domingo, 5 de dezembro de 2010

Afinal, qual a lógica da ressurreição?

Não pretendo tratar aqui a questão de como a ressurreição é possível e vai ser feita, já que se Deus existe e possui as características que a Teologia Cristã atribui, então não é impossível que ela ocorra. Algumas pessoas acham possível para Deus criar o mundo ex nihilo, espíritos com capacidades impressionantes e a possibilidade de reencarnações sucessivas de seres humanos, mas não a de uma “simples” ressurreição.

Parecem crer num Deus que possui a habilidade de criar a vida do nada, mas não consegue fazer com que essa vida que havia criado da matéria inanimada se torne animada mais uma vez.

É claro que na ressurreição o que ressurge nem sempre se refere ao material exato que a pessoa possuía ao morrer, e sim a forma que o faz [alguém], um “eu” diferente dos outros e com suas características pessoais, o que só é problema para seres limitados e não a um Ser do qual nada maior se pode imaginar. Nós, por exemplo, constantemente somos regenerados com um novo material quando possuímos algum ferimento.

Também não penso ser importante o que alguns citam como motivo para desacreditar na ressurreição questões como a idade das pessoas ressurretas. Isso, na minha sincera opinião, não passa de desculpas esfarrapadas pra quem quer arrumar um motivo pra dizer que possui algum porquê de não crer na ressurreição.

A questão principal não é essa. Se Deus prometeu ressuscitar os seres humanos, e prometeu que o que há de vir será muito bom, Ele sabe mais do que nós mesmos o que vai ser melhor (afinal, é o nosso Projetista), inclusive a idade, que não importa sabermos pra poder ver sentido.

As questões que realmente importam, e ultimamente tenho visto, são um pouco diferentes dessas primeiras (e bem mais importantes), e devem ser respondidas pressupondo que Jesus teria ressuscitado. Melhor, para um sentido completo, deve-se levar em consideração toda a história da salvação registrada nas escrituras. Não crer, apenas pressupor.

Mas afinal, qual é a lógica, ou melhor, o sentido da ressurreição? Além do sentido da nossa ressurreição futura, qual é o sentido da ressurreição de Jesus além da repetida conseqüência expiatória? Teria alguma importância para sua mensagem se Ele (Jesus) ressuscitou de fato ou não? O que é que os cristãos primitivos ensinavam? E o que o real significado da ressurreição de Jesus implica para nossas vidas e para o mundo?

Segundo os primeiros cristãos, o mundo havia decaído e estava corrompido. O mundo precisava de restauração e Deus prometeu restaurá-lo. De tempos em tempos surgia um sinal Divino dessa intervenção, seja pela mensagem dos profetas, ou por acontecimentos ligados a Israel que não estavam ligados necessariamente a essas mensagens proféticas. Nessa história, surge a esperança da ressurreição final dos mortos, onde Deus julgará cada pessoa e restaurará a natureza.

Antes da ressurreição de Jesus todos os seus discípulos, assim como os outros judeus, acreditavam que essa restauração se daria nesse dia da ressurreição final quando Deus irá restaurar o que criou.

Esse é o primeiro ponto sobre o sentido da ressurreição. Para Deus, o mundo em si não é ruim, e Ele não deixará sua criação à toa, pelo contrário, irá restaurá-la assim como ela estava no momento em que viu que era boa. Seria a Nova Criação de Deus, mas vamos tratar disso melhor adiante.

Diferente da expectativa dos judeus (incluindo seus discípulos), Jesus ressuscitou após a sua morte. Além do significado referente à morte expiatória, explicada pelo próprio Senhor depois de ressurreto, houve outro entendimento dos cristãos (passado por Ele ou pelo Espírito Santo) das conseqüências da ressurreição o Mestre. Esse entendimento foi sobre a antecipação em Jesus do que acontecerá com o mundo.

Se a Nova Criação de Deus começa na ressurreição e Jesus ressuscitou, então a Nova Criação de Deus já começou. Mas se todos os mortos ainda não ressurgiram isso significa que Ele é a finalidade, o futuro da humanidade apresentada no presente de modo que o presente possa ser transformado à luz desse futuro glorioso começado por Jesus Cristo.  Não só o futuro da humanidade, mas de toda a criação a ser restaurada (ou feita viva novamente), e a garantia disso tudo é esse futuro que já começou com Jesus ressuscitado.

Isso claramente cria uma responsabilidade que os cristãos têm negligenciado, principalmente por acreditarem em conceitos sobre o fim do mundo, “ir para o céu” (acredito em um estado intermediário, mas não como finalidade do homem) e esperar a volta de Jesus. Como N. T. Wright disse “Se Deus queria que o mundo acabasse e o Armagedom estava às portas, por que se preocupar com o fato de grandes empresas, como a General Motors, continuarem a lançar gases venenosos na atmosfera canadense? [...] Se a intenção de Deus é conduzir o mundo a sua destruição total, qual é o problema? Se o Armagedon está às portas, não faz diferença o (e suspeito que isso realmente faça parte da agenda) o fato de a General Motors lançar gases venenosos na atmosfera canadense”. [Surpreendido pela esperança, p 135 e 136]

Transformar o mundo presente à luz do futuro é feito cumprindo a mensagem de Jesus. Amar a Deus acima de todas as coisas, ao próximo como a si mesmo resume todo esse ensino. Amando a Deus conseqüentemente implica em amar o próximo, mas não só ele, e sim a sua criação. Assim, possuímos plena responsabilidade não só com as pessoas, mas com a natureza, e isso acaba com a acusação de que a crença cristã (principalmente na volta de Jesus) nos livra dessa responsabilidade, quando na verdade é o contrário.

É bom lembrar que esse Reino pregado por Jesus Cristo foi também ensinado como parábolas, como uma planta que sua semente é pequena, mas que cresce até dar frutos. Ou como uma farinha fermentada, e, talvez um dos exemplos mais esclarecedores, a Parábola do Joio e do Trigo.

Isso explica perfeitamente que, apesar das aparências, o Reino está a se manifestar e se manifestará completamente, assim como a semente pequena que dá uma grande árvore. Entretanto, enquanto não é manifesto totalmente, há joios no meio do trigo, o que faz algumas pessoas pensarem que Jesus não está a reinar.

É óbvio que os cristãos têm sido um tanto desastrosos, mas isso além de ser previsto, mostra mais uma vez que a “porta é estreita” e não serão muitos os que entrarão por essa porta.

É claro, também, que não estou a falar da salvação por obras, nem que somos salvos por agir dessa forma. Estou me referindo às conseqüências da ressurreição de Jesus para a humanidade e o cosmos, qual seu sentido, e como Deus, segundo a Teologia Cristã, não abandonará o mundo, ao contrário de outros tipos de pensamentos, onde esse mundo é mau em si (ou, em alguns casos, irrelevante, sem importância) e que seremos libertos quando sairmos desse corpo para algo melhor. Os discípulos de Jesus ensinaram também de algo melhor, mas esse algo melhor que faz parte da esperança primitiva é a restauração do mundo, “o Novo Céu e Nova Terra”, o cumprimento da promessa de que Deus não abandonaria o mundo, pois criou e viu que era bom.

Isso também me faz pensar na questão de Jesus como o Messias. Os primeiros cristãos não pareciam pensar que “Jesus ressuscitou, portanto é o messias”, mas que Ele é o Messias, cumpriu algumas profecias, ressuscitou para cumprir outros propósitos de Deus (alguns já foram mencionados) além das outras profecias que cumprirá nesse futuro que já pode ser experimentado de alguma forma no presente.

O significado da ressurreição não é apenas o que coloquei aqui, mas esse é um dos que considero como mais negligenciados. As Escrituras, assim como a Tradição Cristã, mostram seus outros significados e implicações para o Cristão e o Cosmos. Resta a quem desejar conhecer a mensagem cristã (principalmente o que faz parte da crença cristã primitiva) buscar entender melhor esse assunto. Acho interessante o que N. T. Wright mostra sobre essa visão, inclusive no livro “Surpreendido pela Esperança” (que tirei várias idéias para escrever esse texto).

Então, está aí uma pequena explicação, e uma boa dica de leitura.

Autor: Jonadabe Rios

Um comentário:

  1. Muuuuuuito legal. É exatamente o que eu já pensava. Gostei muito. A questão dos evangélicos se prenderem à esperança de Jesus voltar, e por isso não cuidam da Terra e se escondem nas igrejas. É o que a cruz eterna prega. Antes de haver mundo, Deus já se reconciliou com este por meio de Cristo. E não vai abandoná-lo.

    Parabéns, ótimo artigo!

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