quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Diálogo com N. T. Wright sobre Jesus

Apendice B do livro "Um ateu garante: Deus existe", de Antony Flew.




Antony Flew: Perguntas sobre a revelação divina

Até agora, falei sobre os dados que me levaram a acei­tar a existência de uma Mente divina. As pessoas que ouvem esses argumentos quase infalivelmente me perguntam o que acho das alegações sobre uma revela­ção divina. Tanto em meus livros antiteológicos como nos vários debates, discordei das alegações de revelação ou intervenção divina.

Minha posição atual, porém, é mais receptiva a pelo menos algumas dessas alegações. Na verdade, acho que a religião cristã é a que mais merece ser honrada e respei­tada, seja ou não verdadeira sua alegação de que é uma revelação divina. Não existe nada igual à combinação da figura carismática de Jesus e a de um notável intelectual como São Paulo. Todos os argumentos sobre o conteúdo da religião foram, praticamente, produzidos por São Pau­lo, que tinha uma brilhante mente filosófica e sabia falar e escrever em todas as línguas mais importantes.

Nas primeiras edições de God and Philosophy, abordei as alegações do cristianismo, argumentando que os enor­mes avanços feitos no estudo crítico do Novo Testamen­to e outras fontes da história das origens dessa religião significavam que não havia "esconderijo" para aqueles que faziam amplas alegações históricas. A ocorrência de milagres não tem provas históricas, e isso desacredita a afirmação de que a ressurreição pode ser vista como um fato da história.

Nos vários debates que tive a respeito da ressurrei­ção de Cristo, fui acrescentando novos argumentos. Para começar, os primeiros documentos relatando esse supos­to acontecimento foram escritos depois de cerca de trinta anos, ou mais. Meu segundo argumento foi de que não temos meios de verificar se Jesus ressuscitado realmente apareceu para algumas pessoas, porque temos apenas um documento que alega que esses fatos extraordinários aconteceram. Por fim, as evidências da ressurreição são muito limitadas. Na verdade, os primeiros documentos do Novo Testamento sobre a ressurreição foram as epís­tolas de Paulo, não dos Evangelhos, e essas apresentam pouquíssimos detalhes físicos a respeito do fato.

Hoje, eu diria que a alegação referente à ressurreição é mais impressionante do que qualquer outra feita pela concorrência religiosa. Ainda acredito que, quando os historiadores estão procurando provas, eles precisam de muito mais recursos do que os disponíveis. Precisam de provas de um tipo diferente.

Penso que a afirmação de que Deus encarnou em Je­sus Cristo é realmente singular. É muito difícil descobrir como julgá-la, quer se acredite nela, ou não. Não vejo princípios gerais que possam nos servir de guia.

No contexto do meu novo ponto de vista, envolvi-me num diálogo sobre Jesus com o conhecido explicador do cristianismo histórico, pesquisador do Novo Testamento em Oxford, o bispo N. T. Wright. Em seguida, transcrevo suas respostas a algumas das questões que levantei em meus escritos.

N. T. Wright: Resposta

Como podemos saber que Jesus existiu?

É muito difícil saber por onde começar, porque as evidências de que Jesus existiu são tão fortes que, como historiador, digo que são tão boas quanto as referentes a qualquer figura do mundo antigo. É claro que há alguns personagens do mundo antigo dos quais temos estátuas e anotações. Por outro lado, temos também estátuas de deuses e deusas da mitologia, de modo que nunca pode­mos ter muita certeza a respeito disso. Mas, no caso de Jesus, todas as evidências apontam firmemente para a existência dessa grandiosa figura nos vinte até trinta anos do primeiro século. E as evidências encaixam-se tão bem no que sabemos do judaísmo naquele período embora muitas coisas tenham sido anotadas gerações mais tarde , que penso que poucos historiadores de hoje duvidariam da existência de Jesus. Na verdade, não conheço nenhum que duvide, mas há um ou dois. Um homem chamado G. A. Wells é o único que tem se mani­festado sobre isso recentemente. De tempos em tempos aparece alguém como J. M. Allegro que, uma geração atrás, escreveu um livro baseado nos pergaminhos do mar Morto, dizendo que o cristianismo tinha tudo que ver com um culto do cogumelo sagrado. Nenhum erudito judeu, cristão, ateu ou agnóstico levou isso a sério. É bas­tante claro que, de fato, Jesus é um personagem muito, muito bem-documentado da história real. Então, penso que essa questão pode ser deixada de lado.

Que base existe para a alegação encontrada nos evangelhos de que Jesus é Deus encarnado?

Minha fé em Jesus como Filho de Deus encarnado não se apóia nessa alegação dos Evangelhos. Tem raízes muito mais profundas, vai até a importante questão a respeito de como os judeus do primeiro século compreen­diam Deus e sua ação no mundo. E, claro, como judeus, eles se baseavam nos Salmos, em Isaías, Deuteronômio, no Gênesis, e assim por diante. Podemos ver, nas tradi­ções judaicas do tempo de Jesus, como eles interpreta­vam esses textos. Falavam de um único Deus que fizera o mundo, que era o Deus de Israel, falavam desse Deus como tendo participação ativa no mundo, sempre pre­sente e fazendo coisas tanto no mundo como em Israel. E falavam disso de cinco maneiras diferentes nenhuma relação com as Cinco Maneiras de Tomás de Aquino!

Falavam sobre a Palavra de Deus: Deus falava, e algo era criado; Deus disse "haja luz", e a luz se fez. A Palavra de Deus era viva e ativa, e em Isaías temos a imagem poderosa dessa Palavra caindo do céu como chuva ou neve e fazendo coisas no mundo.

Falavam da sabedoria de Deus. Vemos isso em Pro­vérbios, naturalmente, mas também em várias outras

passagens. Nesses textos, a sabedoria torna-se a personi­ficação, digamos assim, do "segundo ser" de Deus. A sabedoria era ativa no mundo, habitava em Israel e fazia coisas que ajudavam os seres humanos a tornarem-se sábios.

Falavam da glória de Deus habitando o Templo. Nun­ca podemos esquecer que, para os judeus do primeiro século, o Templo era a habitação do Criador do universo, que prometera viver ali, naquele edifício em Jerusalém. Não entendemos isso realmente até irmos a Jerusalém e pensar a respeito, mas é algo extraordinário.

E, claro, eles falavam sobre a lei de Deus, que é per­feita e restaura a alma como no Salmo 19. A lei, como a sabedoria, não é apenas uma lei escrita. É uma força e uma presença ontologicamente existentes através da qual Deus se faz conhecer.

E, por fim, falavam sobre o Espírito de Deus. O Espí­rito de Deus desce sobre Sansão no livro de Juízes, faz com que pessoas se tornem profetas, reside em huma­nos, para que eles possam fazer coisas extraordinárias para a glória de Deus.

Essas cinco maneiras de falar sobre a ação de Deus no mundo eram aquelas pelas quais os judeus do pri­meiro século expressavam sua crença de que o Único, que eles conheciam como o Deus Eterno, o Criador do mundo, estava presente e em atividade no mundo e, par­ticularmente, em Israel. Podemos ver isso em toda parte, não apenas no Velho Testamento, mas também nas pega­das que ele deixa no judaísmo do primeiro século, os ensinamentos dos rabinos, os pergaminhos do mar Mor­to e outros textos similares.

Agora, quando passamos para o Novo Testamento com essas cinco maneiras de falar na mente, descobri­mos Jesus se comportando não só falando, mas se com­portando como se essas maneiras se tornassem verda­deiras de um jeito novo, naquilo que ele está fazendo. Em especial, vemos isso na parábola do semeador. O semeador semeia a Palavra, e a Palavra faz seu próprio tra­balho. Mas, espere um minuto! Quem é que sai para dar esse ensinamento? O próprio Jesus.

De modo parecido, Jesus fala da sabedoria de várias maneiras: a sabedoria de Deus diz "estou fazendo isso, estou fazendo aquilo". E podemos perceber as tradições de sabedoria do Velho Testamento não apenas nas pala­vras de Jesus, mas na maneira como ele fazia o que esta­va fazendo. O que ele disse sobre homem sábio que cons­truiu sua casa na rocha, e o homem tolo que construiu a sua na areia são exemplos típicos de ensinamentos sobre a sabedoria. Mas, espere um pouco! O homem sábio é "aquele que ouve essas minhas palavras e as segue". En­tão, sabedoria e Jesus estão ligados muito estreitamente.

E agora, falando particularmente do Templo, Jesus comportava-se como se fosse o Templo em pessoa. Quan­do ele dizia "seus pecados estão perdoados", isso causa­va um choque, porque o perdão dos pecados era geral­mente declarado quando a pessoa ia ao Templo e oferecia um sacrifício. No entanto, Jesus dizia que um indivíduo estava perdoado, ali mesmo, na rua. Quando se está com Jesus, é o mesmo que estar no Templo, contemplando a glória de Deus.

No que diz respeito à lei judaica, descobrimos algo fascinante. Um dos grandes acadêmicos judeus de nosso tempo, Jacob Neusner, que escreveu vários livros impor­tantes sobre o judaísmo, escreveu um sobre Jesus. Nes­se livro, diz que, quando lê que Jesus falava coisas como "vocês têm ouvido que foi dito assim e assim, mas eu lhes digo isto, isto e isto", gostaria de perguntar-lhe: quem você pensa que é? Deus? Jesus estava, realmente, dando uma nova lei e declarando, de certo modo," que rejeitava o modo como a lei estava sendo compreendida e interpretada.

E agora, falemos do Espírito. "Se eu, pelo Espírito de Deus, expulso demônios, então o Reino de Deus está entre vocês", disse Jesus.

Então, o que vemos não é Jesus indo de um lado para outro dizendo "eu sou a Segunda Pessoa da Trindade, acreditem, ou não". Não é assim que os Evangelhos são lidos. Lendo-os como historiadores do primeiro século, podemos ver que os comportamentos de Jesus dizem que toda essa grande história sobre um Deus que vem estar com seu povo está de fato acontecendo. E ele não vem através da Palavra, da sabedoria e do resto, mas como uma pessoa. O que junta tudo isso como expliquei no penúltimo capítulo de meu livro Jesus and the Victory of God é o fato de que muitos judeus do tempo de Jesus acreditavam que, um dia, Jeová, o Deus de Israel, volta­ria em pessoa para viver no Templo. Encontramos isso nos livros de Ezequiel, Isaías, Zacarias e em vários textos posteriores aos tempos bíblicos.

Então, tinham essa esperança de que um dia Deus voltaria, porque, naturalmente, ele expulsaria os roma­nos, reconstruiria o Templo adequadamente, não do jeito que Herodes estava fazendo, e assim por diante. Havia uma longa série de expectativas relacionadas ao retorno de Deus. Então, encontramos nos Evangelhos esse ex­traordinário quadro de Jesus fazendo uma viagem final para Jerusalém, contando histórias sobre o rei que volta para seu povo.

Tenho, como outros, argumentado que Jesus, contan­do essas histórias sobre o rei que volta para seu povo, o senhor que volta para seus servos, não estava falando de uma Segunda Volta em algum tempo no futuro. Os discí­pulos não estavam preparados para isso. Nem sabiam que ele ia ser crucificado. Suas histórias eram sobre o sig­nificado de sua própria jornada para Jerusalém, e ele estava convidando aqueles que tivessem ouvidos para ou­vir a guardar na mente o quadro pintado no Velho Testa­mento de Jeová retornando a Sião, enquanto o viam como um jovem profeta entrando em Jerusalém montado em um jumento.

Acredito que Jesus apostou sua vida na crença de que fora chamado para incorporar o retorno de Jeová a Sião. E acho que isso foi tremendamente assustador para ele. Penso que ele sabia que podia estar errado. Afinal, uma pessoa que acredita em tal tipo de coisa pode acabar como o homem que acredita que é um bule de chá. Penso que Jesus sabia que aquela era sua missão, que ele precisava agir e viver daquela forma porque fora chamado para encarnar a volta do Deus de Israel para seu povo. É por isso que eu diria que ele, logo depois de sua morte e res­surreição essa é uma outra história, de que trataremos mais tarde , foi reconhecido por seus seguidores como tendo sido, o tempo todo, a encarnação do Deus de Is­rael. Confrontados com a ressurreição de seu mestre, eles recordaram todas as coisas que haviam visto, ouvido e aprendido a respeito dele e devem ter batido na testa, com súbita compreensão, perguntando uns aos outros: Percebem com quem estivemos esse tempo todo? Estive­mos com aquele que encarnou o Deus de Israel. E, então, contaram e recontaram as histórias contadas por Jesus maravilhados e reverentes, enquanto refletiam sobre tudo o que acontecera nos anos que haviam passado com ele.

Essa é uma idéia extraordinária. No entanto, faz sen­tido profundo, historicamente enraizado, que Jesus de­via pensar a mesma coisa a respeito de si mesmo. "Bem, talvez você esteja certo", alguém pode me dizer. "Talvez Jesus acreditasse naquelas coisas a seu respeito. Talvez os discípulos também acabaram acreditando. Mas Jesus devia estar errado, porque sabemos, a priori, que, se houvesse um Deus, ele nunca poderia tornar-se humano, ou porque sabemos, a priori, que qualquer um que pense isso a respeito de si mesmo só pode estar louco, pertur­bado, iludido."

A isso, eu responderia: tudo bem, mas apenas retire esse "a priori" por um momento e pense em um judeu do primeiro século acreditando em tudo o que eu disse, fa­zendo tudo aquilo. Depois, pergunte sobre a ressurrei­ção. Pergunte o que queremos dizer com a palavra "Deus". Porque, é lógico, os primeiros cristãos diziam enfaticamente que a palavra "Deus" era vaga, e que só quando olhamos para Jesus é que descobrimos que ela se torna mais clara. João escreveu: "Ninguém jamais viu Deus, a não ser seu Filho unigênito, que vive no seio do Pai e que o fez conhecido". Em grego, isso significa lite­ralmente "ele forneceu uma exegese de si mesmo, mos­trou-nos quem de fato é Deus".

Essa é uma resposta longa para uma pergunta vital, mas acho que não posso deixá-la mais curta. De acordo com minha experiência, quase ninguém reflete dessa for­ma sobre a questão de Jesus e Deus. Mas era assim, acre­dito, que pensavam o próprio Jesus, os primeiros cris­tãos e aqueles que escreveram os Evangelhos, e faríamos bem compreendendo isso.

Que prova há da ressurreição de Cristo?

Tentarei resumir essa resposta. Meu pai leu meu lon­go livro The Resurrection of the Son of God quando estava com oitenta e três anos de idade. Levou apenas três dias para ler setecentas páginas. Só lia, não fazia mais nada. Então, me ligou e disse:

Acabei de ler o livro.

Você o quê? perguntei.

Já li o livro e, para dizer a verdade, comecei a gos­tar depois de ler seiscentas páginas.

Achei aquilo um elogio deliciosamente duvidoso. Pensando que ele trabalhara como madeireiro, eu disse:

Papai, as primeiras quinhentas páginas, mais ou menos, são as raízes. Se uma árvore não tem raízes, não fica em pé e não produz frutos.

É, acho que foi o que pensei ele replicou. Mas sempre gostei mais dos galhos de cima.

Então, preciso falar um pouco das raízes. Uma das coisas de que mais gostei, escrevendo o livro, foi voltar ao meu território clássico e pesquisar antigas crenças so­bre a vida e a morte. E há muitas delas, mas "ressurrei­ção" não aparece no mundo greco-romano. Na verdade, Plínio, Ésquilo, Homero, Cícero e todos os outros escrito­res antigos dizem "é claro que sabemos que ressurreição é uma coisa que não acontece". Na mesma época, os ju­deus haviam desenvolvido uma teologia bastante espe­cífica sobre a ressurreição, a de que os membros do povo de Deus se levantariam de entre os mortos no fim dos tempos. O elemento tempo é muito importante, porque os cristãos do mundo ocidental usam a palavra "ressur­reição" como um termo vago que significa "vida após a morte" e que nunca teve esse significado no mundo anti­go. É um termo específico para o que chamo de "vida após a vida após a morte". Em outras palavras, primeiro morremos, estamos mortos, sem vida corporal, e depois "ressuscitamos", o que significa que começamos uma nova vida corporal, uma nova vida após seja lá o que for essa "vida após a morte".

Podemos ver como a crença na ressurreição ocorria no judaísmo. Ressurreição é uma seqüência de duas etapas: lodo depois que morremos, ficamos em estado de espera, e depois temos essa vida inteiramente nova, cha­mada "ressurreição". No livro sobre o assunto, eu me diverti muito desenhando um mapa das crenças judaicas sobre da vida após a morte, dentro de um mapa maior das crenças antigas a esse respeito. No judaísmo há algu­mas variações. Os fariseus acreditavam na ressurreição, e parece que essa era a crença principal no judaísmo pa­lestino do tempo de Jesus. Os saduceus não acreditavam em vida após a morte, muito menos em ressurreição. E pessoas como Fílon, e talvez os essênios, acreditavam em uma imortalidade espiritual em uma única etapa, na qual, após a morte, nós simplesmente vamos para onde temos de ir e ficamos lá, em vez de passar por uma posterior ressurreição.

Isso tudo torna-se ainda mais interessante porque, em todas as sociedades estudadas, as crenças sobre a vida após a morte são muito conservadoras. Diante da morte, parece que as pessoas voltam às práticas e crenças que conhecem, à maneira como a tradição, a família, a vila, e assim por diante, cultivam costumes fúnebres. Assim, é verdadeiramente notável que, até o fim do segundo sé­culo, quando os gnósticos começaram a usar a palavra "ressurreição" num sentido muito diferente, todos os primeiros cristãos que conhecemos acreditavam em uma futura ressurreição do corpo, embora muitos deles vies­sem do mundo pagão, onde esse assunto era considera­do pura bobagem.

Um mito moderno circula por aí, dizendo que fomos apenas nós, com nossa ciência contemporânea pós-Esclarecimento, que descobrimos que pessoas mortas não se levantam do túmulo. Os antigos, pobrezinhos, não eram esclarecidos, então acreditavam em todos esses milagres malucos. Mas isso é simplesmente falso. Um adorável trecho literário de C. S. Lewis é sobre isso. Ele fala da virginal concepção de Jesus e diz que José ficou preocupado com a gravidez de Maria não porque não soubesse de onde vinham os bebês, mas porque sabia. Acontece o mesmo com a ressurreição de Jesus. As pes­soas do mundo antigo eram incrédulas quanto à alega­ção cristã porque sabiam perfeitamente bem que quando alguém morre, permanece morto.

Então, descobrimos e isso é absolutamente fasci­nante para mim que podemos rastrear, no cristianis­mo nascente, variações da clássica crença judaica na res­surreição. Primeiro, em vez de a ressurreição ser algo que simplesmente ia acontecer a todo o povo de Deus no fim dos tempos, era, para os cristãos, algo que acontecera an­tecipadamente a uma pessoa. Bem, nenhum judeu do pri­meiro século, pelo que eu saiba, podia acreditar que uma pessoa ressuscitasse antes de todas as outras. Era uma ino­vação radical, mas todos os cristãos acreditavam nisso.

Segundo, as pessoas acreditavam que a ressurreição envolveria a transformação do corpo físico. Os judeus que acreditavam na ressurreição estavam divididos. Uns di­ziam que teriam um corpo físico exatamente igual ao que tinham em vida, e outros diziam que novo corpo seria luminoso, brilhante como uma estrela. Os primeiros cris­tãos não diziam nem uma coisa nem outra. Falavam de um novo tipo de forma física isso fica muito claro nos ensinamentos de Paulo, e não apenas nos dele , defini­tivamente corporal no sentido de ser sólido e substan­cial, mas transformado, de modo que não fosse mais sus­cetível à dor ou à morte. Isso é algo novo. Essa descrição de ressurreição não é encontrada no judaísmo.

Terceiro, naturalmente, os cristãos acreditavam que o Messias ressurgira de entre os mortos, no que nenhum judeu do Segundo Templo acreditava porque, de acordo com o judaísmo do Segundo Tempo, o Messias jamais morreria. Então, isso também era uma novidade.

Quarto, os cristãos usavam a idéia de ressurreição de um modo diferente. No judaísmo, a idéia fora usada como metáfora para "retorno do exílio", como vemos em Ezequiel, capítulo 37. Mas no cristianismo iniciante e estou falando bem do início, por exemplo, do tempo de Paulo , encontramos essa idéia usada em conexão com batismo, santidade e vários outros aspectos que não fa­ziam parte do judaísmo. Isso mostra uma radical inova­ção, algo muito diferente do ponto de vista judaico.

Quinto, achamos que, para os primeiros cristãos, "res­surreição" era algo para o que o povo de Deus contri­buía. Os cristãos eram chamados para trabalharem jun­tamente com Deus para implementar o que fora iniciado na Páscoa e, assim, antecipar o novo mundo que Deus, um dia, criaria. Isso também era novo, mas explicável apenas como uma mutação dentro do judaísmo.

Sexto, vemos que no cristianismo emergente a res­surreição deixou de ser uma doutrina entre muitas ou­tras importante, mas não demais , o que continua a ser no judaísmo, para tornar-se o centro de tudo. Tire essa idéia, digamos, dos livros de Paulo, de I Pedro, do Apo­calipse, e destruirá toda sua estrutura. Temos de concluir que algo deve ter acontecido para tirar "ressurreição" da periferia para o ponto mais central.

Sétimo, descobrimos que no cristianismo iniciante não havia crenças variadas sobre o que acontece após a mor­te. No judaísmo havia vários pontos de vista, e no mun­do pagão, ainda mais, mas no cristianismo havia apenas uma; a ressurreição. Levando em consideração como as pessoas são conservadoras em suas opiniões sobre a vida após a morte, isso é realmente notável. Parece, de fato, que o cristianismo nascente tinha boas razões para re­pensar até essa mais pessoal e importante questão de cren­ça. Vemos que os primeiros cristãos discordam sobre uma porção de coisas, mas eram notavelmente unânimes em sua opinião de que a ressurreição devia ser sua crença, mas também a respeito de como ela funciona.

Tudo isso força-nos, como historiadores, a fazer uma pergunta muito simples: por que os primeiros cristãos tinham essa muito nova, mas admiravelmente unânime, opinião a respeito da ressurreição? Essa é uma pergunta histórica de fato interessante. É claro, todos os primeiros cristãos diziam que tinham essa opinião por causa do que acreditavam a respeito de Jesus. Agora, se a idéia de que Jesus se ergueu dos mortos só aparecesse depois de vin­te ou trinta anos de cristianismo, como muitos estudio­sos céticos têm suposto, encontraríamos muitas facções que não aceitariam a ressurreição, e aquelas que aceitas­sem lhe dariam uma forma diferente daquela específica do cristianismo primitivo. Assim, a ampla e unânime acei­tação da crença na ressurreição pelos primeiros cristãos força-nos a dizer que alguma coisa certamente aconteceu para moldar e colorir todo o movimento cristão.

A esta altura, temos de perguntar: e as narrativas en­contradas no Evangelhos? O que dizer de Mateus 28, do curto relato em Marcos 16, do um pouco mais longo em Lucas 24 e do muito mais longo em João 20-21? E, claro, eu, como praticamente todos os estudiosos dos Evange­lhos, acredito que eles foram escritos muito mais tarde. Não sei quando foram escritos. Ninguém sabe, apesar de alguns eruditos insistirem em nos dizer que sabem. Os Evangelhos podem ter sido escritos cedo, por volta do ano 50 do primeiro século, talvez ainda antes, ou no ano 70 e até 80 ou 90. Mas, para o argumento que defendo no momento, isso não faz diferença.

O que importa é que as narrativas sobre a ressurrei­ção e o material relacionado ao assunto, encontrado no começo do livro de Atos, têm certas características im­portantes, comuns aos quatro Evangelhos, demonstram historicamente que, embora fossem escritos mais tarde, relatam os fatos de uma forma que deixa claro que não foram muito alterados, que foram editados, mas não subs­tancialmente modificados. Isso é, obviamente, de enor­me importância.

A primeira característica é o retrato de Jesus nas nar­rativas da ressurreição. Já foi dito, muitas e muitas vezes, que: 1) o Evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escri­to, e ali há pouca coisa sobre a ressurreição; 2) o de Mateus veio depois, e nele não há muito mais; 3) já próximo do fim do século, apareceram os Evangelhos de Lucas e João, e só então encontramos histórias de Jesus comendo pei­xe assado, preparando o desjejum à beira do mar, con­vidando Tomé a tocá-lo, e assim por diante. De acordo com a teoria, havia cristãos já quase no fim do primeiro século que começaram a acreditar que Jesus não era ge­nuinamente humano, que não era um homem real, de modo que Lucas e João inventaram aquelas histórias a fim de dizer que sim, que ele era humano, que o Jesus ressuscitado tinha corpo real, e assim por diante.

O problema com essa teoria que, diga-se de passa­gem, é bem popular é que aquelas narrativas sobre Jesus estar cozinhando na praia, partindo o pão em Emaús, convidando Tomé a tocá-lo, e outras mais, mostra esse mesmo Jesus passando por portas fechadas, às vezes sen­do reconhecido, e às vezes não sendo, desaparecendo de um momento para o outro e, finalmente, subindo ao céu. Suponhamos que eu estivesse inventando uma história no ano 95 d.C., porque sabia que algumas pessoas esta­vam um pouco inseguras a respeito da questão de Jesus verdadeiramente humano. Eu não poria todo esse mate­rial em minha história. Seria como marcar um gol contra.

Do outro ponto de vista, se você fosse um judeu do primeiro século e quisesse inventar uma história sobre Jesus ter sido erguido do meio dos mortos, o mais natu­ral seria recorrer a Daniel 12, um dos grandes textos so­bre ressurreição para o judaísmo do Segundo Templo. Em Daniel 12 está escrito que, no reino do Pai, o justo brilhará como uma estrela. Jesus cita essa passagem em Mateus 13. Por isso, o mais fascinante é que nenhuma narrativa da ressurreição mostra Jesus brilhando como uma estrela. Se os evangelistas estivessem se aproveitan­do desses textos para dar credibilidade ao que estavam inventando teriam dito que isso acontecera.

Assim, a partir desses dois pontos de vista, o retrato de Jesus nos relatos da ressurreição é muito, muito estra­nho. Não é o que se poderia esperar que fosse. Não há nenhuma descrição como essa nas narrativas judaicas da época. Mas, de modo notável, ela é uniforme nos Evan­gelhos de Mateus, Lucas e João. No de Marcos, o relato é curto demais para que possamos saber o que mais ele teria contado se houvesse continuado um pouco mais. Então, realmente, algo muito bizarro aconteceu. É como se os evangelistas estivessem querendo no dizer: "Sei que vocês vão achar muito difícil acreditar, mas foi isso ver­dadeiramente o que aconteceu". O acontecimento foi tão extraordinário que deixou sua marca nas narrativas. Qua­tro pessoas não tirariam a mesma coisa da cabeça. Qual­quer um que escrevesse um relato fictício do aconteci­mento naquela Páscoa teria tornado Jesus mais claramente reconhecível.

Deixem-me fazer um comentário à parte. Quem lê os relatos de Mateus, Marcos, Lucas e João no original gre­go e os compara, vê que são muito diferentes, embora todos contassem a mesma história, que mostra as mu­lheres indo ao túmulo, e assim por diante. Os quatro usam palavras diferentes, então, podemos supor que um co­piou do outro, simplesmente.

O segundo fato é que há uma ausência quase com­pleta de alusões ao Velho Testamento nos relatos da res­surreição. Nas narrativas da crucificação, fica claro que a história da morte de Jesus foi contada vezes sem conta na comunidade cristã primitiva, com alusões ao Salmo 22, Isaías, capítulo 53, Zacarias e outras passagens do Ve­lho Testamento. Mas quando se trata da ressurreição, não encontramos essas alusões na narrativa dos quatro evangelistas. Vale lembrar que o apóstolo Paulo, em Coríntios I, capítulo 15, ergueu-se de entre os mortos "de acordo com as Escrituras". No início da década de 50 do primeiro século, ele tinha uma rica coleção de textos do Velho Testamento a que recorrer para interpretar a res­surreição. Teria sido muito fácil para Mateus, que adora­va nos falar sobre o cumprimento das Escrituras, dizer que aquilo acontecera para que as Escrituras se cumpris­sem. Ele, porém, não faz isso. Do mesmo modo, João ex­plica que, quando os discípulos foram ao túmulo, ainda não conheciam a passagem das Escrituras que diz que ele ressurgiria de entre os mortos. Mas também não cita a passagem, nem diz em que parte do Velho Testamento se encontra. E, na estrada de Emaús, Lucas pede a Jesus que explique as Escrituras, mas também não conta o que foi que Jesus explicou.

Isso é muito estranho. Ou dizemos que a igreja pri­mitiva escrevia narrativas da ressurreição repletas de ci­tações ao Velho Testamento, e que Mateus, Marcos, Lucas e João, agindo de forma independente, usaram essas re­ferências, ou dizemos que essas histórias remontam ao início de uma tradição oral que precede a reflexão teológica. Em minha opinião, essa segunda explicação é, de longe, a mais provável.

A terceira característica fascinante das narrativas é o lugar ocupado pelas mulheres. No mundo judeu e pa­gão antigo, as mulheres não tinham credibilidade para serem aceitas como testemunhas em um julgamento. E, quando fala da tradição pública sobre Jesus, em Coríntios I, capítulo 15, Paulo diz: "Esta é a história como a conta­mos. Ele foi crucificado por causa de nossos pecados, de acordo com as Escrituras, e então foi visto por...". Segue-se uma lista de nomes masculinos. "Por Cefas, Tiago, pelos primeiros discípulos, por quinhentos ao mesmo tempo e, por último, por mim." Então, perguntamos: Des­culpe, Paulo, mas onde estão as mulheres? A resposta é que, já naquela época, a tradição pública varrera as mu­lheres do relato porque sabia que elas teriam problemas se não fossem eliminadas. Vimos o problema que enfrenta­ram quando lemos Celsus que, um século mais tarde, es­carnece da ressurreição dizendo: "Essa fé baseia-se ape­nas no testemunho de algumas mulheres histéricas".

Então, é fascinante que em Mateus, Marcos, Lucas e João, temos Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e ou­tras mulheres. E Maria Madalena, justo ela sabemos de seu passado , é escolhida como principal testemu­nha e aparece em todos os quatro relatos. Como historia­dores, somos obrigados a comentar que, se essas histó­rias foram inventadas cinco anos depois da morte de Jesus, para não falar em trinta, quarenta ou cinqüenta anos depois, eles nunca poriam Maria Madalena nesse papel. Do ponto de vista dos defensores cristãos que que­rem explicar a uma platéia cética que Jesus realmente res­surgiu dos mortos, pôr Maria Madalena nesse papel é o mesmo que dar um tiro no próprio pé. Mas para nós, historiadores, esse tipo de coisa é puro ouro em pó. Os primeiros cristãos nunca, nunca inventariam isso. As histó­rias sobre as mulheres descobrindo o túmulo vazio e de­pois encontrando Jesus ressuscitado devem ser vistas como solidamente históricas.

Passemos, então, à quarta e última característica fas­cinante dos relatos. Aqui falo como pregador que pre­gou praticamente em todos os domingos de Páscoa nos últimos trinta e cinco anos. Pregadores, de acordo com a tradição ocidental, fazem na Páscoa sermões sobre a res­surreição de Jesus, nossa vida futura, nossa própria ressur­reição ou nossa ida para o céu. Mas nas narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João, não há nenhuma menção a uma vida futura. Paulo, no entanto, cada vez que men­ciona a ressurreição fala também dessa nossa futura vida. Em Hebreus, lemos sobre a ressurreição de Jesus e a nos­sa. No livro do Apocalipse, mais uma vez encontramos um vínculo entre nossa própria ressurreição e a de Jesus. Justino, o Mártir, Inácio de Antioquia e Irineu usam esse vínculo. "Pensamos na ressurreição de Jesus a fim de re­fletir sobre a nossa."

Mas Mateus, Marcos, Lucas e João não dizem "se Je­sus ressuscitou, nós também vamos ressuscitar um dia". Dizem, e isso surpreende as pessoas, que Jesus ressusci­tou, e que por isso era realmente o Messias. "Começou a nova criação de Deus. Temos uma tarefa a cumprir e, o mais importante, somos levados a adorar esse Jesus, por­que sabemos que ele encarnou o Deus de Israel, o cria­dor do universo." Em outras palavras, essas histórias, como as lemos nos Evangelhos, remontam a um modo primitivo de contar a história que nem mesmo nos diz que também seremos ressuscitados porque Cristo ressus­citou, como nos diz Paulo no final da década de 40 do primeiro século. Assim, temos de concluir que essas nar­rativas surgiram antes de Paulo, no tempo em que a igreja estava apenas começando, ainda em choque diante do acontecimento totalmente inesperado da ressurreição e tentando compreender o que ele significava.

Tirei certas conclusões de tudo isso. A fim de explicar o surgimento do cristianismo, a fim de explicar a existên­cia desses quatro relatos da ressurreição, mais o que en­contramos a respeito em Atos e nas epístolas de Paulo, precisamos dizer que a igreja nascente de fato acreditava que Jesus se levantara corporalmente do túmulo. Não existe nenhuma evidência que nos leve a pensar que al­gum dos primeiros cristãos não acreditava. Mas como podemos, como historiadores, explicar isso?

É óbvio que, como cristãos, podemos interromper o andamento desse argumento. Muitos cristãos têm feito isso, o que é uma pena, porque é sinal de que não enten­deram o ponto vital. "Claro, ele era o Filho de Deus, po­dia fazer qualquer coisa", é uma alegação freqüente.

Eu, porém, não quero fazer isso. Quero ser fiel aos textos, que não fazem essa alegação. O que devemos per­guntar é como podemos explicar esse fenômeno extraor­dinário, o fato de o cristianismo primitivo tomar essa for­ma específica e de contar-nos as histórias muito específicas que nos contou. Quando procuro explicações históricas, descubro que duas coisas em particular devem ter acon­tecido: 1) devia haver um túmulo vazio, que era conheci­do como o que recebera o corpo de Jesus, e não podia haver engano; 2) deve ter havido aparições de Jesus res­suscitado.

Por que as duas coisas devem ter acontecido? Por­que, se houvesse um túmulo vazio e nenhuma aparição, todo o mundo antigo chegaria à óbvia conclusão ób­via para eles, não para nós de que o corpo fora roubado. Os túmulos eram sempre assaltados, principalmente se as pessoas sepultadas eram ricas ou famosas, porque podia haver jóias lá dentro. Então, as pessoas diriam o que Maria disse: "Roubaram o corpo. Não está lá, não sei o que aconteceu". E ninguém jamais falaria em ressurrei­ção, se tudo se resumisse a um túmulo vazio.

Do mesmo modo, não podemos explicar os dados históricos que comentamos, dizendo simplesmente que os discípulos devem ter tido algum tipo de experiência que tomaram como um encontro com Jesus. Sabiam que Jesus fora morto. Todos sabiam a respeito de alucinações, espíritos e visões. A antiga literatura judaica e a pagã es­tão cheias dessas coisas. Isso remonta a Homero, a Virgílio. Algumas pessoas, recentemente, têm dito, para argumen­tar que a ressurreição não pode ter acontecido, coisas as­sim: "Ah, bem, quando morre um ente querido nosso, às vezes o vemos junto de nós, sorrindo, até mesmo con­versando, então a visão desaparece. Talvez fosse isso o que aconteceu aos discípulos". E é verdade, li sobre isso. Trata-se de um fenômeno bem-documentado que faz parte do processo de luto, e cada um pode explicá-lo como quiser. Mas o caso é que os cristãos primitivos também co­nheciam tais fenômenos. Sabiam perfeitamente que havia coisas como visões, alucinações, sonhos, espíritos, e as­sim por diante. Se elas tivessem a experiência, por mais vivida, de estar com Jesus, mas o túmulo não estivesse vazio, teriam dito: "Nossa, isso foi muito forte e, de certa forma, consolador, mas ele não ressuscitou, é claro, por­que os mortos não se levantam até que todos se levan­tem no fim dos tempos e, seja como for, o corpo dele continua no túmulo".

Neste ponto, precisamos lembrar a maneira como os judeus daquele tempo enterravam os mortos. Um fune­ral, na Palestina da época, era feito em duas etapas. Na primeira, embrulhavam o corpo em panos, com especia­rias, e o colocavam numa laje em uma tumba cavada na rocha, ou talvez até no porão da casa. Não o enterravam da maneira que é usada no mundo ocidental moderno, em uma cova na terra, que depois é preenchida, porque depois, quando a carne se decompunha, os ossos eram retirados. Daí a necessidade de especiarias, que disfarça­vam o mau cheiro da decomposição. Então, decomposta a carne, os ossos eram recolhidos e colocados em um ossuário, uma caixa que era guardada num lóculo um nicho no fundo do túmulo ou em algum outro lugar con­veniente. Os arqueólogos voltam a fazer escavações em Jerusalém, em busca de ossuários, cada vez uma nova estrada é aberta, um novo hotel Hilton ou um condomí­nio são construídos. Eles têm centenas, até mesmo mi­lhares de ossuários.

A razão de eu estar dizendo isso é que, se o corpo de Jesus ainda estivesse no túmulo, os discípulos não teriam dificuldade em descobrir e diriam que, por mais fortes que fossem, as visões que haviam tido não passavam de alucinações e que Jesus, afinal, não se levantara de entre os mortos. Então, nós, como historiadores, dizemos que realmente deve ter existido um túmulo vazio, que as apa­rições de Jesus devem realmente ter acontecido, embora ele parecesse estranhamente transformado, de um jeito que os discípulos não esperavam, de um jeito que nós achamos muito desconcertante.

Chegamos, finalmente, ao último movimento neste jogo de xadrez. Como eu, um historiador, explico essas coisas que para mim são fatos: o túmulo vazio e as apari­ções de Jesus? A explicação mais fácil é que isso tudo acon­teceu porque Jesus realmente se ergueu dos mortos, e os discípulos realmente o viram, embora com corpo reno­vado e transformado, de modo que agora parecia que ele podia viver em duas dimensões ao mesmo tempo. Essa, na verdade, talvez seja a melhor maneira de compreendermos o fenômeno: Jesus agora estava vivendo na di­mensão de Deus e na nossa, ou, se preferirem, no céu e na terra, simultaneamente.

A ressurreição de Jesus nos dá suficiente explicação para o túmulo vazio e seus encontros com os discípulos. Tendo examinado todas as outras possíveis hipóteses que li a respeito do assunto, essa explicação, além de sufi­ciente, é também necessária.

Antony Flew: Reflexões finais

Estou muito impressionado com a abordagem do bis­po Wright, que é absolutamente nova. Ele apresenta o argumento do cristianismo como algo novo, e isso é de enorme importância, principalmente para o Reino Uni­do, onde a religião cristã praticamente desapareceu. É uma explicação absolutamente maravilhosa, absoluta­mente radical e muito poderosa.

É possível que tenha havido ou que possa haver uma revelação divina? Como eu disse, não se pode limitar as possibilidades da onipotência, a não ser a de produzir o logicamente impossível. Tudo o mais está acessível à oni­potência.

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