segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Alguns esclarecimentos.

5133326754_0d49359934Como sabem, tínhamos feito um projeto para publicar o livro "A Maternidade Divina" de Dom Anscar Vonier.

Pouco depois ficamos sabendo de uma página que publicou um texto chamando-o de herege. Apesar do título do artigo ter dado a entender certa malícia e dado a impressão que o Papa Pio XII fez uma encíclica condenando diretamente a Dom Vonier, apesar da imensa caridade de quem postou e não nos passou o artigo a ponto de ficarmos sabendo somente por terceiros e apesar de termos visto Dom Vonier dizer exatamente o contrário de algumas acusações, imprimimos o texto para que o padre avaliasse, pois o original era do padre Penido, um padre respeitadíssimo. E mesmo se não fosse o padre Penido, iríamos imprimir e mandar por honestidade.

A conclusão foi que já tinha sido emitido reservas a respeito de D. Vonier, mas que seus livros eram excelentes. O padre também leu a biografia e viu que ele jamais foi um herege ou infiltrado. As reservas foram por causa do desejo dele tornar a teologia mais acessível ao laicato e que, por isso, alguns deslizes foram cometidos no livro “O Mistério da Igreja”.

O livro que seria publicado, a Maternidade Divina, sequer trata do assunto. Os seus vários livros, com ampla publicação em diversos países, todos têm o imprimatur.

O cancelamento, portanto, não foi por conta de qualquer erro ou por se ter descoberto que Dom Vonier seria um herege, mas por causa da vocação do mosteiro que iria publicar. Digo isso para que fiquem claras as motivações do cancelamento, ao contrário do que estão espalhando por aí (engraçado como uma difamação corre mais rápido que uma coisa boa).

Assim, por obediência, aceitamos a decisão.

Mas vamos as principais alegações:
  • Sobre o a teologia arcaizante que prega uma espécie de catolicismo clássico que considera os desenvolvimentos posteriores como decadentes, a explicação do assunto pelo próprio autor:
Imagino um catolicismo que possa chamar-se verdadeiramente “clássico”, na significação que a palavra clássico tem na literatura e na arte. Clássica é a obra que possui qualidades que não só os técnicos, mas também as multidões julgam essenciais e necessárias, por sublimes e belas que sejam. Assim – para maior clareza e antecipando-me – a habitação do Espírito Santo na Igreja e na alma do justo é uma propriedade essencial do cristianismo. Os católicos devem pois conhecer, admirar e apreciar esse dom, do contrário o catolicismo não lhes seria o que deve ser, nem seria clássico. A Igreja tem permanecido eminentemente clássica, sobretudo na sua liturgia. No entanto não se pode dizer o mesmo quanto a todos os seus inúmeros filhos. Pois, se bem que possuam em geral a fé segundo a sua definição, o conhecimento que eles têm da Pessoa e da obra redentora de Cristo é muito desigual e comporta graus infinitos. As verdades de fé não agem com a mesma força nas suas inteligências, vontades e sensibilidades; sobre as suas faculdades. Pode mesmo dizer-se que a inteligência ou compreensão da religião católica é completa ou incompleta, profunda ou superficial, grande ou pequena, segundo os indivíduos e segundo os períodos da história. [...] Como foram expressas as mesmas verdades espirituais, em certas épocas, por homens santos e irrepreensíveis sob o ponto de vista da doutrina, nós o sabemos. A leitura das obras católicas forma o ouvido do leitor, de modo que facilmente pode chegar a descobrir as características do estilo antigo e do moderno. Não pretendo demonstrar ter São Leão exposto melhor a verdade que Santo Afonso. O que quero dizer é que ele o fez de maneira muito diferente. É certamente lícito afirmar que nem todas as maneiras de expressar uma doutrina são igualmente boas. Ninguém está obrigado a reconhecer que a linguagem moderna da espiritualidade cristã seja a melhor. Tem-se no entanto o direito de aspirar que os católicos, em grande número, se familiarizem com uma linguagem que seja perfeita. Não significa isto deprimir a religião das pessoas simples, mas anelar que o nosso catolicismo seja expresso nas suas cerimônias exteriores com a maior beleza e perfeição possíveis; que os católicos, homens e mulheres, ornados com a cultura moderna, estejam unidos aos milhões para manifestar a sua fé, assim como estão unidos para a defesa das causas da vida moderna, tais como as ciências ou o patriotismo. Devo pedir desculpas às pessoas piedosas de parecer em certas páginas deste livro deplorar a influência do puro sentimento e da imaginação na vida cristã. Bem longe de mim desprezar o que chamamos “piedade popular” que é tão útil para agrupar os fiéis. Mas como o meu escopo formal é pôr em evidência as verdades fundamentais, às quais as formas de piedade, mesmo as mais imaginativas e as mais sentimentais, devem o que têm de melhor, pode parecer que eu as censuro, quando de fato não o faço. É mesmo minha obrigação mostrar que a inteligência do crente dá provas do seu vigor quando a sua imaginação pode exercer-se sobre as verdades cristãs sem as prejudicar. (Retirado do livro A Nova e Eterna Aliança)
  • Sobre a acusação de pancritismo:
Nesse caso, que parece ser o caso onde ele leu diretamente no livro de Dom Vonier, há algumas considerações a serem feitas: (1) O livro foi escrito antes da definição e condenação pelo Papa Pio XII, condenação que, ao contrário do que muitos entenderam, não foi feita diretamente a ele. Portanto, mesmo SE ele estivesse errado, não é correto chama-lo de herege. Vários santos e teólogos respeitados pela Igreja também erraram em alguns pontos que foram definidos depois. O mesmo acontece aqui, pois Dom Vonier morreu antes do pronunciamento do Papa a respeito. Assim também as outras acusações, como as da fundação da Igreja. (2) Entretanto, ele explica a posição dele em outros escritos:
Não seria admissível falar em Encarnação da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, pois o Espírito não se fez carne como a Palavra se fez carne. O que eu quero dizer é que o advento do Paráclito é do mesmo tipo que a vinda do Filho de Deus: em ambos os casos há um verdadeiro descensus de coelo, uma verdadeira descida do céu de uma forma que não houve antes. De que forma esse novo advento difere tão profundamente dos sussurros do Espírito no mundo antigo antes de Cristo, os teólogos têm tentado compreender e explicar; mas eles são confrontados com um mistério, assim como o mistério da Encarnação. Assim como é segredo de Deus a forma que o Filho de Deus se fez homem, também é seu segredo como o Espírito de Deus habita no homem; mas, em ambos os casos, é literalmente verdade que seja uma Pessoa Divina e ninguém mais falando com os homens aqui na terra. Eu poderia repetir tudo o que foi escrito pelos teólogos, para explicar o significado dessa nova permanência do Paráclito. Mas o mais sábio deles confessa que todas as suas palavras são balbucios infantis. Eles afirmam, por exemplo, que através da vinda do Espírito Santo a alma cristã tem uma orientação especial e exclusiva pela Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Com São Paulo eles dizem que somos selados com o Espírito Santo, assim como somos selados com o sinal de Cristo no Batismo. Essa é a uma clara insinuação de que o Paráclito é para nós tanto quanto a Palavra Encarnada. Mas eu acho suficiente para todos os fins da teologia cristã afirmar essa paridade entre o advento do Filho de Deus e a descida do Espírito Santo, embora um fez-se carne, enquanto outro, por assim dizer, toda a Igreja para si.”

"Entramos mais uma vez na questão do mistério do primeiro Pentecostes. Qual foi o dom concedido à Igreja naquele dia? Que um presente inteiramente novo veio à Igreja é evidente em todo o gênio do Novo Testamento. Não seria suficiente dizer que o Espírito Santo foi dado no Pentecostes em uma medida mais completa do que ocorria antes. A descida do Espírito que ocorreu dez dias depois da Ascensão do Senhor foi uma coisa única na história do mundo, tão única quanto a Última Ceia, tão única quanto foi a morte de Cristo no Calvário. O Espírito não tinha sido dado antes, mas foi concedido naquele abençoado momento, na nona hora do quinquagésimo dia depois da Páscoa da Redenção.” (Retirado do livro Christianus)
Portanto, a respeito do livro “O Mistério da Igreja”, parece que foi realmente um livro com certos problemas e que ele foi infeliz na palestra. Parece também que o próprio mosteiro dele o tirou de circulação, o que seria natural a um católico após o pronunciamento infalível de um Papa. Por outro lado, parece que o problema não foi na teologia dele a respeito, mas na forma em que o assunto foi tratado nesse livro, tendo em conta as explicações acima feitas pelo próprio autor em outras ocasiões.
  • Sobre a acusação de ter a obra eivada da ilusão milenarista, temos o próprio Dom Vonier chamando o milenarismo de ilusão:
Observação: se é especificamente o livro “O Mistério da Igreja” que está eivada de milenarismo, ou outras obras suas, não ficou muito clara a alegação. Entretanto, temos aqui o que Dom Vonier pensava sobre o milenarismo:
Outra forma de ilusão sobre o grande assunto da segunda vinda de Cristo tem sido mais universal, mais persistente e é, de certo modo, mais desculpável. Essa forma de sonho religioso é mais antiga que os Evangelhos; é a esperança do homem do milênio. Tem sempre sido a fé de certas pessoas pias, cujas almas têm sido afligidas pelas iniquidades mundanas, a de que haveria sobre a terra algum dia um magnificente reino de Deus. Com o advento do cristianismo, Cristo seria, é claro, o Rei dessa feliz era de santidade humana. Não é fácil se opor a essas pessoas e provar que estão erradas quando professam esperança em um grandioso triunfo de Cristo sobre a terra antes da consumação final de todas as coisas. Esse tipo de ocorrência não é excluído, não é impossível, não há certeza de que não possa haver um período prolongado de cristianismo triunfante antes do fim. O ponto de divisão entre as aspirações legítimas de almas devotas e as aberrações de um milenarismo falso é este: os Quialistas – como os milenaristas são chamados, a partir da palavra grega “mil” – parecem esperar uma vinda de Cristo e uma presença de sua glória e majestade sobre a terra que não seria a consumação de todas as coisas, mas uma porção da história da humanidade. Isso, porém, não está consoante com o dogma católico. A vinda de Cristo no segundo advento – a Parúsia, como é chamada tecnicamente –, na cristandade ortodoxa, é a consumação de todas as coisas, o fim da história humana. Se antes desse final há de ter um período, mais ou menos prolongado, de santidade triunfante, isso resultará não da aparição triunfante da Pessoa de Cristo em sua Majestade, mas da operação dos poderes de santificação que estão trabalhando agora: o Santo Espírito e os Sacramentos da Igreja. Os Quialistas de todas as épocas e opiniões, e muitos podem ser encontrados hoje, parecem desesperar não somente do mundo, mas até mesmo da dispensação da graça inaugurada no Pentecoste; eles esperam, a partir da presença visível de Cristo, uma completa conversão do mundo, como se um resultado feliz não se fizesse de outra forma. Ainda têm de aprender o significado destas palavras de Cristo aos Apóstolos: “Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade.” A Igreja Católica tem plena confiança na presente ordem da vida sobrenatural, e se ela anseia o retorno de seu Cristo, não é porque desespera do trabalho que lhe foi dado, mas porque deseja ver esse trabalho manifesto a todos os homens, para que se evidenciem as coisas maravilhosas que Cristo realizou aos homens antes de sua ascensão ao céu.


Portanto, se postaram já com malícia, não sabemos. Não cabe a nós dizer isso. Entretanto, a forma em que as coisas foram feitas e o desfecho foi desnecessário. Estão aí as informações e cada um julgue por si. Encerro por aqui qualquer discussão a respeito.


Sobre a foto no início do texto: No dia 18 de outubro de 1931, Dom Anscar completou vinte e cinco anos como abade. Foi uma oportunidade para muitos de seus amigos e admiradores expressarem sua admiração por ele como pessoa e pelo que tinha conseguido. Ele considerava essas celebrações jubilares como uma espécie de ensaio geral para a consagração da igreja da abadia. A construção progrediu tão bem que a data da consagração foi fixada para o dia 25 de agosto de 1932. As notícias da reconstrução chegaram em Roma e foi com muita emoção que a comunidade soube, em março de 1932, que o Papa Pio XI nomeou o Cardeal Bourne de Westminster como seu delegado a latere para a ocasião. Isso foi um sinal de honra para a comunidade, mas havia também um toque especial para o abade: o Papa concedeu-lhe o privilégio pessoal do uso da capa magna. A carta de 8 de agosto menciona as atividades de construção do abade e faz referência também aos seus escritos que promovem a fé católica.