domingo, 19 de julho de 2015

A Noite de São Bartolomeu - PARTE FINAL - Do número de vítimas de São Bartolomeu

Uma vez estabelecido que a Igreja Católica NÃO teve nenhum papel na questão, vamos a outros dados importantes.

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV

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Do número de vítimas da São Bartolomeu.

I. Divergências dos historiadores. II. Número verosímil das vítimas em toda a França. III. Questão acessória: é verdade que Carlos IX tenha atirado contra os protestantes? IV. Conclusão.

I. Seria pretencioso querer determinar, mesmo aproximadamente, o número de vítimas da São Bartolomeu, quer em Paris, quer nas províncias. Entre os diversos historiadores, a diferença é por demais sensível e suas divergências se explicam. Uns e outros são levados a aumentar ou a diminuir o número, segundo seu interesse ou partido. É de notar também que os autores acham complacência em aumentar tanto mais o número das vítimas, quanto mais afastados se acham do tempo de que escrevem.

O calvinista La Popelinère o avalia em mais de dois mil por toda a França, e em mil somente em Paris; Tavannes em dois mil só na capital. Papyre-Masson, contemporâneo protestante, mais tarde convertido, conta dez mil vítimas; o Martyrologio protestante, impresso em 1582, dez anos só depois dos acontecimentos, quinze mil; de Thou, o apologista dos protestantes, fala em trinta mil; Davila, pagem de Catharina de Medicis, e mais tarde historiador das guerras de religião na França, elevou o número a quarenta mil; Sully, apegado aos erros dos calvinistas, a sessenta mil; e Pérèfoxe, bispo de Rodez, preceptor de Luiz XIV, cujo fim era inspirar horror por aquela tragédia, chega até cem mil.

II. Apesar das buscas dos eruditos e dos documentos históricos publicados, seria temerário adotar um número exato, eo mais prudente é ainda, como no tempo em que o padre Caveirac publicava sua Dissertação sobre a São Bartolomeu (1758), tomar por base os cálculos do próprio Martyrologio dos calvinistas.

Eis o seu quadro.

CIDADES
NÚMERO GERAL DAS VÍTIMAS
NÚMERO DAQUELAS QUE SÃO NOMEADAS
Paris
Em geral 10.000, detalhadamente 468
152
Orleans
1.850
156
Meaux
225
30
Troyes
37
37
Burges
23
23
La Charité
20
10
Lyão
1.800
144
Samur et Angers
26
8
Romans
7
7
Ruão
600
212
Tolosa
306
0
Bordéus
274
7
Total
15.168
786

O autor desse Martyriologio, contemporâneo dos fatos, calvinista de religião, encarregado de modo quase oficial desse trabalho, não julgou poder levar além de 15.168 o número das vítimas; pois deve ser ele considerado como um total máximo. Ainda, oferece lugar a justas observações.

1º O total, dado pelo Martyrologio, não será sensivelmente exagerado? Há muitos motivos para o acreditar. Em primeiro lugar, não é de admirar que, depois de ter indicado em geral 15.168 vítimas, o autor não possa designar pelo nome mais do que 786. Dir-se-á que citou só as mais ilustres. Mas não é isso, pois que nessa enumeração há nomes de pessoas desconhecidas e de nenhuma importância social. Deve-se então concluir que, na realidade, não houve mais do que 786 vítimas nominalmente designadas? Tal não pretendemos; sabe-se, com efeito, o que acontece nos tumultos populares. Contudo, há de se convir que, entre a generalidade e os pormenores, a diferença é por demais sensível.

2º O autor dá em Paris o número total de 10.000 vítimas e detalhadamente só acha 468, e de todos aqueles infelizes mortos nas ruas de Paris, nominalmente designa apenas 152. Segundo o Martyrologio, a maior parte dos cadáveres foram lançados no Sena. Ora, um documento autêntico, uma conta da casa da câmara municipal, dá o número exato dos cadáveres retirados do Sena e sepultados nos arredores de Saint-Cloud, Auteuil e Chaillot: 1.100 corpos recolhidos foram enterrados. As avaliações dos contemporâneos menos suspeitos ficam pouco abaixo ou acima desse número e demonstram que o total de 2.000, dado por Papyre-Masson, nem foi alcançado, e que La Popelinère é mais chegado à verdade quando fixa em mil as vítimas na capital.

Reduzindo na mesma proporção os números indicados pelo Martyrologio calvinista para as outras cidades, chega-se a esta apreciação geral, que o total das vítimas, em toda a França, foi apenas de 2000: é certamente demais; mas vai longe disso as exagerações dos protestantes e dos ímpios.

III. Agora que se há de pensar desta asserção que o próprio Carlos IX, na manhã de São Bartolomeu, de uma janela do Luvre, tenha atirado contra os protestantes. Essa afirmação de Brantôme e, acrescenta ele ainda que o mosquete do rei não podia alçar o alvo. D’Aubigné, de Thou, o duque de Anjou na sua narrativa a Miron, em suma, nenhum dos contemporâneos fala desse pormenor. O testemunho de Brantôme é consideravelmente informado: (1) pelo fato, por ele próprio confessado, que se achava a mais de cem léguas de Paris; (2) por este trecho de um panfleto protestante de 1579, Le tocsin contre les massacreurs: “Nesta circunstância, o rei não popava sua pessoa; não que ele próprio manchasse as mãos com o sangue, mas porque ordenava que lhe trouxessem os nomes dos mortos e dos presos”; (3) a janela do Louvre, e, que a comuna de Paris (1793) decretou que seria colocado um cartaz inflamada, em memória de Carlos IX atirando contra o povo, não existia no tempo desse rei: aquela parte do Louvre foi construída só no fim do reinado de Henrique IV.

Eis, portanto, reduzido às proporções da verdade histórica o que foi o massacre de São Bartolomeu.

Fica pois provado e é do domínio da história que nem o papado, nem o partido religioso, que compreendia então a maior parte da nação, não podem ser em nada responsáveis de um acontecimento que não prepararam e ao qual não foram associados a não ser por atos isolados, individuais, de alguns católicos ardentes que conservam a responsabilidade pessoal do que fizeram.

2º A questão de premeditação, tantas vezes invocada, não pode ser admitida por um espírito sério e leal: seria incriminar as intenções, por meio de suposições e conjecturas perfeitamente gratuitas.

3º É demonstrado que o Maryrologio mesmo é suspeito de erro em muitos pontos, exagerou o total das vítimas e, aos números extravagantes citados por historiadores levados pelo preconceito, é permitido opor cálculos mais equitativos que reduzem as vítimas a dois ou três mil. Certamente este número, por restrito que pareça, é ainda muito grande e permanece como uma mancha sangrenta na história francesa, estigmatizando a fronte de Catarina de Medicis e de Carlos IX com um ferrete tanto mais odioso que o atentado foi decidido em conselho do governo.

Contudo, é permitido concluir com um escritor protestante da Inglaterra: “Não se deixem ofuscar os leitores atentos, diz Cobbet, pelas declamações filantrópicas e filosóficas, nas quais a palavra São Bartolomeu produz sempre um tão admirável efeito. Lembrem-se que na época de que falamos, Isabel, chegada ao décimo quarto ano de seu rei nado, fez assassinar um número de seus súditos, por terem permanecidos fiéis à fé de seus pais, muito maior do que o total de protestantes que suncubiram no tumulto da São Bartolomeu.” [1]



Notas

[1] Cartas sobre a Reforma, carta X.

-

Nesses últimos tempos, apareceram numerosos e sérios trabalhos sobre esta importante questão histórica. Entre os autores mais conhecidos, citemos: na Inglaterra, Henrique White; na Alemanha, Leopoldo Ranke, Raumer e Soldan; na Itália, Eugênio Alberi ou P. Theiner; na França, Henrique Martin, Alfredo Maury. Boutaric, o visconde de Meaux; todos unânimes, sem ter entrado em acordo, demonstram que o crime da São Bartolomeu, reprovado igualmente por todos, tinha pelo menos a desculpa de não ter sido premeditado. Capefigue no seu livro, la Réforme et la Ligue, prova a mesma verdade; de Falloux (Correspondant, 1883 e 1885) mostrou que aquele deplorável acontecimento pertence exclusivamente à política e não a Religião; enfim, Carné, na Revue des Deux-Mondes (1845), Jorge Gandy, num primeiro estudo sobre a São Bartolomeu, suas origens e seu verdadeiro caráter (nos de julho e outubro de 1866 na Revue des questions historiques, t. I), e numa apreciação do livro do senhor de la Ferrière sobre a mesma questão (Revue des questions historiques, t. XLI, abril de 1892); e G. Baguenault de Puchesse (mesma Revista, t. XXVII, janeiro de 1880), livraram igualmente da censura de premeditação e cilada Catarina de Medicis e Carlos IX. Aos olhos da sã crítica, pode-se dizer que a luz está feita sobre este triste acontecimento do século XVI. Achar-se-á a questão longamente tratada no livro do padre Lefortier, la Saint-Barhélemy et les premières guerres de religion em France (1879), e um excelente resumo na brochura de Henrique Hello, la Saint-Barthélemy (1899).




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