sábado, 24 de setembro de 2016

A Personalidade de Cristo - (1) A Metafísica da Encarnação, ou: por que estudar Cristologia é importante?

Desde o início da vida terrena de Nosso Senhor tem-se substituído o elemento pessoal por algo puramente legal. Sua personalidade é misteriosa, e todo sucesso de Sua religião encontra-se em confiar nEle, em segui-lo e em entendê-lo, tendo como principal preceito o princípio pessoal de amor pelos outros. Em outras palavras, em vez de disciplinas legais materiais, Ele estabeleceu as grandes observâncias do coração humano, do entendimento recíproco, da ajuda mútua e do amor ao próximo. “Ajudai-vos uns aos outros a carregar os vossos fardos, e deste modo cumprireis a lei de Cristo.” (Gálatas VI, 2).

É o grande trunfo de sua graça manter os homens em unidade de fé religiosa sem impor-lhes qualquer obrigação de uniformidade prática em sua ascética externa. É Ele mesmo, em Sua própria Pessoa, que é a Força unificadora do Cristianismo. Seus primeiros discípulos seguiram-no, na simplicidade de seu novo amigo, levados por seu carisma inefável. Sem dúvida orgulhavam-se de ser seguidores de tão grande rabi, embora ainda não tivessem observância externas para criar uma escola. Assim, como poderiam ser seguidores de um mestre sem jejuar, enquanto os discípulos de João e dos fariseus jejuavam frequentemente? Em outras palavras, como alguém poderia ser discípulo de outra pessoa a não ser que ele carregue em si a insígnia da maestria deste mestre no caminho da abstinência, da purificação ou da oração?

Os homens conseguem unir seus semelhantes ligando-se através de certas austeridades exteriores; nenhum homem pode ser mestre de outro de fato sem colocar no pescoço do discípulo o julgo de ferro da observância corpórea; mesmo que fosse o objetivo do novo rabi ter uma escola cuja única observância fosse acreditar, ter confiança Nele e ter amizade e amor pelos outros. “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (João XIII, 35). “Jesus respondeu-lhes: "Podem porventura jejuar os convidados das núpcias, enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o esposo, não lhes é -possível jejuar. Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então jejuarão.” (Marcos II, 19-20). O jejum é importante na formação de um Cristão, mas você não é um discípulo de Cristo simplesmente porque você jejua quatro vezes na semana, enquanto os discípulos de João jejuam três vezes e os Fariseus duas. “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”.

Na atração que leva a Cristo, bem como fidelidade a Ele, há todo o júbilo de um casamento; o apego e o companheirismo são inevitáveis, pois o banquete é formoso e jubiloso; o trabalho árduo virá após a festa, mas a lembrança deste banquete estará eternamente na memória.

A paz e a prosperidade da causa cristã residem nisso. Toda conversão e toda santidade devem estar associadas à Pessoa de Cristo e às pessoas a quem estamos ligados. A santidade pode realmente variar um pouco. Para alguns, a Pessoa de Cristo é um elemento predominante; para outros, seus pensamentos – vivos pensamentos – estão mais direcionados às pessoas que podem ver visivelmente; mas há certos indivíduos em que seus esforços espirituais são direcionados à realização escrupulosa de um sistema de observância em si mesmo, sem um propósito pessoal, e a religião Cristã está em perigo quando algum tipo de observância começa a desenvolver-se sem este elemento pessoal.

O espírito do cristianismo, apesar de sua pureza ascética, é diametralmente oposto a essa concepção material de vida ética, e os sucessos temporários que se podem obter são os arautos da catástrofe final. É privilégio exclusivo de Nosso Senhor ser Lei, ou melhor, ser uma substituição a toda lei. A princípio, ninguém gostaria disso, pois a alma humana ressente-se por estar obrigada a alguém. Entretanto, como Nosso Senhor é uma Pessoa Divina, não uma pessoa qualquer, pois é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, não há justificativa para este ressentimento.

Os Fariseus ressentiam-se mais com a Pessoa de Nosso Senhor do que com Sua doutrina, pois leis abstratas ou observâncias externas nunca despertaram o ódio e a inveja, assim como nunca despertaram amor e simpatia na mesma medida em que uma pessoa pode fazê-lo.

Portanto, as grandes doutrinas teológicas acerca da Pessoa de Nosso Senhor têm uma intima ligação com Sua posição espiritual, pois Ele é uma Personalidade e sua graça não é nada mais que uma graça de amor e entendimento mútuo. Não há lucro tirado dos Evangelhos que não seja aperfeiçoamento do espírito e do coração. Alguém pode até inventar um sistema ascético achar quem submeta-se, mas nenhum homem pode fazer de sua própria personalidade a irrevogável voz da consciência e o alimento que sacia completamente o coração e a alma. Nosso Senhor é o Único que poderia fazê-lo.

Nenhum homem tem o poder de fazer das relações de outros homens que são seus seguidores a insígnia de seus verdadeiros discípulos; Nosso Senhor é o único que pode, e ninguém questiona Sua autoridade e direito para fazê-lo.  Portanto, os ensinos da teologia cristã sobre a Pessoa de Nosso Senhor devem ser de intenso interesse para cada seguidor de Cristo, e o fato dEle ser uma Pessoa Divina deveria encher-nos de imensa alegria.

A vida dos santos mostra em incontáveis almas um amor intenso e pessoal a Cristo.  Isso é fato histórico. Disso pode-se perguntar: tamanha amizade com alguém que não é deste mundo seria possível se Ele não fosse uma Personalidade Divina Viva? Em outras palavras, o amor pessoal a Cristo, tal como a história revela, é uma prova psicológica de sua realidade Divina?

Uma coisa é certa: isso não existe em nenhum outro lugar a não ser na Igreja. As personalidades das religiões não cristãs não fazem parte da consciência humana assim como Cristo o faz.

Seria um grande engano, portanto, considerar as verdades metafísicas da União Hipostática como verdades inférteis e sem aplicação prática; elas são, pelo contrário, indispensáveis para qualquer explicação racional da posição de Nosso Senhor em relação à raça humana. Há em Cristo certo tipo de multiplicidade de presença espiritual que faz dEle o amigo espiritual pessoal de milhões de almas; Ele tem um tipo de universalidade de presença e ação que não interfere de modo algum na intensa individualidade de Sua relação com cada alma. Tal é o Cristo da experiência e da história. Em sua humanidade Ele tem para todos os propósitos práticos a ilimitada característica de sua própria Divindade; Ele é, verdadeiramente, o Amigo Universal, e nenhum outro jamais conseguiu ser o amigo pessoal que todo ser humano pode ter.

Ora, um indivíduo de caráter tão universal só pode ter uma explicação: a União Hipostática, ou a Personalidade Divina, o mistério de uma natureza humana existindo através de uma Pessoa Divina. Em nossos dias mais do que em qualquer outro tempo, os pensadores temem o governo onde um só comande, por mais santo que possa ser. Para eles, não parece ser possível a um indivíduo ser tão grande a ponto de dar satisfação ao espírito de uma raça inteira.

Assim, encontramos com frequência em teólogos modernos a substituição do ideal pelo individual. Tais esforços são tudo, menos censuráveis; o fato é que nenhum indivíduo meramente humano poderia dar um completo ideal para a humanidade, ser um fator vivificante, uma ideia prática para toda a raça humana. Entretanto, estes teólogos modernos erram gravemente ao aplicar isso a Cristo. Não há, pois, a necessidade de substituir um Cristo ideal por um Cristo histórico, justamente porque o Cristo dos Evangelhos, o Cristo da Teologia Católica, possui de fato e uma Personalidade Infinita. Nele não há nenhuma limitação. Sem esta Personalidade infinita, dada as preocupações da raça humana, um Cristo ideal seria de fato preferível a um Cristo histórico pessoal.

Este é o motivo pelo qual digo que os grandes princípios metafísicos subjacentes à União Hipostática são de imensa importância prática. Com isto eu não quero dizer que aquelas almas santas façam destas grandes verdades um estudo utilitarista: elas simplesmente possuem a Cristo, e alegram-se nesta posse. Entretanto, a metafísica da Encarnação é indispensável ao filósofo que começa a lidar com a relação entre Cristo e a humanidade.

[Continua...]

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