sábado, 18 de julho de 2015

A Noite de São Bartolomeu - PARTE 3 - São Bartolomeu foi um ato de proscrição política.

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV.

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III– São Bartolomeu foi um ato de proscrição política.

I. A culpabilidade pessoal de Coligny. II. O massacre não foi premeditado. III. Massacres nas províncias.

I. As virtudes guerreiras de Coligny, a apologia que Voltaire fez deste personagem, e o culto que lhe dedicaram os protestantes, fizeram por demais esquecer suas ofensas contra o rei, contra a pátria e contra a religião. Pegando em armas contra o Estado, Coligny tornara-se criminoso de lesa-majestade. A prova de sua rebelião não interrupta acha-se no Diário de suas receitas e despesas, por onde se vê que esbulhou os súditos do rei para mover guerra contra o monarca; nos papéis do almirante, onde se podem ler suas conspirações; nas Memórias de Villeroy, de Brantôme, de Tavannes e de Montluc. Percorrendo-as, ficar-se-á persuadido que Coligny se tornará insuportável a Carlos IX e a Catarina de Medicis, ao mesmo tempo que se declarava o inimigo encarniçado dos Guises, o cumplice e  o instigador de Poltrot, assassino do duque, cuja morte tanta alegria lhe causara... Por certo, depois de tantos motivos de queixa, não é necessário procurar na religião um pretexto para esta proscrição inteiramente política [1].

Julgamos suficiente porém lembrar as últimas circunstâncias que precipitaram o desfecho de uma crise tão longa.

“Durante os reinados de Francisco II e de Carlos IX (1560-1574), Catarina de Medicis - que de fato governava o reino – introduziu, na direção dos negócios, um maquiavélico e perigoso sistema de balança, que consistia em enfraquecer uns pelos outros, por meio da astúcia ou da força, tanto os defensores como os inimigos do Catolicismo, sistema impossível e aliás perigoso; impossível, porque em parte alguma as ideias de conciliação e tolerância em matéria de religião eram aceitas; perigosíssimo, pois a força de poupar ou favorecer os partidos contrários, acabava-se fatalmente por congrega-los contra si mesmos, por originar reações violentas e não ter outro meio de sair da confusão e do caos senão as catástrofes[2]”.

Esta política de partido intermediário manifestara-se no colloquio de Poissy (1561). Inspirou o edito de janeiro de 1562 que assegurava aos reformados o livre exercício de seu culto, permitindo-lhes as predicas fora das cidades. Fiel a esta mesma política, a rainha não assina, em 1570, a paz de São Germano, que concedia tais vantagens aos protestantes que os católicos, logo em seguida Às suas vitórias de Jarnac e de Moncontour, se julgaram traídos. Quatro cidades fortificadas estavam entregues aos protestantes por dois anos; ficavam admitidos a todos os empregos, de modo que se pôde dizer que “a realeza capitulou como um vencido”.

O almirante Coligny triunfava com todas aquelas concessões; o rei o temia e era influenciado por ele, a tal ponto que Catarina de Medicis ficara apavorada com o ascendente do almirante. É então que a situação veio a complicar-se com um projeto de guerra contra a Espanha, guerra cuja realização muito se empenhava Coligny. A ela, porém, se opunha a rainha mãe. Desesperada por ver que o almirante era mais rei do que o rei, armou o braço de um assassino.

Em 22 de agosto de 1572, ao voltar do conselho, Coligny recebeu um tiro de bacamarte. O almirante foi somente ferido, Carlos IX o visita, consola, jura vinga-lo. Por outro lado, os protestantes ficam furiosos e vomitam ameaças. Catarina de Medicis resolve uma vingança mais completa. No conselho efetuado no dia seguinte, com o duque de Anjou e alguns chefes católicos, foi decidida a morte do almirante e de seus principais aderentes. Depois, tomada esta decisão, a rainha mãe foi ter com Carlos IX e mostrou-lhe o perigo iminente a que ia ficar exposto se não fizesse matar Coligny e os chefes do partido protestante. Assustado, exasperado, o rei declara que quer a morte não só de alguns protestantes, mas de todos. É assim que o massacre geral foi exigido e ordenado pelo rei. É verdade que no dia seguinte, 24 de agosto, quando às duas horas da madrugada, o dobre do sino deu o sinal, o rei, por uma contra-ordem, proibiu o massacre geral e até a morte de Coligny. Mas já era tarde: o sangue e a morte corriam pelas ruas da capital, onde a carnificina durou três dias [3].

II. Muito se discutiu a questão de saber se o massacre fora premeditado ou se foi resolvido subitamente. Os autores protestantes, para pintar a perseguição com cores mais negras, não deixaram de afirmar que a matança era preparada desde muito tempo. “Os panfletos contemporâneos fazem mesmo remontar a decisão até a entrevista de Bayonna, em 1565; alguns escritores, à paz de São Germano, 8 de agosto de 1570[4].

Outros autores, e partilhamos sua opinião, querem que a resolução não tenha sido tomada, se não no dia precedente, de tarde. Estes têm a seu favor: 1º o testemunho da rainha Margarida, esposa do rei de Navarra (mais tarde, Henrique IV); o 2º de Tavannes que, nas suas Memórias, afirma que se lançou mão dessa medida só em consequência dos receios que inspiravam os chefes dos protestantes, depois da ferida de Coligny (22 de agosto de 1572); 3º o do duque de Anjou, irmão de Carlos IX (e seu sucessor, sob o nome de Henrique III), relatado por seu médico Miron. Este descreve o conselho reunido em 23 de agosto, no qual a rainha Catarina de Medicis fez prevalecer o seu desígnio de matar Coligny, e o rei, numa grande cólera, propôs o massacre de todos os protestantes da França; 4º Esta opinião tem a seu favor a autoridade de Brantôme, e La Popelinère e de Mathieu, autores contemporâneos; 5º Enfim a crítica moderna, após estudo dos diversos documentos históricos, apega-se de preferência ao mesmo parecer. “Todas essas atestações, escreveu Banguenault de Puchesse, são concordantes e naturais, enquanto é preciso recorrer a suposições muito improváveis para sustentar a tese da dificílima preparação de um acontecimento no qual o acaso tem um papel muito mais preponderante do que o cálculo”[5].

Resumindo os testemunhos dos embaixadores da época, Cavali, Walsingham, o núncio Salviati, Cuniga, outro sábio crítico, Jorge Gandy, conclui assim: “Chega; a falta de premeditação que esses testemunhos e muitos outros afirmam é provada até a evidência”[6].
Acrescentemos quão pouco verosímil é que essa resolução tenha ficado secreta durante sete anos, como o querem os protestantes que a fazem remontar à entrevista de Bayonna e, pelo contrário, quanto se harmoniza melhor o conjunto dos fatos com a opinião de uma determinação súbita, que deixa  tudo por conta do imprevisto e do furor das paixões populares.

III. Massacres se deram também nas províncias, em diversas cidades e em épocas diferentes: em Meaux, em 25 de agosto; em La Charité, em 26; em Orleans, em 27; em Angers e Saumur, em 29; em Lyão, em 30; em Troyes, em 4 de setembro; em Burges, em 15; em Ruão, em 17; em Romans, em 20; em Tolosa, 23; em Bordéus, somente em 3 de outubro e em Poitiers, no dia 27.

A respeito desses massacres, apresenta-se logo esta questão: pelo rei terão sido dadas ordens para estender às províncias as sangrentas execuções que se realizaram na capital? Os historiadores não estão de acordo. Segundo certos, a palavra escapada a Carlo IX, num momento de cólera, deve ser tomada ao pé da letra, e suas ordens secretas foram mandadas aos governadores das províncias, pedindo-lhes uma proscrição geral dos hereges. É a opinião dos protestantes Papyre-Masson, Davila, Maimbourg, acompanhados pelos adversários do Catolicismo. As Memórias do Estado da França afirmam que ordens neste sentido foram igualmente expedidas aos governadores das cidades.
Durante certo tempo foi de uso entre os defensores da Igreja negar essas asserções. Mas hoje seria difícil pretender que Carlos IX não tenha enviado ordem alguma. Sua correspondência já publicada, insere em 27, 30 e 31 de agosto, cartas que se diz que retira mandados verbais que o receio de sinistros acontecimentos pudera decidir a transmitir ao governador de Lyão, assim como a outros governadores e tenentes regionais.

Depois disso, não é muito possível duvidar da existência de certas ordens verbais expedidas nas províncias, quer pelo próprio rei, quer em nome dele pelos cortesões.

Agora, vem a propósito outras perguntas: em que momento foram dadas aquelas ordens? Estendiam-se a todo o reino? Qual era o seu teor? Pode-se atribuir-lhes os massacres dos protestantes efetuados nas províncias. Aqui também diferem as respostas com os autores.

1º Os historiadores que pretendem que São Bartolomeu foi uma coisa preparada desde muito tempo, foram obrigados, para ser consequentes, a sustentar que aquelas comunicações foram mandadas antes dos massacres de Paris. Para os partidários da opinião mais acreditada e verosímil, que não houve premeditação, é claro que não pôde haver ordens dadas muito tempo antes da execução. A resolução do massacre tendo sido tomada só na tarde de 23 de agosto, é nesse mesmo dia e uma hora bastante avançada, que o rei esteve no caso de dar suas instruções de viva voz a alguns fidalgos que estavam presentes.

2º As ordens verbais não foram expedidas a todos os governadores das províncias. O autor pouco suspeito das Memórias do Estado da França o atesta, dizendo ele mesmo que essas ordens “foram despachadas aos governadores das cidades notáveis onde havia numerosas pessoas da região”.
3º Eram as ordens despidas de toda a compaixão, prescrevendo a morte de todos os hereges, como o querem os escritores partidários de uma carnificina universal? À primeira vista, seria para estranhar que Carlos IX, que, em paris, não queria tirar a vida se não dos principais chefes, tenha ordenado nas províncias um massacre geral. Mas, a deposição de Tavannes e a do Martyriológio dos protestantes concordam neste ponto que o rei queria ferir só “os chefes dos facciosos” Se, numa efervescência popular, as execuções foram além, devem-se responsabilizar as paixões excitadas e aquele furor brutal que se manifesta em todas as arruaças.

4º Enfim, a verdade histórica obriga a reconhecer que aquelas ordens orais, de qualquer natureza que tenham sito, foram revogadas quase logo que foram dadas. Desde o dia 24 de agosto, Carlos IX se apressou em escrever a todos os governadores das províncias para lhes transmitir novas instruções. Nelas lê-se textualmente: “Tanto mais que é grandemente para recear que semelhante execução levante meus súditos uns contra os outros e se façam grandes matanças em meu reino, de que eu teria extremo pesar, rogo-vos fazer publicar por todos os lugares de vosso governo que cada um tenha que ficar sossegado e em segurança na sua própria casa, e veja a não pegar em armas e a não ofender a ninguém, sob pena de vida[7];

Portanto, se o sangue correm em diversos pontos do reino, é preciso concluir que foi anterior ou contrariamente às instruções escritas e positivas do rei.

Notas

[1] -  Para mais informações, consultar a obra do padre Lefortier, La Saint-Barthélemy. O estudo desta questão, por Jorge Gandy, na Reuve des questions historiques, t. I, 1866.
[2] – Ver a obra de Carlos Buet, l’Amiral de Coligny et les guerres de religion au XVI siècle, um estudo sobre o Caractère de Coligny por D. d’Aussy (Revue des questions historiques, t. XXXVIII, julho de 1885, e o bem documentado trabalho do barão Kervin de Lettenhove, les huguenots et les Guerres, 6 vol. Publicados de 1883 a 1885.
[3] – Reuve des questions historiques, loc. cit., 1866.
[4] – A narrativa que damos é o resumo muito breve do extenso trabalho publicado na Revue des questions historiques, t. I.
[5] – Henrique Bordier, no seu livro la Saint-Barthélemy et la critique moderne (1879), esforça-se por fazer prevalecer esta opinião, aliás pouco fundada; porque a paz de São Germano oferecia demasiadas garantias ao partido protestante para não parecer uma verdadeira conciliação. – Heitor de la Ferrière, no seu livro la Saint-Barthélemy; la veille, le jour, le lendemain (1892), refere diversos testemunhos favoráveis a uma premeditação.
[6] – Baguenault de Puchesse, la Saint-Barthélemy, questions controverses (2º série), publicadas pela Sociedade Bibliográfica.

[7] – Jorge Gandy, la Saint-Barthélemy, segundo a recente obra de Heitor de La Ferrière; Revue des questions historiques, t. XLI (fascículo de abril de 1892).




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