quarta-feira, 14 de outubro de 2009

(Aborto) Sócrates e Herodes debatem.

Por Peter Kreft


Herodes: Eles [os pró-vida] alegam saber o que de fato não sabem: que o feto é uma pessoa humana desde o momento da concepção.

Sócrates: E você? Você não declara saber o que não sabe?

Herodes: Não. Essa é minha vantagem e minha sabedoria. Não alego saber o que não sei. Eles sim. Eles são os dogmáticos. Os teólogos, filósofos e cientistas discutiram a respeito disso por muitos anos sem acordo. É dogmatismo claro algém reinvindicar certeza desse ponto polêmico. Simplesmente não sabemos quando o feto se torna uma pessoa humana. Qualquer um que declara saber é tolo porque alega saber o que não sabe.

Sócrates: Você não sabe se o feto é uma pessoa, certo?

Herodes: Certo.

Sócrates: E o teu trabalho aqui é matar fetos, certo?

Herodes: Sócrates, eu continuo chocado com a linguagem que você resolve usar. Eu aborto gravidez indesejada.

Sócrates: Matando fetos ou fazendo outra coisa qualquer?

Herodes: (Suspiro...) Matando fetos.

Sócrates: Sem saber se são pessoas ou não?

Herodes: Oh, bem...

Sócrates: Você disse instantes atrás que não sabia quando o feto se tornava uma pessoa. Você sabe agora?

Herodes: Não.

Sócrates: Então você mata fetos sem saber se eles são pessoas ou não?

Herodes: Se tem de ser colocado dessa forma.

Sócrates: Ora, o que você diria de um caçador que atira quando vê um movimento brusco nos arbustos, sem saber se é uma corça ou outro caçador? Você o chamaria de sábio ou tolo?

Herodes: Está dizendo que eu sou assassino?

Sócrates: Estou somente fazendo uma pergunta de cada vez. Devo repetir a pergunta?

Herodes: Não.

Sócrates: Então você vai respondê-la?

Herodes: (Suspiro...) Tudo bem. Esse caçador é um tolo, Sócrates!

Sócrates: E porque é um tolo?

Herodes: Você não me dá sossego, não é?

Sócrates: Não. Você não diria que ele é tolo porque alega saber o que não sabe, isto é, que é só uma corça no arbusto, e não seu companheiro de caça?

Herodes: Suponho que sim.

Sócrates: Ou suponha que uma companhia fosse fumigar um prédio com um produto químico altamente tóxico para matar algumas pragas e você fosse responsável por evacuar o edifício primeiro. Se você não tivesse certeza de haver pessoas no edifício e mesmo assim desse ordem para fumegar, esse seu ato seria sábio ou tolo?

Herodes: Tolo, obviamente!

Sócrates: Por quê? Não é porque você estaria agindo como se soubesse algo que realmente não sabe, isto é, que não havia pessoas no edifício?

Herodes: Sim.

Sócrates: E agora, você, doutor. Você mata fetos – por quaisquer que sejam os meios, não importa; poderia ser com revolver ou veneno. E você diz que não sabe se eles são pessoas humanas. Isso não é agir como se você soubesse o que não sabe? Não é uma insensatez – na verdade, o cumulo da insensatez, em vez de sabedoria?

Herodes: Eu suponho que você quer que eu diga mansamente: “Sim, de fato, Sócrates. Qualquer coisa que você diga é certa, Sócrates...”.

Sócrates: Você pode se defender desse argumento?

Herodes: Não.

Sócrates: Esse argumento o devorou como um tubarão, do mesmo modo que você devora os fetos.



Pensem nisso.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Origens Cristãs e a Ressurreição de Jesus: A Ressurreição de Jesus como um Problema Histórico

Por N. T. Wright

Prólogo


A questão da ressurreição de Jesus mente ao coração da fé cristã. Não existe uma forma do Cristianismo primitivo conhecida por nós que não afirme que depois da vergonhosa morte de Jesus, Deus o ergueu à vida novamente. Essa afirmação é, particularmente, a constante resposta do Cristianismo anterior a uma das quatro questões-chave sobre Jesus, que deve ser levantada por todos os historiadores sérios do primeiro século. Eu já tenho respondidas as primeiras três dessas questões, a saber: “qual era a relação de Jesus com o Judaísmo?”, “quais eram seus alvos?”, “por que ele morreu?”. A quarta questão é essa: admitindo o acima mencionado, por que o Cristianismo surgiu e tomou a forma que tomou? Para essa questão, virtualmente todos os cristãos primitivos conhecidos por nós deram essa mesma resposta: “Ele foi ressuscitado dentre os mortos”. O historiador deve, portanto, investigar o que eles queriam dizer com isso e o que pode ser dito por meio da observação histórica.

Nessa primeira palestra eu examinarei o amplo problema histórico. Então eu farei um esboço sobre a crença da ressurreição mantida dentro do Judaísmo do Segundo Templo, e em seguida, olhar para a forma do Cristianismo primitivo para examinar como o último movimento cresceu a partir do anterior. Na segunda palestra nós nos aproximaremos de algumas das evidências detalhadas olhando para as reivindicações do movimento Cristão primitivo como refletido nos textos-chave. Na palestra final eu proponho usar uma narrativa particular da ressurreição, essa de Luke, como um ponto de partida para responder a questão: que força a mensagem da ressurreição tem para dizer ao mundo e à igreja como devemos enfrentar o desafio pós-moderno nos anos finais do segundo milênio? Assim, as três palestras trabalham da seguinte maneira: na palestra atual eu esboçarei uma grande figura das origens cristãs e argumentarei que apenas a ressurreição corpórea de Jesus pode explicá-las. Na segunda eu examinarei os textos detalhados que falam desse evento. Na terceira eu avançarei do Caminho de Emaús no primeiro século para o Dover Beach de Matthew Arnold no décimo nono ao vigésimo.

Meu tema para o momento, então, é apresentar o argumento histórico que resulta da observação do Judaísmo do primeiro século, por um lado, e o Cristianismo do primeiro século, por outro. Encontramo-nos, por assim dizer, contemplando dois pilares em cada lado de um rio largo. Pelo estudo de ambos e a relação entre cada um, devemos ser capazes de organizar que tipo de ponte pode uni-los. O Cristianismo emergiu do Judaísmo, mas como isso aconteceu? Como irmos de uma margem do rio à outra?


Ressurreição como Entendida no Judaísmo do Segundo Templo


Como a esperança da ressurreição funcionou dentro da visão do mundo do Judaísmo? E onde a ressurreição se encaixou nas crenças do Segundo Templo judeu sobre vida após a morte em geral?

A esperança da ressurreição começou no Judaísmo não como um dogma, mas como uma história – a história do exílio e restauração de Israel. A primeira passagem óbvia a qual encontramos está em Ezequiel 37:1-14, a visão do vale dos ossos secos. Ali a esperança da restauração de Israel é expressa nos termos da vívida, quase surreal, metáfora dos ossos secos voltando à vida, adquirindo carne, tendões e, finalmente, respiração. O contexto deixa claro que essa imagem denota retorno do exílio, também por meio dos capítulos anteriores, estabelece-se uma série de conexões, tal como um resgate limpando, e (particularmente) renovando a aliança. O mesmo é verdadeiro, indiscutivelmente para a difícil passagem de Isaías 26:16-21. A ressurreição começa a vida, em outras palavras, como uma metáfora para o retorno do exílio e de tudo o que aconteceu com a esperança de Israel por isso.

Mas a história que foi dita pelos judeus do Segundo Templo através do dia de Jesus nunca sugeriu que o retorno real tinha realmente acontecido. Ninguém supôs que as profecias de Isaías e Ezequiel ainda seriam cumpridas. Os judeus do Segundo Templo ainda viviam no mundo narrativo de exílio e restauração. Nessa narrativa, exílio se focou em certos pontos do sofrimento dos mártires, e ressurreição se focou em sua reivindicação. Nesse contexto nós devemos adicionar Daniel 12 e, particularmente, 2 Macabeus, com sua conta horrível de mártires que irritam seus torturadores, assegurando-lhes que eles, os mártires, receberão de volta pelo Deus de Israel os corpos físicos que agora estão sendo dilacerados (e.g., 2 Mac 7:1-23).

Esse é um desenvolvimento do mundo metafórico de Ezequiel 37 – não de um afastamento dele. O exílio continua, e no início do segundo século ele tomou a forma de opressão brutal pelo paganismo sírio. A esperança, então, era que o Deus de Israel restauraria seu povo, e que aqueles que morreram na luta, leais a ele e à sua Torá, seriam levantados dos mortos para compartilhar a eventual restauração. Assim também, após a queda de Jerusalém em 70 d.C. se intensificou o sentimento de exílio, quase insuportável; encontramos Esdras 4:7 articulando uma esperança semelhante. O mesmo é verdade, sempre que lhes datamos, de Enoque 1 e Baruque 2. Subjacente a todas estas histórias, é claro, é a crença inabalável de judeus na justiça do Deus único e verdadeiro.

Dois detalhes importantes devem ser mencionados aqui. Primeiro, sabemos por Josefo (Guerra 2:163; Ant. 18:14) e pelo Novo Testamento (Atos 23:7-8) que poderíamos ter adivinhado a partir dos rabinos mais tarde, a saber, que a ressurreição foi uma característica importante da teologia farisaica. Mas nós precisamos lembrar que nos dia de Jesus e de Paulo a maioria dos fariseus eram o que poderíamos chamar de ala revolucionária do judaísmo, mais para a restauração de Israel. A ressurreição funcionou para os fariseus, não como uma doutrina abstrata sobre o que acontece com o povo de Deus (ou a qualquer pessoa) após a morte, mas como uma declaração sobre a grande volta do destino de Israel, que em breve ocorreria, e sobre o fato de que quando esse evento acontecesse aqueles que tinham sido fiéis a Torá, mas tiveram que morrer antes do tempo seriam erguidos para compartilhar as bênçãos dos tempos que viriam. A crença farisaica, em outras palavras, deve ser visto como um desenvolvimento da mesma história subjacente que vemos em Daniel e 2 Macabeus.

O segundo detalhe a ser mencionado diz respeito ao livro conhecido como Provérbios de Salomão. Ele tem sido usado há muito tempo entre os estudiosos para declarar que este livro simplesmente ensina a imortalidade da alma e não a ressurreição. Os versos de abertura do capítulo três são cotados para esse efeito:

As almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento nunca vai tocá-los. Aos olhos dos insensatos pareciam ter morrido, e sua partida foi pensada para ser um desastre, e eles partem de nós à sua destruição; mas eles estão em paz. (3:1-3.)

No entanto, a passagem continua alguns versos mais tarde:

No tempo da sua visitação resplandecerão, e correrão como centelhas através da palha. Governarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre. (3:7-8.)

Esses judeus justos que foram mártires nas mãos dos pagãos estão no presente em paz, seguros com Deus, mas a imortalidade da alma é apenas o prelúdio de sua ressurreição, e serão definidos com autoridade sobre os reinos da terra, dentro de um reino de Deus. Essas propostas de passagens, além dos outros elementos que consideramos brevemente, são um relato do que acontece com os justos mortos no intervalo entre sua tortura e morte e sua ressurreição: suas almas são cuidadas depois disso por Deus.

A ressurreição pertence, então, à cosmovisão revolucionária do Judaísmo do Segundo Templo. Qual parte é representada dentro da esperança judaica para a vida após a morte? Havia dentro do judaísmo um espectro considerável de crença e especulação sobre o que acontecia às pessoas mortas em geral, e para os judeus mortos, em particular. Num final, foram os saduceus que parecem ter negado qualquer doutrina da existência post-mortem (Marcos 12:18; Josefo, Guerra 2:165). Em outro foram os fariseus, que afirmaram uma futura existência encarnada, e que pareciam ter, pelo menos, começado a desenvolver teorias sobre como as pessoas continuariam a existir no intervalo entre a morte física e a ressurreição física. E há opções adicionais. Alguns textos falam de almas em alegria desencarnada; alguns especulam sobre almas como seres angelicais ou astrais, e assim por diante. Não podemos, então, simplesmente afirmar que os gregos acreditavam na imortalidade e os judeus na ressurreição. As coisas nunca foram assim tão simples.

A razão pela qual os saduceus eram contra, não só à ressurreição, mas a qualquer noção de vida após a morte é muito interessante. Primeiro, eles insistiam que as tradições não continham essa doutrina ultramoderna e que a ressurreição não era ensinada na própria Torá. Mas eles foram além. A ressurreição era uma doutrina revolucionária, que tinha a ver com crenças firmemente mantidas sobre o clímax vindo da história de Israel. Seria exatamente o tipo de coisa, do ponto de vista saduceu, que aqueles fariseus de classe baixa mais problemáticos adotariam para sustentar seus sonhos revolucionários sobre a derrubada da ordem existente e o estabelecimento do reino de Deus. O principal objetivo dos saduceus não era garantir sua própria sobrevivência pessoal em uma vida futura, mas negar uma doutrina que lhes parecia (e com razão) constituir uma ameaça para a sobrevivência de seu poder dentro da ordem atual e dentro de qualquer mudança que viria por aí.

Eu falei antes sobre o estado intermediário entre a morte e a ressurreição. Como acabamos de ver, Provérbios de Salomão falou sobre as almas dos justos estarem na mão de Deus, até o dia em que eles subirão novamente e reinarão sobre as nações e reinos. Alternativamente, se pensava que os mortos, ou pelo menos os justos mortos, continuariam a viver, antes da sua ressurreição em um estado comparável ao dos anjos ou espíritos. Neste contexto, em adição a vários textos judeus não-cristãos, é interessante notar uma passagem em Atos que aponta precisamente esse sentido. Quero dizer sobre a cena maravilhosamente desenhada em Atos 12, em que a criada Rode ouve Pedro batendo à porta e falando com ela e, em vez de abrir a porta, ela corre e diz à comitiva montada. Eles dizem, interessantemente, "deve ser o seu anjo”. Assumem que Pedro foi executado na prisão, que ele entrou no estado desincorporado entre a morte e a ressurreição, e que desta forma ele lhes pagou uma espécie de visita post-mortem que várias pessoas em várias culturas tinham experimentado quando alguém perto deles havia morrido recentemente. Tal visita é inteiramente compreensível em termos do “anjo” pessoa.

Meu ponto aqui é que os judeus nesse período tinham idéias razoavelmente bem desenvolvidas sobre um estado intermediário, ou pelo menos uma série de conceitos e vocabulário à mão com os quais se referiam a ele. Claro que, se alguém não acredita na ressurreição final, acreditando em vez disso em uma imortalidade contínua desencarnada, que um fariseu consideraria como um estado intermediário, pode pensar como sendo um estado final. Mas, se um judeu do primeiro século dissesse que alguém havia sido "ressuscitado dos mortos", a única coisa que não queria dizer era que essa pessoa tinha ido a um estado de êxtase desencarnado, e não queria descansar para sempre ou esperar até o grande dia da reincorporação.

Isto pode ser facilmente testado, perguntando se alguém, em 150 a.C., que acreditava apaixonadamente que os mártires macabeus eram verdadeiros e justos israelitas, ou alguém em 150 d.C., que acreditava que Simeon ben-Kosiba era o verdadeiro Messias (se algum tal existiu), teria dito que eles, ou ele, tinham sido ressuscitados dos mortos, pretendendo com esta afirmação indicar simplesmente que sua causa foi realmente justa e que eles estavam vivos em um lugar de honra na presença de Deus. A resposta é óbvia. Alguém na posição que temos descrito poderia muito bem ter dito que os mártires, ou ben-Kosiba, estavam vivos na forma de um anjo ou um espírito, ou que suas almas estavam na mão de Deus, mas não teriam sonhado em dizer que já tinham sido ressuscitados dos mortos. Ressurreição significa incorporação; mais, implica que a nova era amanheceu. Ninguém sugeriu que os mártires foram reincorporados. Ninguém sugeriu que a nova era amanheceu, exceto é claro, os cristãos, que serão o meu ponto em poucos minutos.

Não houve, então, nenhuma única universalmente aceita e comumente articulada esperança do Segundo Templo judeu para o futuro. Porém, com isso é provável que a crença farisaica, sua maneira de contar a história, era popular com um bom número de judeus. Seja como for, por mais amplo que o espectro possa ter sido e por mais posições diferentes que os judeus tenham assumido, "ressurreição" sempre denota uma posição dentro desse espectro. "Ressurreição" não era um termo para "vida após a morte" em geral. Ela sempre significou reincorporação.


Os Primórdios do Cristianismo


Tendo examinado muito brevemente um elemento do enigma histórico, o pilar da margem do rio judaico, agora devemos voltar nossa atenção para a outra margem, o pilar cristão primitivo. Então, ao olhar para os dois pilares em conjunto, devemos estar em posição de avaliar que tipo de ponte pode conseguir ligar de forma concebível as duas estruturas ao mesmo tempo tão semelhantes e ainda tão diferentes.

Há três aspectos a este inquérito. O cristianismo começou como um movimento do reino de Deus, como um movimento messiânico, e como um movimento da ressurreição. Em cada caso, isso representa um enigma considerável para o historiador. Ao considerar cada um destes três aspectos, o meu argumento vai cair em três etapas. Primeiro, examinarei a maneira pela qual o cristianismo começou como um movimento do tipo em questão. Segundo, revisitarei o judaísmo para indagar o que esses movimentos aparentavam e o que eles esperavam. Terceiro, mostrarei que as diferenças marcantes entre os movimentos relevantes no Judaísmo e o movimento aparentemente equivalente no Cristianismo são tais que exigem um tipo particular de explicação.


O Movimento do Reino de Deus


As três etapas neste caso particular podem ser resumidas como segue: primeiro, o Cristianismo primitivo surgiu como um movimento do reino de Deus. Segundo, o reino de Deus no judaísmo tinha certos significados especiais. Terceiro, uma vez que estes certamente não tinham vindo a transpor, nós devemos indagar por que os primeiros cristãos disseram, no entanto, que o reino de Deus tinha de fato sido trazido para a Terra.

Primeiro, então, o Cristianismo primitivo pensava nele mesmo como um movimento do reino de Deus (Marcos 1:14-15). Já no tempo de Paulo a expressão "reino de Deus" e seus equivalentes tornaram-se mais ou menos um atalho para o movimento, o seu modo de vida, e sua razão de existência "(Romanos 14:17; 1Cor. 4:20, 6:9-10, 15:50; Gal. 5:21; 1 Tessalonicenses. 2:12). Já é tecida na estrutura do pensamento cristão primitivo. A maneira como Paulo a usa mostra que ela é invenção comum dentro do cristianismo primitivo e que pertence ao mundo judaico do qual falei. Os primeiros cristãos contaram a história do reino como sua própria história. Eles reordenaram suas vidas – no caso dos ex-pagãos, bastante drasticamente – em torno do novo universo simbólico em que a esperança judaica que dizia que não haveria "nenhum rei, mas Deus" tinha se tornado realidade por meio de Jesus, o Messias. Eles se engajaram em uma práxis que afirmava que havia uma maneira diferente de ser humano, de forma a responder às reivindicações deste reino. Esta é a primeira etapa desta primeira fase de meu argumento.

O segundo passo é, então, considerar o que "reino de Deus" significava no judaísmo (um grande tópico é claro, que podemos apenas resumir aqui breve e inadequadamente). No judaísmo a vinda do reino de Deus significava o fim do exílio de Israel, a queda de um império pagão e a exaltação de Israel, e o retorno de YHVH a Sião para julgar e salvar. Estes são os motivos que surgem dessa grande profecia do reino em Isaías 40-55, e de numerosos salmos e outras partes das escrituras hebraicas. E, como Josefo deixa claro, no dia de Jesus a convicção de que seu "único Rei e Senhor" era Deus foi uma marca particular dos revolucionários (Ant. 18:23).

Para o Segundo Templo judeu, então, a vinda do reino não era sobre uma experiência existencialista privada ou gnóstica, mas sobre eventos públicos. No seu sentido mais estreito, era sobre a libertação de Israel. No seu sentido mais amplo, era sobre a vinda da justiça de Deus e da libertação de todo o cosmos. Assim, se você tivesse dito a um judeu do primeiro século, "o reino de Deus está aqui", e tivesse se explicado falando de uma nova experiência espiritual, um novo sentimento de perdão, ou uma reordenação emocionante de sua interioridade religiosa privada, ele ou ela poderiam muito bem ter dito que estavam contentes por você ter tido essa experiência, mas por que você se referia a ela como o reino de Deus? Esta, então, é a segunda etapa desta primeira fase do argumento.

O terceiro passo é colocar os dois juntos e perceber o contraste. É claro que, independentemente dos primeiros cristãos terem dito, o reino de Deus não veio da maneira que os judeus do primeiro século tinham imaginado. Israel não foi libertado, o Templo não foi reconstruído, e – olhando mais para o cosmos –, injustiça, dor e morte, estavam ainda em fúria. A questão se mantém, então: por que os cristãos primitivos disseram que o reino de Deus havia chegado?

Uma resposta obviamente seria esta: os primeiros cristãos mudaram o sentido da frase tão radicalmente que agora não se refere a um estado político de negócios, mas a um interno ou espiritual. Eles tinham tomado o sentido apocalíptico atual em seu mundo e o demitologizaram, dejudaizaram, espiritualizaram, ou helenizaram. Mas isso é simplesmente falso ao cristianismo primitivo. Os primeiros cristãos agiam como se o reino de Deus estilo judaico estivesse realmente presente: eles organizaram a sua vida como se realmente fossem pessoas retornadas do exílio, o povo da nova aliança. Quando falavam de uma nova realidade interna ou "espiritual", usavam a linguagem não do reino de Deus, mas do coração novo, a morada do espírito, e assim por diante.

A questão histórica é assim posta: o que na terra (e quero dizer na Terra) os teria provocado a agir, falar e pensar desta maneira? Por que, na verdade, eles não continuaram o tipo de revolução do reino que haviam imaginado que Jesus estava indo liderar? Como explicar o fato do cristianismo primitivo não ter sido nem um movimento nacionalista judeu, nem uma experiência existencial privada? Como explicar o fato de que é afirmado, a partir da cosmovisão judaica, que o eschaton tinha chegado, mesmo pensado que não parecia como eles imaginavam que seria? A resposta cristã primitiva foi, naturalmente, que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. Foi por isso que eles disseram que o reino havia chegado e que a nova era amanheceu.

Isto leva-nos para a segunda fase do argumento.


O Movimento Messiânico


Eu já argumentei que o Cristianismo foi desde os primórdios um movimento messiânico. Deixem-me resumir o caso como o primeiro passo nesta segunda etapa do meu argumento.

Para começar, as fontes cristãs mais antigas que possuímos falam de Jesus como Messias. De acordo com Atos, esta afirmação foi fundamental para a proclamação antecipada que Deus fez Jesus "igualmente Senhor e Cristo" (3:36). Quanto a Paulo, já argumentei que o messianismo de Jesus permaneceu central e explícito para ele. Mas mesmo se você insistir que, na época de Paulo, a palavra Christos havia se tornado apenas um nome próprio com algumas lembranças messiânicas distantes ligadas a ela, você não pode evitar a conclusão de que se o ex-fariseu Paulo, com trinta anos após a morte de Jesus, estava se referindo a Jesus como Christos – e especialmente se ele estava fazendo isso sem dar uma idéia ao sentido judaico dessa palavra –, só mostra como dentro da tradição mais antiga a idéia da messianidade de Jesus firmemente se apoderou. Como explicar tudo isso? Por que diziam que Jesus era o Messias?

Vários estudiosos há muito reconheceram que a ressurreição sozinha não pode explicar por que os primeiros cristãos pensavam em Jesus como o Messias. Se alguém além de Jesus tivesse ressuscitado dos mortos, não haveria razão para supor que ele ou seus contemporâneos pensavam nele como o Messias. Temos, portanto, que buscar a razão na realização messiânica de Jesus, crucificado como foi com a expressão "rei dos judeus" acima de sua cabeça. Em Jesus and the Victory of God, tenho argumentado que esta, por sua vez, obriga-nos a olhar mais para trás e ver algumas das principais ações simbólicas de Jesus, notavelmente a sua ação no Templo, e alguns de seus principais enigmas e parábolas, como sua messianidade tanto implícita quanto explícita. (Deixem-me enfatizar, em caso de confusão, que no Judaísmo do Segundo Templo a palavra "messias" não carregava conotações do que chamaríamos de "divindade”.) Novamente, mesmo se você discordar e quiser insistir que Jesus veio a ser pensado como Messias somente na sua ressurreição, isso, de qualquer forma, apertaria o parafuso do meu argumento mais ainda.

Meu ponto é – para passar à segunda fase nesta etapa do meu argumento – um judeu do primeiro século, diante da crucificação de um suposto messias, ou mesmo de um profeta que tinha tido seguidores significativos, normalmente não concluiria que essa pessoa era o Messias e que o reino tinha chegado. Ele ou ela, normalmente, concluiria que ele não era o Messias e que este não tinha vindo.

Houve, com certeza, muitas variações na crença messiânica judaica nesse período. Nenhuma delas previu um Messias que morreria às mãos dos pagãos. Pelo contrário, onde as expectativas judaicas de um Messias não existiam, eles regularmente possuíam um duplo foco. Em uma linha de tradição que se estendia de Davi a Bar-Kochba, incluindo os macabeus e Herodes, vemos que o rei teria que derrotar os pagãos, e que ele teria que reconstruir (ou pelo menos limpar) o Templo. As duas ações, é claro, seriam feitas juntas: enquanto os pagãos mantivessem-se invictos, YHVH não haveria retornado a Sião, presumivelmente porque a casa não estava pronta. Se um Messias foi morto pelos pagãos, especialmente se ele não tivesse reconstruído o Templo ou libertado Israel, isso era o mais seguro sinal de que ele era outro na longa linha de falsos messias.

De fato é claro o seguinte: se o Messias que foi seguido foi morto pelos pagãos, você estava encurralado com uma escolha entre dois cursos de ação. Você poderia desistir da idéia de revolução e abandonar o sonho de libertação. Alguns foram por esse caminho sobretudo, naturalmente, o movimento rabínico como um todo depois de 135 d.C. Ou poderia encontrar você mesmo um novo messias, se possível a partir da mesma família do último deplorado. Alguns foram nessa rota: testemunharam o movimento permanente, que decorreu de Judas, o Galileu em 6 d.C. para seus filhos ou netos na década de 50; a outro descendente, Menahem, durante a guerra de 66-70; e a outro descendente, Eleazor, que foi o líder dos desafortunados sicários em Masada em 73.

Mais uma vez, vamos ser claros. Se, após a morte de Simão bar-Giora, no triunfo de Tito, em Roma, ou se, após a morte de Simeão ben-Kosiba em 135, você tivesse afirmado que Simão, ou Simeão, era realmente o Messias, você provocaria uma resposta bastante acentuada da maioria judaica do primeiro século. Se, no meio da explicação, você dissesse que tinha tido uma forte sensação de Simão, ou Simeão, como se ainda estivesse com você, sempre lhe sustentando e lhe guiando, a mais gentil resposta que você poderia esperar seria que seu anjo ou espírito ainda estava se comunicando com você – não que ele havia ressuscitado dos mortos. Tanto quanto sabemos, os seguidores dos movimentos messiânico ou quase-messiânico do primeiro século eram fanaticamente comprometidos com a causa. Deles, de qualquer modo, poderia se esperar que sofressem de dissonância cognitiva depois da morte de seu grande líder. Em nenhum outro caso, no entanto, em todo o século antes de Jesus e no século após ele, não ouvimos falar de qualquer grupo judeu que dissesse que seu líder executado ressuscitou dos mortos.

Assim – e aqui está a terceira etapa da segunda fase do meu argumento –, uma vez que Jesus de Nazaré foi certamente crucificado como um rei rebelde, é extremamente estranho que os primeiros cristãos não só insistissem que ele era realmente o Messias, mas reordenassem sua visão de mundo, sua práxis, suas histórias, símbolos, e teologia em torno desta crença.

Eles tinham, depois de tudo, as duas opções normais abertas a eles. Eles poderiam simplesmente ter voltado à sua pesca, feliz por terem escapado de Jerusalém com vida. Eles poderiam ter mudado para um rumo diferente, desistido do messianismo (como fizeram os rabinos pós-135), e ido a alguma forma de religião privada, fosse a observação intensiva da Torá, gnose privada, ou alguma outra coisa. Eles claramente não fizeram isso. Qualquer coisa exceto algo como uma religião privada que fosse ao redor do mundo pagão dizer que Jesus era o Messias de Israel seria difícil de imaginar.

Igualmente, e talvez ainda mais interessante, poderiam ter encontrado eles mesmos um novo messias, entre parentes de sangue de Jesus. Esta opção não é, penso eu, normalmente considerada. Merece ser. Sabemos de várias fontes que os parentes de Jesus foram importantes e bem conhecidos na igreja primitiva. Um dos mais próximos, o seu irmão Tiago, embora não fizesse parte do movimento durante a vida de Jesus, na verdade, parece ter se tornado o principal em Jerusalém, enquanto Pedro e Paulo saíram em todo o mundo (Atos 12:17, 15:13, 21: 18; Gal. 1:19, 2:9). Tiago era considerado na igreja primitiva a pessoa central, geográfica e teologicamente. No entanto – e esta é a pista principal, como o cão de Sherlock Holmes que não latiu na noite – ninguém no Cristianismo primitivo nunca sonhou em dizer que Tiago era o Messias. Nada teria sido mais natural, especialmente na analogia da família de Judas, o Galileu. No entanto, Tiago era conhecido simplesmente como "o irmão do Senhor" (Gl 1:19, cf. Marcos 6:3).

Temos, então, que perguntar mais uma vez: por que o cristianismo começou, e mesmo sozinho continuou, como um movimento messiânico, quando o seu Messias tão obviamente não só não fez o que o Messias deveria fazer, mas sofreu um destino que deveria ter mostrado conclusivamente que ele não poderia ter sido o ungido de Israel? Por que esse grupo de judeus do primeiro século, que tinha nutrido esperanças messiânicas e as focado em Jesus de Nazaré, não só continuaram a acreditar que ele era o Messias, apesar de sua execução, mas ativamente o anunciaram como tal ao mundo tanto pagão quando judaico, alegremente redesenhando a imagem do messianismo em torno dele, e recusando-se a abandoná-la? Sua resposta, consistentemente em toda evidência que possuímos, foi que Jesus, após sua execução sob a acusação de ser um aspirante a Messias, havia ressuscitado dos mortos.

Antes de podermos analisar o que entendemos por isso, devemos olhar para a terceira, e claramente a mais importante, das três fases dentro do presente argumento.


O Movimento de Ressurreição


O cristianismo começou como um movimento de ressurreição. Como já observei, não há nenhuma evidência de uma forma de cristianismo primitivo em que a ressurreição não fosse uma crença central, como se fosse arremessada ao Cristianismo pelo canto. Foi a força central de condução, informando todo o movimento. Em particular, nós podemos ver tecida na teologia cristã mais antiga que possuímos – a de Paul, é claro – a crença de que a ressurreição, a princípio, ocorreu, e que os seguidores de Jesus tiveram que reorganizar suas vidas, suas narrativas, seus símbolos, e sua práxis adequadamente (ver, classicamente, Rom. 6:3-11).

Eu quero aqui notar um fenômeno interessante, em particular. Esse pensamento sobre a ressurreição tem uma notável precisão e consistência. Ao contrário da crença judaica que observamos anteriormente, desde o começo o re-uso da linguagem da ressurreição do Cristianismo é surpreendentemente livre de especulações vagas e generalizadas. É nítido e claro: a ressurreição significa passar pela morte e sair do outro lado em um novo modo de existência. Toda esta situação é compreensível apenas dentro do mundo de pensamento do Judaísmo, mas é muito mais preciso do que qualquer coisa que o Judaísmo não-cristão tenha produzido naquele estágio.

O cristianismo, então, começou como um movimento de ressurreição. Essa é a primeira etapa desta terceira fase de meu argumento.

A segunda etapa baseia-se no que eu estava dizendo na primeira parte desta palestra sobre as expectativas judaicas da ressurreição. Como vimos, a "ressurreição" no Judaísmo do Segundo Templo funcionava dentro de um controle narrativo sobre o exílio e restauração, e sobre o sofrimento e reivindicação dos mártires. Deixem-me lembrá-los novamente: ela começou a vida como uma metáfora para o retorno do exílio, a renovação da aliança, e da limpeza de Israel de seus pecados. "Ressurreição" foi referida de várias maneiras, e tomou o seu lugar dentro de uma série bastante variada de especulações sobre o futuro da humanidade em geral, e Israel em particular depois da sua morte real do corpo. A ressurreição dos mortos foi, assim, um símbolo para a vinda de todas as eras novas, e dela própria, sendo literalmente, um elemento central no pacote: quando YHVH restaurasse o destino de seu povo, então é claro que Abraão, Isaque e Jacó, juntamente com o povo de Deus que foi abatido, incluindo os mártires que morreram pela causa, seriam reincorporados, ressuscitados à nova vida no novo mundo de Deus. Os judeus do Segundo Templo acreditavam na ressurreição dessa forma; então, essa crença acreditava por um lado, que a reincorporação dos humanos anteriormente mortos viria, e de outro, na inauguração da nova era, uma nova aliança, em que todos os justos mortos seriam reerguidos simultaneamente. Ressurreição significava tanto que os mortos estariam vivos novamente com novos corpos renovados quanto que a Era a Vir tinha sido pelo menos inaugurada.

Se, portanto, a qualquer momento durante este período que você disse a um judeu, "a ressurreição aconteceu!", você tivesse recebido a resposta perplexa (ou irritada) que, obviamente, não aconteceu, já que os patriarcas, profetas e mártires não estavam andando vivos novamente, e que desde a restauração de que fala Ezequiel 37 claramente não tinha acontecido – para não mencionar as grandes profecias de Isaías e do resto. E se, no meio da explicação, você tivesse dito que você não quis dizer tudo isso, que o que você quis dizer foi que você teve um novo sentido maravilhoso de cura divina e de perdão, ou que você acreditava que o ex-líder do seu movimento estava vivo na presença de Deus após as suas vergonhosas tortura e morte, seu interlocutor poderia ter lhe congratulado por ter uma experiência desse tipo e, discutindo com você sobre tal crença, ele ou ela ainda estaria sendo confundido por qual razão você tinha falado da "ressurreição dos mortos" ao se referir a qualquer uma destas coisas. Estas coisas implicam no que "a ressurreição dos mortos" não se referia.

No entanto – e esta é a terceira etapa desta terceira fase do argumento – embora, tivéssemos enfatizado, a nova era não ocorreu da mesma forma que os judeus do primeiro século imaginaram, e a ressurreição de todo o velho povo de Deus não tinha acontecido, mas a igreja mais antiga persistiu em declarar categoricamente não apenas que Jesus ressuscitou dos mortos, mas também que "a ressurreição dos mortos" já havia ocorrido. Além do mais, como temos observado, os membros da igreja ativamente redesenharam sua visão do mundo – sua práxis característica, suas histórias controladoras, seu universo simbólico, e sua teologia básica – em torno deste novo ponto fixo. Eles se comportaram, em outras palavras, como se a nova era já tivesse chegado. Essa foi a lógica interna da missão aos gentios: enquanto Deus estivesse fazendo a Israel o que ele faria a Israel, os gentios, pelo menos, compartilhariam a bênção (Isaías 66:18-23; Zacarias 14:16). Eles não se comportaram como se tivessem um novo tipo de experiência religiosa, ou como se o ex-líder estivesse vivo e bem na presença de Deus, seja como um anjo ou um espírito ou o que seja. A única explicação para seu comportamento, suas histórias, seus símbolos, e sua teologia é que eles realmente acreditavam que Jesus tinha ressuscitado corporalmente dos mortos. Esta conclusão é tão bem fundamentada que, hoje, mesmo aqueles que gostariam de insistir que o corpo de Jesus de fato permaneceu em decomposição no túmulo concordam que os primeiros cristãos acreditavam que ele ressurgiu, deixando um túmulo vazio atrás dele.


Conclusão: as Questões as Opções


Eu argumentei que o Cristianismo começou reconhecidamente como movimento judeu do primeiro século: era um movimento do reino de Deus, um movimento messiânico, e um movimento de ressurreição. O contexto judaico de todos esses movimentos indicava certas expectativas que decididamente não foram cumpridas. De fato, a crucificação de Jesus não foi meramente o símbolo de esperança diferida, mas de esperança esmagada e pisoteada. O historiador é, portanto, obrigado a procurar uma explicação, não só do porquê do Cristianismo primitivo ter começado em primeiro lugar, mas também por que razão tomou a forma que tomou. Na parte final desta palestra, deixem-me rever rapidamente algumas das opções que foram discutidas no debate.

Há, para começar, algumas trilhas falsas bastante conhecidas. Algumas, por exemplo, sugeriram que Jesus realmente não morreu na cruz. Contra todos os proponentes desta chamada teoria da “síncope”, como tem sido freqüentemente chamada, é preciso salientar que os romanos sabiam como matar pessoas. O reaparecimento de um Jesus desgastado e esgotado dificilmente teria sugerido que ele tinha morrido e saído do outro lado, que o reino de Deus já tinha vindo, que "a ressurreição" tinha ocorrido, e que ele era realmente o Messias, que derrotaria os inimigos de Deus e reconstruiria o Templo.

Igualmente, há abundância de pessoas se esforçando para produzir teorias selvagens e fantásticas para explicar que Jesus realmente não ressuscitou dos mortos ou deixou um túmulo vazio atrás dele. Penso em um livro chamado The Tomb of God, publicado há dois anos, que termina dizendo que os ossos de Jesus encontram-se agora numa tumba selada no sudoeste da França.

Entre as acusações mais sérias à ressurreição de Jesus – e talvez a mais famosa neste século – foi a de Rudolf Bultmann. Em uma passagem muito discutida, Bultmann afirma que a linguagem da ressurreição da igreja primitiva era usada para designar não um evento separado da crucificação, mas a fé dos primeiros discípulos em que a crucificação não foi uma derrota trágica, mas o ato divino de salvação. A Páscoa é, portanto, sobre o surgimento, não de Jesus, mas da fé da igreja primitiva.

Meu argumento completo, até agora, se expressa muito fortemente contra isso. Se formos pensar nos termos judeus do primeiro século, é impossível conceber que tipo de experiência religiosa ou espiritual alguém poderia ter que os fizesse dizer que o reino de Deus havia chegado quando ele claramente não tinha, que um líder crucificado era o Messias quando ele obviamente não era, ou que a ressurreição ocorreu no mês passado quando ela obviamente não tinha acontecido. Por mais forte que o sentimento dos discípulos que Jesus tinha sido reivindicado possa ter sido, que haviam sido perdoados, ou algo assim, eles ainda não tinham dito que ele havia ressuscitado dos mortos. Eles poderiam, talvez, ter escrito uma nova versão de 2 Macabeus 7. Eles poderiam ter sugerido que Jesus havia previsto sua própria ressurreição. Eles não tinham dito que ela tinha realmente acontecido.

Essa incapacidade de pensar em termos do primeiro século também vicia aqueles que propuseram variações no regime bultmanniano. Edward Schillebeeckx, por exemplo, declara que quando os discípulos foram ao túmulo suas mentes estavam tão cheias de luz que não importava se havia um corpo lá ou não. O que aconteceu no aparecimento da Páscoa foi uma conversão de Jesus como o Cristo, que agora veio a eles como a luz do mundo, e essa foi a "iluminação" pela qual os discípulos foram "justificados". Schillebeeckx adapta a idéia de Bultmann, com uma precisão maior; superaram os profundos sentimentos de culpa por terem fugido e abandonado Jesus, experimentando na manhã de Páscoa uma sensação maravilhosa do perdão de Deus e da presença permanente de Jesus. Isto se tornou então o início da experiência caracteristicamente cristã, o conhecendo do perdão de Deus e/ou o conhecimento da presença de Jesus.

O problema com isto é que se você tivesse dito a um judeu do primeiro século que você teve uma experiência maravilhosa de perdão (ou amor e graça) de Deus, ela ou ele teria ficado encantado por você. Mas se você tivesse dito que o reino havia chegado, que um líder crucificado era o Messias ou que a ressurreição tinha ocorrido, eles teriam ficado profundamente confusos se não completamente ofendidos. Esta linguagem não é simplesmente sobre as experiências particulares, mesmo as experiências particulares comunicáveis, de perdão. É sobre a escatologia, sobre alguma coisa acontecendo dentro da história, que resultaria em um mundo que agora está sendo um lugar muito diferente. Nem Bultmann nem Schillebeeckx podem explicar a partir dos textos a ascensão do Cristianismo como a conhecemos.

Um argumento adicional de Gerd Lüdemann reforçou a hipótese de Bultmann. Ele sugere que Pedro estava tão profundamente entristecido com a morte de Jesus que ele experimentou o que, como vimos anteriormente, as pessoas em um estado tão freqüente relatam: um sentido de presença amorosa da pessoa falecida recentemente, talvez até mesmo um sentido dele falando e o tranqüilizando. Pedro então, assim Lüdemann nos pede para acreditar, comunicou esta experiência aos outros, que foram espontaneamente enchidos de alegria ao pensar que Jesus ainda estava vivo. Enquanto isso, Paulo sofreu um tipo de alucinação oposta: tendo sido veemente oposto ao novo movimento, ele foi vencido pela culpa e experimentou uma fantasia de culpa induzida a qual ele, também, foi capaz de compartilhar com os outros para efeitos extraordinariamente poderosos.

Minha resposta a esta proposta é (a) isso exige uma enorme credulidade, supor que, mesmo Pedro e Paulo tendo essas fantasias ou alucinações, elas teriam gerado mais de um comentário de compaixão entre os seus colegas ou contemporâneos, (b) que teorias psicológicas desse tipo – sobre pessoas de dois mil anos atrás em uma cultura diferente – são na melhor das hipóteses improváveis e, na pior descontroladamente fantásticas. Mas, o mais importante, (c) a proposta simplesmente não faz sentido dentro do mundo ou do Judaísmo do primeiro século.

Como se vê na história de Rode em Atos 12, judeus do primeiro século conheciam visitas post-mortem de amigos recentemente falecidos, e que já tinham sistemas de linguagem para falar de fenômenos desse tipo. "Deve ser o seu anjo", disseram eles, quando achavam que estavam tendo uma visita deste tipo de Pedro. Eles não disseram que Pedro tinha ressuscitado dos mortos. Em outras palavras, se tivéssemos sido membros do grupo de Atos 12, e se tivéssemos tido conhecimento de um recém executado Pedro como uma presença fantasmagórica ou espiritual conosco, teríamos de concluir, com certeza, de que Pedro estava agora vivo com Deus. Mas ainda lembraríamos que teríamos que reivindicar o seu cadáver para o enterro no dia seguinte, e ainda acreditaríamos que ele permaneceria ali até ser ressuscitado, juntamente com o resto do povo de Deus, no último dia.

Como vêem, teria sido muito natural para judeus do primeiro século, especialmente se já mal pertencessem a um movimento do reino de Deus, que dizia sobre um líder que tinha pagado a pena capital nas mãos das autoridades, que a sua alma estava na mão de Deus, que ele estava vivo para Deus, que ele tinha sido exaltado ao paraíso, e que se foi, portanto, entre os justos que haviam sido injustamente condenados à morte, mas que deverá ressuscitar novamente para governar o mundo no bom tempo de Deus. (Isto é, claro, não é exatamente o que Provérbios 3:1-9 diz?) E se os seguidores de Jesus de fato tivessem a sensação de que ele estava vivo de uma maneira não-física, e mesmo que ele ainda estivesse presente com eles de alguma forma, isto seria como eles teriam se expressado. Mas, sendo assim, não teriam reivindicado (para enfatizar esse ponto novamente) o eschaton, dizendo que o ansiado reino de Deus já tinha chegado; não teriam dito que o seu líder crucificado era o Messias, e acima de tudo eles teriam dito que ele havia ressuscitado dos mortos ou que "a ressurreição dos mortos" já tinha ocorrido.

Particularmente, nós não temos nenhuma razão para supor que, após a crucificação de um suposto messias alguém ia supor que ele tinha sido exaltado a um lugar de regência do mundo ou senhorio divino. Ninguém, até onde sabemos, jamais sugeriu que este era o caso, após as mortes de Judas, o Galileu, Simão bar-Giora, ou Simeão ben-Kosiba. Na verdade, tal sugestão provavelmente seria considerada ridícula na melhor das hipóteses, e escandalosa na pior. O fracasso de tais homens para conduzir com sucesso um movimento messiânico impedia-os de uma análise mais aprofundada de como seriam os candidatos a tal posição. Mesmo se alguém tivesse feito tal sugestão, porém, não teria dito que essa pessoa seria “ressuscitada dos mortos”. A crença na exaltação sozinha, não conduziria, no mundo do judaísmo do primeiro século, à crença na ressurreição. Se, pelo contrário, supormos que os seguidores de um suposto messias crucificado primeiro acreditariam que ele tinha sido ressuscitado dos mortos, então podemos traçar uma linha clara que posteriormente os faria acreditar que ele devia ser o Messias. E se ele era o Messias, então ele também era o governante do mundo prometido em Salmos 89 e Daniel 7, assim ele foi exaltado sobre o mundo, e assim por diante. Todos os nossos textos sugerem que esta realmente foi a linha de pensamento que os primeiros cristãos seguiram.

É óbvio que eu estou lidando com apenas uma pequena fração das teorias que têm avançado sobre o que aconteceu na Páscoa, mas espero ter dito o suficiente para mostrar que os defensores de qualquer teoria de que o corpo de Jesus permaneceu no túmulo, enquanto os primeiros cristãos disseram que a ressurreição ocorreu, tem uma tarefa difícil pela frente, simplesmente em termos de história do primeiro século. O que encontramos, pelo contrário, é a reivindicação cristã primitiva universal de que Jesus atravessou, por assim dizer, a morte e escapou do outro lado, que ele estava não apenas em um estado intermediário ou existência desencarnada, mas que o seu corpo tinha sido transformado de uma maneira para que eles, seus seguidores, que estavam completamente despreparados, tivessem que se acostumar. E eles deram isso como a razão pela qual eles acreditavam que seu anúncio do reino tinha atingido seu clímax, o seu cumprimento, em sua morte e ressurreição. Eles deram isso como a razão por que eles continuaram a considerá-lo como o Messias, apesar de sua morte vergonhosa. Eles deram isso como a razão para dizer que "a ressurreição" tinha, em princípio, já acontecido. E mais, teceram essa crença tão firmemente em sua teologia, sua práxis, suas histórias, e seus símbolos que (a menos que estejamos preparados para parar de escrever história e começar a escrever fantasia em vez disso) não podemos encarar a sua vida comum sem ela.

Proponho, portanto, como resultado deste tratamento amplo do Judaísmo do Segundo Templo e do Cristianismo primitivo, que não há, de fato, nenhuma outra solução para o problema histórico do que concluir que algo extraordinário havia acontecido com o corpo de Jesus. Nenhuma outra ponte levará o historiador através do rio de um pilar ao outro.

Mas o que foi que aconteceu, e como os primeiros cristãos descreveram isso? Essa é a questão que nos ocuparemos na segunda palestra, à medida que olharmos mais detalhadamente a ascensão atual do cristianismo à luz dos textos-chave de Paulo e dos evangelhos.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Expelled - A inteligência não é permitida?





Há um tempo ouvi falar desse documentário que fala da falta de liberdade academica quando se trata do darwinismo.

Eu só tinha visto uns trailers e comentarios, bons e ruins.

Depois que assisti vi que o filme não é nada do que estavam falando de ruim dele em algumas páginas de darwinistas, mas também o que falavam de bom do filme nem sempre era verdade.

Não vou dizer o que o documentário fala, apenas o que não fala:

- Não tenta provar que o evolucionismo em si é falso.
- Não tenta dizer que o Design Inteligente está provado cientificamente.
- Não tira frases de seus entrevistados do contexto, como acusaram.
- Não é criacionismo disfarçado.


Como disse antes, fala sobre cientistas que tiveram sua carreira comprometida por questionar o darwinismo.

Tambem fala da relação entre o darwinismo e o nazismo, "O darvinismo não é uma condição suficiente para um fenômeno como o nazismo, mas penso que é certamente uma condição necessária.".

Deve haver um debate honesto entre darwinistas e quem não é darwinista.

Entre os entrevistados estão:

Richard Dawkins (com algumas afirmaçoes bem interessantes)
Michael Shermer - diretor da sociedade de Cépticos.
Dr. Peter W. Atkins
John Lennox
Alister McGrath
Stephen C. Meyer
Bruce Chapman - Presidente do Discovery Institute
David Berlinski - Ph. D. em Filosofia pela universidade de Princeton
Jonathan Wells - Biólogo Molecular


Parte 1 - http://www.youtube.com/watch?v=rNk7PVDFh7U
Parte 2 - http://www.youtube.com/watch?v=V7wNUeBe2nA
Parte 3 - http://www.youtube.com/watch?v=VQKrkqbJiU4
Parte 4 - http://www.youtube.com/watch?v=L_XcwfntkkY
Parte 5 - http://www.youtube.com/watch?v=8cYENH9-G2E
Parte 6 - http://www.youtube.com/watch?v=wYgsc-mLLys
Parte 7 - http://www.youtube.com/watch?v=d22jjPj93kw
Parte 8 - http://www.youtube.com/watch?v=OSB5WWJ3rfc
Parte 9 - http://www.youtube.com/watch?v=4iCofIl7dAA
Parte 10 - http://www.youtube.com/watch?v=3dJzbD-XfjI

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Vários manuscritos do Novo Testamento!





Vários manuscritos do novo testamento!

Muito bom pra quem quer se aprofundar nos estudos do grego bíblico, critica textual ou um assunto parecido.

http://www.csntm.org/Manuscript/

Abaixo um texto retirado da wikipédia:

Manuscrito bíblico é o termo utilizado para referir-se a qualquer cópia feita a mão de um texto bíblico. A palavra Bíblia vem do grego biblion (livro). Já a palavra manuscrito vem do latim manu (mão) e scriptum (escrito). Manuscritos bíblicos variam grandemente em tamanho, indo desde pequeníssimos rolos de pergaminho contendo versos da escrituras judaicas (ver Tefilin) até grandes códices poliglotas contendo tanto o Antigo Testamento (ou Tanakh) quanto o Novo Testamento, assim como textos não canônicos.

O estudo de manuscritos bíblicos é de grande importância, pois cópias manuscritas de textos costumam apresentar erros. A ciência da crítica textual procura reconstruir o conteúdo dos textos originais a partir destes manuscritos, produzidos em geral antes da invenção da imprensa.

[...]

O Novo Testamento foi melhor preservado em manuscritos do que qualquer outro livro antigo, possuindo mais de 5400 manuscritos gregos completos ou fragmentos de manuscritos, 10000 manuscritos em latim e 9300 manuscritos em diversos outros idiomas antigos incluindo siríaco, eslavo, gótico, copta e armênio. Alguns desses manuscritos foram escritos menos de cem anos após os originais. Para efeito de comparação, há somente sete cópias manuscritas dos escritos de Platão, escritas aproximadamente 1200 anos após os originais.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Codex Alexandrinus






O Codex Alexandrinus, também conhecido como manuscrito 'A', pertence à primeira metade do século V. Este códice contém a Septuaginta e grande parte do Novo Testamento. Juntamente com o Codex Sinaiticos e com o Codex Vaticanus, este é um dos mais completos manuscritos gregos antigos da Bíblia. Este manuscrito recebe o nome de Alexandria, lugar onde se acredita que ele foi originalmente escrito.

Veja aqui.

Codex Sinaiticus Online


O Codex Sinaiticus foi descoberto por Constantin von Tischendorf, em sua terceira visita ao Mosteiro Ortodoxo de Santa Catarina, no sopé do Monte Sinai (Egipto), em 1859. Nas duas primeiras viagens, ele conseguiu partes do Antigo Testamento, encontrados num cesto que continha pedaços de vários manuscritos. Tischendorf teria ouvido de um bibliotecário que aqueles manuscritos eram lixo, e que seriam queimados no forno do mosteiro. O imperador da Rússia Alexandre II o enviou para procurar os demais manuscritos, os quais ele estava convencido de que estariam no próprio mosteiro.

A história de como Tischendorf localizou o manuscrito, que continha a maioria do Antigo Testamento e todo o Novo Testamento, tem todo o drama de um romance. Tischendorf chegou no mosteiro em 31 de janeiro de 1859; mas suas buscas pareciam infrutíferas. Em 4 de fevereiro, ele tinha resolvido retornar para casa. Eis o seu próprio relato sobre sua grande descoberta:

Na tarde deste dia eu estava caminhando com o comissário de bordo do convento na vizinhança, e quando retornamos, em direção ao ocaso, ele implorou-me para que tomasse um refresco com ele nos seus aposentos. Mal entramos no lugar, quando, resumindo nosso assunto anterior de conversa, ele disse: "E eu, demais, li um Septuaginta" -- isto é, uma cópia da tradução grega do Antigo Testamento feito pelos Setenta. Depois de dizer isto, ele baixou-se e, num canto do seu quarto pegou um grande volume, embrulhado num pano vermelho, e o colocou diante de mim. Quando desenrolei o volume, para minha grande surpresa, descobri não só cópia dos mesmos fragmentos que eu havia achado quinze anos antes naquele cesto de lixo, como também outras partes do Antigo Testamento, o Novo Testamento completo, e além disto, a Epístola de Barnabé e uma parte do Pastor de Hermas.

Depois que algumas negociações, ele obteve a posse deste fragmento precioso e o enviou ao Imperador Alexandre II, que logo percebeu a sua importância. O czar da Rússia enviou 9000 rublos ao mosteiro como compensação pelo manuscrito.

Embora esta história seja considerada verdadeira pela maioria dos estudiosos, existem algumas controvérsias que envolvem a transferência deste manuscrito para a Rússia. Algumas versões desta história dão conta que este manuscrito teria sido roubado do mosteiro. Num espírito mais neutro, Bruce Metzger, um acadêmico de Novo Testamento escreve: "Certos aspectos das negociações que levaram à transferência do codex para a posse do Czar estão abertos a interpretações diversas, mas a história reflete a franqueza de Tischendorf e a boa fé dos monges do mosteiro de Santa Catarina".

Durante muitas décadas, foi conservado na Biblioteca Nacional da Rússia. No dia de natal de 1933, a então União Soviética vendeu o Codex à Biblioteca Britânica pela incrível soma de £100,000 (libras esterlinas).

Em maio de 1975, durante um trabalho de restauração, os monges do mosteiro de Santa Catarina descobriram um cômodo em baixo da capela de São Jorge e, neste local, uma grande quantidade de fragmentos de pergaminho. Entre estes fragmentos, foram achadas doze cópias perdidas do Antigo Testamento do Codex Sinaiticus.


Veja aqui.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O nome de Deus, segundo as escrituras sagradas judaicas.

Recebi esse texto de uma amiga, que fala sobre o nome de Deus segundo o judaísmo. Muito bom.



A mensagem primordial das Escrituras Sagradas Judaicas é sobre a existência do SER Primeiro; o ETERNO, que não somente é o responsável pelo início de toda a existência material; mas que continuamente a mantém existindo.

Mas não é pretensão das Escrituras Sagradas – por motivos óbvios - nos descrever “quem” ou “o quê” é Deus. Antes, as Escrituras relatam fenômenos e acontecimentos provocados pelo SER, para que possamos aprender a perceber Sua existência e participação em nosso mundo. O conhecimento acerca de Deus vai sendo revelado gradualmente através das Escrituras, desde o primeiro livro, Bereshit; até sua expressão máxima, na Revelação do Sinai. Somente então, são outorgados Mandamentos, tais como: “Somente guarda-te a ti mesmo, e guarda muito tua alma, para que não esqueças as coisas que os teus olhos viram ...(Devarim 4:9).

O objetivo das Escrituras Sagradas é demonstrar ao homem que ele possui uma razão de ser e uma missão a cumprir neste mundo. Ele tem origem e destino definidos, cujo caminho deve trilhar pela senda que lhe é mostrada através da Lei Divina para sua completa realização. Seu dever é “vencer a si mesmo” subjugando seus instintos animalescos à seu sentido espiritual. Deve procurar a vitória da mente sobre o corpo, do espírito sobre a matéria. O êxito em sua missão proporcionará que todo o mundo seja retificado ao seu estado original, modelo do Éden construído por Deus. É dever de cada ser humano, construir seu próprio Éden neste mundo, fazendo que a Divina Presença tenha lugar em nossa dimensão.

Embora a Divindade seja em essência um mistério, as Escrituras nos instruem sobre o que é “compreensível” sobre Deus, descrevendo-nos Seus “atributos” de forma antropomórfica, para que possamos ter uma idéia em mente sobre o SER Primeiro, e assim sejamos capazes de Lhe dirigir nossas orações e intenções. São estes “atributos” que nos revelam as características da ação divina no mundo material e nos orientam sobre o mecanismo do universo em que vivemos.

Tais informações chegaram até nos por meio da Tradição Judaica, que tanto nos preservou as Escrituras Sagradas, como também a Jurisprudência de todos os seus mandamentos, revelando o significado de todas as suas passagens. De uma mesma fonte temos tanto o texto, como a exegese, tanto as palavras como o sentido; tanto o corpo como a alma do Judaísmo. A fidelidade da Tradição Judaica é verificada, não somente pelo seu sucesso inigualável em preservar por séculos os manuscritos sagrados que contém os relatos da revelação divina, como também; com a mesma fidelidade, preservar a interpretação destes manuscritos, transmitindo geração após geração, tal qual foram recebidos desde o princípio. Tanto as Escrituras Sagradas são dignas da confiança do leitor, como a Tradição Judaica que preservou estas mesmas Escrituras. E esta Tradição, é a fonte da qual extraímos todo o conhecimento necessário para viver o Pacto Divino, tanto com Israel, como com todos os povos do mundo; para plena retificação deste mundo.

A terminologia das Escrituras Sagradas serviu de modelo aos sábios judeus em todos os tempos, sempre por meio de antropoformismos. Termos são emprestados de conceitos humanos e do mundo empírico, procurando explicar o espiritual. A razão disto é que somente por tais palavras o ser humano pode atingir a compreensão de qualquer significado desejado. As formas de conceitos espaço-temporais são impostas sobre a mente humana, pois este vive num mundo espaço-temporal. É por esta precisa razão que a Torá, os Profetas, os Escritos Sacros; e todos os sábios que desenvolveram o Judaísmo posteriormente, procuram sempre o modelo antropomórfico de linguagem pelo que ficou estabelecido, “a Torá fala na língua dos homens”.(Talmud, Tratado de BeraHot 31b)

Portanto os sábios se abstiveram de termos abstratos e conceitos espirituais, que seriam até mais apropriados à Deus, pois assim não compreenderíamos adequadamente, nem as palavras ditas; nem os conceitos propostos. Pelo antropoformismo, pelo menos a primeira parte está garantida. As palavras e idéias sobre Deus devem ser de tal forma, que sejam facilmente captadas pela mente do ouvinte, capaz de projetar imediatamente o tema tratado em sua mente; no sentido material. Então, procede-se em investigar o conhecimento oculto, cuja apresentação inicial é apenas uma metáfora de sua realidade; e esta realidade, tão sublime, tão acima da compreensão humana em sua plenitude, começa aos poucos a se desnudar em nosso pensamento. Jamais alcançamos a compreensão plena. Cada pessoa absorve do conhecimento da verdade, aquilo que é especificamente capaz.

Em meio a tudo isso, devemos ter sempre em mente o tempo todo, que para serem compreendidos, os termos antropomórficos devem ser expurgados de toda conotação temporal, espacial ou corpórea. Isso implica que todas as referência, noção e conceito antropomórfico, literalmente falando, não podem ser atribuídos a Deus, como estabelecido claramente pelas Escrituras, Ieshaiáhu 40:18 - 25

יח וְאֶל-מִי, תְּדַמְּיוּן אֵל; וּמַה-דְּמוּת, תַּעַרְכוּ לוֹ.

18. A quem, pois, podeis comparar o ETERNO? Ou a que O podeis assemelhar?

כה וְאֶל-מִי תְדַמְּיוּנִי, וְאֶשְׁוֶה--יֹאמַר, קָדוֹשׁ.

25. A quem, pois, Me podereis comparar como se Eu fosse igual? – diz o Santíssimo.

Este princípio primordial foi referido por Maimônides, como a terceira de sua composição dos 13 princípios fundamentais da fé judaica.

Ao mesmo tempo, entretanto, devemos perceber que a terminologia antropomórfica usada pelas Escrituras Sagradas, e pelos seus comentaristas, não são arbitrárias, simplesmente por estarem protegidas pelas qualificações mencionadas. Ao invés disso, foram cuidadosamente selecionadas possuindo, portanto; profundo significado.

O relacionamento Deus x Mundo é explicado por meio da doutrina das Sefirot.

Sefirot é a forma plural da palavra hebraica ספירה Sefirá, que literalmente significa era, época, esfera, cálculo, contagem. Da mesma construção, forma-se a palavra ספיר Sapir, Safira; que mais reflete o sentido do termo, segundo o trecho em Shemot 24:10:

י וַיִּרְאוּ, אֵת אֱלֹהֵי יִשְׂרָאֵל; וְתַחַת רַגְלָיו, כְּמַעֲשֵׂה לִבְנַת הַסַּפִּיר, וּכְעֶצֶם הַשָּׁמַיִם, לָטֹהַר.

10. e eles visionaram o Elohim de Israel, e debaixo de Seus pés havia como uma obra de pedra de safira, tão límpida como a visão dos céus.

Elohim

O primeiro atributo que aparece nas Escrituras Sagradas Judaicas é o termo hebreu Elohim. Sendo uma “referência à Divindade” é muito comum que seja traduzido em Português diretamente como “Deus”, quando não “deuses” por ser plural. Porém, literalmente Elohim significa: forças, poderes, autoridades. Trata-se da forma plural do termo אל Él, também traduzido como Deus, mas com o mesmo significado de Elohim no singular. Este termo aparece nada menos que 580 vezes nas Escrituras. É importante notar que nenhum dos atributos de Deus é uma “descrição” do Seu SER até porque isso é tecnicamente impossível. Trata-se de “referências” ou indicações, com as quais poderemos conceber alguma idéia acerca da Divindade. Tais referências apontam para uma “atividade”, ou “ação” de causa divina em nosso mundo, e isto nos proporciona reconhecer a existência de Deus em nosso mundo. A primeira vez que o termo Elohim aparece, é no primeiro versículo do primeiro livro das Escrituras, Bereshit:

א בְּרֵאשִׁית, בָּרָא אֱלֹהִים, אֵת הַשָּׁמַיִם, וְאֵת הָאָרֶץ.

1. No princípio ao criar Elohim os céus e a terra...

Eis o princípio fundamental sobre o qual repousa toda fé nas Escrituras Sagradas. Jamais poderemos descrever a essência da Divindade, e portanto; o profeta Moshê ע''ש nos leva o mais próximo possível desta noção; nos leva às forças multifacetadas que se lhe manifestaram em visão, no momento em que o universo veio à existência. Eis o esplendor da Divindade, perceptível pela nossa inteligência: As forças universais que regem a existência de todas as coisas, sem as quais nada pode existir; as leis que chamamos “naturais”; todas as misteriosas formas de energia espalhadas pela vastidão universal, todos os fenômenos da matéria, suas leis inalteradas e constantemente em transformação, eis aí o testemunho de que nosso universo é obra de Deus. As substâncias que compõem a existência nos parecem ser as mais variadas e distintas formas possíveis. Fortes contrastes encontramos em todos os elemento que nossos químicos listaram na tabela periódica, cada elementos singular em sua composição, embora sejam todos constituídos da mesma substância. Esta diversidade química foi por eles testemunhada na natureza, nas variadas formas de minerais e vegetais, dos tecidos em todas as espécies de animais. Mas todas as múltiplas manifestações da matéria na natureza são intimamente relacionadas; e se mostram apenas sob forma transformada da outra. Moshê vislumbrou além da matéria neste mundo. Ele pode perceber a infinitamente maior variedade de substâncias e transformações pelo universo vasto que viu surgir. A visão que lhe foi concedida lhe permitiu contemplar galáxias em formação, lhe permitiu enxergar os detalhes da formação de cada e toda partícula, e suas milhares de transformações até sua forma atual. Moshê vislumbrou toda a glória do ETERNO, seu testemunho dela foi: No princípio, ao criar Elohim os céus e a terra. Neste único verso, ele nos demonstra a profunda realidade sob a qual existimos: Somos todos frutos da Inteligência Suprema, o ETERNO o SER Primeiro.

Portanto, Elohim remete-nos à manifestação Divina nas leis universais que mantém a existência universal. Todo e qualquer fenômeno, tanto neste mundo; como em qualquer ponto no universo, demonstra a atividade e presença do SER Criador. Toda vez que este termo aparece nas Escrituras nos indica que o fenômeno descrito ocorreu por meio das leis universais, e que por meio de tais fenômenos Deus demonstra em maior ou menor grau a realidade da Sua Presença, de acordo com o mérito do receptor da revelação.

- ETERNO – O Tetragrama

O Tetragrama Sagrado aparece nas Escrituras, 4681 vezes. É considerado por muitos o ‘nome próprio’ de Deus, embora seja impossível dar nome a algo que nos seja completamente desconhecido em essência. Não se pode “nomear” à Deus, nem se pode compara Deus à um objeto material, dizendo que se este tem nome então Deus também deve ter. Isso significa “limitar” a essência do SER, para manipular supostas explicações sobre sua existência, e contradizer as definições das Escrituras sobre Deus. Longe disso, as Escrituras jamais nos apresentam “nomes” próprios para Deus, mas “atributos” da Sua manifestação, que nos servem de veículo para que nossa mente se una à Divindade nas mais variadas situações. Esta é a essência do termo hebraico, שם lê-se SHEM, que além de nome, significa: renome, fama, reputação; memorial, titulo. Fica evidente que, se referido ao SER primeiro, o significado puramente material não pode ser aplicado. Logo, tal como todos os demais, este título divino, nos remete a mais uma faceta de Sua manifestação em nosso mundo, dando-nos a conhecer um pouco mais da Sua realidade.

Embora o Tetragrama apareça desde o livro de Bereshit, vamos nos voltar para o momento no qual o ETERNO revela a essência deste título à Moshê: Shemot 3:13 ao 15:

יג וַיֹּאמֶר מֹשֶׁה אֶל-הָאֱלֹהִים, הִנֵּה אָנֹכִי בָא אֶל-בְּנֵי יִשְׂרָאֵל, וְאָמַרְתִּי לָהֶם, אֱלֹהֵי אֲבוֹתֵיכֶם שְׁלָחַנִי אֲלֵיכֶם; וְאָמְרוּ-לִי מַה-שְּׁמוֹ, מָה אֹמַר אֲלֵהֶם. יד וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים אֶל-מֹשֶׁה, אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה; וַיֹּאמֶר, כֹּה תֹאמַר לִבְנֵי יִשְׂרָאֵל, אֶהְיֶה, שְׁלָחַנִי אֲלֵיכֶם. טו וַיֹּאמֶר עוֹד אֱלֹהִים אֶל-מֹשֶׁה, כֹּה-תֹאמַר אֶל-בְּנֵי יִשְׂרָאֵל, יְהוָה אֱלֹהֵי אֲבֹתֵיכֶם אֱלֹהֵי אַבְרָהָם אֱלֹהֵי יִצְחָק וֵאלֹהֵי יַעֲקֹב, שְׁלָחַנִי אֲלֵיכֶם; זֶה-שְּׁמִי לְעֹלָם, וְזֶה זִכְרִי לְדֹר דֹּר.

13. Disse Moshê à Elohim, eis que eu vou aos filhos de Israel, dizer a eles que o Elohim de seus antepassados me enviou a eles, e me dirão, ‘qual é o nome dele?’; o quê eu devo responder? 14. Disse Elohim à Moshê, Serei O Que Serei...E disse, assim dirás aos filhos de Israel, “Serei” me enviou a vós. 15. E disse mais Elohim à Moshê, assim dirás aos filhos de Israel, o ETERNO Elohim dos vossos antepassados, Elohim de Avraham, Elohim de Itzhak, e Elohim de Iáacov, me enviou a vós; este é meu nome para sempre, esta é minha lembrança de geração em geração.

Vemos aqui que o Criador respondeu a Moshê, que deve ser referido como אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה Serei o que Serei. Depois, ELE mesmo simplifica para אֶהְיֶה Serei. E finalmente, declara à Moshê, que deve ser evocado por יהוה אֱלֹהֵי אֲבֹתֵיכֶם IHVH Elohim dos vossos antepassados. O termo Serei, está na forma ativa simples, no futuro, sendo parte do primeiro corpo do verbo היה (להיות - Ser). Os sinais vocálicos da primeira menção do termo Serei o que Serei, são as que permanecem na sua segunda menção abreviada, אֶהְיֶה Serei. A intenção, pode ser percebida analisando o sentido literal da frase אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה, ou seja: אֶהְיֶה Serei אֲשֶׁר o qual é אֶהְיֶה Serei. Isso indica que o conjunto das quatro letras, o Tetragrama, deve ser pronunciado de acordo com os sons vocálicos que regem a palavra אֶהְיֶהSerei ou seja:

Temos aqui o NOME no sentido óbvio de atributo e a LEMBRANÇA no sentido de referência com a qual o profeta Moshê anunciaria a revelação Divina a Israel e a toda humanidade. As quatro consoantes Hebraicas que formam o Tetragrama são a contração dos termos היה אהיה הווה FuiSereiSou, cuja palavra em Português que melhor o expressa é: ETERNO.

Deus está além do tempo e do espaço. Além da matéria. Além do ser. ELE é o SER Primeiro, portanto é a Própria Existência Verdadeira. Rambam, no Livro da Sabedoria, comenta que o profeta Irmiáhu alude a isso quando diz: (Irmiáhu 10:10)

י וַיהוָה אֱלֹהִים אֱמֶת,

Mas só o ETERNO Elohim é verdade! ...

ELE é a única verdade. Todas as outras formas de existência dependem DELE para vir a ser, enquanto que ELE – bendito seja – não depende delas na Sua Existência; que portanto, é Absoluta e Inigualável.

ETERNO, portanto, remete-nos à transcendência Divina, Sua total Imaterialidade e Incorpórea Existência Absoluta. Daí as constantes advertências contra qualquer tentativa de representar o ETERNO sob quaisquer formas materiais, seja por meio de trabalhos artísticos, ou mesmo pelo pensamento. A resposta Divina à Moshê, Eu Serei o que Serei; é a definição última do ETERNO para toda pessoa que O procura: Sua Presença será percebida por aqueles que O buscam. Mas Sua transcendência jamais será completamente revelada aos seres humanos.

Cabe explicar o porque a apropriada proibição relacionada a pronúncia do Tetragrama, tal como ele é escrito. Está Escrito:

טו וַיֹּאמֶר עוֹד אֱלֹהִים אֶל-מֹשֶׁה, כֹּה-תֹאמַר אֶל-בְּנֵי יִשְׂרָאֵל, יְהוָה אֱלֹהֵי אֲבֹתֵיכֶם אֱלֹהֵי אַבְרָהָם אֱלֹהֵי יִצְחָק וֵאלֹהֵי יַעֲקֹב, שְׁלָחַנִי אֲלֵיכֶם; זֶה-שְּׁמִי לְעֹלָם, וְזֶה זִכְרִי לְדֹר דֹּר.

15. E disse mais Elohim à Moshê, assim dirás aos filhos de Israel, o ETERNO Elohim dos vossos antepassados, Elohim de Avraham, Elohim de Itzhak, e Elohim de Iáacov, me enviou a vós; este é meu nome para sempre, esta é minha lembrança de geração em geração.

Comentando a frase “este é meu nome para sempre”, Rashi (Rabi Shelomo ben Itzhak זצק''ל ) observa:

A palavra “para sempre”, לעלם neste verso é escrita חסר וי''ו sem um ו (letra Váv), que normalmente pertence a esta palavra. [Isso não é um erro, mas ao invés disto] pretende ensinar, “oculte [o NOME]; de modo que ele não seja pronunciado da forma com é escrito.” Isso porque לעלם LeOlam “Para sempre” teve seu Váv omitido propositalmente, para lermos לעלם LeAlem “Ocultar”, aprendendo das Escrituras o dever de não pronunciar o NOME tal como escrito. Tais explicações, nas quais Rashi se baseia; constam no Shemot Rabah 3:7, e no Talmud, Tratado de PessaHim 50ª. Baseados nestas revelações, nunca devemos pronunciar o NOME com o qual nos referimos à Transcendência de Deus, ou seja; o Tetragrama, tal como ele é escrito. Ao invés disso, nós pronunciamos outras referências à Sua Majestade, como אדוני Adonai, Senhor.

Toda coisa que existe, e que se admita não haver existido antes; não pode escapar destas duas possibilidades: Ou fez a si mesma, ou algo a fez.

Do mesmo modo, toda coisa sobre a qual admitamos que fez a si mesma (primeira hipótese) não pode escapar destas outras duas possibilidades: Ou fez a si mesma antes de existir ou fez a si mesma depois de existir. Ambas são impossíveis.

Pois se dissermos que fez a si mesma após existir, nada fez; pois não existe a necessidade de fazer a si mesma já existindo; e objetivo nenhum foi atingido. Caso, por outro lado dissermos que fez a si mesma antes de existir, neste tempo nada era; e do nada, nada provém; nem ação nem cessar de agir. Não pode pois fazer nada. É impossível portanto, que uma coisa faça a si mesma. Isto confirma a primeira premissa mencionada.

A demonstração da segunda premissa é a seguinte: Toda coisa que tenha um fim, teve um começo; ou seja, o efeito de um causa deve possuir uma causa primeira. Pois é evidente, que o que não tem começo não pode ter fim, e é inconcebível que uma coisa que não tem princípio pudesse atravessar o infinito; para alcançar um ponto, no qual seus efeitos sejam observáveis ao homem. Todo efeito que nos é observável, nos faz saber que é precedido por um princípio primordial, uma causa primeira sem causa precedente. Quando observamos os efeitos de uma causa nas coisa que existem no mundo, podemos concluir que tiveram um começo, antes do qual não houve outro começo; uma causa primeira para a qual não exista outra causa; pois uma infinita série de causas é algo impossível.

Além do mais, é óbvio que qualquer coisa que seja parte de um todo, o todo é a soma de suas partes. Que o infinito tenha “partes” é inconcebível; pois uma parte é uma quantidade separada da outra, a menor quantidade sendo medida da maior; como notado por Euclides (filósofo grego) no começo do seu livro sobre Geometria.

Vamos imaginar uma coisa, que é tida como infinita, e que nós tomamos qualquer uma de suas partes. O que sobra, sem dúvida será menor ou menos do que o que era antes. Agora, caso o que sobrou continua infinito, assim um infinito é maior que o outro infinito; o que é impossível. Caso o que sobrou é finito, e nós recolocarmos a parte tomada dele (a qual também é finita) o todo será pois infinito. A mesma coisa seria pois finita e infinita, e isto seria uma contradição impossível.

Concluímos pois, que é impossível que tomemos uma parte do que é infinito, e que quer que tenha uma parte é certamente finito.

Agora, de todas as pessoas que existiram no mundo, caso nós isolássemos em nossas mentes, uma parte delas – por exemplo, os que viveram entre os tempos de Noah e os tempos de Moshê (Moisés) Nosso Mestre – eles constituiriam uma parte de todo o povo que já viveu no mundo. Desde que todo o mundo é finito, as causas deste também devem ser limitadas em número. Disto prossegue-se que, este mundo tem uma causa primeira, antes da qual não há outra; e por esta razão, as séries de causas necessariamente vieram a um fim com a primeira causa, como explicamos.

A demonstração da terceira premissa é a seguinte:

Toda coisa que é composta, sem dúvida consiste de mais de um componente. Estes componentes são parte de sua natureza. Assim pois, aquele que os colocou em composição deve preceder a coisa composta, tanto por natureza como por tempo.

Agora, o que é eterno não tem causa, e o que não tem causa não tem princípio, e o que não tem princípio, não tem fim. O que não é eterno, foi trazido a existência, pois entre o que é eterno e o que foi trazido a existência, nada pode ser dito, como sendo nem eterno nem trazido à existência.

Conseqüentemente, toda coisa que é composta não é eterna, pois teve princípio, e portanto; teve que ser trazida a existência. Desde que a terceira premissa foi confirmada, todas as três premissas são agora estabelecidas.