quarta-feira, 5 de julho de 2017

Panorama do dogma Católico - Pe. Monsabré

Meus senhores; da ideia primordial e fundamental de ser fluem duas ideias que em todos os tempos preocuparam vivamente o espírito humano, e que foram o objeto das suas mais levantadas e constantes aspirações; a ideia do infinito e a ideia do finito. Não há doutrina filosófica nem religiosa, cujos artigos não possam agrupar-se em roda desta simples proposição: Dados estes dois termos, finito e infinito, explicar as suas relações. Com efeito, a vida humana, a vida do mundo inteiro, depende da solução deste problema. Os mesmos que se gloriam de não lhe ligar importância, veem-se colocados diante dele, impelidos pela força invencível das ideias que são como que o fundo do nosso espírito, e pelas aspirações que nos estimulam a conhecer o que somos e a determinar o nosso lugar, as nossas funções e os nossos destinos na universalidade dos seres.

Às questões: o que é o infinito? O que é o finito? Quais as suas relações? Nós respondemos com sistemas, a Igreja católica responde com o seu símbolo, e, independentemente dos sinais externos que as impõe ao obséquio da nossa fé, as soluções que a fé nos subministra são tão evidentemente divinas, que eclipsam todas as soluções inventadas pela nossa inteligência.

Mas não nos antecipemos, nem deduzamos conclusão alguma antes que o aspecto geral do dogma católico haja produzido o seu efeito em nossas almas. Humilde guarda deste esplêndido edifício, quero que, antes de tudo, admireis o seu conjunto; depois comunicaremos reciprocamente as nossas reflexões.

O infinito é Deus, ser primário, necessário, real, pessoal, subsistente em si mesmo e por si mesmo, tendo na sua mesma essência a razão suficiente do seu ser, bem como a razão suficiente do ser de todas as coisas. Só ele é Deus; não há nem pode haver outro. O seu ser, a sua essência, a sua substância, a sua natureza, a sua existência, a sua vida, os seus atributos, as suas operações são um mesmo ato: ato tão simples, tão puro, que nem o podemos conceber, nem exprimir. Se chamamos a Deus o Ser Vivo, o Forte, o Todo-Poderoso, o Senhor, o Eterno, o Altíssimo, estes nomes são realmente verdadeiros, santos terríveis, admiráveis; mas nem cada um deles de per si, nem todos simultaneamente exprimem a plenitude da verdade, e da santidade, e da majestade, e da beleza que constitui o ser divino. Com uma palavra, cujos abismos profundos em vão tentamos sondar. Deus se definiu a si mesmo: Eu sou o que sou. Ego sum qui sum ; o ser na sua mais transcendente e incompreensível expressão. Se o comparais à multiplicidade dos seres, está presente em todos os lugares sem se dividir. Se o comparais ao tempo, é eterno sem que os instantes o meçam nem se sucedam em seu seio.

Não tem faculdades que o distingam da sua substância, e é por isso que opera com uma perfeição infinita, e nada adquire nas suas operações. Sabe tudo que é, e tudo que não é; tudo que pode ser, e tudo que será. A verdade não aparece n’Ele como em límpido espelho que reflete; mas Ele é a verdade mesma . A sua ciência não é causada pelo que existe, senão tudo que existe é causado pela sua ciência ; ciência eterna, imutável, simultânea, direta, imediata, que não pode nunca se enganar. A sua vontade é soberana, mas duma soberania absoluta. Nada há que possa dobrá-la ou torná-la mutável; ainda mesmo que, cedendo às nossas orações, modifique as suas obras, os seus decretos permanecem imutáveis ; previra tudo. É livre no meio da instante necessidade. Não tem outra medida além do seu poder, e o seu poder é sem medida.

É sábio, e como vê todas as coisas num só princípio, ordena todas as coisas a um único fim: Ele mesmo; todos os meios se combinam harmonicamente sob a sua direção; nem a ignorância nem a má vontade alteram os seus desígnios.

É Santo, não duma santidade adquirida com esforço e trabalhada, que não se pode conservar nem aumentar senão à custa dos mais rudes sacrifícios, mas duma santidade tranquila, inalterável, plena, essencialmente isenta de todo o mal, e constantemente manifestada pelo amor invariável e eficaz de toda a retidão e de todo o bem.

É justo, e, na imensa variedade de direitos que parecem se contradizer, dá a cada um o que lhe pertence. Não há merecimento que não premie, nem falta que não castigue. Os nossos cálculos mesquinhos não podem se enganar pelas dilações da sua paciência; mas em nada se altera a perfeita integridade da sua justiça que será plenamente realizada nas derradeiras conclusões do seu governo.

É Bom, não só porque é o bem supremo, mas porque sendo o bem supremo, deseja comunicar-se, e liberalizar do seu ser e das suas perfeições benefícios constantemente renovados, e compadecer-se de todas as misérias tanto quanto o permite a sua inalterável natureza.

É, alfim, perfeito, e, por mais perfeito que o concebamos, nunca poderemos assinar limites à sua perfeição. É o Infinito!

Este infinito, senhores, vive, não essa vida comum a todos os seres vivos e que parte de dentro para fora; mas uma vida sem igual cujo movimento parte de dentro e termina dentro; uma vida em que as origens dependem dos princípio, sem que possa afirmar-se que aquelas são posteriores a estes; uma vida que multiplica o número sem quebrar a unidade, as pessoas sem multiplicar a natureza, a família sem dividir nem aumentar a substância. Não mais que um infinito; e todavia são três, Padre, Filho e Espírito Santo, três que subsistem numa mesma essência, e existem com uma mesma existência: as três pessoas são Deus e portanto um só Deus. Eis o dogma dos dogmas, o mistério dos mistérios. Explicá-lo é impossível: ouso apenas narrar o que admiro.

O Pai inacessível é o princípio do movimento vital, a origem da família divina. Vê-se a si mesmo, manifesta a si mesmo a sua perfeição, e o ato pelo qual se vê e se conhece é tão perfeito, que subsiste por isso mesmo que é produzido. O Filho é gerado. Chama-se Verbo, imagem do Pai, esplendor da sua glória, figura da sua substância, porque representa com toda a perfeição possível o princípio donde procede. São dois, contemplam-se, admiram-se, amam-se, e estes dois amores comunicando-se um ao outro encontram-se, e pelo fato de se encontrarem, subsistem num só amor; é o Espírito Santo. Chama-se dom, caridade, bondade, benignidade, suavidade, unção divina.

São três: Padre, Filho, Espírito Santo: distintos pelas relações, pela subsistência, pelas propriedades pessoais; idênticos pela essência, pela substância, pela natureza. Distintos, e toda via um existe no outro; dependentes pela origem, porque o Filho é gerado pelo Padre, o Espírito Santo procede do Padre e do Filho; dependentes pela missão, porque o Padre envia o Filho, o Padre e o Filho enviam o Espírito Santo. Mas, não obstante tudo isto, as três divinas pessoas são perfeitamente iguais. Oh! Vida! Oh! Processões admiráveis! Não se pode dizer que começam, porque são necessárias e eternas; não se pode dizer que saem fora de Deus, porque são imanentes; não se pode dizer que mudam a natureza divina, porque são tranquilas e imaculadas; não se pode dizer que diminuem ou dividem as perfeições, porque são indivisíveis. No seu movimento espontâneo há tanta ordem, tanta beleza, tanta glória e tão acabado cúmulo de todos os bens, que tornam Deus, ser supremo, o supremo bem-aventurado. Oh! Infinito! Eu te admiro cheio de assombro, eu te adoro com o mais profundo respeito!

Eis o infinito, senhores; mas donde está o finito? Procuremo-lo desde já na sua origem eterna. O finito está no infinito, e pode dizer-se que a primeira relação que tem com ele, é o ser conhecido, visto, ordenado por ele, antes de subsistir fora dele. Não podemos dar ao finito o seu nome próprio em quanto permanecer em estado de ideia; porque esta ideia é, substancialmente, a mesma essência divina, e formalmente o que Deus quer manifestar da sua essência na sua obra, por participação e imitação. Unido a esta ideia há um decreto eterno, livre, eficaz, donde depende a existência de todas as coisas. O que é que insta pela execução deste decreto? É a beleza dos mundos que Deus concebe? Arrebatado pelas sublimes harmonias das coisas que vê em si mesmo, julga porventura adicionar algo à sua felicidade fazendo-as passar da ideia à realidade? Não, senhores. Deus seria sempre o supremo bem, ainda que tivesse conservado eternamente no seu seio todos os seres. Mas Deus é bom e deseja comunicar-se porque é o soberano bem; o seu amor impele-o a associar outros seres à sua felicidade: Vai criar.

Vai criar! E dando a outros a existência nada perderá da sua própria. Vai criar! E comunicando o seu ser e a sua perfeição, nem aquele nem esta perderão algo. Vai criar! E por mais que prodigalize os frutos da sua bondade e da sua onipotência, não se confundirá com eles, nada adquirirá deles, será sempre tudo sem eles, e eles nada serão sem Ele.

Criou! Povoa-se o céu, o espaço imenso abre o seu seio, o tempo começa. O Verbo, palavra de Deus, produz o mundo. E a cada palavra que pronuncia sucedem-se os seres, como ondas harmoniosas, cujo movimento, e vida, e beleza, e glória se engrandecem até tocar os limites do mundo angélico. O número, o peso, a medida, distribuem, regulam, determinam todas as perfeições sobre a escala progressiva que une em formoso conjunto estes dois polos da criação: a matéria e o espírito. Que distância entre o grosseiro elemento sujeito a leis inflexíveis e as inteligências puras, cujos coros harmoniosos recebem uns dos outros os raios do eterno Sol!

Mas nesta distância não há abismo algum que não esteja povoado.

As substâncias incorpóreas de que Deus rodeou o seu trono, superiores ao mundo visível pela perfeição da sua natureza e das suas operações, decrescem e diminuem em perfeição desde o mais abrasado serafim até ao mundo dos anjos, aproximando-se das criaturas sobre as quais devem exercer a sua alta e salutar missão. Por outra parte, o átomo saído dos confins do nada, sobe sem cessar transformado sucessivamente pelo movimento e pela vida, até unir-se imediatamente com o espírito, e até ligar e completar num só ser a perfeição do finito.

Este ser, depois de cuja aparição Deus exclama: Todas as coisas são boas, perfeitamente boas, cuncta sunt valde bona, é o homem, laço maravilhoso, concorrência sublime de todas as vidas. Os seus pés estão fixos na terra, mas a sua fronte levantada olha para o céu. É matéria como o mundo que tem sob os seus pés; mas é também espírito como os anjos que descem até ele. Gravita, vegeta e sente; mas também pensa e quer; é livre, conhece a verdade e ama o bem. É medido pelo tempo e pelo espaço, mas participa do eterno, do necessário, do universal, do inteligível. Recebe as impressões do mundo inferior, mas transforma-as, e faz pensar e orar nele todos os seres de que é rei e pontífice. Contempla as coisas que passam, e sente-se arrastado por suas correntes; mas também alimenta em seu coração o desejo e a esperança certa da imortalidade.

Sua imortalidade é a vida no infinito, porque, entendei-o bem, senhores, Deus não abandona o homem aos caprichos do azar e à mercê dum cego destino; convida-o para o seu seio, e para o levar a si, respeitando o seu livre alvedrio, cobre-o com a sua providência, senhora de todos os seus movimentos, que excita com soberana autoridade, e dirige com arte infinita, e o faz caminhar para o fim supremo, onde se consuma juntamente a glória do Criador e a felicidade das criaturas. Deus eleva este fim supremo, por um dom gratuito da sua bondade, acima de todas as legítimas exigências da natureza. Quer ser conhecido, amado, possuído, não nas representações sempre incompletas da sua infinita beleza, mas face a face, tal como é, em todo o esplendor da sua glória e em toda a perfeição da sua essência. Oceano sem praias, quer que a alma humana se engolfe em suas ondas luminosas, para a inebriar com as suas castas e eternas delícias.

Mas para que esta união se possa realizar, é necessário que a natureza sofra aqui uma transformação que a prepare para a sua transformação suprema. A inteligência, o amor, a liberdade, a imortalidade, imagem e semelhança de Deus, não bastam para que o homem, atravessando todas as esferas do infinito, seja um dia consumado no infinito e como que participante da sua vida bem-aventurada. Vem, pois, princípio de toda a vida, de toda a felicidade, vem e faze que a criatura se assemelhe a ti tanto mais, quanto és tu o mesmo que a animas com a graça. A graça, semente misteriosa que transforma o homem num novo ser; a graça, inefável geração que permite ao homem dizer a Deus: “Meu Pai”, porque se torna participante da natureza divina; a graça, dom sobrenatural que penetra a alma e torna imediata e formalmente justa, santa, agradável a Deus, capaz de merecer por suas obras a visão e a posse da eterna beleza; a graça, princípio e raiz de hábitos e de operações divinas; a graça, força, luz, rio sagrado que vai diretamente ao oceano da perfeição; a graça, habitação de Deus na alma; a graça, começo da glória e da eterna beatitude.

Oh, senhores, que fecunda doutrina! Não vos parece que resolve desde já com esplendor incomparável, estas questões que nos torturam: Que é o infinito? Que é o finito? Quais as suas relações? O infinito é o Deus perfeito, autor, motor e consumador de todas as coisas, o finito é a criatura de Deus, essencialmente dependente, não só na sua origem e nos seus movimentos, mas também nos seus destinos. A suma das soluções parece completa, e entretanto, senhores, vós os sabeis, o dogma católico contém outras afirmações que, sob as misteriosas dobras das que acabais de ouvir, mais se aproximam da nossa miséria.

A nossa miséria é o pecado. Começou nos céus pela revolta dos espíritos orgulhosos que pretendiam igualar-se ao Altíssimo, entrou, pelas sugestões destes malditos, na humanidade cuja glória e felicidade invejavam. O pai dos homens perdeu livremente a graça da salvação espiritual e corpórea, bem como os privilégios que devia transmitir aos seus descendentes; e desde então nascemos deserdados e feridos de morte. A nossa fronte despojada do seu diadema inclina-se tristemente sobre a natureza ingrata e rebelde ao nosso domínio; o mundo exterior esforça-se por nos atrair a si; a nossa carne revolta-se contra as altas e puras aspirações do nosso espírito; a nossa liberdade esmorecida rende-se e capitula nesta luta; o dever traído acusa-nos; de justos, felizes, impassíveis e imortais que éramos, tornamo-nos pecadores, miseráveis, condenados ao sofrimento e à morte.

E Deus podia deixar-nos neste estado para satisfazer a sua justiça, podia exercer a sua bondade sobre seres novos e fazê-los entrar gloriosamente no seu plano primitivo contra o qual nos revoltamos. Mas não; a vitória do pecado seria aniquilada pela perfeição divina. Surge um novo plano; não disse bem, senhores, devia dizer: revela-se um desígnio oculto e completa as manifestações da bondade de Deus sobre as criaturas, porque o pecado estava previsto e a economia da redenção decretada nos eternos conselhos. O Verbo Divino, querendo unir-se ao finito para nos fazer compreender a harmonia das perfeições divinas – a sabedoria, a onipotência, a justiça e a misericórdia -, tinha empenhado, desde toda a eternidade, a sua palavra ao Pai celestial.

No mesmo tempo em que o gênero humano se tornava prevaricador, Deus lhe revelava o complemento da sua obra fazendo-lhe aparecer, no futuro das idades, a figura radiante do Verbo encarnado. Os séculos, os espaços, os homens, o mundo, tudo se ordena a Ele. A graça do renascimento e da salvação, que deve substituir a graça original perdida para sempre, depende dos seus merecimentos. À questão: quais as relações entre o infinito e o finito? Foi necessário responder desde então: O finito é purificado, regenerado, santificado, divinizado pelo infinito, vivendo com ele numa só pessoa, Jesus Cristo, Filho único de Deus, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

Quarenta séculos de preparações precedem o seu nascimento. As tradições, os oráculos, as maravilhas, os desejos, as virtudes, os crimes, as revoluções, as catástrofes convergem para o seu berço, e quando veio a plenitude dos tempos, o Espírito Santo fecunda, pelas suas castas operações, o seio duma Virgem, e o coro dos anjos canta no céu: Ó terra, eu te anuncio uma grande alegria, hoje nasceu o Salvador do mundo. O Verbo encarnou. “Comércio admirável! Exclama a Igreja, o Criador do gênero humano assume um corpo como o nosso, e nascendo milagrosamente duma Virgem comunica-nos a sua divindade” .

Com efeito, senhores, a Encarnação do Verbo revela-nos o duplo mistério do infinito abatido até à nossa miséria, e o mundo divinizado pela mais íntima união que pode se conceber. Não se trata desse concurso universal que o Senhor da vida presta às criaturas, nem da união moral que se estabelece entre Deus e o justo, cheio de graça; não se trata da confusão de duas substâncias que se penetram para formar uma nova substância, nem da ação circunscrita, transitória, intermitente dum espírito superior sobre um espírito inferior, como na inspiração profética; mas sim da mais perfeita das uniões que Deus pode realizar com uma criatura; trata-se da união profunda, contínua, permanente, sublime, incompreensível da natureza divina com a natureza humana; união que, segundo a expressão do Apóstolo, resume todos os mundos, torna divinas, infinitas, no sentido mais estrito e completo, todas as ações duma natureza finita; união que permite a um filho do homem dizer a um Deus o que lhe diz o Pai que o gerou desde toda a eternidade: Meu filho. União, alfim, em virtude da qual o gênero humano tem direito de dizer ao Filho de Deus: Somos teus irmãos.

Nasceu este amável e pequenino irmão, e, ainda que no seu pobre presepe nos oferece a imagem da maior debilidade e da mais profunda indigência, é rico e possui todas as perfeições. A sua alma, banhada na luz que é a nossa bem-aventurança, vê todos os segredos divinos, a sua ciência não tem aurora, e entretanto parece crescer em sabedoria ao passo que cresce em idade. É a inteligência suprema, e entretanto não quer ensinar ao mundo senão o que o seu Pai lhe ensinou. Vive no meio dos seus, e os seus não o reconhecem, entretanto passa fazendo o bem; a sua onipotência é a humilde serva do seu amor. Está engolfado nas delícias da união divina, entretanto digna-se assumir as nossas misérias, mesmo até a semelhança de pecado. Foi por causa desta semelhança que o Deus que o ama como a si mesmo o fere sem piedade. Sofre, chora, geme, queixa-se, enchem-no de ignomínias, sua sangue por todos os poros do seu corpo sacrossanto, é cravado numa cruz infame; morre amaldiçoado e desonrado: Consummatum est: Tudo está consumado. As perfeições divinas brilham no coração martirizado do Filho de Deus, como um fogo amortecido, desde largo tempo, pelos nossos crimes; a sabedoria e a onipotência, reveladas por obras indizíveis, conciliam a justiça e o amor compassivo; o gênero humano está salvo, e Jesus Cristo, seu Salvador, é para sempre o seu Senhor, o seu rei, a sua vida.

Assim como Deus não abandona o mundo que criou, assim também o Homem-Deus não deixa entregue aos seus caprichos o mundo que regenerou. Governa-o, é o seu reino, reino cujos elementos preparou durante a sua vida mortal, e ao qual pôs o selo do Espírito Santo; vivifica-o, é o seu corpo. Ainda que sentado no céu à direita de seu Pai, Jesus Cristo está presente na sua Igreja. A soberania e a autoridade infalível do Chefe está representada nesta Igreja santa, católica e apostólica; e a torrente purpúrea do seu sangue corre de forma superabundante na mesma Igreja. Jesus Cristo informa os nossos passos no caminho da verdade e da lei, enquanto que invisivelmente nos comunica, como a cabeça aos membros do corpo, as correntes da vida. Anima-nos, comunica-nos a plenitude da graça, apodera-se do princípio das nossas ações, das nossas próprias ações, transforma-as, apropria-se delas e imprime-lhes o selo da divindade. Somos n’Ele um mesmo corpo, cujos membros estão, dum modo sublime, numa perpétua comunhão de orações, de boas obras e de merecimentos; do céu à terra, da terra aos abismos onde os justos esperam a hora do seu resgate.

Por meio de sinais sensíveis, sagrados e eficazes, Jesus Cristo, cabeça da humanidade cristã, chama a si os seus membros, e dá-se-lhes a conhecer. Uma matéria humilde se une às palavras, e eis o sacramento; a vida divina precipita-se na alma desde que o sinal se põe em contato com o corpo. Um sacramento faz-nos nascer para a graça, outro nos comunica os encantos e o vigor da adolescência espiritual. Um sacramento nos alimenta, outro nos purifica das nossas faltas, um outro apaga as culpas até às últimas relíquias, e nos prepara a entrada tranquila na eternidade. Um sacramento dá à sociedade espiritual o seu chefe, o seu rei: o sacerdote; um outro santifica as fontes da vida, e enche a sociedade temporal de famílias segundo o coração de Deus.

São sete como as cores da luz, sete como as notas da música; mas o sacramento central onde real e substancialmente reside o eterno Sol, o Verbo por meio do qual Deus canta as suas perfeições infinitas, ordena a si todos os outros, já como preparação, já como simbolismo. A Eucaristia é como que a nota dominante que modula a escala misteriosa dos signos divinos.

Assim é que chegamos ao termo da nossa peregrinação sobre a terra; ainda ali se nos apresenta o Homem-Deus, Jesus Cristo. É Ele o vencedor da morte; o Sol da vida que projetará a sua luz até ao fundo de todos os sepulcros humanos, reunirá o pó disperso dos nossos corpos e lhe comunicará a virtude da própria ressurreição. É ele que nos ensinará a cantar esta formidável sátira das supremas derrotas da morte: O mors, ubi est victoria tua? O mors, ubi est stimulus tuus? Ó morte, onde está tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão? Ele presidirá ao nosso juízo e pronunciará a nossa sentença, levará aos céus os benditos de seu Pai, e condenará os malditos aos suplícios eternos. Ele reunirá num lugar todas as gentes espalhadas pela superfície da terra, para uma palingenesia gloriosa, revestirá suas almas duma luz indefectível e torná-las-á dignas moradas, e para sempre, dos nossos corpos ressuscitados e imortais. Ele entoará este grito triunfal, eternamente repetido pelos inumeráveis exércitos dos escolhidos. Louvado seja Deus: Alleluia.

Eis aqui, senhores, todo o dogma católico. Recolhei-vos por instantes, eu vo-lo suplico, antes de ouvirdes as conclusões que vou deduzir da consideração deste maravilhoso conjunto. Prometo-vos que será breve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário