terça-feira, 28 de julho de 2015

EDUCAÇÃO SEXUAL - Pe. Leonel Franca

Retirado do livro "A Formação da Personalidade", esse texto mostra através do bom senso e dos resultados de especialistas, o quanto a educação sexual nas escolas é prejudicial. Infelizmente preferiram seguir tais novidades e o resultado está aí, como qualquer pessoa pode ver. Não preciso comentar, pois, sobre o atual estado de depravação e da impressão dada a jovens e adultos de que o sexo é o que os fará felizes. Agora imagine os malefícios da educação proposta já naquela época em comparação com o que querem aprovar atualmente.



Parece-nos de capital importância excluir qualquer iniciação sexual feita coletivamente nas escolas. Nos mistérios da vida quem deve iniciar os adolescentes são os pais. Só o lar reúne as condições psicológicas e morais para uma educação sadia e eficiente em matéria tão delicada. Entre outros, a iniciação coletiva encerra os seguintes
inconvenientes:

1) Na mesma idade, o desenvolvimento sexual é extraordinariamente diverso de indivíduo para indivíduo. Uma instrução adaptada a uns poderia provocar em outros surpresas funestas, choques nervosos e desequilíbrios morais de que dificilmente viriam a convalescer mais tarde.

2) A explicação feita em público de assuntos tão delicados autorizaria depois entre alunos conversas e trocas de ideias sobre as matérias vistas em aulas. É mais um incentivo, oficialmente sancionado, às conversações obscenas e por meio delas à corrupção sistemática dos mais sadios pelos mais depravados.

3) A iniciação sexual, para ser verdadeiramente eficaz no dizer unânime de psicólogos pedagogistas, requer un complexo de qualidades - e entre elas um respeito e amor à pureza de cada aluno - que fora ingenuidade esperar se encontrem em cada professor ou professora das nossas escolas públicas. Na maioria dos casos, o efeito seria desastroso e os escândalos da vida social que tanto se deploram, começariam bem cedo a contaminar as nossas escolas com incrível prejuízo da saúde, higiene e moral das novas gerações.

4) A propaganda em favor da iniciação sexual nas escolas é toda baseada num falso postulado pedagógico, isto é, na opinião de que a corrupção nasce da ignorância. Engano. Trata-se aqui muito mais de força moral do que de saber. A verdadeira pedagogia sexual concentra os seus esforços na formação da vontade e na educação do caráter e evita despertar imagens e curiosidades malsãs a que não resistiriam as consciências ainda mal formadas das crianças

5) Por estes e outros motivos, que não nos é dado aqui explanar, a iniciação coletiva, longe de representar um progresso na pedagogia, tem despertado entre os mais autorizados mestres, resistências tenazes e condenações categóricas.

F. W. FORSTER, professor de filosofia e pedagogia nas Universidades de Viena, zurich e Munich, aponta como erro perigoso "a ideia de que a depravação e superexcitação sexuais da juventude moderna seriam o resultado da insuficiência do ensino sobre a questão sexual, enquanto que a verdadeira causa deve ser unicamente procurada na terrível baixa na educação do caráter e no delírio do prazer, comum em nossa época. Num meio assim que significa só o ensino? Se o homem não é elevado por uma concepção mais alta da vida, o ensino tenderá, no máximo, a excitar-lhe a curiosidade do que se lhe não diz." (Sexualethfk und Sexualpadagogik, trad. franc., p. 203)

STANLEY HALL, o príncipe dos pedagogos norte-americanos, depois de assinalar as crises da alma e as perturbações nervosas que são muitas vezes as consequências de semelhantes intervenções prematuras, conclui que "devemos detestar toda espécie de iniciação coletiva. " (Educational Problems., New York, 1 9 1 1 , vol. I. )

O Dr. W. STEKEL, especialista de psicoterapia em Viena, no seu estudo sobre os "Estados de angústia nervosa e seu tratamento", Berlim, p. 3 10, conclui as suas reflexões sobre o assunto com estas palavras: "Sou adversário declarado do sistema de iniciação que se propaga atualmente e que se me afigura uma epidemia mental, uma espécie de exibicionismo psíquico. A iniciação coletiva nas escolas é um pensamento monstruoso cuja realização acarretaria inumeráveis choques sexuais... A questão só pode ser solucionada individualmente, e o melhor meio seria que, a começar de certa idade, os pais introduzam nas conversas coisas sexuais como coisas naturais, sem exposição solene nem cerimônias misteriosas. Não esqueçamos que a raiz de todos os desejos malsãos é a curiosidade sexual e que a iniciação precoce dos meninos seria, para o desenvolvimento da humanidade, um grande prejuízo cultural."

Em nome, portanto, da higiene, da pedagogia e da moral julgamos que se deve excluir dos programas de ensino uma iniciação coletiva, feita nas escolas públicas.



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sexta-feira, 24 de julho de 2015

SEDE CASTOS!

Texto retirado de uma das publicações da "Raio de Sol", uma folha de propaganda católica da década de 30. É interessante notar como as coisas eram naquela época e como pioraram, mas como os remédios são os mesmos. Espero que seja útil tanto para quem quer começar a luta, quanto para quem quer lutar e, além disso, para quem ainda não caiu na real.



Sede castos, porque se o não fordes, sereis desgraçados. É numero o tropel dos vícios, mas a desonestidade é o pior de todos eles. Todos os pecados são impuros, mas a desonestidade é a própria impureza. Todos os vícios estragam alguma parte do espírito ou do corpo; a desonestidade porém estraga todo o homem, todas as suas potências e todos os seus sentidos. Todos os vícios levam à condenação eterna, mas a desonestidade é de todos os vícios o que maior número de almas arrasta para o inferno. Todos os pecados acarretam desgraças; mais e maiores desgraças porém causa aquele que muitas vezes é castigo de todos eles. É tão abominável este pecado, que São Paulo desejava que nem se lhe soubesse o nome, se fosse possível; e é este o motivo por quê na cristandade se fala dele com tamanho resguardo.

À desonestidade deram-se os mais hediondos nomes, e esses nomes com que se designa, bem como os diversos vícios que compreende, não se podem proferir na presença de pessoas que se respeitam. A linguagem impudica só a conhecem os homens infames, de má nota, os patifes, os impudentes, os desavergonhados e libertinos.

Este vício faz pecar em todo tempo. O infeliz que se deixa dominar e escravizar por ele está pecando em todas as ocasiões; o que vai lendo, o que vê, o que ouve, tudo o encaminha a satisfazer as suas próprias paixões. No estudo, no jogo, no passeio, nos divertimentos, à mesa, nas horas em que está acordado durante a noite, no meio dos seus trabalhos durante o dia, na solidão, na sociedade, até na igreja, ao pé dos altares, está o homem desonesto, pelo menos a pensar no seu pecado. Que horror!

Este vício arrasta a todos os vícios. Para pecar com mais facilidade e desembaraço precisa de dinheiro, e este também acaba por se esgotar. Portanto, depois de esbanjar o que é seu, o escravo da desonestidade há de por todos os meios cavar outro, e então recorre à fraude, à rapina, ao roubo, à injustiça, e às vezes até... ao assassínio! A insolência e o orgulho são filhos legítimos da desonestidade: o jovem perde a sua sinceridade, a virgem despoja-se do seu candor e da modéstia: falta de vergonha, imodéstia, despejo e impudência são sinônimos de impureza. Entre todas as heresias, livres pensamentos e ateísmo, haverá um que não tenha nascido no charco da desonestidade. As confissões e comunhões sacrílegas devem-se, na maior parte, à desonestidade.

Este vício torna o homem infiel a todos. Os desonestos atraiçoam os amigos, as amigas, o marido, a mulher, os noivos, as noivas, o pai, o protetor de toda a vida... Amizade, honra, juramentos, religião, família... a tudo espezinha, rompe, desmantela e quebra a desonestidade. A maior parte das tragédias, das traições, dos escândalos e das infamantes vergonhas têm a sua origem neste vício nefando. O curso da impureza vai traçado por rios de sangue e de lama.

Para se entregar a ela, o desonesto usa e abusa de todos os meios, até dos mais iníquos e repugnantes. Que linguagem que gíria de bordel, que expressões equivocas, que indiretas, que gracejos, que orgias e que dissolução de costumes! Que canções e músicas! Que bailes e danças! Que versos e novelas! Que quadros e pinturas! Que vestidos, que gestos e trejeitos! Que reuniões e diversões! Que teatros e espetáculos! Quantas indústrias, tramoias, ardis e abomináveis segredos! Que dias e que noites! Ó vício nefando este, de que nem se pode falar! E que naturalmente degrada o homem, o avilta e arruína; que o corrompe, corrói e devora até a medula dos ossos...

Faz perder ao desonesto a ideia da sua dignidade, a ideia de quão repugnante é o seu pecado e, sobretudo, o conhecimento do seu Deus. Esse desgraçado escarnece descaradamente do que há mais respeitável, a honra, da justiça, da religião, da lei, da autoridade, da amizade, da continência, da virtude, dos Santos e do mesmo Deus! É o homem mais inconsiderado, atrevido e desrespeitador que há no mundo, capaz dos maiores excessos, capaz de postergar e sacrificar tudo à sua paixão desenfreada.

Faz perder o sossego da consciência, porque não há vício nem pecado que provoque mais negros remorsos que a impureza, nem aversão e enjoo mais repugnante e vergonhoso a toda a vida.

Faz perder a liberdade, porque o homem impuro é escravo dos prazeres sensuais e nem sabe como se há de libertar dos seus grilhões. Fortemente peado pelos numerosos laços que o prendem aos seres mais vis e abjetos do mundo, enreda-se e se emaranha em mil compromissos espantosos e baixezas incríveis.

Faz perder a fé, pois a mente desse infeliz se embota e é incapaz de penetrar as verdades espirituais.

Faz perder a esperança, porque é vício que se agarra à sua vítima, que arrasta e não larga o desonesto, nem deixa desvencilhar-se, porque de dia para dia lhe cresce o frenesi. A maioria desses impudicos não apetecem o céu.

Faz perder principalmente a caridade, o amor de Deus e do próximo. Neste mundo sublunar não há egoístas que se possam comparar às pessoas desonestas, que são as mais estupidamente egoístas.

Faz perder a honra, pois este vício, de um modo ou de outro, há de furar até chegar às vistas do público e enxovalhar a honra de quem, em má hora, se deixou subjugar por ele.

Faz perder a fortuna, porque a satisfação prolongada dos prazeres sensuais é um sorvedouro, em que se abismam rios de dinheiro, e de ordinário a desonestidade leva à ruína e à pobreza.

Faz perder a saúde, visto como este vício enerva a natureza, esgota as energias e engendra enfermidades vergonhosas, repugnantes e incuráveis. Se fossemos reunir todos aqueles que morreram devorados pelas doenças da impureza, formaríamos um monte que topetaria na lua.

A desonestidade é o mais seguro caminho da condenação, pois é o mais pegajoso dos vícios e o mais difícil de largar; muitas vezes até arrasta ao suicídio.

Jovens, que sôfrega e incautamente correis atrás dos prazeres desonestos, prestai-me ouvidos e crede-me: se quiserdes teimar em seguir esse caminho escabroso, haveis de chorar muitas lágrimas e padecer horrivelmente. Não vos metais por aí. Suspendei os passos enquanto é tempo. Sede castos! Sede castos! E não me venhas retrucar que é impossível.

É muito possível, pelo contrário, e eu vos prometo a vitória, se vos empenhardes com ânimo e perseverança em pôr em prática os quatro meios infalíveis que vos quero apontar.

Primeiro meio: escolhei um bom confessor e abri-lhe frequentemente a vossa consciência e o vosso coração, manifestando-lhe, como a médico e pai que ele é, todas as vossas fraquezas.

Segundo meio: comungai frequentemente, ao menos cada semana e ainda mais amiúde, todos os dias até, caso vos seja isto possível. Consultai a este respeito o vosso confessor.

Terceiro meio: uma terna e filial devoção à Virgem Santíssima protetora da castidade.

Quarto meio: orar e pedir continuamente a castidade a Deus e à Virgem Imaculada. Sem a graça divina, ninguém se engrandeça de guardar a castidade: mas esta graça se há de alcançar pela oração.

Condição necessária, sem a qual baldarão todos estes meios, é viverdes afastados das ocasiões de pecar e dos espetáculos perigosos. As diversões, os teatros, os malditos cinemas, e revistas, as estampas e pinturas, os contos, novelas e romances obscenos, certas palestras, os bailes, as amizades e, para abreviar, todos os incentivos da sensualidade de que está cheio o mundo, são outros tantos perniciosos veículos, que vão difundindo por todas as partes os imundos gérmens da lepra e o cancro da desonestidade.

É tão preciosa a castidade, que bem merece algum sacrifício da vossa parte e, por amor deste tesouro, não será muito que vos resolvais a cortar de vez e resolutamente uns tantos passatempos, certas diversões e leituras que conheceis muito bem e só vos podem causar dano.




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domingo, 19 de julho de 2015

A Noite de São Bartolomeu - PARTE FINAL - Do número de vítimas de São Bartolomeu

Uma vez estabelecido que a Igreja Católica NÃO teve nenhum papel na questão, vamos a outros dados importantes.

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV

Partes anteriores: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3

Do número de vítimas da São Bartolomeu.

I. Divergências dos historiadores. II. Número verosímil das vítimas em toda a França. III. Questão acessória: é verdade que Carlos IX tenha atirado contra os protestantes? IV. Conclusão.

I. Seria pretencioso querer determinar, mesmo aproximadamente, o número de vítimas da São Bartolomeu, quer em Paris, quer nas províncias. Entre os diversos historiadores, a diferença é por demais sensível e suas divergências se explicam. Uns e outros são levados a aumentar ou a diminuir o número, segundo seu interesse ou partido. É de notar também que os autores acham complacência em aumentar tanto mais o número das vítimas, quanto mais afastados se acham do tempo de que escrevem.

O calvinista La Popelinère o avalia em mais de dois mil por toda a França, e em mil somente em Paris; Tavannes em dois mil só na capital. Papyre-Masson, contemporâneo protestante, mais tarde convertido, conta dez mil vítimas; o Martyrologio protestante, impresso em 1582, dez anos só depois dos acontecimentos, quinze mil; de Thou, o apologista dos protestantes, fala em trinta mil; Davila, pagem de Catharina de Medicis, e mais tarde historiador das guerras de religião na França, elevou o número a quarenta mil; Sully, apegado aos erros dos calvinistas, a sessenta mil; e Pérèfoxe, bispo de Rodez, preceptor de Luiz XIV, cujo fim era inspirar horror por aquela tragédia, chega até cem mil.

II. Apesar das buscas dos eruditos e dos documentos históricos publicados, seria temerário adotar um número exato, eo mais prudente é ainda, como no tempo em que o padre Caveirac publicava sua Dissertação sobre a São Bartolomeu (1758), tomar por base os cálculos do próprio Martyrologio dos calvinistas.

Eis o seu quadro.

CIDADES
NÚMERO GERAL DAS VÍTIMAS
NÚMERO DAQUELAS QUE SÃO NOMEADAS
Paris
Em geral 10.000, detalhadamente 468
152
Orleans
1.850
156
Meaux
225
30
Troyes
37
37
Burges
23
23
La Charité
20
10
Lyão
1.800
144
Samur et Angers
26
8
Romans
7
7
Ruão
600
212
Tolosa
306
0
Bordéus
274
7
Total
15.168
786

O autor desse Martyriologio, contemporâneo dos fatos, calvinista de religião, encarregado de modo quase oficial desse trabalho, não julgou poder levar além de 15.168 o número das vítimas; pois deve ser ele considerado como um total máximo. Ainda, oferece lugar a justas observações.

1º O total, dado pelo Martyrologio, não será sensivelmente exagerado? Há muitos motivos para o acreditar. Em primeiro lugar, não é de admirar que, depois de ter indicado em geral 15.168 vítimas, o autor não possa designar pelo nome mais do que 786. Dir-se-á que citou só as mais ilustres. Mas não é isso, pois que nessa enumeração há nomes de pessoas desconhecidas e de nenhuma importância social. Deve-se então concluir que, na realidade, não houve mais do que 786 vítimas nominalmente designadas? Tal não pretendemos; sabe-se, com efeito, o que acontece nos tumultos populares. Contudo, há de se convir que, entre a generalidade e os pormenores, a diferença é por demais sensível.

2º O autor dá em Paris o número total de 10.000 vítimas e detalhadamente só acha 468, e de todos aqueles infelizes mortos nas ruas de Paris, nominalmente designa apenas 152. Segundo o Martyrologio, a maior parte dos cadáveres foram lançados no Sena. Ora, um documento autêntico, uma conta da casa da câmara municipal, dá o número exato dos cadáveres retirados do Sena e sepultados nos arredores de Saint-Cloud, Auteuil e Chaillot: 1.100 corpos recolhidos foram enterrados. As avaliações dos contemporâneos menos suspeitos ficam pouco abaixo ou acima desse número e demonstram que o total de 2.000, dado por Papyre-Masson, nem foi alcançado, e que La Popelinère é mais chegado à verdade quando fixa em mil as vítimas na capital.

Reduzindo na mesma proporção os números indicados pelo Martyrologio calvinista para as outras cidades, chega-se a esta apreciação geral, que o total das vítimas, em toda a França, foi apenas de 2000: é certamente demais; mas vai longe disso as exagerações dos protestantes e dos ímpios.

III. Agora que se há de pensar desta asserção que o próprio Carlos IX, na manhã de São Bartolomeu, de uma janela do Luvre, tenha atirado contra os protestantes. Essa afirmação de Brantôme e, acrescenta ele ainda que o mosquete do rei não podia alçar o alvo. D’Aubigné, de Thou, o duque de Anjou na sua narrativa a Miron, em suma, nenhum dos contemporâneos fala desse pormenor. O testemunho de Brantôme é consideravelmente informado: (1) pelo fato, por ele próprio confessado, que se achava a mais de cem léguas de Paris; (2) por este trecho de um panfleto protestante de 1579, Le tocsin contre les massacreurs: “Nesta circunstância, o rei não popava sua pessoa; não que ele próprio manchasse as mãos com o sangue, mas porque ordenava que lhe trouxessem os nomes dos mortos e dos presos”; (3) a janela do Louvre, e, que a comuna de Paris (1793) decretou que seria colocado um cartaz inflamada, em memória de Carlos IX atirando contra o povo, não existia no tempo desse rei: aquela parte do Louvre foi construída só no fim do reinado de Henrique IV.

Eis, portanto, reduzido às proporções da verdade histórica o que foi o massacre de São Bartolomeu.

Fica pois provado e é do domínio da história que nem o papado, nem o partido religioso, que compreendia então a maior parte da nação, não podem ser em nada responsáveis de um acontecimento que não prepararam e ao qual não foram associados a não ser por atos isolados, individuais, de alguns católicos ardentes que conservam a responsabilidade pessoal do que fizeram.

2º A questão de premeditação, tantas vezes invocada, não pode ser admitida por um espírito sério e leal: seria incriminar as intenções, por meio de suposições e conjecturas perfeitamente gratuitas.

3º É demonstrado que o Maryrologio mesmo é suspeito de erro em muitos pontos, exagerou o total das vítimas e, aos números extravagantes citados por historiadores levados pelo preconceito, é permitido opor cálculos mais equitativos que reduzem as vítimas a dois ou três mil. Certamente este número, por restrito que pareça, é ainda muito grande e permanece como uma mancha sangrenta na história francesa, estigmatizando a fronte de Catarina de Medicis e de Carlos IX com um ferrete tanto mais odioso que o atentado foi decidido em conselho do governo.

Contudo, é permitido concluir com um escritor protestante da Inglaterra: “Não se deixem ofuscar os leitores atentos, diz Cobbet, pelas declamações filantrópicas e filosóficas, nas quais a palavra São Bartolomeu produz sempre um tão admirável efeito. Lembrem-se que na época de que falamos, Isabel, chegada ao décimo quarto ano de seu rei nado, fez assassinar um número de seus súditos, por terem permanecidos fiéis à fé de seus pais, muito maior do que o total de protestantes que suncubiram no tumulto da São Bartolomeu.” [1]



Notas

[1] Cartas sobre a Reforma, carta X.

-

Nesses últimos tempos, apareceram numerosos e sérios trabalhos sobre esta importante questão histórica. Entre os autores mais conhecidos, citemos: na Inglaterra, Henrique White; na Alemanha, Leopoldo Ranke, Raumer e Soldan; na Itália, Eugênio Alberi ou P. Theiner; na França, Henrique Martin, Alfredo Maury. Boutaric, o visconde de Meaux; todos unânimes, sem ter entrado em acordo, demonstram que o crime da São Bartolomeu, reprovado igualmente por todos, tinha pelo menos a desculpa de não ter sido premeditado. Capefigue no seu livro, la Réforme et la Ligue, prova a mesma verdade; de Falloux (Correspondant, 1883 e 1885) mostrou que aquele deplorável acontecimento pertence exclusivamente à política e não a Religião; enfim, Carné, na Revue des Deux-Mondes (1845), Jorge Gandy, num primeiro estudo sobre a São Bartolomeu, suas origens e seu verdadeiro caráter (nos de julho e outubro de 1866 na Revue des questions historiques, t. I), e numa apreciação do livro do senhor de la Ferrière sobre a mesma questão (Revue des questions historiques, t. XLI, abril de 1892); e G. Baguenault de Puchesse (mesma Revista, t. XXVII, janeiro de 1880), livraram igualmente da censura de premeditação e cilada Catarina de Medicis e Carlos IX. Aos olhos da sã crítica, pode-se dizer que a luz está feita sobre este triste acontecimento do século XVI. Achar-se-á a questão longamente tratada no livro do padre Lefortier, la Saint-Barhélemy et les premières guerres de religion em France (1879), e um excelente resumo na brochura de Henrique Hello, la Saint-Barthélemy (1899).




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sábado, 18 de julho de 2015

A Noite de São Bartolomeu - PARTE 3 - São Bartolomeu foi um ato de proscrição política.

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV.

Partes anteriores: Parte 1 | Parte 2

III– São Bartolomeu foi um ato de proscrição política.

I. A culpabilidade pessoal de Coligny. II. O massacre não foi premeditado. III. Massacres nas províncias.

I. As virtudes guerreiras de Coligny, a apologia que Voltaire fez deste personagem, e o culto que lhe dedicaram os protestantes, fizeram por demais esquecer suas ofensas contra o rei, contra a pátria e contra a religião. Pegando em armas contra o Estado, Coligny tornara-se criminoso de lesa-majestade. A prova de sua rebelião não interrupta acha-se no Diário de suas receitas e despesas, por onde se vê que esbulhou os súditos do rei para mover guerra contra o monarca; nos papéis do almirante, onde se podem ler suas conspirações; nas Memórias de Villeroy, de Brantôme, de Tavannes e de Montluc. Percorrendo-as, ficar-se-á persuadido que Coligny se tornará insuportável a Carlos IX e a Catarina de Medicis, ao mesmo tempo que se declarava o inimigo encarniçado dos Guises, o cumplice e  o instigador de Poltrot, assassino do duque, cuja morte tanta alegria lhe causara... Por certo, depois de tantos motivos de queixa, não é necessário procurar na religião um pretexto para esta proscrição inteiramente política [1].

Julgamos suficiente porém lembrar as últimas circunstâncias que precipitaram o desfecho de uma crise tão longa.

“Durante os reinados de Francisco II e de Carlos IX (1560-1574), Catarina de Medicis - que de fato governava o reino – introduziu, na direção dos negócios, um maquiavélico e perigoso sistema de balança, que consistia em enfraquecer uns pelos outros, por meio da astúcia ou da força, tanto os defensores como os inimigos do Catolicismo, sistema impossível e aliás perigoso; impossível, porque em parte alguma as ideias de conciliação e tolerância em matéria de religião eram aceitas; perigosíssimo, pois a força de poupar ou favorecer os partidos contrários, acabava-se fatalmente por congrega-los contra si mesmos, por originar reações violentas e não ter outro meio de sair da confusão e do caos senão as catástrofes[2]”.

Esta política de partido intermediário manifestara-se no colloquio de Poissy (1561). Inspirou o edito de janeiro de 1562 que assegurava aos reformados o livre exercício de seu culto, permitindo-lhes as predicas fora das cidades. Fiel a esta mesma política, a rainha não assina, em 1570, a paz de São Germano, que concedia tais vantagens aos protestantes que os católicos, logo em seguida Às suas vitórias de Jarnac e de Moncontour, se julgaram traídos. Quatro cidades fortificadas estavam entregues aos protestantes por dois anos; ficavam admitidos a todos os empregos, de modo que se pôde dizer que “a realeza capitulou como um vencido”.

O almirante Coligny triunfava com todas aquelas concessões; o rei o temia e era influenciado por ele, a tal ponto que Catarina de Medicis ficara apavorada com o ascendente do almirante. É então que a situação veio a complicar-se com um projeto de guerra contra a Espanha, guerra cuja realização muito se empenhava Coligny. A ela, porém, se opunha a rainha mãe. Desesperada por ver que o almirante era mais rei do que o rei, armou o braço de um assassino.

Em 22 de agosto de 1572, ao voltar do conselho, Coligny recebeu um tiro de bacamarte. O almirante foi somente ferido, Carlos IX o visita, consola, jura vinga-lo. Por outro lado, os protestantes ficam furiosos e vomitam ameaças. Catarina de Medicis resolve uma vingança mais completa. No conselho efetuado no dia seguinte, com o duque de Anjou e alguns chefes católicos, foi decidida a morte do almirante e de seus principais aderentes. Depois, tomada esta decisão, a rainha mãe foi ter com Carlos IX e mostrou-lhe o perigo iminente a que ia ficar exposto se não fizesse matar Coligny e os chefes do partido protestante. Assustado, exasperado, o rei declara que quer a morte não só de alguns protestantes, mas de todos. É assim que o massacre geral foi exigido e ordenado pelo rei. É verdade que no dia seguinte, 24 de agosto, quando às duas horas da madrugada, o dobre do sino deu o sinal, o rei, por uma contra-ordem, proibiu o massacre geral e até a morte de Coligny. Mas já era tarde: o sangue e a morte corriam pelas ruas da capital, onde a carnificina durou três dias [3].

II. Muito se discutiu a questão de saber se o massacre fora premeditado ou se foi resolvido subitamente. Os autores protestantes, para pintar a perseguição com cores mais negras, não deixaram de afirmar que a matança era preparada desde muito tempo. “Os panfletos contemporâneos fazem mesmo remontar a decisão até a entrevista de Bayonna, em 1565; alguns escritores, à paz de São Germano, 8 de agosto de 1570[4].

Outros autores, e partilhamos sua opinião, querem que a resolução não tenha sido tomada, se não no dia precedente, de tarde. Estes têm a seu favor: 1º o testemunho da rainha Margarida, esposa do rei de Navarra (mais tarde, Henrique IV); o 2º de Tavannes que, nas suas Memórias, afirma que se lançou mão dessa medida só em consequência dos receios que inspiravam os chefes dos protestantes, depois da ferida de Coligny (22 de agosto de 1572); 3º o do duque de Anjou, irmão de Carlos IX (e seu sucessor, sob o nome de Henrique III), relatado por seu médico Miron. Este descreve o conselho reunido em 23 de agosto, no qual a rainha Catarina de Medicis fez prevalecer o seu desígnio de matar Coligny, e o rei, numa grande cólera, propôs o massacre de todos os protestantes da França; 4º Esta opinião tem a seu favor a autoridade de Brantôme, e La Popelinère e de Mathieu, autores contemporâneos; 5º Enfim a crítica moderna, após estudo dos diversos documentos históricos, apega-se de preferência ao mesmo parecer. “Todas essas atestações, escreveu Banguenault de Puchesse, são concordantes e naturais, enquanto é preciso recorrer a suposições muito improváveis para sustentar a tese da dificílima preparação de um acontecimento no qual o acaso tem um papel muito mais preponderante do que o cálculo”[5].

Resumindo os testemunhos dos embaixadores da época, Cavali, Walsingham, o núncio Salviati, Cuniga, outro sábio crítico, Jorge Gandy, conclui assim: “Chega; a falta de premeditação que esses testemunhos e muitos outros afirmam é provada até a evidência”[6].
Acrescentemos quão pouco verosímil é que essa resolução tenha ficado secreta durante sete anos, como o querem os protestantes que a fazem remontar à entrevista de Bayonna e, pelo contrário, quanto se harmoniza melhor o conjunto dos fatos com a opinião de uma determinação súbita, que deixa  tudo por conta do imprevisto e do furor das paixões populares.

III. Massacres se deram também nas províncias, em diversas cidades e em épocas diferentes: em Meaux, em 25 de agosto; em La Charité, em 26; em Orleans, em 27; em Angers e Saumur, em 29; em Lyão, em 30; em Troyes, em 4 de setembro; em Burges, em 15; em Ruão, em 17; em Romans, em 20; em Tolosa, 23; em Bordéus, somente em 3 de outubro e em Poitiers, no dia 27.

A respeito desses massacres, apresenta-se logo esta questão: pelo rei terão sido dadas ordens para estender às províncias as sangrentas execuções que se realizaram na capital? Os historiadores não estão de acordo. Segundo certos, a palavra escapada a Carlo IX, num momento de cólera, deve ser tomada ao pé da letra, e suas ordens secretas foram mandadas aos governadores das províncias, pedindo-lhes uma proscrição geral dos hereges. É a opinião dos protestantes Papyre-Masson, Davila, Maimbourg, acompanhados pelos adversários do Catolicismo. As Memórias do Estado da França afirmam que ordens neste sentido foram igualmente expedidas aos governadores das cidades.
Durante certo tempo foi de uso entre os defensores da Igreja negar essas asserções. Mas hoje seria difícil pretender que Carlos IX não tenha enviado ordem alguma. Sua correspondência já publicada, insere em 27, 30 e 31 de agosto, cartas que se diz que retira mandados verbais que o receio de sinistros acontecimentos pudera decidir a transmitir ao governador de Lyão, assim como a outros governadores e tenentes regionais.

Depois disso, não é muito possível duvidar da existência de certas ordens verbais expedidas nas províncias, quer pelo próprio rei, quer em nome dele pelos cortesões.

Agora, vem a propósito outras perguntas: em que momento foram dadas aquelas ordens? Estendiam-se a todo o reino? Qual era o seu teor? Pode-se atribuir-lhes os massacres dos protestantes efetuados nas províncias. Aqui também diferem as respostas com os autores.

1º Os historiadores que pretendem que São Bartolomeu foi uma coisa preparada desde muito tempo, foram obrigados, para ser consequentes, a sustentar que aquelas comunicações foram mandadas antes dos massacres de Paris. Para os partidários da opinião mais acreditada e verosímil, que não houve premeditação, é claro que não pôde haver ordens dadas muito tempo antes da execução. A resolução do massacre tendo sido tomada só na tarde de 23 de agosto, é nesse mesmo dia e uma hora bastante avançada, que o rei esteve no caso de dar suas instruções de viva voz a alguns fidalgos que estavam presentes.

2º As ordens verbais não foram expedidas a todos os governadores das províncias. O autor pouco suspeito das Memórias do Estado da França o atesta, dizendo ele mesmo que essas ordens “foram despachadas aos governadores das cidades notáveis onde havia numerosas pessoas da região”.
3º Eram as ordens despidas de toda a compaixão, prescrevendo a morte de todos os hereges, como o querem os escritores partidários de uma carnificina universal? À primeira vista, seria para estranhar que Carlos IX, que, em paris, não queria tirar a vida se não dos principais chefes, tenha ordenado nas províncias um massacre geral. Mas, a deposição de Tavannes e a do Martyriológio dos protestantes concordam neste ponto que o rei queria ferir só “os chefes dos facciosos” Se, numa efervescência popular, as execuções foram além, devem-se responsabilizar as paixões excitadas e aquele furor brutal que se manifesta em todas as arruaças.

4º Enfim, a verdade histórica obriga a reconhecer que aquelas ordens orais, de qualquer natureza que tenham sito, foram revogadas quase logo que foram dadas. Desde o dia 24 de agosto, Carlos IX se apressou em escrever a todos os governadores das províncias para lhes transmitir novas instruções. Nelas lê-se textualmente: “Tanto mais que é grandemente para recear que semelhante execução levante meus súditos uns contra os outros e se façam grandes matanças em meu reino, de que eu teria extremo pesar, rogo-vos fazer publicar por todos os lugares de vosso governo que cada um tenha que ficar sossegado e em segurança na sua própria casa, e veja a não pegar em armas e a não ofender a ninguém, sob pena de vida[7];

Portanto, se o sangue correm em diversos pontos do reino, é preciso concluir que foi anterior ou contrariamente às instruções escritas e positivas do rei.

Notas

[1] -  Para mais informações, consultar a obra do padre Lefortier, La Saint-Barthélemy. O estudo desta questão, por Jorge Gandy, na Reuve des questions historiques, t. I, 1866.
[2] – Ver a obra de Carlos Buet, l’Amiral de Coligny et les guerres de religion au XVI siècle, um estudo sobre o Caractère de Coligny por D. d’Aussy (Revue des questions historiques, t. XXXVIII, julho de 1885, e o bem documentado trabalho do barão Kervin de Lettenhove, les huguenots et les Guerres, 6 vol. Publicados de 1883 a 1885.
[3] – Reuve des questions historiques, loc. cit., 1866.
[4] – A narrativa que damos é o resumo muito breve do extenso trabalho publicado na Revue des questions historiques, t. I.
[5] – Henrique Bordier, no seu livro la Saint-Barthélemy et la critique moderne (1879), esforça-se por fazer prevalecer esta opinião, aliás pouco fundada; porque a paz de São Germano oferecia demasiadas garantias ao partido protestante para não parecer uma verdadeira conciliação. – Heitor de la Ferrière, no seu livro la Saint-Barthélemy; la veille, le jour, le lendemain (1892), refere diversos testemunhos favoráveis a uma premeditação.
[6] – Baguenault de Puchesse, la Saint-Barthélemy, questions controverses (2º série), publicadas pela Sociedade Bibliográfica.

[7] – Jorge Gandy, la Saint-Barthélemy, segundo a recente obra de Heitor de La Ferrière; Revue des questions historiques, t. XLI (fascículo de abril de 1892).




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quarta-feira, 1 de julho de 2015

A Noite de São Bartolomeu - PARTE 2 - A religião católica não teve parte alguma no massacre de São Bartolomeu.

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV.

Partes anteriores: Parte 1

II – A religião católica não teve parte alguma no massacre de São Bartolomeu.

1º A religião não estava diretamente interessada na questão; 2º nem a santa sé interveio, nem eclesiástico algum fazia parte do conselho real; 3º no massacre, não aparece participação alguma da Igreja; 4º a Igreja não aprovou o massacre.

É preciso não ter mais sentimento algum de justiça para acusar a religião católica dos males sofridos pelos Franceses durante as infelizes guerras que assolaram a França nos reinados dos três irmãos, Francisco II, Carlos IX e Henrique III, e ainda mais para lhe atribuir a resolução de Carlos IX.

Por certo, não queremos pretender que a Igreja se desinteressou da grande questão religiosa que agitou a França no século XVI, nem que ela ficou expectadora indiferente na luta que se travava debaixo de seus olhos.

Naquela época, a religião católica era a religião do Estado na França. Guarda do direito dos reis e dos povos, protetora nata da fé e da moral cristã, tinha por missão e dever de opor-se à Reforma e às suas intrigas, e assim o fez energicamente. E pois que a heresia protestante atacava com as armas na mão, a Igreja podia, por sua vez, invocar contra ela a força do braço secular. Ninguém pode lhe imputar a crime sua intervenção nas lutas religiosas daquela época agitada.

Mas importa muito determinar de que modo interveio. Será verdade, como pretenderam seus adversários, que a Igreja seja responsável por São Bartolomeu? Será verdade que por conselhos, manejos, tenha escandalosamente triunfado? Não, ela não interveio neste fato, nem como motivo, nem como conselho, nem como agente.

Antes de tudo, notemos que o verdadeiro motivo do massacre não foi a religião. Se, no principio da Reforma na França, a crença contribuíra por alguma coisa na luta entre a Liga e os calvinistas, a questão, em 1572, era mais política do que religiosa. Não se tratava mais de dogmas, porém de rebelião. Três revoltas anteriores, muitas cidades subtraídas à obediência real, cercos sustentados, tropas estrangeiras introduzidas no reino, quatro batalhas travadas contra o exército do rei, o duque de Guise assassinado: tais eram os motivos de queixa do rei e de sua mãe. Por isso, Carlos IX, depois de São Bartolomeu, escreveu a Schomberg, seu embaixador na Alemanha, falando dos protestantes: “Não me era mais possível aturá-los”.

Em parte alguma é invocado o motivo religioso, e vê-se, pelo contrário, que os editos reais recomendavam não molestar de modo algum os membros da religião reformada. O martirologio dos protestantes refere que os matadores diziam aos transeuntes, ao mostrar os cadáveres: “São eles que nos quiseram constranger para matar o rei!”.

Mas será possível admitir que a Santa Sé excitou o rei da França para exterminar os protestantes, sob pretexto de conservar ao catolicismo sua supremacia religiosa? Interveio a Igreja como conselho?

Voltaire, naturalmente copiado por numerosos historiadores, acusa disto São Pio V, um papa, um dominicano, portanto um inquisidor, e enfim um santo. Que há de verdadeiro nesta afirmação?

Carlos IX reinava na França havia já seis anos, quando subiu ao trono de São Pedro um papa de grande virtude: São Pio V. Teve este dois grandes fins: deter os progressos sempre crescentes da Reforma na Europa, e alistar os príncipes cristãos numa cruzada contra os Turcos. Para alcançar estes fins compreendia muito bem a necessidade que tinha do concurso da França, e por isso multiplicou os avisos e conselhos a Carlos IX, em vista de reduzir a heresia e assegurar ao rei socorros e alianças.

Desses conselhos faz a fé a correspondência pontifical. De conselhos sanguinários, porém, de maquinações pérfidas, de conluios urdidos na sombra, não há vestígio e nem prova. Além disso, sabe-se como a corte da França não fez caso dos conselhos do Papa e assinou a paz de São Germano (1570), que fazia dos protestantes um poder político no Estado.

Pio V morreu três meses antes do massacre de São Bartolomeu. Gregório XIII lhe sucedeu em 13 de maio de 1572, e seguiu a mesma norma de conduta que seu predecessor, procurando aproximar a Espanha da França, a fim de alcançar uma pacificação religiosa que permitiria dirigir os esforços comuns contra a ambição da Turquia. O historiador francês, H. Martin, que não se pode suspeitar de parcialidade em favor da Igreja, reconhece que Gregório XIII, “não só não favoreceu as intrigas que precederam São Bartolomeu, mas nem delas teve conhecimento”.

Pois do lado de Roma nenhum conselho de perseguição ou de represálias sangrentas. Mas o rei da França neste ponto teria sido influenciado pelo clero católico?

Nos conselhos reais, segundo a narrativa do duque de Anjou (mais tarde Henrique III), intervieram o rei, a rainha, a senhora de Nemours, o marechal de Tavannes, o duque de Nevers, Birague, de Retz etc., porém nenhum cardeal, nenhum bispo, nenhum sacerdote. Os Essais sur l’Histoire générale andam errados julgando que se trata dos cardeais de Biraguee e de Retz; são os marechais desses nomes que são designados. O cardeal de Birague revestiu a púrpura só em 1578 e o de Retz em 1587.

A religião católica que não interviera em nada nos conselhos, tão pouco aparece como agente no massacre. Falou-se em sacerdotes, em frades, de milícia inteira de burel, que teria andado em volta com os matadores e que, como diz Voltaire, como contam os romancistas, imolava suas vítimas com a espada numa das mãos e o crucifixo na outra. Falou-se daquelas famosas cruzes brancas que adornavam os chapéus dos assassinos, aqueles punhais bentos pelo cardeal Lorena...

Onde está a verdade? Em Paris, por uma especial proteção da Providência, não se vê nenhum sacerdote no massacre, a não ser João Rouillard, cônego da catedral e conselheiro do parlamento, que foi arrastado no lugar do massacre para dele ser vítima. Os escritores protestantes, na verdade, citam os nomes de alguns sacerdotes que tomaram parte nos massacres das províncias. Mas a ser isso verdade, a conduta repreensível deles, no final das contas, não pode ser imputada à Igreja.

Eis o que a imparcial e verídica história pôde afirmar: o clero católico, durante os massacres, desempenhou o papel que lhe competia. Em lugar de matar ou ferir, salva. Basta lembrar o nobre procedimento do bispo de Liseux, Hennuyer, que, por sua energia, salvou todos os protestantes de sua diocese.

O martiriológio dos protestantes, que não se pode lançar a suspeita de querer fazer o elogio dos católicos, cita muitos fatos como o precedente. “Em Tolosa, diz ele, os conventos serviram de asilo aos calvinistas; em Burgues, os católicos pacíficos salvaram alguns; em Romans, de sessenta que foram presos, conseguiram soltar quarenta, e dos mais só pereceram sete; em Troyes, em Bordéus, muitos foram igualmente salvos por sacerdotes.”

Em Paris, os huguenotes perseguidos acharam também protestores católicos, e em Nimes, esquecendo-se da Miguelada, houve corações muito generosos para defender os calvinistas de uma carnificina demais autorizada pelo exemplo, mas de nenhum modo permitido pela Religião.

Como, depois disso, acusar a Igreja e seus ministros de terem banhado as mãos no sangue dos hereges? Quanto as cruzes brancas, não passavam elas de um emblema, de um sinal. Além disso, o cardeal Carlos Lorena achava-se em Roma desde três meses antes do massacre. Como poderia então benzer os punhais destinados a um massacre que foi improvisado? Portanto, a cena introduzida por Chérnier no seu “Carlos IX”, e por Scribe nos seus “Huguenotes”, merece ser desterrada por entre as fábulas.

Mas, obsetar-se-á, se a Igreja não preparou a São Bartolomeu, se o papa não foi dela nem conselheiro nem cumplice, não se pode negar que Gregório XIII a tenha altamente aprovado e dela se tenha regozijado. É certo que em Roma, ao receber a notícia desse nefando golpe de Estado, renderam-se a Deus solenes ações de Graças; Gregório XIII foi em procissão da igreja São Marcos até a de São Luiz, indicou um jubileu, mandou cunhar medalhas comemorativas, e encomendou ao pintor Vasari, para o Vaticano, frescos destinados a perpetuar a lembrança de um acontecimento que a corte romana concebia uma grande alegria.

Que esses fatos materiais sejam verdadeiros, não o discutimos. Mas, para conhecer-lhes o verdadeiro caráter e julgar-lhes a significação, é necessário e justo lembrar suas circunstâncias e explicar seus motivos.

Depois de ter recebido a notícia dos acontecimentos de Paris, o sumo Pontífice foi em procissão da igreja de São Marcos à igreja de São Luiz dos franceses; ali mandou cantar um Te Deum de ação de graças, ordenou procissões, marcou um jubileu, mandou ou deixou cunhar uma medalha comemorativa do massacre. É ainda verdade que o pregador Muret fez um elogio público na presença do papa, e o pintor Vasari representou as diversas cenas desse fato em três quadros que ainda adornam uma das salas do Vaticano. Mas que pretendia celebrar a corte de Roma com essas demonstrações? Aquilo que lhe tinham revelado as notícias recebidas. Ora, continham o que se publicara por toda a parte na França e fora dela: que o rei e a família real acabavam de escapar ao maior perigo, sufocando uma nova conspiração tramada pelos huguenotes.

Neste ponto, não há dúvida possível; Carlos IX numa carta dirigida, em 24 de agosto, ao senhor de Ferralz, seu embaixador em Roma, contava resumidamente o fato, deixando ao senhor de Beauvillé, portador da missiva, o cuidado de dar mais pormenores ao embaixador e ao papa Gregório XIII. Os pormenores eram os que tinham sido mandados aos governadores das províncias.

A correspondência oficial de Salviati, núncio do papa em Paris, mostra que ele ignorava completamente os projetos da corte. Nos seus relatórios particulares, endereçados ao conselho de Estado, fala da rebelião geral dos protestantes que obrigou a corte da França a lançar mão de uma resolução extrema para se pôr a salvo do perigo. Um curiosíssimo documento, conservado no Vaticano, veio recentemente confirmar todas essas afirmações. É o resumo manuscrito (1) em latim, de um leito de justiça realizado no parlamento de Paris. Encontra-se aí um trecho que explica de um modo, que se poderia dizer definitivo, o massacre de São Bartolomeu: “Nesta augusta assembleia, o rei Carlos declarou que, graças a Deus, descobrira as ciladas que o almirante Gaspard de Coligny armava ao governo do rei, chegando ao ponto de ameaçar toda a família real com uma catástrofe e com morte, e que tendo tratado ele e a seus cúmplices como mereciam, queria que, no futuro, não se imputasse este fato a crime àueles que foram os fiéis ministros de uma tão justa vingança, visto que tinham procedido só por vontade, mandato e ordem do rei.”

Este mesmo documento relata que as execuções feitas em 24 de agosto não foram mais do que justas represálias contra as conspirações da facção protestante que devia, duas horas mais tarde, matar os membros da família real. Demonstra em segundo lugar que as execuções ordenadas por Carlos IX só assumiram o caráter de massacre pela intervenção do povo de Paris, irritado contra as facções. Menciona enfim a proibição expressa feita pelo rei ao mesmo povo de París, “de homicídios, combates, pilhagem e saque dos bens dos huguenotes”, sem a intervenção do parlamento e dos magistrados públicos.

Tais foram as notificações feitas ao Papa, donde resulta que Roma entendeu celebrar não o assassinato dos hereges, mas a exterminação dos rebeldes, a libertação do reino e, sem dúvida, como consequência ulterior, o fim de uma horrorosa guerra civil. O próprio Muret, na sua famosa pratica pronunciada em 23 do dezembro seguinte, não celebrava outra coisa.

As medalhas comemorativas, cunhadas em 1572, tendo a legenda: Ugonotorum strages, com a imagem de um anjo exterminador, armado de uma espada e perseguindo guerreiros, significavam a repressão de hereges rebeldes. As pinturas de Vasari não tinham outro sentido e deviam simplesmente transmitir à posteridade a memória de um fato que, aos olhos da corte de Roma, assumia um caráter providencial: a salvação da vida e do trono de Carlos IX, a vitória sobre a heresia, o fim das dissensões internas que desolavam a França.


Brantôme conta que, mais tarde, Gregório XIII, melhor informado sobre os massacres de Paris e das províncias, chorou amargamente: “Lamento, dizia ele, a morte de tantos inocentes que não deixaram de perecer de envolta com os culpados; é possível que a muito deles Deus tenha concedido a graça de se arrependerem” (Lefortier, La Saint-Barthéleby. Pode-se consultar também o estudo feito por Jorge Gándy na Revue des questions historiques, t. I, 1886).



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