues dos Cristãos.

Ah… uma coisa muito importante: não te dês ao trabalho de fazer distinções entre as religiões. Cristianismo e Islamismo são a mesma coisa, tanto em doutrina como em valores.

8 ) Quando estiveres a debater com um Cristão no chat ou num blogue e ele te fizer alguma pergunta, responde-lhe com 2 ou 3 links (Se possível, textos grandes e que não estejam na língua materna do Cristão com quem estás a debater). Depois, quando ele te disser que isso é uma boa maneira de fugires ao debate, diz que ele só está é a dar desculpas.

9) Diz que “nenhum ser humano pode ter certezas absolutas de nada” e completa dizendo: “Só a ciência [que é feita por seres humanos] nos pode dar certezas absolutas“.

10) Quando estiveres a debater com um Cristão, faz com que os teus argumentos sejam acompanhados de insultos (como “burro“, “estúpido“, “ignorante“) e tácticas intimidatórias (como “vou pôr o que tu disseste na comunidade das pérolas cristãs“). Isso dá mais força ao teu argumento e se tiveres a sorte de apanhar um Cristão mais inseguro, poderás fazer com que ele pare de debater e ficarás apto para dizer que ganhaste o argumento.

11) Não te esqueças de ter à mão certos clichés como “vai estudar!” ou “até uma criança de 5 anos percebe isto!“.

12) Culpa o Cristianismo pela Santa Inquisição e pelas Cruzadas. Se algum cristão te responder à letra e disser que regimes ateístas como o Comunismo, em menos de 200 anos, foram responsáveis pela morte de mais pessoas do que todas as guerras religiosas em 2000 anos, diz que um ateu não pode ser culpado por aquilo que outro ateu faz.

13) Diz aos Cristãos que os cientistas já mostraram que Deus não foi preciso para o Universo e a Vida aparecerem. Se algum cristão disser que há muitos cientistas que acreditam em Deus, diz que esses “não são verdadeiros cientistas“.

Se te perguntarem como é que distingues um verdadeiro cientista dum falso cientista, diz com confiança “os verdadeiros cientistas não acreditam em fantasmas do céu”. Se o Cristão te mostrar a circularidade dessa alegação, rejeita-a escrevendo “LOL!!”

14) Finalmente, mas não menos importante, procura desenvolver boas relações com militantes ateus mais experientes. Procura fazer-te amigo daqueles ateus que já dominam estes princípios. Usa e abusa de conceitos como a moralidade, a lógica e a justiça.

Não te esqueças: ser ateu é dizer que Deus não existe mas ao mesmo tempo utilizar conceitos que só fazem sentido se Deus existe.

P.S.: Imprime uma cópia deste texto e leva-o sempre como um guia de bolso.

Retirado do blog http://darwinismo.wordpress.com

domingo, 14 de agosto de 2011

Novo Testamento - As ferramentas e o texto

Por Ben Witherington III


Para pessoas modernas como nós, é difícil imaginar o mundo antes das máquinas de impressão. De fato, é difícil para alguns de nós imaginar o mundo antes dos computadores, da internet, da TV ou, antes, das modernas bibliotecas, jornais ou revistas de notícias. Entretanto, o NT não só foi escrito antes de todas essas invenções, como o foi numa época em que a alfabetização ainda era restrita a uma parcela muito pequena da população. Além disso, foi escrito muito antes do registro sonoro de alguma coisa dita por alguém. Os antigos raramente esperavam uma transcrição ao pé da letra de uma fala, exceto ocasionalmente, quando se tratava de atas legais ou pronunciamentos do rei. Mesmo assim,obter a reprodução ao pé da letra de discursos proferidos durante um julgamento era novidade da época de Júlio César. Tiro, o famoso secretário e companheiro de viagens de Cícero, foi muito elogiado por causa da adaptação de uma “recente” invenção, a “taquigrafia” (espécie de escrita abreviada), que lhe permitia anotar ipsis litteris os discursos feitos nas cortes de Roma, no primeiro século antes de Cristo.

No mundo do NT, a palavra falada reinava soberana. Aliás, o NT foi escrito numa cultura predominantemente oral, na qual a escrita não tinha a primeira nem a última palavra. Pense, por exemplo, no que Platão disse antes da época do NT, quando menciona a advertência de Sócratis contra a substituição das tradições orais pela palavra escrita, porque as pessoas deixariam de usar a memória (Fedro, 274-275)! Os mesmos sentimentos são também expressos por autores que escreveram mais próximos da época do NT, como Xenofonte (Simpósio, 3.5) e Diógenes Laércio (7.45.56). Papias, um dos primeiros pais da igreja, que viveu no final do primeiro século d.C. e início do segundo, é famoso por sua observação sobre quanto ele preferia a palavra viva e as testemunhas vivas a qualquer escrita.

Devemos dar atenção à advertência de H. Gamble, de que “fazer uma distinção marcante entre os modos oral e escrito é anacrônico, no sentido que pressupõe tanto a moderna noção de estabilidade de um texto quanto os modernos hábitos de leitura. Os manuscritos, como eram todos os textos anteriores à invenção da imprensa, eram muito menos estáveis que os atuais textos impressos, porque estavam sujeito a modificações acidentais ou propositais, a cada nova transcrição. Além disso, na antiguidade, quase toda leitura, pública ou privada, era eita em voz alta; os textos eram rotineiramente convertidos no modo oral. Sabendo disso, os escritores antigos escreviam tanto para o ouvido quanto para os olhos” [1].

Essas atitudes em relação à oralidade e as dimensões desse modo de comunicação prevaleceram durante toda a época do NT, e simplesmente salientam o quão espantoso é o fato de os 27 documentos que constituem o NT terem chegado até nós. Então, como esses 27 documentos foram gerados numa época anterior à produção de textos em massa e à disseminação da alfabetização? É uma história notável, e infelizmente, sabemos muito pouco sobre ela. Mas o que sabemos merece ser contado e, espero, bem contado.

Nós, que estamos acostumados a ler a Bíblia, gostamos de repetir a frase “No princípio era o Verbo”. Logo ficará bem claro quanto essa frase é verdadeira. Antes que houvesse quaisquer palavras escritas para compor os livros do NT, havia palavras faladas – milhares delas. Provavelmente, o NT é apenas a ponta do iceberg de uma abundância de palavras sobre Jesus que foram comunicadas no primeiro século d.C. Podemos quase sentir a frustração do autor do evangelho de João, quando diz: “Jesus, na verdade, realizou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão registrados neste livro” (Jo 20.30). Por que eles não foram registrados? Porque um rolo de papiro tinha um determinado tamanho, e o papiro era caro. Além disso, escrever e copiar um texto à mão era uma tarefa extremamente tediosa. Essas são limitações que raramente experimentamos na maioria dos lutares hoje.

Vejamos a questão sob outro ângulo. Os evangelhos abrangem, basicamente, o período da história em que Jesus exerceu seu ministério na Terra Santa, aproximadamente de 27 a 30 d.C. Não encontramos em nenhum lugar dos evangelhos uma passagem que mencione Jesus ou qualquer um dos discípulos escrevendo enquanto aqueles eventos ocorriam. Provavelmente, a narrativa da história na forma escrita surgiu mais tarde.Semelhantemente, todas as epístolas de Paulo foram escritas para congregações que já haviam sido fundadas e tinham recebido a palavra oralmente muito antes de receberem qualquer comunicação por escrito. De fato, as cartas de Paulo funcionam como uma espécie de substituto das conversas orais que ele gostaria de ter tido, se pudesse estar presente. Tanto isso é verdade que as cartas trazem as marcas características desse tipo de comunicação – elas refletem padrões e técnicas da antiga retórica Greco-romana, a arte oral da persuasão. No caso dos evangelhos e das epístolas, a Palavra era oral muito antes de ser escrita. Hoje em dia, invertemos o processo quando lemos o texto do NT em voz alta e, em seguida, proclamamos ou discursamos com base no que foi lido. Portanto, é justo dizer que, quando contamos a história do NT, estamos contando a história de um fenômeno de segunda ordem, a história do resíduo literário de um movimento primordialmente oral que cresceu fundamentado na pregação e no ensino, na oração e no louvo e em outras formas de comunicação oral. No período inicial da história cristã, não foi principalmente por intermédio dos textos que a Palavra se espalhou, mas sim pela proclamação oral. A exceção à regra foi o uso das Escrituras Hebraicas ou, mais freqüentemente, sua tradução grega, a Septuaginta, como podemos ver na passagem [2] de 2 Timóteo 3,16. Precisamos ter essas coisas em mente agora que vamos examinar os maravilhosos e desafiadores textos do NT.

AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO E SEUS USUÁRIOS

Apesar das afirmações tão seguras de inúmeras introduções ao NT, não sabemos muito sobre quem realmente escreveu alguns dos seus livros. Quando digo “escreveu”, estou me referindo a quem realmente fez os apontamentos. E, mesmo quando temos certeza de quem foi a fonte de determinado documento, por exemplo, de que a carta aos Romanos saiu da mente de Paulo, somos informados de que a pessoa que efetivamente redigiu o documento foi um desconhecido chamado Tércio (Rm 16.22). [3]

Vemos, então,que foi necessário certo trabalho de equipe para escrever alguns documentos do NT, e que teremos de discutir as relações entre os autores e escribas, e entre os que passavam adiante as tradições e os editores, antes de terminarmos. Alguns documentos, tais como os três primeiro evangelhos, são formalmente anônimos, já que o nome do autor não é mencionado em nenhuma parte do livro. Tampouco são mencionadas os nomes dos escribas. Os sobrescritos desses evangelhos refletem tradições posteriores da igreja a respeito da autoria ou fontes primária do material.

Também temos, é claro, um documento como Hebreus, que é claramente anônimo, embora tenham surgido várias hipóteses sobre quem seria seu autor. Só quando o nome do autor é mencionado no próprio documento (como ocorre na maioria das cartas do NT) é que temos um ponto de partida concreto para definir quem produziu um determinado livro do NT. Mas o que realmente sabemos é que, fosse quem fosse, a pessoa que produziu o primeiro exemplar de cada um desses documentos sabia ler e escrever grego, que, obviamente, é a língua em que foi escrito todo o NT, pois era a língua franca do mundo Greco-romano. [4] Portanto, vamos primeiramente examinar a habilidade e o ofício de escrever em grego na antiguidade.

Como a taxa de alfabetização nunca ultrapassou cerca de dez por cento, durante a época em que os documentos do NT foram redigidos, [5] É lógico que a maioria das pessoas, quando desejava que alguma coisa fosse escrita, recorria a um escriba, um escritor profissional. Normalmente, essas habilidades profissionais eram requisitadas para a elaboração de documentos muito práticos – contratos, testamentos, cartas comerciais, certidões de casamento e assemelhados. Os livros do NT não eram nada disso. Porém, numa cultura predominantemente oral, com alta taxa de anafalbetismo, não é de admirar que os escribas, ou amanuenses, fossem fáceis de encontrar e aceitassem escrever quase todo tipo de documento, mediante remuneração. Contudo, não devemos nos apressar em concluir que todos os documentos do NT foram escritos por escribas. E por quê?

Os variados níveis de habilidade na redação do grego do NT mostram que, com certeza, esses documentos não foram todos redigidos por profissionais fluentes em grego, embora isso tenha ocorrido algumas vezes, como no caso de Romanos. Também é interessante observar que o próprio conteúdo dos documentos do NT os teria enquadrado como um tipo de literatura que, normalmente, só era lida pela elite letrada. Esse não era o tipo de documento prático ou comercial que pessoas comuns da sociedade Greco-romana teriam redigido ou mandado copiar.

Além da classe dos escribas, a alfabetização também era encontrada entre pessoas que não pertenciam à elite da sociedade, como soldados, médicos, comerciantes, artesãos e engenheiros. Podemos conjeturar com certo grau de segurança que pelo menos dois dos maiores documentos do NT, Lucas e Atos, foram escritos por alguém que não era um escriba mas era letrado por causa de sua profissão (i.e. , era médico). Uma suposição igualmente razoável é a de que um documento como Apocalipse foi escrito por alguém cuja primeira língua era o aramaico, mas que tinha o grego como segunda língua, porquanto ele escreve em grego com certa dificuldade. [6] O NT como um todo provavelmente não é resultado do trabalho de escribas; e, como a maioria ou todos os documentos foram elaborados para serem lidos em voz alta, o objetivo de seus redatores não foi produzir literatura pura, no sentido moderno do termo. Eram texto com funções predominantemente não-literárias. [7]

Então, como se iniciou o processo? Depois de um período em que as histórias do evangelho foram divulgadas em diversos contextos e de diversas maneiras, e exortações de vários tipos foram feitas oralmente na igreja primitiva, chegou um momento em que fatores ligados à distância espacial e temporal provocaram certa urgência de colocar várias coisas por escrito. No caso dos evangelhos, a urgência se devia, provavelmente, ao fato de que as testemunhas oculares e auditivas estavam morrendo, por volta da segunda metade do primeiro século d.C., e se fazia necessário preservar as tradições que elas haviam transmitido oralmente.

Certamente, não é impossível que, em alguns lugares, essa necessidade tenha surgido mais cedo e tenha gerado coisas como: (1) uma coleção de ditos de Jesus em aramaico, feita pela igreja de Jerusalém; (2) uma coleção de histórias de milagres envolvendo Jesus; (3) um esboço em aramaico de grande parte da história do evangelho; [8] (4) uma narrativa por escrito da última semana de vida terrena de Jesus; e (5) um documento composto, principalmente, dos ensinamentos de Jesus, a que tanto o primeiro quanto o terceiro evangelista tiveram acesso, e que hoje chamamos de Q. [9] Esses antigos percussores dos nossos evangelhos não existem mais, e a maioria dos estudiosos acredita que nenhum evangelho em grego tenha sido produzido ou estivesse disponível na forma escrita antes de 60 d.C. Isso significa que as cartas, e em particular as cartas paulinas, são os mais antigos documentos do NT, cronologicamente falando, [10] e as cartas são os documentos do NT mais nitidamente ligados aos escribas.

É importante ressaltar a esta altura que, com toda certeza, não devemos pensar em “livros”, no sentido moderno da palavra, quando falamos dos documentos do NT. Em primeiro lugar, naquela época eles não eram manufaturados em forma de livro ou códice, mas sim escritos em rolos de papiro. Em segundo lugar, evidentemente, eles não eram produzidos em massa. Inicialmente, apenas algumas cópias devem ter sido feitas, por causa do tempo necessário e do custo elevado. Em alguns casos, como nas cartas, talvez tivesse sido feito apenas um exemplar.

Quando nos referimos à cultura literária daquela época, estamos falando de pequenos círculos da elite letrada do mundo Greco-romano, que tinha dinheiro para mandar reproduzir documentos e fazer cópias para os amigos, além de ter tempo para lê-los ou mandar que alguém o fizesse em voz alta. A cultura liveira, no sentido moderno de publicações para as massas, não existia. Os autores da antiguidade, normalmente, dependiam de patronos abastados para poderem custear a produção e a circulação de suas obras. Na minha opinião, Teófilo, mencionado no início de Lucas e Atos, provavelmente era o patrono de Lucas, que escrevia para ele e seu círculo de amizades.

Mas como a escrita era feita, e em que tipos de materiais? A forma padrão de produzir um documento na antiguidade era escrever em papiro. Normalmente um rolo tinha de 20 a 25 centímetros de altura e até 10,5 metros de comprimento. Em geral, só se escrevia de um lado, já que o papiro não é um material muito denso. O texto era disposto em duas colunas de 5 a 10 centímetros de largura, com cerca de 25 a 45 linhas por coluna. Além disso, por causa do custo e do espaço necessário, normalmente não havia pontuação nem divisão de palavras, sentenças e parágrafos. Tudo era escrito em letras maiúsculas, e, portanto, uma linha desse texto ficava mais ou menos assim: SÓUMANÃODISSESEUNOME. É claro que podemos ler “Só uma não disse seu nome” ou “Só um anão disse seu nome”. Questões de interpretação surgem simplesmente pela falta de separação entre as letras ou pela ausência de pontuação. Além disso, não havia capítulos nem versículos nos manuscritos originais do NT antes do início da Idade Média!

“A leitura na Antiguidade geralmente era feita em voz alta, mesmo em particular. A razão disso é que os textos eram redigidos em escrita contínua [...] sem divisões entre palavras, frases, orações, parágrafos e sem pontuação, de modo que era necessário pronunciar e ouvir as sílabas para poder organizá-las em padrões semânticos reconhecíveis. Dessa forma, quase todos os textos antigos eram compostos tendo em vista o modo como soariam quando seriam lidos em voz alta.” [11] Foi só no próximo fim do primeiro século d.C. que a forma de  texto chamada códice ou caderno de notas se popularizou, e parece que os antigos cristãos estavam entre os primeiros a reconhecer sua utilidade e adotá-la. [12]

Numa época em que não existiam direitos autorais, o que acontecia quando um patrono recebia um manuscrito era o seguinte: “A publicação [...] consistia em entregar esse original a um patrono amigo, o qual, então, o disponibilizaria para ser copiado por outras pessoas interessadas. Desse modo, as cópias eram multiplicadas em série, uma de cada vez. Uma vez que o texto estivesse em circulação e disponível para a cópia, qualquer um que estivesse interessado e tivesse acesso a ele poderia mandar fazer uma cópia. Assim, os livros eram produzidos e adquiridos por meio de um processo informal e não regulado”. [13]

A maioria das composições da antiguidade eram escritas com uma pena e tinta sobre o papiro, embora às vezes fosse usada pele de ovelhas para produzir pergaminho ou velo, um tipo de pele animal altamente refinada. A qualidade da superfície de escrita, a tinta e as penas variavam. Cícero, que escreveu por volta de 54 a.C., resume muito bem a situação: “Para esta carta, usarei uma boa pena, uma tinta bem misturada e um papel polido de marfim, pois você escreve que quase não conseguiu ler minha última carta [...] porque eu costumo usar a primeira pena que me aparece, sem me preocupar se é boa ou não” (Carta a Quinto 2.15.1). A cana de junco era a melhor pena da antiguidade e foi substituída pelas penas de pássaros (calamos) por volta do sétimo século d.C. A tinta era feita com carbono ou fuligem diluídos em água.

Mesmo depois de ter comprado os pedaços de papiro necessários, a pessoa ainda não estava pronta para tomar nota de um ditado ou escrever. O papiro tinha de ser preparado para a escrita, e um dos principais motivos é que não existia papel pautado. O escriba ou escritor pegava uma régua e um disco de chumbo e traçava linhas finas no papel. Ele precisava também de um apontador de pena, que era uma pedra abrasiva, e uma faca para fazer novas pontas, à medida que ia escrevendo. Nem o papiro, nem as penas, nem a tinta, nem os instrumentos para fazer linhas e apontar a pena eram baratos.

Mas, por que o papiro era tão caro? Em primeiro lugar, porque quase todo ele era produzido num único lugar, o Egito, e perto do Nilo, para que se pudesse colher o tipo de junco apropriado. Além disso, ainda havia o processo exigido para sua produção. Plínio, o Velho, diz que a cana do papiro, que tem perfil triangular, tinha de ser fatiada com uma agulha (!) em tiras largas e muitos finas. O miolo do talo ou da cana era a porção mais “carnuda” e, portanto, a parte mais útil. A casca verde provavelmente deveria ser eliminada.

As tiras, assim que eram cortadas, tinham de ser quase imediatamente colocadas sobre uma prancha de madeira umidecida com água do Nilo. Ocasionalmente, era adicionado um tipo de goma de farinha suave para auxiliar o processo, mas, normalmente, a própria seiva do junco era suficiente para unir as tiras e formar uma peça de papiro. Quando a peça de papiro estava pronta, as pontas eram aparadas para deixar as bordas retas. As tiras eram dispostas horizontal e verticalmente, formando um padrão de linhas cruzadas e, em essência, entrelaçadas. A peça de papiro recém-produzida era, então, pendurada ou estendida para secar ao sol. Por último, umas vinte peças de papiro eram costuradas umas às outras para formar um rolo (Plinio, Natural History 13.74-77). Quando um rolo ou peça de papiro chegava às mãos do escriba, este ainda tinha de alisá-lo com uma concha ou um pedaço de marfim. Era preciso tomar cuidado para que o papel não ficasse polido demais a ponto de não absorver a tinta com facilidade.

Em vista de todo o exposto, entende-se por que as pessoas comuns recorriam a um escriba quando precisavam ter algum documento redigido ou, se pudessem arcar com a despesa, contratavam um secretário pessoal, como mostra, por exemplo, a relação entre Cícero e Tiro. Em geral, quanto mais longo o documento maior a necessidade de um escriba profissional, e, pelos padrões antigos, muitos documentos do NT são realmente longos. Todos os evangelhos, Atos, as maiores cartas de Paulo e Apocalipse podem ser classificados como documentos muito longos, pelos padrões antigos. Até mesmo algumas cartas que consideramos curtas (e.g., Filipenses, Tiago, 1Pedro) eram muito grandes para uma carta, pelos padrões antigos. Vários autores do NT eram prolixos (v., p. ex., At 20.7-11) e, como muitos documentos do NT são apenas substitutos de uma conversação ou proclamação oral, eles também são muito longos. Os primeiros cristãos, que produziram esses documentos, obviamente tinham muito o que dizer!

Não dissemos nada até agora sobre a caligrafia, mas, na antiguidade, assim como hoje, as pessoas diferentes tinham diferentes estilos e modelos de escrita manual. Era crucial para ao escriba ter uam caligrafia bonita e legível, e não borrar a página enquanto escrevia. Falando em termos práticos, isso significava que o contratante preferia ter um destro para escrever em latim ou grego e um canhoto para escrever em aramaico ou hebraico, porque as duas primeiras línguas se escrevem da esquerda para a direita, enquanto as últimas são escritas da direita para a esquerda. Observe como Paulo acrescenta, de tempos em tempos, uma nota de próprio punho, em letras grandes, no fim do documento. Em Gálatas 6.11 está escrito: “Vede com que grandes letras vos escrevo de próprio punho”. [14] Como o espaço era precioso, ele teria preferido uma letra menor e mais concisa para redigir a maior parte do documento, para não desperdiçar espaço demais.

O ideal era que o escriba conhecesse tanto o autor quanto seu público. Os povos antigos acreditavam que as cartas deveriam ou refletir a personalidade do autor e, até certo ponto, levar em conta também o leitor. [15] Um secretário poderia ou não ter aprendido a técnica da estenografia; se não tivesse, o processo de composição poderia ser muito demorado. Muitos têm sugerido que, em alguns trechos do NT, principalmente nas cartas de Paulo, em que temos uma frase incompleta, isso talvez tenha ocorrido porque o escriba não sabia estenografia e não conseguia acompanhar a velocidade do ditado. E é claro que, se um assunto fosse urgente, poderia não haver tempo ou papiro à mão para tomar notas estenográficas e depois escrever o texto completo. O que podemos afirmar com certeza é que, normalmente, não era prática corrente do primeiro século os secretários redigirem documentos para os autores, exceto, talvez, quando se tratasse de matéria meramente formal, como um comunicado de que alguma coisa fora recebida. [16] Quando um secretário escrevia em nome de alguém, era costume informar isso no documento (v. Cícero, Carta aos amigos, 8.1.1).

Quando uma pessoa, que não fosse o autor, era mencionada no inicio de um documento, normalmente tinha algo a ver com o documento. Por exemplo, em 1Coríntio 1.1, Sóstenes, um cristão, foi provavelmente o escriba que redigiu esse documento para Paulo. [17] Já em 1 e 2Tessalonicenses, poderíamos considerar seriamente a questão da co-autoria envolvendo Paulo, Timóteo e Silvano, diante do modo como o documento começa. Não era costume dizer “nós” num documento como esse, a menos que se tratasse realmente de “nós”. Da mesma forma, no evangelho de João (21.24) o “nós” [implícito] significa, no mínimo, uma pessoa falando pela comunidade da qual o discípulo amado fazia parte.

Quando se tratava de cartas, o procedimento normal era fazer duas cópias, uma para o remetente e a outra para ser enviada (Cícero, Carta aos amigos 9.26.1). Nas terras de Roma, antes de Augusto, não havia serviço de correio regular para ser usado por pessoas comuns, nem mesmo um serviço postal oficial do governo. Desse modo, quando as pessoas tinham uma carta para enviar, aproveitavam alguma viagem que seus amigos, parentes ou pessoas com quem mantinham relações de negócios estivessem para fazer e pediam-lhes que entregassem a correspondência ao destinatário. No caso dos cristãos, essa tarefa parece ter ficado a cargo de outros cristãos; e, no caso de Paulo, aparentemente o encarregado era algum de seus colaboradores. Romanos 16.1,2 e Colossenses 4.7-9 não parecem indicar que Paulo confiaria seus documentos a uma pessoa qualquer que estivesse viajando na direção certa. A questão das redes sociais dos primeiros cristãos precisa ser considerada quando pensamos na disseminação das boas novas em várias formas escritas. Naturalmente, a rapidez com que um documento chegava a um grupo de pessoas ou a um indivíduo dependia do modo e da velocidade do meio de transporte, assim como outros fatores. Muitas vezes, as mensagens escritas não chegavam ao destinatário, e as conseqüências podiam ser desastrosas. Existe um famoso ditado inglês que diz: “Por causa de um prego, a ferradura se perdeu. Por causa do mensageiro, a mensagem se perdeu. Por causa da mensagem, perdeu-se a batalha. Por causa da batalha, perdeu-se a guerra; e tudo por causa de um prego”. Parece claro que alguns importantes documentos cristãos da época do NT realmente estão perdidos para nós. Por exemplo, em 1Coríntios 5.9, Paulo menciona que já havia escrito àquela igreja, advertindo-os de que não se associassem com pessoas imorais. Isso significa que houve uma carta aos coríntios anterior a 1Coríntios. Mas ela, provavelmente, perdeu-se nas areias do tempo. O que temos no NT é só uma amostra representativa da comunicação e do discurso dos primeiros cristãos. Talvez ainda encontremos alguns dos documentos perdidos desse período.

Fonte: História e histórias do Novo Testamento.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não foi o dogma católico da Virgindade de Maria importado do paganismo? Não nasceram todos os deuses de mães virgens: Mitra da Pérsia, Adônis, Osíris e Chrisna?


Não. Ainda que algumas vezes haja traços de semelhança entre o Cristianismo e as várias religiões pagãs, não se dá isso com a Virgindade de Maria.

O racionalista Harnack escreve:

“A conjectura de Usener de que a idéia da virgindade de Maria é um mito pagão, recebido pelos cristãos, é inteiramente contradito pelo desenvolvimento da tradição cristã” (History of Dogma, I, 100).

Antes de mais nada. Mitra nem sequer teve mãe humana: era invariavelmente considerado “filho de uma rocha”, representada por uma pedra cônica que figurava a abóbada celeste, onde apareceu a primeira vez o deus da luz.

Adônis, ou Tamuz (Ez. 8, 14), era um semideus que representava a luz do sol.

Vários mitos o fazem o filho de Ciniras, de Fênix, e do Rei Teias da Assíria e de sua filha Mirra.

Osíris era filho, ou de “Seb”, Terra, e de “ Nuit”, Firmamento, ou do coração do “Atum”, que foi o primeiro dos deuses e o primeiro dos homens.

Chrisna, o mais popular entre os avatares ou encarnações de Vishnu, não nasceu de mãe virgem, pois a mãe deste deus preto, antes dele nascer, já tinha dado muitos filhos a seu marido Vasudeva.

As lendas que o fazem semelhante a Jesus Cristo foram extraídas de documentos posteriores muitos séculos ao Cristianismo e aos Evangelhos (Trisdall: Mystic Christs, 27)

Os antigos mitos pagãos foram tomados da natureza e representam a sucessão do dia e da noite, das várias estações do ano, o mistério da vida e sua transmissão de criatura a criatura.

Não são datados, nem localizados, e pertencem geralmente a períodos vagos e imaginados, anteriores a aparição do homem sobre a terra.

Mas o que se conta de Jesus Cristo – desde o seu nascimento até a sua Ascensão ao Céu – tem todas as características não de um mito, mas de história.

Lugares, datas, pessoas, contemporâneos, sucessos, tudo especificado, tudo não entretecido com a textura de história universal, que ela não pode prescindir dos fatos da vida de Jesus Cristo, contados pelo Evangelho.

Fonte: Caixa de Perguntas, p. 203, 204, Rev. Bertrand L. Conway.

Não falou Jesus Cristo com severidade à Virgem, nas “Bodas de Cana”, quando lhes disse: “Mulher, que tenho eu contigo?”

A versão católica é mais exata: “Mulher, que me vai a mim e a ti nisso?”

O P. Lagrange diz que os árabes da Palestina usam desta mesma expressão “que a Ti?” com duas significações diferentes.

Algumas vezes significa: “Cuida de ti; atende aos teus negócios”. Em outras, se é acompanhada de um sorriso, significa: “Não te aflijas, que tudo terminará bem”>

Certamente com esta segunda significação a empregaria então Jesus Cristo, como o indica o milagre que pouco depois operou, convertendo a água em delicioso vinho.

O emprego da palavra “Mulher”, em vez de “Mãe”, também não significa desrespeito ou aspereza, como que para indicar a infinita distância que mediava entre Ela , simples criatura, e Ele, Filho de Deus. Semelhante interpretação não é admissível, porque não é verdadeira.

Era simplesmente um modo solene de alguém se dirigir às senhoras, por isso vemos que Jesus Cristo usou novamente dele na hora mais solene de sua vida: moribundo na cruz (Jô 19, 26).

Alguns comentadores protestantes, como: Westcott, Bloomfield, Ellicott, Alford, Trench, admitem que o Senhor não falou com aspereza sua Mãe nesta passagem.

Trench escreve: “É verdade que não há severidade nem aspereza alguma na palavra “Mulher”, com que Jesus Cristo se dirigiu a sua Mãe, por mais que soe assim a muitos ouvidos ingleses. Atenda-se que foi esta precisamente a palavra que o Senhor escolheu nos momentos mais ternos e mais solenes de sua vida, os últimos momentos: ‘Mulher, eis aí teu filho’. Não há nesse vocábulo severidade alguma; há, sim, ao contrário, certa solenidade; e deve havê-la, quando se sente em verdade a dignidade da mulher. O mesmo se diga da expressão ‘Mulher, que tenho eu contigo?’ ... Estas palavras parecem-nos revestidas de certa severidade. Se de fato houve, Jesus Cristo envolveu-a certamente em um tom de voz, que mitigou toda a dureza exterior da frase, pois vemos que logo a seguir acedeu de bom grado ao pedido de sua Mãe, a que aparentemente se recusara” (On Miracles, Ser. 1)

Fonte: Caixa de perguntas, p. 197, 198, Rev. Bertrand L. Conway.