quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Os Salmos, por Oscar Cullmann - Parte 1

Os salmos que o Antigo Testamento nos transmitiu, na verdade, representam apenas uma pequena parte de todos os salmos existentes no Antigo Israel. Sua grande importância já se evidencia no fato de haver numerosos salmos fora do "Saltério", p. ex. em Ex 15; 1Sm 2; 2Sm 22, bem como nos livros proféticos: Is 38.10-20; Jn 2; Hc 3, etc.

O Saltério divide-se em cinco "livros". Destacam-se, claramente, um do outro pela doxologia, um canto de louvor a Deus, acrescentada no fim do último salmo de cada livro: Sl 1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150 (no fim falta uma doxologia especial, porque o próprio Sl 150 representa o louvor final). Essa subdivisão, evidentemente, foi feita numa época em que a coleção de salmos já existia na forma atual.

No entanto, ainda se pode reconhecer que, já antes, existiam coleções menores independentes. Assim temos, p. ex. no fim do Sl 72, a seguinte notícia: "Findam as orações de Davi, filho de Jessé". Essa observação, evidentemente, formava outrora o fecho de uma coleção especial de "Salmos de Davi". Além dos salmos 51-72, porém, no fim dos quais acha-se essa anotação, também nos Salmos 3-41 levam, em geral, o título "de Davi", de modo que se obtém a impressão de que existiam duas coleções de Davi.

A par dessas, sobressaem ainda outros grupos por um título comum: os Salmos de Coré (42-49), os Salmos de Asafe (73-83), além de um grupo que, conforme J. F. de Almeida, leva o título "Cantico de romagem"> Al 120-134. O significado do respectivo termo hebraico é um tanto incerto; provavelmente, trata-se de "Cânticos de romaria" ou, talvez, "graduais". Afinal, ainda é interessante que, em um grupo inteiro de salmos, o nome de Deus "Javé" (traduzido por "o Senhor") tenha sido substituido por "Elohim" ("Deus"): Sl 42-83.

Isso pode ser verificado com facilidade pela comparação entre os Sl 14 e 53, que, aliás, são quase literalmente idênticos. Portanto, podemos supor que os Salmos de Coré (42-49), o segundo grupo de Salmos de Davi (51-72) e os Salmos de Asafe (73-83) formassem juntos uma coleção, na qual foi efetuada essa mudança do nome de Deus.

Tudo isso torna patente que o Saltério, em sua forma atual, é resultado de um crescimento paulatino. Neste aspecto ele é comparável com nossos hinários, que também são o produto final de uma longa história do hino eclesiástico, e sempre se baseiam em hinários e coleções de cânticos mais antigos. E, como um hinário moderno contém hinos do tempo desde antes da Reforma até nossos dias, assim também os salmos provêm das mais diversas épocas da história de Israel. Entretanto, a maioria dos casos, é muito dificil determinar o tempo exato de sua origem. Só raras vezes achavam-se indicios seguros a este respeito, assim p. ex. no Sl 137, que nasceu "às margens dos rios da Babilônia", por tanto, durante o exílio babilônico, no século VI a.C.

A comparação com o hinário ainda tem sua boa razão num outro particular: os salmos revelam, todos eles, uma relação mais ou menos clara com o culto. E neste ponto pode-se, muitas vezes, reconhecer mais claramente qual o ensejo em que foram usados. Visto que forma e conteúdo estão em uma correlação determinada, os salmos podem ser classificados em diversos "gêneros", que apresentam, cada qual, as mesmas características formas e provêm de um mesmo lugar ("Stiz im Leben") no contexto do culto. A classificação segundo o gênero é, em muitos casos, ao mesmo tempo, um importante meio para a interpretação de um salmo, já que deste modo se torna patente seu verdadeiro intuito. Disso falaremos mais detalhadamente a seguir.

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