"Da mesma maneira, Santo Irineu, bispo de Lyon, lembra do tempo em que ouviu São Policarpo, o grande bispo de Esmirna, narrando o que ele próprio lembrava de São João. Aqui podemos sentir o calor humano, a mesma verdade da vida; quando, muito posteriormente, o texto escrito foi definitivamente imposto, após ter rivalizado por muito tempo com a palavra falada, seria possível imaginar que nessas condições os dois tivessem sido diferentes? O texto escrito preserva, para todos que podem ouvir, a marca comovente desses testemunhos vivos.
A disseminação do material sobre Jesus, contudo, não foi confiada a esmo aos cristãos não-instruidos que poderiam distorcer a mensagem. Quando foi preciso um sucessor para Judas Iscariotes, uma qualificação exigida pelos apóstolos era de que o sucessor fosse testemunha ocular de todo o ministério de Jesus:
"É necessário, pois, que dos varões que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus andou entre nós, começando desde o batismo de João até o dia em que dentre nós foi levado para cima, um deles se torne testemunha conosco da sua ressurreição. (Atos 1.21,22)
Harold Riesenfeld, o respeitado estudioso sueco do Novo Testamento, conclui que para os discípulos "as palavras e as ações de Jesus são uma palavra santa, comparável a do Antigo Testamento, e a transmissão desse precioso material é confiado a pessoas especiais".
Assim, os discípulos seguiram a prática de suas comunidades judaicas na escolha de pessoas especiais, comparáveis em muitos aspectos aos rabinos, responsáveis pela preservação e transmissão da "santa" tradição. A tarefa consumia tempo bastante para que essas pessoas fossem desobrigadas de outros deveres domésticos e pudessem se dedicar em tempo integral à oração e ao ministério da palavra (Atos 6.4).
O pensador sueco, Birger Gerhardsson, na primeira metade da sua Memory and Manuscript [Memória e manuscrito], explica os procedimentos que as autoridades judaicas utilizavam para receber e transmitir com precisão a sua tradição oral. Na segunda metade do livro, ele revela a evidência do uso pela igreja primitiva de práticas semelhantes para transmitir a tradição oral a respeito de Jesus.
Herhardsson apresenta várias citações rabínicas para demonstrar como era importante na cultura judaica receber e transmitir sua tradição oral com precisão. Por exemplo, no Talmude babilônico, o tratado de Sotá 22a revela que os judeus tinham a intenção de memorizar até mesmo o que eles não entendiam: "O mago murmura e não entende o que está dizendo. Da mesma maneira o tanaíta recita e não entende o que ele está dizendo". No mesmo Talmude, o tratado Aboda Zara 19a afirma que "se deveria sempre recitar (embora se esquecesse e) embora não se entendesse o que se está dizendo". Em vários e diferentes textos, um pupilo é descrito como aquele que aprende uma doutrina específica por meio das palavras, "ele a aprendeu dele 'quarenta vezes',e ela se tornou para ele como o seu tesouro".
Em muitas situações, os rabinos dão aos seus alunos estratagemas mnemônicos para lhes ajudar a guardar determinadas passagens.
Aqueles que descobriram a utilidade da técnica de memorizar repetindo em voz alta reconhecerão a eficiência deste conselho: "Deixe seus ouvidos ouvirem o que você permite passar pelos seus lábios". R. Akiba enfatizou o estudo diário da Torá dizendo, "Cante todos os dias, cante todos os dias".
Fortes advertências contra o esquecimento incluiam esta censira de R. Meir: "Todo homem que esquece uma única palavra do seu Mixná (isto é, aquilo que ele aprendeu), a Escritura o considera como se ele tivesse perdido a alma!". Se um professor esquecer o que um dia soube, por exemplo, por causa de uma doença, ele teria que voltar aos seus próprios alunos para reaprender o que dele esqueceu.
É algum milagre que por centenas de anos os judeus puderam preservar volumes de tradição oral? Eles finalmente registraram o Mixná aproximadamente em 200 d.C., o Talmude Palestino ou de Jerusalém em 350-425 d.C. e o Talmude Babilônico em 500 d.C. Quando se pensa por um momento que cada uma das testemunhas oculares da vida de Jesus teve na infância ao menos parte do treino ilustrado acima, é quase absurdo pensar que elas teriam permitido a ocorrência de erro nas palavras de Jesus que desejavam preservar. É quase de admirar-se a razão de Jesus haver dito que precisava enviar o Espírito Santo que "vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito" (João 14.26)
É evidente nos evangelhos que Jesus exprimiu sua doutrina em segmentos fáceis de lembrar. As parábolas são geralmente concisas e tranquilamente recordáveis. Certos dizeres, como em Mateus 11.17, indicam a prática da doutrina de Jesus dentro de uma cultura oral: "Tocamo-vo flauta, e não dançastes; cantamos lamentações, e não pranteastes". A história dos dois homens que construiram as suas casas, um na areia e o outro na pedra, contém paralelos e contrastes na fraseologia que apontam para o ouvinte (Mt 7.24-27).
Desde o principio, embora os discipulos mal compreendessem o que o messiado de Jesus significava, eles não duvidaram que Ele fosse o Messias. João provavelmente percebera que os outros escritores dos Evangelhos não registraram alguns eventos cruciais referentes ao período anterior ao momento em que deixaram suas redes para seguir Jesus. Assim, ele relata André encontrando Pedro e anunciando: "Havemos achado o Messias" (João 1.41).
Quando Filipe contou a Natanael sobre Jesus, ele usou claramente termos judaicos implícitos para se referir a Jesus como o Messias: "Acabamos de achar aqueles de quem escreveram Moisés na lei, e os profetas" (João 1.45).
Usando a palavra grega para Messias, Mateus 23.10 relembra o ensinamento de Jesus: "Nem queirais ser chamados guias; porque um só é vosso Guia, que é o Cristo". Gerhardsson conclui:
"Toda probabilidade histórica está em favor dos discípulos de Jesus e de todo o cristianismo primitivo por terem conferido aos dizeres daquele que acreditavam ser o Messias, no mínimo, o mesmo grau de respeito que os alunos de um rabino cnferiam às palavras de seu mestre!"
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