quinta-feira, 9 de setembro de 2010

1 - O Novo Testamento é historicamente confiável?

Por Craig L. Bloomberg


Jesus e as origens cristãs continuam a fascinar o publico norte-americano. As estantes dedicadas à religião, em todas as principais cadeias de livrarias, exibem inúmeros títulos sobre esses assuntos. Infelizmente, eles vão de livros escritos por acadêmicos responsáveis a obras de pura ficção, impingidas a leitores desavisados como a última “verdadeira descoberta” sobre os primórdios do cristianismo. Nós podemos discernir três categorias destas obras, que não se incluem na corrente do conhecimento bíblico e sério.

Em primeiro lugar, existem os livros que são os mais perturbadores, baseados em nenhuma evidência histórica genuína, de nenhum tipo. Um professor aposentado de ciência atmosférica, em uma grande universidade pública, fica fascinado com OVINIs e publica dois livros sobre um suposto documento em aramaico, encontrado no Oriente Médio, mas depois (convenientemente) perdido outra vez, preservado apenas em uma tradução em alemão, feita por um entendido “Ufologista” que reescreve o Evangelho de Mateus. Neste documento, Jesus é um alienígena, que visita a terra para ensinar uma doutrina similar à moderna filosofia “Nova Era”!1 Ou uma coletânea, líder de vendas, de ficção cristã, quer seja a mais antiga ou a mais recente, chamada The Archko Volume se propõe a divulgar ao público os verdadeiros relatos sobre Jesus e o inicio do cristianismo, sem admitir que nenhum historiador responsável, em parte alguma do mundo, acredita que uma fração do seu conteúdo reflita fatos históricos.2

Uma segunda categoria envolve a distorção de evidências recentemente descobertas. Quando os Rolos do mar Morto foram encontrados, pouco depois da Segunda Guerra Mundial, foram feitos todos os tipos possíveis de declarações sensacionalistas sobre como eles reescreveriam radicalmente a história da origem cristã. Isso nunca aconteceu, mas outro turbilhão de exageros fantásticos emergiu no inicio dos anos 1930, quando o último grupo de documentos muito fragmentados, de Qumram, o local da seita do mar Morto, foi finalmente publicado e traduzido. Um dos mais famosos conjuntos de acusações vem de uma série de livros escritos pela autora australiana, Barbara Thiering. Ela alega que vários personagens nos documentos que descrevem os membros da comunidade de Qumram, e outros no mundo judeu do seu tempo, são codinomes para João Batista, Jesus e alguns dos seus seguidores!3 No entanto, não há razão para suspeitar que Qumram tenha inventado tais codinomes, principalmente porque a grande maioria dos seus documentos tem data anterior ao século I e ao nascimento de Cristo. Não é de surpreender que Thiering não tenha conquistado um número significativo de adeptos entre os acadêmicos.

Distorções de novas descobertas também podem vir de círculos conservadores. Cartsen Thiede, um evangélico alemão, escreveu várias obras recentes declarando que minúsculos fragmentos de manuscritos gregos, encontrados em Qumran, e contendo apenas algumas poucas letras cada um, na verdae representam versículos do Evangelho de Marcos. Se isso for verdade, estas descobertas exigem uma data para este Evangelho anterior à que até mesmo os acadêmicos conservadores normalmente têm defendido. Thiede também acredita que uma cópia do Evangelho de Mateus, em grego, preservada por muito tempo na biblioteca de Magdalen College, Oxford, data da metade do século I. Mas praticamente todos os outros acadêmicos que examinaram estas declarações consideram equivocada a equação que combina os fragmentos de Qumram com o Evangelho de Marcos, e que o papiro de Oxford como sendo dos anos 200, agora conservados em Paris e Barcelona.4 Os mostrassem ser prováveis, mas, com razão, eles ficam desacreditados aos olhos dos outros se tentarem respaldar teses altamente improváveis simplesmente para promover a sua apologética.

A terceira categoria nos traz ainda mais perto dos limites do conhecimento responsável. Há acadêmicos do Novo Testamento plenamente credenciados na “extrema esquerda” teológica, que desenvolvem pesquisa genuína, mas apresentam suas opiniões como se elas refletissem um consenso de conhecimento quando, na verdade, representam a “ala radical”. Certamente, o mais famoso exemplo disso nos últimos anos foi o “Seminário Jesus”, um grupo de indivíduos, na maioria acadêmicos do Novo Testamento (embora muitos não fossem especializados em pesquisa sobre o Jesus histórico), que, inicialmente somava mais de duzentas pessoas, mas acabou reduzido a menos de cinqüenta, e que conquistou a atenção dos meios de comunicação pra as suas conferências semestrais ao longo dos anos 1980 e 1990. Examinando cada palavra e obra atribuídas a Jesus nos quatro Evangelhos, além do apócrifo Evangelho de Tomé5 o Seminário Jesus concluiu que apenas 18% dos dizeres e 16% das ações de Jesus contidas nestes documentos representavam algo próximo do que Jesus realmente disse ou fez.6

Estas conclusões, no entanto, foram praticamente determinadas pelas pressuposições e pelo método do Seminário Jesus. Em uma lista particularmente franca destas pressuposições, Seminário Jesus explica que milagres não podem acontecer, de modo que todos os eventos sobrenaturais dos Evangelhos são rejeitados desde o começo, e que Jesus jamais falou sobre si mesmo, ou sobre o futuro, ou sobre o juízo final (um tópico indigno de um professor iluminado ou esclarecido).7 Essas últimas pressuposições vão muito além da tendência antissobrenatural das primeiras, que levariam à conclusão de que Jesus não poderia ter acreditado que Ele era divino, nem ter predito o futuro de maneira infalível. Em vez disso, eles insistem numa verdade que não pode ser afirmado sobre nenhum outro líder religioso na história, ou seja, que Jesus não fez nenhuma declaração sobre a sua identidade nem especulou de maneira nenhuma sobre eventos futuros. E, embora possa ser verdade que certos liberais modernos não podem digerir a noção de um dia de juízo, quando toda a humanidade será levada a prestar contas diante de Deus, esta crença era praticamente universal no mundo de Jesus, de modo que seria assombroso que Ele não refletisse sobre este tema.

O Seminário Jesus agora concluiu a sua obra e foi dispersado, mas no inicio do novo milênio, um Seminário Atos semelhante se formou, e publicou seus resultados iniciais, os quais sugerem que as mesmas abordagens imperfeitas são adotadas por eles.8 Felizmente, eles receberam muito menos atenção dos meios de comunicação; pode-se esperar que eles desapareçam completamente.

Enquanto isso, um dos segredos mais bem guardados do público do século XXI é o fato de que a assim chamada Third Quest (Terceira Busca) pelo Jesus histórico, durante os últimos 25 anos, tenha, de modo geral, sido cada vez mais otimista sobre o quanto nós podemos conhecer acerca do fundador do cristianismo. A investigação de Bem Witherington das abordagens na metade dos anos 1990 oferece uma excelente visão geral: Concentrando-se em diferentes partes dos relatos dos Evangelhos, e comparando-os com a quantidade sem precedentes de informações agora disponíveis sobre os mundos judaico, grego e romano do século I, acadêmicos engajados no estudo do Novo Testamento demonstraram as várias maneiras pelas quais Jesus foi um profeta de uma era nova e futura, cheio do Espírito, um reformista social, um sábio e um Messias marginalizado.9 Ligeiramente menos intenso está um renovado escrutínio acadêmico sobre o apóstolo Paulo, que Witherington também pesquisou, incluindo uma reabilitação do valor histórico do livro de Atos, especialmente as secções que tratam do ministério de Paulo.10

Mas fora dos círculos distintamente evangélicos, até mesmo na corrente atual e centrista dos acadêmicos do Novo Testamento, ainda não se acredita que qualquer parte substancial dos Evangelhos ou do livro de Atos seja historicamente exata. Critérios padrão são empregados para separar as partes mais históricas das menos históricas.11 Mas aqui, estudos recentes sugeriram que estes critérios provaram ser inadequados para o que declaravam realizar. Os dois critérios mais comuns no aprendizado dos Evangelhos se tornaram conhecidos como “desigualdade” e “confirmação múltipla”. O critério da desigualdade aceita como autêntico aquilo que separa um evento ou expressão dos Evangelhos, tanto do mundo judaico convencional da época de Cristo como do subseqüente cristianismo, uma vez que é improvável que qualquer judeu ou cristão pudesse tê-lo inventado. O critério de confirmação múltipla aceita como sendo mais provavelmente histórico aquilo que é apresentado em mais de um Evangelho ou em mais de uma forma literária ou fonte que os Evangelhos empregaram. Ambos os critérios podem destacar elementos que estão seguramente ancorados no ministério do Jesus histórico, mas não podem logicamente eliminar itens que não são aprovados nos dois testes. Jesus se sobrepôs a seus antecessores judeus, ao passo que os primeiros cristãos o imitaram com exatidão em vários aspectos. Testemunhos isolados também podem comunicar verdades históricas. Assim, precisamos de critérios mais sofisticados se pretendemos desafiar detalhes nos Evangelhos com a justificativa de que não refletem a história exata. Na verdade, vários acadêmicos desenvolveram recentemente um critério de quatro partes que torna mais provável que vastas partes dos Evangelhos sejam historicamente exatas.12 N. T. Wright, bispo de Durgam, Inglaterra, e comprovadamente liderando o conhecimento do evangelicanismo sobre o Novo Testamento hoje, o chama de critério duplo de desigualdade e igualdade. Os acadêmicos alemães Gerd Theissen, Annette Merz e Dagmar Winter falam do critério com plausibilidade histórica. Dizem que, em cada caso, inúmeras características nos Evangelhos demonstram (1) suficiente continuidade com contextos judaicos, para serem dignos de crédito em um ambiente israelita a partir do primeiro terço do século I; (2) suficiente descontinuidade com o judaísmo convencional para sugerir que ele não fora inventado por um judeu comum; (3) suficiente continuidade com o princípio do cristianismo, para mostrar que Jesus não era mal interpretado pelos seus seguidores; e (4) suficiente descontinuidade com o primeiro movimento de Jesus para sugerir que um dos primeiros cristãos não o inventou. Quando todas as quatro condições são satisfeitas, podemos ter certeza de que os Evangelhos nos apresentam informações exatas. Wright é mais otimista do que os três alemães, sobre a quantidade de material que satisfaz estas condições, e os seus textos aceitam muitos dos temas centras dos Evangelhos, certamente muito mais detalhes do que o conhecimento alemão moderno e altamente cético normalmente reconhece.13

O escopo modesto deste livro me impede de comentar, ainda que rapidamente, cada um dos temas centrais ou porções dos dados do Novo Testamento. Mas posso apontar inúmeras características mais genéricas que suportam uma substancial medida de confiança na fiabilidade histórica dos cinco livros do Novo Testamento que tradicionalmente se supõe que apresentam um fiel registro da vida de Jesus e da primeira geração da história cristã – os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João e o livro de Atos. Ao fazer isso, nós nos colocamos no lugar dos nossos historiadores, e tentamos, por um momento, delinear a fé cristã. Nós não queremos ser culpados de fazer aquilo que criticamos tão asperamente o Seminário Jesus, que é pressupor as nossas conclusões.14 Mas mesmo se nos limitarmos Às abordagens feitas pelos historiadores clássicos que estudam outros povos, eventos e instituições dos mundos judaico, grego e romano de antigamente, um caso cumulativo emerge, o que sugere que os Evangelhos e o livro de Atos são muito confiáveis historicamente.

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