sábado, 27 de junho de 2015

A Boa Imprensa

imprensaTexto retirado de uma das publicações da "Raio de Sol", uma folha de propaganda católica da década de 30. Decidi transcrevê-lo para mostrar que as dificuldades da imprensa católica não é de hoje e que os mesmos problemas que enfrentamos eles também enfrentaram. Os medos também são semelhantes, e os sentimos na pele por causa da nossa iniciativa em publicar os livros de Dom Anscar Vonier. O bom, caríssimos, é que os meios de ajuda também não mudaram muito e são, inclusive, mais fáceis.



QUANTOS BENS TRAZ A BOA IMPRENSA! É um dos mais poderosos baluartes da sociedade e da Igreja. O bom periódico, a boa revista, o bom livro, os bons escritos... mas principalmente o bom diário, o bom periódico e a boa revista são de uma importância capital para defesa dos bons e derrota dos maus. Não me abalançarei a afirmar que é a arma principal, porque há muitas coisas principais e acima de tudo estará sempre a religião; digo, porém, afoitamente que a boa imprensa é principalíssima e capitalíssima. A boa imprensa diz resolutamente a verdade a defende e propaga em todas as partes. O periódico, a revista, o livro são eloquentes pregadores e apóstolos do bem. A boa imprensa desmascara o mal e lhe põe a calva à mostra, desacredita-o e o confunde e é benemérito apologista contra o erro. A boa imprensa recomenda, enaltece e põe no lugar que lhes é devido os homens de bem, os que o merecem, os que são dignos de confiança e de recomendação e que se hão de dedicar à defesa dos interesses da boa causa. A boa imprensa denuncia e desacredita os cidadãos perversos e perniciosos, revelando-nos suas más intenções, seus planos tenebrosos, seus sofismas, suas astúcias e perversidades. A boa imprensa forma a consciência pública e dita as normas da honradez da religião, da moralidade, contribuindo para a formação do critério seguro e reto de proceder. A boa imprensa é a única que está em alturas de opor resistência eficaz aos péssimos efeitos da imprensa má e anticlerical. A boa imprensa é a tutela da ordem, defensora e amparo da verdade, escudo da justiça, da pátria, da autoridade e da religião. A boa imprensa é absolutamente necessária na sociedade para defesa e triunfo do bem e destruição do mal. Deves por este motivo estimar grandemente os bons escritores e jornalistas católicos, deves apreciar muitíssimo os bons periódicos, as boas revistas, os bons livros. Não basta contudo estimar e apreciar os escritores e as publicações católicas; é necessário, é indispensável, é urgente e de boa justiça favorecê-los. Os maus favorecem a má imprensa; e tu, que fazes em prol da boa imprensa? Tu, meu amigo, que és cristão? Tu, que és honrado, que fazes a favor da imprensa honesta? Tu, que és amigo dos escritores e jornalistas honrados, que fazes pelos teus amigos? Refletiste alguma hora em como esses beneméritos apóstolos têm renunciado a medrar e a enriquecer, entrando a combater nas fileiras do periódico católico, da revista católica, onde se medra pouco e se ganha menos ainda, em vez de se meterem nos arraiais da má imprensa, em que teriam maiores lucros e apetitosas propinas? Não reparaste talvez em como muitos deles, no louvável intuito de advogarem os teus interesses, que são os de tua religião, da moralidade e da ordem, sacrificam generosamente os seus próprios interesses? Pois então, meu caro amigo, agora é mostrares a tua gratidão e a nobreza do teu coração, favorecendo-os e estimando-os na prática. Perguntar-me-ás: de que maneira? Indicar-te-ei aqui nove maneiras de favorecer na prática e eficazmente a boa imprensa, sobretudo os periódicos:

1 – Lendo-os. É o mínimo que da tua boa vontade podemos exigir. Escrevemos para defender os teus interesses; é portanto muito natural e justo que leias os escritos dos teus advogados. Dizes que não te interessam assuntos de religião. O fato é que lês artigos que tratam de religião quando algum periódico ou livro perverso a combate; e te recusas a ler um periódico ou um livro bom que a defende e explica?


2 – Comprando-os. É excelente método este, e se todos os católicos comprassem os jornais, revistas e livros, que escrevem os seus irmãos, certo é que destarte lhes prestariam poderoso auxílio. Fica receia que o seu trabalho seja balado e estéril, sobre ser penoso e caro, porque gastará tempo e dinheiro na impressão e não chegará talvez a refazer ao menos os gastos. Treme e hesita o jornalista, afana-se na sua tarefa ingrata, sacrifica-se, põe todo o seu empenho, o melhor dos seus recursos e do seu talento em procurar a prosperidade do seu periódico, e afinal não se livra de uns assomos de desalento, quando se lembra de que seus irmãos não o comprarão. Se nos fora lícito imprimir coisas luxuriosas, chulas, livres e intrigantes, então sim havíamos de encontrar ledores em barda!


3 – Assinando-os. Melhor que a compra avulsa é a assinatura, porque fornece recursos mais seguros ao periódico, que terá maior importância e vida quanto for mais avultado o número dos seus assinantes.

4 – Fazendo-lhes donativos. Não digo esmolas, ainda que alguns periódicos e periodistas receberiam com gratidão qualquer importância que se lhes desse, mesmo a título de esmola. Ponhamos porém a mira um pouco mais alto: gratificai os jornalistas e mais escritores, os periódicos e as revistas. Não dais dinheiro para outras obras pias? Obra muito pia, muito religiosa e muito cristã é a boa imprensa. Quantas vezes não acontece auxiliarem os católicos obras de caridade e beneficência duvidosas e suspeitas, e não desembolsarem um cetil para a grandiosa e importantíssima obra de caridade, misericórdia e beneficência e de muitos outros bens que em si encerra ou produz!

5 – Deixando legados. Não lestes alguma vez nos vossos jornais como algum inglês, algum norte-americano, algum francês ou alemão deixou determinado no seu testamento que se entregasse avultada quantia a certos escritores de livros, e sobretudo a bibliotecas e periódicos? E não eram doações de somenos importância: importavam bem sim em centenas e milhares de reais. Desta maneira se pôde ir adiante e sustentar eficazmente a boa imprensa.

6 – Fornecendo-lhes anúncios, comunicados, correspondências, artigos avulsos e outros subsídios de que vivem os periódicos.
Não mandeis anúncios, nem correspondência, nem coisa alguma que forneça recursos aos periódicos anti-clericais; reservai tudo isso para a boa imprensa.

7 – Propagando a sua leitura e conseguindo novos assinantes.
Nas rodas dos vossos amigos, nas vossas salas de visitas, nos vossos círculos, clubes, lazeres e reuniões, entre as pessoas que frequentais, procurai que se leia e se compre o bom jornal, a boa revisto, o bom livro.

8 – Falando a favor deles.
Relevai os seus senões e deslises e ponde em relevo as suas boas qualidades; não imagineis que não haja defeitos e grandes defeitos nos jornais adversos e que os bons não tenham coisa que preste. Não vos excuseis com dizerdes que comprais de preferência o mau jornal por achardes a boa imprensa desenxabida e sem noticiário. As mais das vezes não vai grande diferença entre uns e outros, quando, pelo contrário, a instrução ministrada pelos bons jornais é infinitamente superior e mais sã que a dos jornais contrários. Pelo que diz respeito a escritores, a má imprensa pode limpar as mãos à parede, que os tem às vezes muito ordinários, reles e bisonhos, mas eles são frívolos e mangões se vão incensando mutuamente; a boa imprensa por outro lado tem nas suas fileiras escritores de escól, que não raramente riscam muito acima dos seus adversários, ou pelo menos não têm nada que invejar-lhes, mas a desgraça é que nos deixamos enganar e atordoar pelos zabumbas dos visinhos da frente. Se... fulano dos anzóis, por exemplo, não vendesse a sua pena libertina à imprensa perversa e não a prostituísse com o seu estilo pedantesco e sediço, com a sua perpétúa mania de bolsar blasfêmias, chalaças e injúrias contra Deus e a Religião, não seria certamente tão encomiado pela turba dos seus atuais aduladores. Se Galdós não fora um deles, mas antes houvesse posto a sua pena a serviço da boa imprensa, não seria hoje um dos seus da Mitologia literária. Autores há de mão cheia nos arraiais da Boa Imprensa, muito superiores a ele e muitíssimo mais dignos de admiração e de elogios.

9 – Auxiliando enfim a “agência de informações” católica.* É necessária e urgente. Entretanto favoreçamos por todos os meios os nossos periódicos “A Cruz”, “A união” e o nosso suspirado “Diário” católico. E o meu prezado leitor compre e espalhe as dúzias, centenas, aos milhares, estes “Raios de Sol”, certo de que exercerá assim um frutuoso Apostolado e uma grande obra de misericórdia, que lhe merecerá as bênçãos do céu e a gratidão de centenas e milhares de almas, em boa hora por eles iluminadas; faça-se apóstolo e Legionário da Boa Imprensa, não leia e não propague senão a Boa Imprensa.


* A imprensa católica atual é outra, e boa parte da antiga já não existe, mas não é difícil identificá-la.


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Em breve!


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domingo, 14 de junho de 2015

A falsidade absoluta da lenda da papisa Joana

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV.



Entre São Leão IV e Bento III (855), uma calúnia, acreditada pela ignorância e pela má fé, coloca na Sé apostólica a famosa papisa Joana. Os escritores hostis ao papado pretenderam, sem citar em apoio à sua opinião um só testemunho contemporâneo, que uma mulher, por nome Joana, originária de Moguncia e de gênio distinto, conseguira dissimular seu sexo e entrar nas ordens sob o nome de João da Inglaterra. Alcançando, graças a seus talentos, as mais altas dignidades eclesiásticas, teria sido eleita, como papa, em 855, sob o nome de João VIII. A fábula toma agora as proporções de uma obscenidade grosseira. Durante uma procissão solene, a papisa Joana dá à luz na mesma igreja de São João de Latrão. Nada dizemos da vergonhosa cerimônia da sedia cujos pormenores não podem ser escritos por uma pena honesta.

Durante três séculos, nenhum historiador falou nessa fábula tão ridícula quão inverossímil, de uma mulher elevada ao soberano pontificado. Ainda mesmo que o caso fosse verdadeiro, para a Igreja não resultaria nem responsabilidade nem vergonha. Seria uma surpresa e nada mais. Mas nenhum testemunho sério e contemporâneo autoriza a reconhece-lo como autêntico. Na sua História da Igreja, o cardeal Hergenroether, cuja competência e autoridade são indiscutíveis, contenta-se com dizer: “É uma fábula desde muito tempo reduzida ao nada, que Leão IV tivesse como sucessor a papisa Joana”.

Mas pode-se perguntar: qual foi, portanto, a origem de semelhante boato, e de que modo se pôde propagar? Num trabalho publicado em 1863, o doutor Doellinger, cuja ciência histórica é incontestável, rejeita a opinião que faria remontar ao século XI a origem da lenda, e seria mais verdadeiro dizer que data só do meado do século XIII. Segundo Barônio, a fábula da papisa não seria mais do que uma sátira da indolência de João VIII, particularmente no procedimento de Fócio. O O. Secchi, sábio jesuíta de Roma, não vê nisso senão uma calúnia inventada pelos Gregos. Em suma, as explicações soçobram todas perante o silêncio da tradição, e, apesar dos trabalhos históricos empreendidos em nossos dias, nada se descobriu que remonte além do século XIII. É no livro dos “Sete dons do Espírito Santo”, escrito pelo Dominicano Estevam de Borbone, lá pelo meado do século XIII, que apareceu, pela primeira vez, a notícia da papisa Joana; outro Dominicano, Martinho o Polaco, por muito tempo capelão do papa, propagou-a na sua “Crônica dos papas”. Cita-se também certo manuscrito de Anastácio, o Bibliotecário, onde esta lenda teria aparecido, não no texto, mas na margem e em caracteres diferentes dos da obra, o que revela uma interpolação. A mesma narrativa passou nas diversas Crônicas dos século XIV e XV, redigidas, as mais das vezes, por frades dominicanos ou franciscanos. Os autores da “História literária da França” admiram-se e com razão de que os propagadores mais ingênuos e talvez os inventores de uma história tão injuriosa para o papado, se encontram precisamente nas fileiras de uma milícia tão fiel à Santa Sé.

Em todo o caso, a lenda progrediu muito. No concílio de Constança, João Huss se aproveitou dela a favor de sua doutrina sobre o papado e não foi rebatido. O mesmo João Gerson lembra a história de um papa feminino para mostrar que a Igreja pode se enganar sobre uma questão de fato. O caso parecia portanto admitido sem contestação.

Concebe-se então que, na segunda metade do século XV, os Gregos se valessem dessa fábula; era um achado precioso para os inimigos da Santa Sé e para a causa do cisma. Explica-se do mesmo modo que, no século XVI, os discípulos de Lutero e de Calvino explorassem esse conto com uma animosidade prodigiosa e lançassem mão de tal invenção para dela se fazer uma arma contra o papado.

Contudo, vários dos mais doutos e mais conscienciosos entre os protestantes, tais como Blondel, Casaubon, Bayle, não se demoraram em combate-la. Chamier, Dumoulin, Bochart, Basnage e outros homens instruídos, de diversas seitas, não hesitaram em tratar a história da papisa Joana como pura invenção de copista ou de comentador. O pastor Jurieu a qualifica de fábula monstruosa, e Bayle de simples historieta.

Os escritores católicos, Eneas Sylvius, em seguida papa, sob o nome de Pio II; Onufro Pavini, Belarmino, Florimundo de Rémond, de Launoy, o P. Labbe e muitos outros, refutaram amplamente a velha lenda. Mas desprezam-se essas fontes preciosas de erudição. O século XVIII ressuscitou a questão que foi de novo abafada pela Revolução. Uma monstruosa compilação em nossa época: “Os crimes dos papas e dos reis”. Repetiu e desenvolveu a velha lenda da papisa. Quantos ignorantes e papalvos, em nossos dias, julgam ainda fazer dela um argumento contra a Igreja!
Depois do histórico da questão, vamos às provas de que a pretensa papisa Joana não é mais do que uma fábula insustentável.

1 – Esse fantasma não acha lugar para se colocar entre Leão IV e Bento III. Leão IV morreu em 17 de julho de 855; Bento VIII foi, com toda a verossimilhança, eleito no mesmo mês e sagrado em 29 de setembro do mesmo ano. Então, em que fica o reinado da papisa?

2 – Já dissemos: Nenhum contemporâneo fala de tal papisa Joana; os três séculos seguintes observam o mesmo silêncio a respeito, e é somente no século XIII que esta fábula é consignada por escrito na crônica interpolada de Martinho, o Polaco.

3 – Como todas as fábulas e lendas, a da papisa Joana é diversamente contada. Essa mulher elevada sobre a cadeira de São Pedro, nasce ora em Atenas, ora em Moguncia, ora na Inglaterra. No princípio, não se lhe conhecia o nome e não era douta; ocupava o cargo de simples secretário; em seguida, chamou-se Inez, Gilberta e Joana, este último nome sendo mais parecido com o de João, usado naquela época por alguns papas cuja reputação ficava equivoca ou eivada de fraqueza.

4 – Quanto a famosa pedra monumental de uma das ruas de Roma, com uma inscrição de letras iniciais e enigmáticas; quanto à estátua descoberta na mesma rua em que o cortejo pontifical evitava de passar, estátua representando uma mulher e perto dela um menino, é necessário todo um sistema preconcebido de interpretação para ver nisso tudo uma alusão à papisa Joana, e os arqueólogos indicaram-lhes uma significação histórica e completamente romana fora dessa falsa história.

Para concluir, somos do parecer do ministro protestante David Blondel, o qual, refutando esta fábula, declara que “não se deve aplicar o espírito em pesquisas inúteis sobre um assunto que não merece consideração alguma”. “Os protestantes”, diz Bayle, “puderam objetar legitimamente o conto da papisa enquanto não estava refutado. Dele não eram os inventores; achavam-no em várias obras compostas por bons papistas; mas desde que foi refutado por razões indiscutíveis, tiveram que abandoná-lo.

A questão é, portanto, julgada. Hoje, para qualquer espírito instruído e sério a fábula da papisa Joana não é mais do que uma prova da baixeza a que pode resvalar o espírito de partido eivado de preconceitos contra a Igreja e contra a verdade.



Já ouviu falar em Dom Anscar Vonier? Ainda não? Então acesse: http://anscarvonier.wordpress.com/

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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Nova publicação patrística imperdível!

Como sabem, me interesso muito pelos estudos dos Pais da Igreja. Sem os estudar é impossível saber qual era a crença dos cristãos primitivos nos mais variados aspectos. Todos os seus livros estão repletos de alusões implícitas e explícitas sobre o conjunto de doutrina dos primeiros cristãos. Até mesmo ao tratar de assuntos que aparentemente não são controversos nos deparamos com dicas e referências importantes. Assim, por exemplo, nas cartas que Santo Inácio de Antioquia escreveu para consolar algumas igrejas católicas, encontramos alusões claras de muitos ensinos católicos que vão desde a hierarquia eclesiástica até a intercessão dos santos.

Não será diferente com este maravilho trabalho realizado pela Editora Concreta. Além de aprender sobre o que os primeiros cristãos ensinavam sobre a paciência, trazendo para os dias de hoje um tesouro imenso que às vezes ou é esquecido ou fica disponível somente para quem sabe latim, o leitor irá mergulhar mais a fundo neste tesouro da fé.

Seja você católico ou, infelizmente, protestante, se não tem paciência para estudar os textos dos primeiros cristãos, não poderá fazer qualquer afirmação sobre esta época da vida da Igreja, exceto por meio de terceiros que poderão ser confiáveis ou não.

Saiba mais neste vídeo:

 


Ou diretamente na página da editora: https://editoraconcreta.com.br/crowdpublish/campaigns/sobre-a-paciencia-tertuliano-s-cipriano-e-s-agostinho-edicao-bilingue/

Eu já fiz o meu pedido! Contribua também e aumente o acesso aos textos patrísticos em nosso país que, comparado com outros, ainda é pequeno.

sábado, 9 de maio de 2015

Alexandre VI e César Bórgia: Mitos e verdades.

Por Mons. E. Cauly. Curso de Instrução Religiosa, Tomo IV.




Nenhuma reputação foi mais vilipendiada do que a de Alexandre VI e dos Bórgias. Depois das ignomínias infligidas a este personagem e à sua família, vieram as indagações históricas e críticas, guiadas pela sinceridade e pela boa fé. Projetaram-se algumas luzes sobre a questão que nos ocupa; contudo, não podemos afirmar que a última palavra foi dita sobre o caso.

Limitemo-nos: 1º a expor com toda franqueza e lealdade o problema histórico com as conclusões que hoje parecem fato averiguado; 2ª acrescentemos alguns reparos que talvez facilitem uma justa apreciação dos personagens e dos fatos.

1 - Quem foi ao certo Alexandre VI? Terá sido, não só na juventude, mas sendo cardeal e papa, um monstro de crueldade e de luxúria, o Nero da Roma cristã, como falam Henrique Martin (Histoire de France, t. VII) e outros depois dele?

Observemos primeiro que não se deve julgá-lo segundo o romance, o panfleto ou o teatro. Ora, vamos ver a que fontes se foram documentar os historiadores de Alexandre VI e dos Bórgias. O primeiro autor consultado é Burchard, inimigo figadal da Itália e do papa, mestre de cerimônia da corte de Roma desde 1483, morto bispo de Cittá di Castello: é autor de um Diarium, jornal escrito tanto sem boa fé quanto sem crítica, que interpolações protestantes ainda alteraram, tornando-o mais parcial e odioso. O segundo é Guichardin. Sua má fé é tamanha que o incrédulo Bayle dizia dele: "Guichardin merece o ódio; torna-se culpado das mentiras dos noveleiros." O próprio Voltaire o acusa de impostura e mentira. Eis contudo as fontes onde os historiadores e os romancistas foram procurar informações.

A darmos crédito no que dizem esses autores, a juventude de Rodrigo Bórgia, nascido em Valência, na Espanha, em 1431, se passa nos prazeres. Criado cardeal em 1456, por seu tio Calixto III, continua a ter costumes mais do que livres. Papa, desonra o trono pontifical, prodigaliza honras e benefícios a seu indigno filho César Bórgia, admite a uma intimidade escandalosa sua filha Lucrécia, semeia o veneno e a morte nas fileiras do Sacro Colégio para se apoderar das riquezas de suas vítimas, e morre ele próprio de uma bebedeira mortífera que mandara preparar para cardeais que, a seu parecer, não morriam bastante depressa.

Depois dos exageros da panfletagem e do romance, veio uma reação história. Procurou-se, valendo-se de outras fontes, reabilitar completamente Alexandre VI. Os desmandos de Rodrigo Bórgia não foram mais do que um erro e faltas de mocidade, cometidas em uma época em que era brilhante oficial da Espanha. Seus filhos César, Lucrécia e mais três outros, teriam nascido de uma esposa ilegítma, Julia Farnese, mulher de uma origem ilustre, irmã do cardeal deste nome, que veio a ser Paulo III. A celebre Vannoza, em lugar de ser a cortesã desavergonhada, mãe de cinco filhos adulterinos, não seria senão Joana Gaetani, avó dos jovens Bórgias, inteiramente dedicada à educação deles. Feito cardeal e eleito papa sob o nome de Alexandre VI, Rodrigo Bórgia, seria um modelo de zelo e de atividade; seus costumes, impolutos sobre o trono pontifical, o defenderiam contra qualquer ataque. Além disso, certos escritores, acompanhando a Revista de Dublin, pretenderam que Cesar e Lucrécia Bórgia, assim como seus irmãos, pediam muito be
m não ser mais do que sobrinhos de Alexandre VI, filhos de seu irmão Pedro Luiz Bórgia.

Não é mais possível ser partidário desse sistema histórico. Alexandre VI teve fraquezas e faltas que qualidades reais não podem fazer esquecer. Se Burchard foi parcial e exagerado, se Guichardin se mostrou muitas vezes de má fé, outros escritores e analistas, mais sinceros e insuspeitos, Pavini, Raynaldi, Muratori e os Bollandistas, gemeram sobre as irregularidades de Rodrigo Bórgia; não desculparam nem o cardeal nem o papa. A sua pretensa carreira militar não é mais do que um romance, pois foi nomeado cardeal por seu tio aos vinte e cinco anos; não contratou casamento regular; Rinaldi, continuador de Baronio, escreve relativamente à eleição de Alexandre VI em 1492: "Os cardeais, comprados pelo ouro, elegeram um papa de costumes corruptos". A julgar pelas cartas e testemunhos de vários embaixadores, essa escolha foi manchada de simonia, e um escandaloso nepotismo assinalou a elevação do novo papa. Enfim, sua corte pontifical ofereceu o espetáculo de um grande luxo e de festas brilhantes que os cronistas conta
ram com malignidade. Tal parece ser o verdadeiro Alexandre VI, no dizer da história imparcial.

O sábio cardeal Hergenroether, na sua História da Igreja (1888), não hesita em dar de Alexandre VI a seguinte apreciação: "Ele tinha as qualidades de um brilhante soberano; era um espírito culto, protetor das artes e das ciências, benigno e benévolo para com o povo, duro e severo para com os grandes, corajoso e resoluto nos perigos, sagaz e hábil nas negociações, não recuando perante meio algum, familiarizado com a política de interesse, que dominava então na maior parte das cortes. Mas tinha um passado absolutamente manchado e ficavam-lhe vários filhos de uma união adúltera: não viveu senão no mundo para satisfazer sua paixão, enriquecer e engrandecer sua família e, por muito tempo ainda continuou sobre o trono pontifical o seu primeiro gênero de vida. Se muitos dos crimes que lhe foram imputados por seus inimigos são imaginários, ficam ainda bastantes para votar sua memória à execração moral, e é já um grande motivo de censura que se possa ter dado fé à narração escandalosa de tantas aventuras. Parecia que o espírito mundano, a sede de prazeres tivessem abafado nele o senso moral; e é assim que seu pontificado serviu para desacreditar a cadeira de São Pedro aos olhos do mundo inteiro, tanto mais que sua política, sempre aplicada em arranjar  principados para seus filhos, era muitas vezes equívoca e desonesta".

Dessas afirmações, os testemunhos são irrecusáveis. Cesar Bórgia, duque de Valência; João, duque de Candia; Lucrécia, duquesa de Ferrara e Godofredo são perfeitamente os filhos de Rodrigo e de Vannoza, como atestam inscrições tumulares na igreja de Santa Maria del Pollo, em Roma, e a data de seu nascimento revela claramente a desordem de uma vida escandalosa sob a púrpura.

O ilustre doutor L. Pastor, em sua notável História dos Papas, tão documentada, não conclui de outro modo o seu estudo sobre o célebre pontífice: "Qualquer tentativa de salvar a memória de Alexandre VI, diz ele, seria doravante a defesa de uma causa desesperada". É, contudo, permitido fazer algumas reservas e acrescentar com o cardeal Hergeroether: "Em compensação, deve-se desterrar para o domínio das fábulas as relações incestuosas de Alexandre com Lucrécia e o que se diz da vida constantemente imoral dela. Muitas das acusações dirigidas contra Alexandre e tiradas de Burchard, Joves, Pontanus, Sannazar e Guichardin, foram combatidas com sucesso por Raynal, Roscoe, Capefigue e Chantrel." Por seu lado, L. Pastor acrescenta: "Nem tão pouco César Bórgia é o autor de todos os assassinatos que lhe foram imputados".

2 - Na impossibilidade em que estamos de discutir detalhadamente e tratar longamente todos os pontos agitados em ardentes polêmicas contra Alexandre VI, contentar-nos-emos com algumas observações.

Primeiro, poderíamos, com L. Pastor, o historiador mais informado e o melhor dos guias no meio das questões complexas e delicadas suscitadas pelos feitos dos papas naquela época, deter-nos um instante para contemplar a pintura dos costumes italianos no fim do século XV. Ao mesmo tempo que um sopro de indiferença e incredulidade e uma sede ardente de gozo material solapavam a sociedade, a literatura, as artes, abriam de par em par as portas da corrupção. Disso resultou um obscurecimento geral do senso moral, ao qual não escaparam de modo suficiente pontífices às vezes tão pouco preparados à sua sublime missão. Alexandre VI e César Bórgia, tais como nos representam os documentos contemporâneos, não são mais, desde então, exceções monstruosas como nos aparecem estudados à luz que ilumina hoje o trono pontificial.

Lembremos ainda que Alexandre VI, ao lado de faltas indesculpáveis, teve qualidades apreciáveis. Eleito papa, ocupa-se em restabelecer a ordem em Roma e consagra-se com ardor ao governo da Igreja. - Como rei, organiza uma polícia severa, publica regulamentos para a administração da justiça, dá à cidade de Roma um governo superior às facções, confia a César Bórgia, a quem revestiu da púrpura cardinalícia, o cuidado de defender os domínios pontificais, pela força das armas, contra os príncipes italianos. Este último ato foi imputado como crime ao papa e seu delegado. É esquecer então que essas funções militares estavam admitidas pelos costumes da época. O próprio Júlio II embainhou a espada e revestiu a couraça para defender a Itália. Esse César Bórgia, de quem não pretendemos defender a memória, era contudo amado pelos povos e, depois da morte de Alexandre VI, as cidades da Romanha não quiseram obedecer senão a ele somente. "Devia essa vantagem, dis Guichardin, ao cuidado que tivera em fazer administrar exatam
ente a justiça e em livrar a paz dos bandidos que o pilhavam". A Lucrécia Bórgia atribuem-se todos os crimes, mesmo o assassinato. Historiadores da Itália, Giraldi, Sardi, Libanori, a chamam de uma mulher perfeita e sem repreensão; dizem que possuía a beleza, a virtude, todos os dotes do espírito. Roscoe a justifica de todas as calúnias atribuídas contra ela. Quem merece mais confiança?Seus tardios detratores ou seus contemporâneos?

Como pontífice, Alexandre VI não foi inativo. Dá provas de uma solicitude universal, convida os cristãos para uma cruzada contra os Turcos, trabalha em fazer voltar para o grêmio da Igreja os hussitas da Bohêmia, continua com Ximenes a reforma das ordens religiosas, funda as universidades de Pisa, de Toledo, de Salamanca e de Lisboa, combate os abusos das indulgências e empreende reformar sua corte pontifical. Estes fatos advogam muito a favor dele.

O Bullario de Alexandre VI tem um notável valor, a lista de suas cartas e de seus outros escritos atesta juntamente sua atividade, sua habilidade e sua energia. "De noite, segundo Roscoe, Alexandre dormia apenas duas horas; passava à mesa como uma sombra, sem parar; nunca recusava ouvir as solicitações dos pobres; pagava as dívidas dos infelizes e mostrava-se sem dó para a prevaricação".

Entre outras censuras feitas a Alexandre VI, alguns não deixaram de lhe atribuir uma grande parte de responsabilidade na morte, em Florença, do Dominicano Jerônimo Savonarola. Questão delicada e também muito complexa. Certamente o papa Alexandre VI interveio neste processo. As pregações violentas do monge, as denúncias de que foi o objeto, davam ao papa o direito de chamá-lo para Roma. A recusa de Savonarola em responder a esta convocação, sua obstinação em não querer ligar o convento de Florença à província toscana, posta sob a regra conventual, provocaram, da parte do papa, uma breve ameaça; em seguida, com a data de 12 de maio de 1947, um novo breve de excomunhão formal. Tinha Alexandre VI o direito de dar a Savonarola ordem para entrar numa ordem menos severa? Era legítima a excomunhão? Obedecia a um rancor pessoal contra o frade audacioso que falava de Roma e da corte romana como de uma Babilônia de confusão e de crimes, que atacava o pontífice romano, sua eleição, seus vícios manifestos, e não receara e
screver: "Aquele homem não é cristão; sequer acredita em Deus; ultrapassou o limite da infidelidade de da incredulidade"? Eis outras tantas questões difíceis de resolver.

Em todo o caso, Alexandre VI pediu para que o monge fosse julgado em Roma: a corte de Florença recusou, e só concedeu a admissão de dois delegados do papa entre os juízes florentinos. É esse tribunal que, em 22 de maio de 1498, condenou à morte o Dominicano Savonarola, cuja execução teve lugar no dia seguinte. O frade confessara nos tormentos: protestou na fogueira.

Estranho século, diremos nós, e muito triste o estado da Igreja, numa época em que fatos e cenas semelhantes se podiam realizar, de modo a deixar a Savonarola a reputação, entre alguns de herege e excomungado impenitente; entre outros, de mártir e santo. Segundo L. Pastor, a reforma tentada por Savonarola não parece sem excesso, e o fim trágico de sua carreira tormentosa não aparece isento de censura. Sua resistência ao papa e seus ataques contra Alexandre VI podem ser desculpados, mas não justificados.

Finalmente, contra a opinião de Guichardin e de Tomasi sobre a morte de Alexandre VI, que representam como vítima de um veneno preparado para alguns cardeais, oporemos esta simples narrativa do próprio Burchard: "No sábado, 12 de agosto de 1503, de manhã, o papa sentiu-se indisposto, depois das vésperas, às três ou quatro horas da tarde. Declarou-se uma febre que não o largou mais. Em 16 de agosto fizeram-lhe sangrias; em 17 tomou remédios; na sexta-feira, 18 de agosto, às seis ou sete horas da manhã, confessou-se a D. Pedro, bispo de Culm que, em seguida, celebrou a Missa diante dele e, depois de ter comungado, administrou o sacramento da Eucaristia ao papa sentado na cama. Cinco cardeais estavam presentes. Na hora das vésperas Alexandre VI recebeu a extrema-unção das mãos do bispo de Culm e, na presença ele e do datário, expirou."

A respeito da morte de Alexandre VI, Voltaire escreveu: "Atrevo-me a dizer a Guichardin: a Europa foi enganada por vós, e vós fostes pela vossa paixão. Éreis o inimigo do papa, e demais acreditastes no vosso ódio."

Concluímos com o senhor de l'Êpinois: "Alexandre VI foi culpado, não há dúvidas, mas principalmente culpado por ter vivido ele, sacerdote, cardeal e papa, como viviam no seu tempo a maior parte dos príncipes e, como muitas vezes antes e depois dele, viveram os homens do mundo que, miseráveis na sua vida privada, puderam todavia, graças à sua inteligência e às suas vistas políticas, apresentar-se com certo brilho na vida pública.

Mas essas faltas não podem perturbar a vida do cristão... A Igreja vive no tempo e é servida por homens sujeitos a todas as fraquezas do tempo; porém, nela o elemento divino subsiste inatacável, indefectível. Os piores papas nunca lavraram contra a fé um só decreto que a possa alterar. Eles restam sempre, neste ponto de vista, assim como foi sempre Alexandre VI, os vigários infalíveis de Jesus Cristo... A personalidade humana deste papa desaparece, o caráter divino é posto em evidência, pois a fé no Vigário de Jesus Cristo não faliu. Esta prova da infalibilidade pontifical é assaz eloquente para consolar-nos das fraquezas de um papa como Alexandre VI" [1].

A impressão que se desprende deste estudo rápido de uma das épocas mais tristes da história da Igreja, é que o pontificado de Alexandre VI tornou quase inevitável o grande movimento de reforma que, no século seguinte, ia tão cruelmente abalar a Igreja e a Europa.

"Só se poderiam admirar dessa conclusão severa aqueles que se teriam esquecido da célebre máxima de Cícero dada por Leão XIII como divisa aos pesquisadores desinteressados perante os quais se abrem hoje de par em par as portas dos arquivos do Vaticano: 'Ne quid falsi audeat; ne quid veri non audeat'. Nada dizer que seja falso, nada omitir que seja verdadeiro"[2]

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Notas:
1 - Conclusão de H. de l'Êpinois.
2 - Conclusão do visconde de Meaux, Alexandre VI e Savonarola (1898).

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sábado, 2 de maio de 2015

Vida e obra de Dom Anscar Vonier – Parte 4

Isso sim é catolicidade! Além de ser realmente engraçado! Acrescento outra coisa: um grande monge católico, alemão, que refuta demonstra muito bem a incoerência dos protestantismo, com o nome de Martinho. Mas não é Lutero, é Martinho Vonier!

"[...] É por conta disso que temos a curiosa anomalia de uma comunidade na Inglaterra, pertencente a uma congregação italiana, numa casa dependente de um mosteiro francês, composta por alemães!" E mais! "[...] Apesar do nome aparentemente francês, Anscar Vonier era alemão puro. Sua família migrou para a Alemanha do Tirol que, naquela época, fazia parte do Império Austriaco."

Leia o restante aqui: https://anscarvonier.wordpress.com/2015/05/02/vida-e-obra-de-dom-anscar-vonier-parte-4/

sábado, 18 de abril de 2015

Vida e obra de Dom Anscar Vonier – Parte 3

Bem que a Revolução Francesa tentou! Mas a Igreja de Cristo irá sempre sobreviver aos ataques de seus inimigos. Depois de destruído pelos protestantes, o mosteiro de Buckfast é finalmente redescoberto por uma comunidade de monges expulsos de seu monastério pelos revolucionários. Leia mais uma parte desta bela história aqui: https://anscarvonier.wordpress.com/2015/04/18/vida-e-obra-de-dom-anscar-vonier-parte-3/

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O acidente inglês - Por Hilaire Belloc [Parte III]

"[...] Primeiro, o motivo. Irei chamar o primeiro ato, a ruptura de Henrique VIII com a Santa Sé, um acidente, pois estimo que esta palavra é a que mais se aproxima com a verdade. Um acidente – por exemplo, um automóvel que se desvia – não é intencional em seus efeitos. Se deve a um cálculo mal feito por parte do condutor, quem, ao querer fazer uma coisa, faz outra. Se pode, com frequência, corrigir a má manobra e eliminar suas consequências. O condutor não a faz por gosto. [Continua]"

Continue a ler aqui: https://anscarvonier.wordpress.com/2015/04/15/o-acidente-ingles-por-hilaire-belloc-parte-iii/

terça-feira, 14 de abril de 2015

O acidente inglês – Hilaire Belloc [Parte II]

A Inglaterra era uma velha província do Império Romano, com tradições cristãs duas vezes mais antigas e muito mais fortes que as dos distritos nórdicos da Alemanha, obrigados pela conquista dos exércitos de Carlos Magno e seus sucessores a aceitar a doutrina cristã, sua prática e a apartar-se da barbárie. Se o governo inglês não tivesse variado, a reação a favor da unidade, quando se produziu, teria sido avassaladora. Em uma palavra, a separação da Inglaterra e a Igreja constituiu, entre outros fatores de maior ou menor importância, o fator principal do sucesso definitivo de nosso desmembramento. O afastamento artificial dos ingleses do resto da Europa tornou permanente a separação da cristandade. [...]

Leia o restante aqui: https://anscarvonier.wordpress.com/2015/04/15/o-acidente-ingles-hilaire-belloc-parte-ii/

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O acidente inglês – Hilaire Belloc.


E se disséssemos que o rompimento inglês com a Igreja foi um acidente? Para muitos, isso não é novidade; para outros, a “reforma” inglesa daria uma ótima novela da globo. Mas veja, nos próximos capítulos, o que Hilaire Belloc diz sobre o assunto. Como o tempo para traduzir nesta semana está curto, o texto será postado da mesma forma que a revolução protestante: dividido em partes. Mas “muita hora nessa calma”! Não será em tantas partes.

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Nesta divisão do tema, que é a mais importante, a chamo de acidente inglês. Escolhi a palavra cuidadosamente.

Se houve alguma vez na história um acontecimento que não foi desejado por seus agentes, nem compreendido por aqueles que o suportaram; que não era resultado de plano algum, mas o efeito prodigioso de causas relativamente pequenas e incongruentes, esse acontecimento foi a destruição gradual, mecânica e desastrosa da mentalidade inglesa da fé que havia formado a Inglaterra.

Em sua maioria, as histórias escritas em inglês apresentam este movimento como algo nacional e inevitável; algo que a nação inglesa desejava e que, chegada a oportunidade, necessariamente conseguiu. Ao mesmo tempo, enquanto fazem alusão em diferentes graus ao plano de fundo europeu, centralizam a Reforma na história inglesa.

A primeira destas características – apresentar o que aconteceu aqui como algo nacional e inevitável – é, a partir do ponto de vista histórico, um desatino. A segunda, também através do ponto de vista histórico, é correta. Mesmo a Inglaterra não sendo uma nação pequena, o erro crasso cometido pelo governo inglês ao separar-se da unidade europeia teve influência capital para o êxito da reforma.

Não existia na Inglaterra um movimento nacional dirigido contra a Igreja Católica; o pouco que ocorreu no inicio foi um movimento do governo, que sequer foi doutrinal. Foi um ato meramente político e até mesmo doutrinal. O que seguiu não constituiu um processo normalmente desejado pelo povo em geral. Foi um processo artificial dirigido por alguns poucos homens interessados, que atuavam impulsionados pelo dinheiro e não por mania religiosa; e, o que é pior, foi um processo que, em seu inicio, não deu a estes poucos atores a ideia dos efeitos posteriores que ocasionariam por sua avidez e loucura.

Mas o enfoque sobre a reforma inglesa que a apresenta revestida de importância especial é, coisa bastante curiosa, história verdadeira, e isto apesar da intenção que encerra a versão oficial de nossos livros acadêmicos anticatólicos.

Este enfoque sobre a história da igreja da reforma ocultou, certamente, a grande número de nossos homens cultos, a natureza geral da reforma, e, em especial (o que tratarei mais adiante), dos pontos principais: que a Holanda foi o exemplo e a França o campo de batalha. Mas é certo que se a Inglaterra não tivesse apartado da unidade do mundo cristão, essa unidade estaria agora plenamente restabelecida – e teria estado há muito tempo.

Desde que a Inglaterra se afastou desta unidade, cujo princípio vivente é o Papado, o distúrbio havia despertado de forma confusa, mesmo que violenta, em toda a Alemanha, e pouco afetava o resto da Europa. Na própria Alemanha não havia afetado principalmente o setor mais forte, mas antigo e mais civilizado do país. Sua ação foi pouco profunda entre os alemães inicialmente disciplinados pela cultura romana.

Esta afirmação somente deve ser tomada em sentido geral. As exceções abundam. Assim, Estrasburgo, cidade romana (se já foi alguma vez), se contava entre as que se haviam separado pelo “protesto” de Espira.

Mas, ocorresse o que ocorreu na Alemanha, e especialmente na parte menos civilizada, era diferente na Inglaterra.

[Continua…]

***

Aproveitando as postagens de uma biografia de Anscar Vonier, responsável pela reconstrução de um mosteiro destruído durante a revolução protestante, resolvemos também revezar com postagens com um texto de Hilaire Belloc sobre o tema.

Será interessante conhecer a história de uma verdadeira Reforma, mesmo que pequena, e um verdadeiro Reformador (Anscar Vonier), em comparação com uma falsa reforma motivada pela ambição e vaidade humana:

Parte 1: https://anscarvonier.wordpress.com/2015/03/29/vida-e-obra-de-dom-anscar-vonier-parte-1/

Parte 2: https://anscarvonier.wordpress.com/2015/04/13/vida-e-obra-de-dom-anscar-vonier-parte-2/

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