segunda-feira, 3 de maio de 2010

A esperança cristã primitiva em seu contexto histórico. - Por N. T. Wright


Em 25 de outubro de 1946, às 20h30, em uma sala espaçosa no King’s College em Cambridge, dois dos maiores filósofos do século 20, Ludwig Wittgenstein e Karl Popper, estiveram frente a frente pela primeira e única vez. Aquele, certamente, não foi um encontro feliz. Poteriormente, ao conferirem suas anotações, nenhum dos presentes conseguiu chegar a um consenso sobre o que realmente aconteceu naquele encontro.

Wittgenstein, na ocasião, era presidente do Clube de Ciência Moral de Cambridge (em Cambridge, “ciência moral” significa “filosofia”) e famoso por seu brilhantismo, encantando muitas pessoas com suas idéias revolucionárias. Popper e outros filósofos, no entanto, desconfiavam dele. Popper estava começando a adquirir fama, tendo publicado pouco tempo antes a tradução em inglês de sua obra-prima The Open Society and is Enemies. Ambos eram judeus, criados em Viena, nos anos que antecederam a guerra, por, Wittgenstein pertencia a uma família rica, enquanto Popper vinha de uma família mais modesta. Popper havia muito tempo ansiava por uma oportunidade de demonstrar a insensatez dos argumentos de Wittgenstein, e agora lá estava ele, pronto a entregar-lhe um texto que o atacava diretamente. Era uma noite fria; o fogo crepitava na lareira. Wittgenstein estava sentado bem ao lado dela. Muitos dos presentes eram, ou se tornariam, nomes famosos no campo de filosofia: Bertrant Russel, Peter Geach, Stephen Toulmin, Richard Braithwaite. Outros seguiram outra profissão como a advocacia.

Popper provavelmente não sabia que Wittgenstein tinha a reputação de nunca ouvir uma critica até o fim. Conhecido por sua arrogância e rispidez, ele costumava sair antes do término das reuniões. A reunião nem bem havia começado quando Wittgenstein interrompeu Popper e os dois começaram a discutir. A partir daí, os relatos começaram a divergir. Em determinado momento, Wittgenstein apanhou a pá da lareira e ergueu-a, ameaçadoramente, diante dos presentes. Logo depois, saiu da sala e não voltou mais.

Os boatos se espalharam rapidamente. Popper recebeu uma carta da Nova Zelândia perguntando se era verdade que Wittgenstein o havia amealado com uma pá incandescente. Os que presenciaram o fato, nunca chegaram a um acordo sobre o que realmente aconteceu naquele dia. Alguns dizem que a pá estava em brasa, outros, que estava fria. Alguns dizem que Wittgenstein ergueu-a para impor seu ponto de vista(o que não teria sido incomum); outros, incluindo o próprio Popper, afirmam que ele teria ameaçado seu oponente. Alguns dizem que Wittgenstein saiu da sala depois de uma discussão acalorada com Russel, sendo advertido por Popper a ser educado e a “não ameaçar os palestrantes visitantes com pás”. Para outos, ele teria saído antes. Alguns dizem que ele bateu a porta ao sair, outros, que saiu silenciosamente. Posteriormente, essa história foi publicada em um livro ousado, sugerindo que Wittgenstein provavelmente teria saído da sala antes do comentário de Popper. Popper devia estar enganado, afinal, aquele encontro era tão importante para sua reputação profissional, e ele gostaria tanto que aquele dia ficasse marcado como o dia de sua vitória sobre Wittgensteins, que acabou acreditando em sua própria versão da história.

Apesar das divergências quanto aos detalhes, ninguém duvida que esse encontro realmente ocorreu. Todos concordam que Wittgenstein e Popper eram adversários principais, e Russel, uma espécie de árbitro. Ninguém duvida que Wittgenstein tivesse erguido realmente a pá e saído logo depois.

Resolvi contar essa história por uma razão muito simples. É comum que testemunhas oculares discordem entre s, mas isso não quer dizer que nada aconteceu. O mais notável é que ocorram divergências quando as testemunhas são extremamente eruditas e profissionalmente preocupadas em estabelecer a verdade. No entanto, foi isso o que aconteceu. O ponto central do evangelho cristão, o próprio cerne do evangelho, é algo que só foi registrado 50 anos após o ocorrido, e alguns registros não se encaixam exatamente. Alguns duvidam que tenha realmente acontecido algo no primeiro dia da Páscoa. Assim, temos nos quatro Evangelhos, no livro de Atos e nas cartas de Paulo, um relato semelhante Às várias narrativas sobre a pá de Wittgenstein, o que levanta a questão sobre o que, de fato, teria acontecido naquele dia. O sepulcro estaria realmente vazio naquela manhã de Páscoa?

Essas questões estão no centro de um debate que tem perturbado a igreja ocidental há mais de um século. William Temple, que mais tarde veio a ser arcebispo de Cantuária, não foi ordenado enquanto não declarou que realmente acreditava na ressurreição corpórea de Jesus. Posteriormente, o clero, inclusive muitos bispos, não teve essa mesma atitude, permitindo que David Jekins incitasse uma célebre controvérsia, com insinuações sobre o sepulcro vazio e sugerindo fraudes no que diz respeito aos ossos de Jesus – embora suas palavras, assim como a discussão entre Popper e Wittgenstein, tenham tido, posteriormente, uma interessante carreira na tradição oral e escrita.

Podemos realmente crer na ressurreição de Jesus? Por quê? Esta questão tem gerado muita confusão na mente das pessoas. Não se trata de acreditar ou não na Bíblia, ou de acreditar que os milagres realmente ocorreram, ou de crer no “sobrenatural”. Não se trata também da crença de que Jesus está vivo hoje e que podemos conhecê-lo. Se tratarmos o tema da Páscoa apenas para provar uma dessas discussões, perderemos o foco.

Também não podemos afirmar, embora muitos tenham tentado, que ao contrário das pessoas do primeiro século, nós conhecemos as leis da natureza, por isso sabemos que Jesus não podia ter ressuscitado dentre os mortos. Vimos, anteriormente, que os povos antigos – com exceção dos judeus – eram céticos quanto à possibilidade de os mortos ressuscitarem, embora os judeus não acreditassem que alguém pudesse ressuscitar antes da ressurreição final. Mesmo que essas interpretações equivocadas, as dúvidas permanecem. Em que, precisamente, os cristãos primitivos acreditavam? Por que usavam a linguagem da ressurreição pra expressar a sua crença? É possível se obter uma prova histórica a favor ou contra o túmulo vazio e a ressurreição corpórea, ou tudo é uma questão de crer ou não crer? Até onde essa história pode nos levar? Qual é o papel da fé, e como ela opera? A questão não é simplesmente o que podemos saber, mas como podemos saber – é aqui que todo o nosso conhecimento é questionado.

Edmonds e Eidinow empregaram dois métodos para investigar o encontro entre Popper e Wittgenstein. Primeiramente, eles interrogaram as testemunhas oculares para se certificarem das evidências, e a partir daí, reconstruíram a sutuação detalhadamente, levando em conta a complicada agenda e os traços de caráter dos dois personagens principais. Depois disso, eles chegaram a algumas conclusões, expressas em uma narrativa histórica conectada, que embora não possa ser considerada absolutamente verdadeira, é a maneira mais provável de conciliar as diferentes opiniões.

Devemos empregar esse mesmo método ao contemplarmos o túmulo vazio e o evento da Páscoa. As testemunhas oculares – se é que podemos chamá-la assim – são bem conhecidas, e podemos encontrá-las facilmente no Novo Testamento. Podemos também reconstruir a situação detalhadamente, considerando as crenças e expectativas judaicas, o ministério público de Jesus e as crenças e esperanças de seus seguidores. Porém, temos ainda um terceiro elemento, sem um paralelo real no debate de Cambridge, de 1946. As questões filosóficas discutidas nesse debate e a tensões provocadas pó elas pertencem a um contexto específico, cada vez mais distante no tempo. Popper, hoje, é considerado “antiquado”, e o legado mais brilhante de Wittgenstein é visto como profundamente ambíguo. Não podemos afirmar, ao observarmos o desenvolvimento das correntes filosóficas posteriores, que alguém “venceu” o debate naquela noite. Mesmo que a obra de um deles tenha sido reconhecida, posteriormente, como superior, isso provavelmente, não tem nada a ver com os dez minutos de retórica acalorada em Cambridge.

Com a Páscoa, no entanto, a situação é diferente. O que aconteceu naquele dia gerou algo completamente novo: algo que cresceu e se desenvolveu de maneira completamente distinta, mas sempre a partir daquele momento. Nossa investigação, portanto, deve se concentrar na observação do movimento cristão que emergiu a partir daí, procurando descobrir o que o teria causado. Apesar de nossas testemunhas oculares discordarem quanto aos detalhes, algo certamente aconteceu.

Como já abordamos esse tema exaustivamente, podemos agora ir direto ao cerne da questão. Procurei me concentrar, nesse capítulo, nas crenças dos cristãos primitivos sobre a vida além da morte, no contexto das visões antigas, tanto pagãs quanto judaicas. Os incríveis resultados dessa busca nos levarão de volta às narrativas da Páscoa, investigando novamente seu caráter e procedência e refletindo sobre as possíveis opções abertas ao historiador.

A RESSURREIÇÃO E A VIDA APÓS A MORTE NO PAGANISMO E NO JUDAISMO ANTIGO.

Vejamos, resumidamente, quais as crenças existentes no mundo antigo sobre a vida além-túmulo. Para o mundo pagão antigo, a estrada que leva ao mundo inferior tem apenas um sentido. A morte possui poderes ilimitadas; ninguém consegue escapar ou resistir a essa realidade. Todos sabem que terão de enfrentá-la mais cedo ou mais tarde. O mundo pagão antigo, portanto, se dividia entre aqueles que esperavam ter um novo corpo, como as “sombras” de Homero, mas sabiam que isso seria impossível, e aqueles que, como os filósofos platônicos, não queriam ter novamente um corpo, pois achavam que a alma sem corpo era muito melhor.

Nesse contexto, a palavra “ressurreição” e seu equivalente em grego, latim ou outra língua, nunca é usada para se referir à “vida após a morte”. “Ressurreição” tem o sentido e uma nova vida corpórea depois da “vida após a morte”. Quando os antigos falavam de ressurreição, quer para negá-la (como todos os pagãos), quer para afirmá-la (como alguns judeus0, estavam se referindo a um acontecimento em dois estágios, com a ressurreição no sentido de uma vida corpórea, sendo precedida de um período de intervalo entre a morte física. A “ressurreição”, portanto, não era uma maneira vivida ou dramática de refletir à situação das pessoas imediatamente após a morte. Ela representava uma situação que poderia existir (embora poucos acreditassem nisso) algum tempo depois da morte. Esse tipo de pensamento esteve presente em todo o mundo antigo, até o surgimento do gnosticismo pós-cristão no segundo século. A maioria dos antigos acreditava na vida após a morte; alguns deles desenvolveram crenças complexas e fascinantes sobre o assunto, sobre as quais pouco sabemos. No entanto, fora do judaísmo e do cristianismo (e talvez do zoroastrismo, apesar das controvérsias quanto à datação), ninguém mais acreditava na ressurreição.

Quanto ao conteúdo, a “ressurreição” se refere especificamente a algo que acontece ao corpo, dão os debates posteriores sobre como Deus fazia isso, se ele começaria com os ossos que haviam sobrado, criaria outros novos ou faria algo parecido. Esse tipo de debate só teria sentido se a ressurreição fosse algo assim, como poderíamos dizer, palpável e física. Todos sabiam bem o que eram fantasmas, espíritos, visões e alucinações. A maioria das pessoas no mundo antigo acreditava em todas essas coisas, e certamente não se referia a nenhuma delas quando falava de “ressurreição”. Quando Herodes pensou que Jesus poderia ser João Batista ressurgido dentre os mortos, não achou que seria um fantasma (Mc 6.14-6 e paralelos). A ressurreição implica a existência de um corpo. Nunca e demais enfatizar isso, já que em boa parte dos textos modernos a palavra “ressurreição” continua sendo usada, quase sempre equivocadamente, como um sinônimo virtual de “vida após a morte”, no sentido popular.

Há uma conclusão importante a ser tirada de tudo isso, antes de analisarmos as tradições judaicas. Quando os cristãos primitivos afirmavam que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos, eles sabiam que estavam falando de algo que havia exclusivamente acontecido com ele, e que ninguém esperava que acontecesse com outros. Eles não estavam dizendo, confusamente, que Jesus havia se tornado divino. Nada do que eles diziam tinha essa conotação. Tanto para os judeus como para os pagãos, não havia uma ligação implícita entre ressurreição e divinização. Quando os antigos romanos declaravam que o imperador morto recentemente tinha ido para o céu e se tornado divino, ninguém pensava que ele havia ressuscitado dentre os mortos. A exceção prova a regra: aqueles que acreditavam que Nero havia retornado à vida (um grupo, talvez, semelhante aos que pensam que Elvis não está morto, apesar de seu túmulo ser bem conhecido e muito visitado) não esperavam que ele agora estivesse no céu.

Quanto Às antigas crenças judaicas, alguns judeus, da mesma forma que os pagãos, negavam qualquer possibilidade de vida futura, especialmente em um novo corpo. Os saduceus assumiram claramente essa posição. Outros concordavam com os pagãos sobre um futuro glorioso para a alma, ainda que sem corpo, a exemplo do filósofo Filo. A maioria dos judeus daquela época, no entanto, acreditava em uma ressurreição final: ou seja, que Deus cuidaria da alma após a morte, e, no último dia, daria a seu povo novos corpos, quando fosse julgar e refazer o mundo inteiro. Foi isso que Marta supôs diante da conversa que teve com Jesus, ao lado do túmulo de Lázaro: “Eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição no ultimo dia” (Jô 11.24). Era assim que os judeus entendiam a “ressurreição”.


O ensino de Jesus durante seu breve ministério público apenas reforçou a visão judaica. Jesus redefiniu alguns conceitos bastantes comuns na época – especialmente, é claro, a noção de “reino de Deus”, explicando por meio de parábolas e atitudes simbólicas que o governo soberano e salvador de Deus estava sendo estabelecido a partir daquele momento, embora não fosse aquilo que seus contemporâneos haviam imaginado e desejado. Porém ele mesmo quase nunca tentou redefinir a noção de ressurreição. Quando tentou, ele a fez de modo breve e obscuro, fazendo com que seus seguidores mais próxmos não tivessem a menor idéia do que ele estava falando.

Na primeira discussão direta sobre esse assunto – quando os saduceus lhe fizeram uma pergunta ardilosa, tentando desacreditar a idéia da ressurreição -, a resposta de Jesus foi bem tradicional, certamente melhor do que os fariseus teriam respondido, mas sem acrescentar algo significativo à visão judaica padrão. Jesus falou de “ressurreição” como algo que aconteceria no futuro, quando todos os justos seriam trazidos de volta à vida, indicando que nesse estado as coisas seriam diferentes, portanto a questão de quem casaria com quem não teria sentido – o ponto em que os saduceus tentaram apanhá-lo. A propósito, Jesus não disse, como algumas pessoas sugerem que eles se tornariam anjos, mas que, em certo sentido, seriam como anjos (Mt 22.30; Mc 12.25) ou iguais a anjos (Lc 20.36). Fora essa discussão, praticamente a única referencia à “ressurreição” , em termos gerais, nos Evangelhos, ocorre em Mateus 13.43, quando Jesus declara que no último dia os justos resplandecerão como o sol no reino de seu Pai. A referência a Daniel 12.3 assegura que isso deve ser interpretado no contexto da ressurreição. Quando Jesus se refere à recompensa que o povo de Deus irá receber nos céus, ele pode simplesmente estar se referindo à “ressurreição dos justos”, tal como os judeus a como os judeus a compreendiam (Lc 14.14). Em um texto isolado do Evangelho de João (5.29), Jesus fala de uma ressurreição futura, tanto dos que fizeram o bem, como dos que praticaram o mal. Até aqui ele está afinado com a crença judaica do primeiro século. Diferentemente de suas redefinições do reino e de sua obra messiânica, ele parece não ter muita coisa a dizer sobre o assunto.

Exceto quando ele começa a falar aos seus discípulos sobre sua morte e ressurreição ao terceiro dia. Muitos estudiosos argumentam que estas seriam “falsas profecias”, colocadas posteriormente pela igreja nos lábios de Jesus. Tenho definido exaustivamente uma visão oposta a essa. Para mim, parece evidente que alguém que fez o que Jesus fez e pensou como ele deve ter pensado, é capaz de prever sua própria morte, referindo-se a ela com imagens e metáforas apocalípticas e revestindo-a de um sentido salvífico, como se imagina que os mártires macabeus tenham feito em relação às suas próprias mortes. Naquela época, quem pensasse assim seria quase que obrigado a dizer: “E Deus me honrará depois que eu morrer”. O tipo de honra que eles esperavam receber, de acordo com 2 Macabeus, seria, é claro, a ressurreição.

Os discípulos, porém, como afirmam repetidas vezes os Evangelhos, não conseguiam entender o que Jesus dizia. Suas palavras enigmáticas estavam, de alguma forma, ocultas na metáfora apocalíptica sobre o Filho do homem, e eles claramente tinham a intenção de decifrá-las, mas não sabiam como. A última coisa que eles imaginavam era que esse enviado do reino, esse Jesus que eles acreditavam que poderia ser o Messias de Deus, morreria nas mãos das forças dominadoras pagãs. Em nenhum momento vemos alguém dizendo: “Bem, tinha que ser assim; ele precisava morrer para nos salvar, para então ressuscitar logo depois”. A única vez que Jesus tentou redefinir a crença judaica na ressurreição, afirmando que ele seria o primeiro a ressuscitar, os discípulos não entenderam nada. Quando Jesus pediu aos discípulos que não comentassem sobre a transfiguração “até o dia em que o Filho do homem ressuscitasse dentre os mortos”, eles perguntam uns aos outros o que seria esse “ressuscitar dentre os mortos”. Isso não significa que eles nada sabiam sobre a ressurreição. Provavelmente, eles nunca haviam pensado – apesar do comentário de Herodes sobre João Batista – que isso pudesse acontecer a uma pessoa, antes de todas as outras. Essa explicação é bastante aceitável, tanto em relação a Jesus como aos discípulos, e está de acordo com o contexto da época e com a compreensão dos discípulos sobre os fatos e suas motivações.

Evidentemente, essa explicação revela também que a crucificação de Jesus representou o fim de toda esperança. Ninguém disse: “Não se preocupem, ele estará de volta dentro de alguns dias”, ou “Bem, pelo menos agora ele está no céu cm Deus”. Eles não esperavam esse tipo de “reino”. Afinal, Jesus havia lhes ensinado a orar para que o reino de Deus viesse “assim na terra como no céu”. O que eles disseram – o que também está de acordo com o pensamento do primeiro século – foi: “Esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel” (Lc 24.11), mas como “ele foi crucificado, então não era ele”.

Vimos que a cruz tinha um significado simbólico em todo mundo romano, muito antes de adquirir um novo sentido para os cristãos. A cruz simbolizava o poderio romano sobre um determinado lugar, e aquele que opusesse a esse poder seria castigado de forma terrível. Nesse sentido, a crucificação significa que o reino, ao contrário do que Jesus dizia, ainda não tinha vindo. A crucificação de um provável Messias significa que ele não era, de fato, o Messias. Quando Jesus foi crucificado,, os discípulos sabiam bem o que isso significava. Eles devem ter pensado: “Embarcamos numa canoa furada. A brincadeira acabou”. Até onde eles podiam enxergar, todas as suas expectativas tinham virado poeira. Eles tinham sorte de escapar com vida.

Foi nesse contexto que o cristianismo despontou como algo novo e, ao mesmo tempo, esperado. Vejamos agora o que acontece ao localizarmos esse movimento repentino no mapa do judaísmo antigo, em seu contexto pagão mais amplo.

O ASPECTO SURPREENDENTE DA ESPERANÇA CRISTÃ PRIMITIVA

Vimos que a crença cristã primitiva na esperança para além da morte fazia parte da teologia dos judeus, e não dos pagãos; entretanto, essa esperança judaica passou por sete modificações notáveis, que podem ser observadas com extraordinária consistência nos escritos de Paulo, em meados do primeiro século, e também nos de Tertuliano e Orígenes, no fim do segundo século, além de outros.

Para começar, a esperança futura dos cristãos primitivos concentrava-se firmemente na ressurreição. Os primeiros cristãos não acreditavam simplesmente na “vida após a morte”; eles nunca falavam de “ir para o céu” (o título de um bom livro sobre o assunto diz que o céu não é importante, mas não é o fim do mundo), e quando se referiam ao céu como um destino pós-morte, pareciam considerar essa vida “celestial” como um estágio temporário, enquanto esperavam a ressurreição final do corpo. Quando Jesus disse ao ladrão que eles estariam no paraíso naquele mesmo dia, “paraíso” aqui não indica que este seria seu destino final, como Lucas 24 deixa claro. “Paraíso’ é o delicioso jardim de descanso para o povo de Deus à espera da ressurreição. Quando Jesus declarou que havia muitas moradas na casa de seu Pai, ele usou a palavra monê, que tem sentido de moradia temporária. Quando Paulo disse que desejava “partir e estar com Cristo, o que é muito melhor”, ele estava de fato pensando em uma vida de delicias ao lado do Senhor, em seguida à morte, mas esta seria apenas o prelúdio da ressurreição (Lc 23.43; Jô 14.2; Fp 1.23 com 3.9-11, 20-11). Quanto à discussão no capítulo anterior, os cristãos primitivos acreditavam em dois estágios no futuro: primeiro, a morte e o que viesse logo após; segundo, uma nova existência corpórea em um mundo refeito.

Não há nada comparável a isso no paganismo. Essa é uma crença totalmente judaica. Porém, essa crença judaica recebeu sete modificações do cristianismo primitivo, trazidas por escritores tão diversos como Paulo e João, Lucas e Justino Mártir, Mateus e Irineu. Isso é bastante significativo, porque as pessoas tendem a ser conservadoras em relação às suas crenças sobre a vida após a morte. Diante da desolação, as pessoas recuam para a segurança daquilo que ouviram ou aprenderam no passado. No entanto, os cristãos primitivos organizaram uma crença totalmente nova, de sete maneiras diferentes. Vejamos quais são essas sete modificações.

1. A primeira delas é que, dentro do cristianismo primitivo, não havia praticamente nenhuma crença sólida sobre a vida após a morte. As crenças sobre a vida após a morte, e a maneira de expressá-las social e culturalmente, não são notadamente as características mais conservadoras de uma cultura. No entanto, embora os cristãos primitivos tenham retirado muitos elementos do judaísmo e diferentes contextos do paganismo – que por sua vez deveriam sustentar muitas crenças diferentes sobre a vida após a morte – eles modificaram essa crença de modo a focalizar um único ponto. Nesse sentido, o cristianismo parece ser uma variação do judaísmo farisaico. Não há nenhum traço da visão dos saduceus ou de Filo.

A igreja de Corinto, uma igreja de ex-pagãos confusos, tinha em seu meio algumas pessoas que, aparentemente, negavam a ressurreição, mas essa situação não durou muito tempo (1Co 15.12). Dois mestres mencionados nas cartas pastorais de Paulo afirmavam que a ressurreição já havia acontecido (2Tm 2.18). Provavelmente teria sido um mal-entendido, antecipando talvez a reconsideração gnóstica posterior de toda a questão, mas que não alterou a esmagadora impressão de unanimidade. Porém, não podemos imaginar, como alguns imaginam até hoje, que a ração para essa unanimidade estaria no fato de a ortodoxia ditatorial ter apagado todos os traços de um período anterior mais polimórfico. Há evidência de debates sobre diversos tipos de crenças, mas a unanimidade sobre a ressurreição se sobressai. Somente no fim do segundo século, cerca de 150 anos depois da época de Jesus, algumas pessoas começaram a usar a palavra “ressurreição” com um significado diferente do que ela tinha no judaísmo e no cristianismo primitivo, isto é, como uma “experiência espiritual” no presente, levando a uma esperança desligada do corpo no futuro. Durante os dois primeiros séculos, a ressurreição, no sentido tradicional, manteve-se no centro das discussões.

2. Isso nos leva à segunda mudança. Para o judaísmo do segundo templo, a ressurreição não era muito importante. Uma grande quantidade de obras sequer toca no assunto. Ainda não se sabe exatamente o que os autores dos manuscritos do mar Morto pensavam sobre isso. A não ser por algumas citações ocasionais, como em 2 Macabeus 7, a ressurreição era considerada um tema secundário. No entanto, no cristianismo primitivo a ressurreição passou a ter importância fundamental. É impossível conceber o pensamento de Paulo ou de João sem a ressurreição. Ela é extremamente importante nos textos de Clemente e Inácio, Justino e Irineu. A crença da ressurreição foi um dos principais motivos que levaram os pagãos da cidade de Lyon, na França, em 177 depois de Cristo, a se enfurecerem e matarem muitos cristãos, inclusive o bispo que antecedeu ao grande Irineu. A crença na ressurreição do corpo foi uma das coisas que chamou atenção do médico pagão Galeno em relação aos cristãos (a outra seria seu notável controle sobre o desejo sexual). Se extrairmos os relatos do nascimento de Jesus nos Evangelhos, perderemos apenas dois capítulos de Mateus e dois de Lucas. Porém, se eliminarmos a ressurreição, perderemos todo o Novo Testamento, e boa parte dos escritos dos pais da igreja do segundo século.

3. Essas duas primeiras modificações estão relacionadas à importância que a ressurreição passou a ter no cristianismo primitivo, em oposição ao lugar ocupado por ela no judaísmo. A próxima mudança diz respeito ao que significava, de fato, a ressurreição. O judaísmo não é claro quanto ao tipo de corpo que o ressuscitado teria. Os mártires macabeus supunham que seria um corpo não muito diferente do que temos hoje. A maior parte dos textos judaicos sobre a ressurreição não acrescenta muita coisa ao assunto, exceto por algumas referencias à “glória”, talvez no sentido de luz. Porém, o cristianismo primitivo sempre afirmou que o novo corpo ressurreto, apesar de ser um corpo no sentido físico, ocupando assim um lugar no tempo e no espaço, seria também um corpo transformado, com novas características. Houve muitas discussões sobre o que a “ressurreição” realmente envolvia.

Paulo coloca isso mais claramente em 1 Coríntios 15, em uma passagem geralmente mal-interpretada, que serve de base para muitos escritos posteriores. Paulo se refere a dois tipos de corpo, presente e futuro, usando dois adjetivos para descrever esses dois corpos. Infelizmente, muitas traduções interpretam mal esse ponto, fazendo supor que, para Paulo, o novo corpo seria um corpo “espiritual”, um corpo não no sentido físico, de modo que, no caso de Jesus, o túmulo não teria ficado vazio. Não é bem isso que Paulo está dizendo, o que pode ser facilmente demonstrado pelo exame filológico e exegético do texto. O contraste que ele está fazendo não é entre o que entenderíamos por um corpo “físico” presente em um corpo “espiritual” futuro, mas entre um corpo presente animado alma humana normal e um corpo futuro, animado pelo Espírito de Deus.

Paulo destaca que esse corpo futuro será incorruptível. A carne e o sangue são corruptíveis e estão destinados à decadência e à morte. É por isso que Paulo diz que “carne e sangue não podem herdar o reino de Deus” (v. 50) O novo corpo será incorruptível. O capítulo inteiro, uma das argumentações mais longas mantidas por Paulo e ponto alto de toda a carta, é sobre a nova criação, sobre o Deus criador refazendo a criação, e não abandonando-a, como querem os filósofos platônicos e os gnósticos.

A transformação desse corpo físico (que chamei de “transfisicalidade” em meu livro The Ressurrection on the Son of God) não envolve a transformação em um corpo resplandecente. Aqui novamente alguns se equivocam ao interpretar a palavra “glória” como resplandecer fisicamente, e não como uma posição dentro do mundo de Deus. Isso pode ser observado com mais clareza em Daniel 12, um texto bíblico bastante conhecido sobre a ressurreição, que fala que os sábios ressuscitados “resplandecerão como o fulgor do firmamento”. Surpreendentemente, esse texto nunca é citado no Novo Testamento como referência à ressurreição corpórea, exceto na interpretação de uma parábola (MT 13.43). Ele é citado uma única vez, mas como uma metáfora para o testemunho cristão no mundo atual (Fp 2.15). Podemos concluir, então, que a crença cristã primitiva sobre a ressurreição incluía a visão de um novo corpo transformado, no futuro, mas não do único modo que o texto bíblico central parece sugerir.

4. A quarta e surpreendente mudança, evidenciada pela crença cristã primitiva sobre a ressurreição, é que a “ressurreição” como um evento, pode ser dividida em duas. Aqui, o texto de 1 Corintios 15 é novamente fundamental, mas ele só é reconhecido no transcorrer dos dois primeiros séculos. Nenhum judeu do primeiro século esperava que a “ressurreição” pudesse ser outra coisa senão um evento em larga escala, atingindo todo o povo de Deus, ou talvez toda a raça humana, como parte de um evento repentino no qual o reino de Deus finalmente chegaria, assim na terra como no céu. Ninguém esperava que uma pessoa pudesse ressuscitar antes das outras. As “exceções” às vezes citadas (Enoque e Elias) não contam, por dois motivos: (a) nenhum deles teria morrido, e assim a “ressurreição” (nova vida após morte física) não seria relevante; (b) eles estavam no céu, não em um corpo novo, na terra (Gn 5.25; 3Rs 2.11-12). Não podemos esquecer que ressuscitar não significa “ir para o céu” ou “escapar da morte” ou ainda “desfrutar de uma existência após a morte”, mas “voltar à vida física depois de uma morte corpórea”. É por isso que, logo depois da transfiguração, quando Jesus diz a seus discípulos para não mencionarem a visão até que o Filho do homem tenha ressuscitado dentre os mortos, eles ficam confusos, e se perguntam o que isso poderia significar, se seria um evento que lhes permitiria falas às pessoas sobre detalhes da vida de Jesus, ou um vento em que todo o novo mundo de Deus renasceria.

Houve, é claro, outros movimentos judaicos semelhantes ao cristianismo primitivo que sustentaram uma espécie de escatologia iniciada (isto é, a crença de que o “fim” já teria, de certa forma, começado). Os essênios, de acordo com os Manuscritos do Mar Morto, acreditavam que o pacto tinha sido restaurado secretamente com eles, no inicio do final dos tempos. Porém, fora do cristianismo, não encontramos em outro lugar aquela que se tornaria sua característica principal: a crença de que esse inicio consistia na ressurreição de alguém durante o transcorrer da história, antes de sua ocorrência grandiosa e final, antecipando e garantido a ressurreição definitiva do povo de Deus no fim da história.

5 . Sou grato a Dominic Crossan por me chamar a atenção para o que passei a considerar como a quinta mudança na crença judaica da ressurreição. Em um debate público em Nova Orleans, em março de 2005, Crossan chamou essa mudança de “escatologia colaborativa”. Minha compreensão do que isso significa, em sintonia com o pensamento de Crossan, é que como os cristãos primitivos acreditavam que a “ressurreição” teria começado com Jesus, e seria concluída na grande ressurreição final no ultimo dia, eles acreditavam também que Deus os havia chamado para serem seus colaboradores, no poder do Espírito, na realização da obra de Jesus na vida pessoal e política, na missão e na santificação, antecipando assim a ressurreição final. Deus não estava apenas iniciando o “fim”; se Jesus, o Messias, era o próprio “fim” e o futuro de Deus manifestado no presente, então aqueles que pertenciam a ele, que eram seus discípulos, capacitados pelo seu Espírito, deveriam transformar o presente, à luz do futuro.

6. A sexta mudança extraordinária dentro da crença judaica é o uso metafórico totalmente diferente de “ressurreição”. A ressurreição, no judaísmo, podia ser usada como uma metáfora ou como uma metonímia do retorno do exílio. Em Ezequiel 37 ela é claramente usada como metáfora; na época em que os rabinos admitiam essa idéia, em 2 Macabeus, Esdras 4 e em outras partes do Antigo Testamento, bem como nos Evangelhos, ela é usada como metonímia, isso é, uma parte de toda a escatologia, representando o todo. O referencial concreto dessa metáfora judaica era a restauração nacional, étnica e geográfica de Israel. Assim, quando a “ressurreição” é usada metaforicamente no judaísmo, ela se refere à restauração de Israel. Porém, desde os primórdios do cristianismo – o que é mais impressionante quando consideramos que ele começou como um movimento messiânico judaico – esse significado desapareceu, tendo talvez sua única e rápida aparição na confusa pergunta dos discípulos no primeiro capítulo do livro de Atos: “Senhor, será esse o tempo em que restaures o reino de Israel?” (v. 6; cf. Rm 11.15; At 16).

Surge, então, um novo significado metafórico da ressurreição, com suas raízes firmadas na época de Paulo, em que a ressurreição é entendida como uma metáfora do batismo, com o sentido de morrer e ressurgir com Cristo. A ressurreição surge também como rferência à uma nova vida de obediente submissão, capacitada pelo Espírito Santo. Esses significados metafóricos geralmente aparecem junto à passagens que enfatizam também o sentido literal de uma ressurreição futura e corpórea, como em Romanos, indicando que não estavam sendo usados apenas no sentido espiritual. É importante observar também que esse significado metafórico tem uma referência concreta – batizmo e ética – ao contrário do significado abstrato e “espiritual” prezado pelos gnósticos posteriores.

Portanto, na sexta modificação da crena judaica, a ressurreição ainda mantém seu sentido literal sobre uma existência corpórea futura, mas perde seu poderoso significado metafórico anterior sobre a renovação do Israel étnico para adquirir um novo sentido, com a renovação dos seres humanos em geral. De fato, o cristianismo primitivo estava começando a descobrir que a linguagem usada para se referir ao retorno do exílio é à renovação étnica e territorial de Israel, passaria agora a ser usada metaforicamente para se referir à renovação dos seres humanos no presente e à sua ressurreição corpórea no final dos tempos. Evidentemente, todos esses significados só poderiam ser compreendidos no contexto judaico; nenhum pagão poderia sequer imaginar algo parecido com isso. Porém, antes do surgimento do cristianismo, nenhum judeu havia enveredado por esse caminho. Estamos diante de uma notável mudança posterior, vinda de dentro.

7. A sétima mudança, dentro da crença judaica da ressurreição, se encontra na sua associação com o messianismo. Ninguém no judaísmo esperava que o Messias morresse, portanto, ninguém imaginava que ele poderia ressuscitar dentre os mortos. Isso trouxe uma tremenda mudança não apenas na crença da ressurreição, mas na própria crença messiânica. De acordo com as crenças messiânicas da época (é importante frisar que nem todos os textos judaicos mencionavam um messias, mas essa noção passou a ser fundamental no cristianismo primitivo), o Messias deveria lutar para conquistar a vitória de Deus sobre os pagãos, reconstruir ou purificar o templo e trazer a justiça divina ao mundo. Jesus, aparentemente, não fez nada disso. Ele sofreu com a injustiça do mundo; encenou uma estranha, e aparentemente ineficiente, manifestação publica no templo, e morreu nas mãos dos pagãos, em vez de derrotá-los. Nenhum judeu com alguma noção das idéias messiânicas teria imaginado, após a crucificação, que Jesus de Nazaré seria de fato o ungido do Senhor. No entanto, desde o começo, de acordo com fragmentos de antigos credos pré-paulinos, os cristãos declaravam que Jesus era de fato o Messias, exatamente por ele ter ressuscitado.

Fica claro, portanto, que é impossível explicar a crença cristã primitiva de Jesus como Messias sem a ressurreição.

Há evidências de outros movimentos judaicos messiânicos ou proféticos, contemporâneos ao ministério público de Jesus. Em geral, eles terminam com a morte do personagem central. Os participantes do movimento (supondo-se que escapariam para salvar a própria pele) teriam de escolher entre desistir da luta, ou encontrar um novo Messias. Se eles optassem por um novo messias, Tiago, irmão de Jesus, um mestre importante e dedicado, a figura central na igreja primitiva de Jerusalém, seria um bom candidato. No entanto, ninguém imaginava que Tiago pudesse ser o Messias. Josefo refere-se a ele, com certo desdém, como “o irmão do chamado Messias”.

Essas evidências indicam que podemos rejeitar as posições revisionistas sobre a ressurreição de Jesus, oferecidas por vários escritores. Alguns têm sugerido que os discípulos estavam tão abalados com a morte de Jesus que cederam à idéia da ressurreição e agarraram-se a ela, convencendo-se que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos, embora, é claro, soubessem que isso não havia acontecido. Outros têm sugerido que os cristãos primitivos acreditavam que Jesus, depois de sua morte, foi elevado ao céu. Outros dizem que eles tinham uma compreensão estranha de sua missão – estabelecer o reino de Deus – crendo que ela deveria ser mantida de um modo diferente, e que essa crença os levou a dizer que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos.

Isso, no entanto, teria algum sentido? Podemos testar essa idéia com um pequeno exercício mental. Nos anos 70 depois de Cristo, os romanos conquistaram Jerusalém e levaram milhares de judeus cativos de volta a Roma, entre eles, o homem que eles consideravam o líder da revolta judaica, o “rei dos judeus”, um homem chamado Simão bar Giora. Ele seguia atrás do cortejo triunfal, e quando o espetáculo chegou ao fim, ele foi açoitado e então morto.

Agora, imagine um encontro desses revolucionários judeus, três dias ou três semanas depois. Um deles diz:

- Sabe, acho que Simão era, de fato, o Messoas. Acho que ainda é!
Os outros ficam confusos e dizem:
- É claro que ele não era; os romanos o mataram, como de costume. Se você queria um Messias, é melhor procurar outro.
- Ah, - diz o primeiro – mas eu acredito que ele ressuscitou dentre os mortos.
- O que você está dizendo? – pergunta os outros – Ele está morto e sepultado. – Não! – responde o primeiro. – Eu creio que ele foi elevado ao céu.
Os outros parecem confusos.
- Os justos estão com Deus, todo mundo sabe disso; suas almas estão nas mãos de Deus; isso não quer dizer que eles já ressuscitaram dos mortos. Seja como for, todos nós ressuscitaremos no final dos tempos, mas ninguém ressuscita no meio da história.
- Não – responde o primeiro. – Vocês não compreendem, eu me senti cercado pelo amor de Deus. Senti Deus me perdoando, perdoando a nós todos. Senti meu coração estranhamente aquecido. Além disso, eu vi Sião, ele estava ali comigo...
Os outros o interrompem, agora irados.
- Todos nós podemos ter visões. Muitas pessoas sonham com amigos mortos recentemente. Às vezes esses sonhos são muito reais. Isso não significa que eles ressuscitaram dentre os mortos. E certamente não quer dizer que um deles é o Messias. Se o seu coração está aquecido, então cante um salmo, mas não faça afirmações absurdas sobre Simão.

É mais ou menos isso que os revisionistas sugerem que poderia ter acontecido. No entanto, essa solução não simplesmente inconcebível; ela é impossível. Se alguém tivesse dito o que os revisionistas sugerem, teria acontecido esse tipo de conversa. Um pouco de imaginação histórica disciplinada é suficiente para remover pilhas enormes do chamado criticismo histórico.

Além disso (concluindo essa ultima mudança na crença judaica), a crença de que Jesus seria de fato o Messias levou ao desenvolvimento da crença de que Jesus seria também o Senhor, portanto, César não poderia ser o Senhor. Voltaremos a esse assunto em outra oportunidade, mas nas cartas de Paulo, a ressurreição de Jesus e, futuramente, de seu povo, é o fundamento da lealdade cristã a um outro rei e a um outro senhor. A morte é a ultima arma do tirano; e o argumento da ressurreição, apesar de mal compreendido, é o de que a morte, mas a sua derrota, junto à derrocada daqueles que dependem de seu poder. A despeito do desdém e das criticas de alguns estudiosos contemporâneos, aqueles que acreditavam na ressurreição corpórea é que foram queimados em estacas e lançados aos leões. A ressurreição nunca foi um modo de se impor ou de ser respeitado; os fariseus que o digam! Foram os gnósticos que transformaram a linguagem da ressurreição em uma espiritualidade particular e em uma cosmologia dualista, mudando totalmente seu significado e escapando assim da perseguição. Que imperador perderia noites de sono preocupado porque seus súditos estavam lendo o Evangelho de Tomé? A crença na ressurreição sempre deixava as pessoas em dificuldade.

Observamos assim sete mudanças principais na crença judaica da ressurreição, cada uma delas de importância fundamental para o cristianismo dos dois primeiros séculos. A crença cristã primitiva na ressurreição continuou inserida no judaísmo do primeiro século, não no paganismo. Porém, em relação ao monoteísmo, à eleição e à escatologia da teologia judaica, foi aberto um novo caminho para entender a história, a esperança e a hermenêutica. Isso exige uma explicação histórica. Por que os cristãos primitivos fizeram sete mudanças com tamanha consistência na linguagem judaica da ressurreição? Se perguntássemos a eles, eles certamente responderiam que fizeram isso porque acreditavam no que havia acontecido a Jesus no terceiro dia após sua morte. Então, como explicar a estranha história que eles contaram ao descrever os eventos daquele primeiro dia de Páscoa?

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