José Antonio Pagola
Assim é chamado Jesus numa espécie de "prólogo" com o qual inicia o evangelho de João. Depois a expressão desaparece inclusive neste mesmo evangelho. Ninguém volta a falar assim nas primeiras gerações cristãs. No entanto, esta expressão servirá mais tarde para aprofundar a partir da fé cristã, o próprio núcleo do mistério encerrado em Jesus.
Na terminologia deste prólogo está ressoando a categoria grega de Logos, a fé judaica na "Palavra" de Deus e a meditação sapiencial sobre a "Sabedoria". Como se sabe, na cultura grega sente-se a realidade como impregnada de racionalidade e sentido; a realidade não é algo caótico e incoerente; nela há Logos; as coisas têm sua "lógica" interna. Por outro lado, de acordo com a fé judaica, Deus não tem imagem visível, não pode ser pintado nem esculpido; mas tem voz; com a força de sua "Palavra" cria o universo e salva seu povo. Por isso, segundo a tradição sapiencial de Israel, o mundo e a história humana não constituem uma realidade absurda, porque tudo é sustentado e dirigido pela "Sabedoria" de Deus.
Este precioso hino joânico realça sobretudo a fé judaica. A Palavra está já "no princípio" de tudo. Não devemos entender esta Palavra como algo criado. Esta Palavra é o próprio Deus falando, comunicando-se, revelando-se na criação e na história apaixonante da humanidade. Tudo é criado e dirigido por essa Palavra. Por toda parte podemos intuir suas pegadas. Nessa Palavra está a "vida" e a "luz verdadeira" que ilumina toda pessoa que vem a este mundo. No mundo há também trevas, mas "a luz brilha nas trevas".
Tudo isto é crido pelos judeus e pode ser aceito por muitas pessoas de cultura grega. O insólito é a audaz proclamação que vem em seguida: "A Palavra de Deus se fez carne e habitou entre nós". Agora podemos captar a Palavra de Deus feita carne neste profeta da Galiléia chamado Jesus. Não é fácil. De fato, ele veio ao mundo e o mundo não o reconheceu; nem sequer os seus o receberam. Mas em Jesus Cristo nos está sendo oferecida a "graça" e a "verdade". Ninguém pode nos falar como ele. Deus assumiu carne em Jesus. Em suas palavras, seus gestos e em sua vida inteira estamos nos encontrando com Deus. Deus é assim, como diz Jesus; olha as pessoas como Jesus as olha; acolhe, defende, ama, perdoa como Jesus o faz. Deus se parece com Jesus. E não é só isso. Jesus é Deus falando-nos a partir da vida frágil e vulnerável deste ser humano.
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