quinta-feira, 9 de setembro de 2010

6 - O Novo Testamento é historicamente confiável?

Por Craig L. Bloomberg

Palavras Severas e Tópicos Ausentes

Na seção anterior deste capitulo, eu respondi a inúmeros argumentos contrários a confiabilidade das porções aparentemente históricas do Novo Testamento. Agora é o momento de nos voltarmos para evidências positivas e adicionais a favor da sua confiabilidade. Duas destas evidencias formam um par natural. Por um lado, ha inúmeras "palavras duras" de Jesus nos Evangelhos que os seus primeiros seguidores provavelmente não teriam inventado. Um exemplo de palavra dura e aquele que faz uma exigência muito rigorosa aos discípulos, mesmo quando parece contradizer o ensinamento do próprio Jesus em outras passagens. Por exemplo, Lucas 14.26 declara que Jesus disse aos seus possíveis seguidores: "Se alguém vier a mim e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo". Esta declaração teria escandalizado um publico judeu que levava muito a serio o mandamento mosaico de honrar o pai e mãe, um mandamento que Jesus confirma em outras passagens (por exemplo, Mc 7.10). Felizmente para nós, Mateus inclui um ensinamento paralelo de Jesus em um diferente contexto, explicando o que Ele provavelmente quis dizer no contexto de Lucas também: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37). Os dois textos em grego estão, naturalmente, traduzindo o aramaico original de Jesus, e nas línguas semitas "amar" e "odiar" freqüentemente significavam "escolher" e "não escolher" ou "preferir" e "não preferir".57 O nosso amor por Deus deve superar tanto o nosso amor pela família, que este se parecera ate mesmo com o ódio, quando se fizer uma comparação. Agora, as palavras são, pelo menos, compreensíveis, embora ainda incrivelmente desafiadoras. Mas se Lucas ou Mateus se sentisse suficientemente livre para manipular as tradições que tinha herdado, como afirmam muitos acadêmicos, certamente teria sido muito mais fácil simplesmente omitir este tipo de frase.

Em outros casos, o que torna uma frase "dura" e o fato de que ela parece contradizer a divindade de Cristo, que a Igreja Primitiva tão rapidamente veio enfatizar. Por exemplo, em Marcos 6.5,6 o poder de Jesus parece limitado pela falta de fe em Nazaré: "E não podia fazer ali obras maravilhosas; somente curou alguns poucos enfermos, impondo-lhes as mãos. E estava admirado da incredulidade deles". Ou, em 13.32, o seu conhecimento parece limitado: "Mas, daquele Dia e hora [do retorno de Cristo], ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai". A teologia cristã entendeu, afinal, esses textos, e falou que Jesus não se utilizava de seus atributos divinos (tais como a onipotência e a onisciência), exceto quando era a vontade do seu Pai. Mas teria sido mais fácil que Marcos simplesmente omitisse estes dizeres, levando em consideração a confusão que poderiam criar. Alguma coisa, no entanto, o impediu de excluí-los. Aparentemente, estes eram "pontos fixos" na tradição que não poderiam ser eliminados se as narrativas nas quais eles apareciam fossem relatadas outra vez.58

Um fenômeno inverso também respalda a historicidade substancial dos Evangelhos. Varias controvérsias da Igreja Primitiva, descritas no livro de Atos e nas epistolas, jamais aparecem nas paginas dos quatro Evangelhos. Se os primeiros cristãos se sentiam livres para atribuir ao Jesus histórico os ensinamentos que eles acreditavam que o Senhor ressuscitado estava revelando a eles, por que nenhum ensinamento de Jesus sequer trata destas controvérsias em particular? Nos sabemos, de Atos 15 e Gálatas 2, que a questão da circuncisão, como parte da política dos judaizantes para fazer com que os gentios, que estavam se tornando cristãos, obedecessem a toda a lei judaica, ameaçou dividir a Igreja Primitiva. O caminho mais simples para solucionar a controvérsia teria sido que um dos participantes do Concilio Apostólico de Atos 15 tivesse citado o próprio ensinamento de Jesus sobre o assunto. Nos, então, esperaríamos que um dos Evangelhos contivesse algum ensinamento de Cristo sobre o tema, se a circuncisão devesse ser exigida dos seus seguidores. Mas nem o livro de Atos nem os Evangelhos contem uma única palavra atribuída a Jesus para solucionar este debate. Aparentemente, a Igreja Primitiva não se sentiu livre para inventar ensinamentos de Jesus, sabendo que Ele não os tinha proclamado durante a sua vida terrena. Um exemplo similar vem de 1 Coríntios 12-14. Falar em línguas provou causar muita discórdia em Corinto. Qual seria a melhor maneira de solucionar o debate sobre falar em línguas, senão citar palavras de Cristo? E certamente nos esperaríamos encontrar algumas palavras de Cristo sobre o tema nos Evangelhos. Mas estas palavras jamais aparecem! Na verdade, uma lista considerável de contrastes pode ser compilada entre questões que foram importantes para Jesus durante o seu ministério pré-crucificação em Israel e questões que eram importantes para a Igreja pós-ressurreição. E o Novo Testamento, coerentemente, as conserva separadas.59

Alem disso, pelo menos em uma ocasião, quando estes interesses se sobrepõem, Paulo claramente empreende grandes esforços para distinguir o que Jesus disse, durante a sua vida terrena, daquilo que ele acreditava que Jesus lhe estava dizendo, quando escrevia suas epistolas sob inspiração divina. O exemplo em questão aparece em 1 Coríntios, no tema de casamento e divorcio. Em 7.10,11, Paulo proclama: "Aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido... E que o marido não deixe a mulher". Aqui, Paulo resume o conteúdo do ensinamento do Jesus histórico em passagens como Marcos 10.1-12 e paralelas. Mas sobre a questão de um cônjuge incrédulo desejar deixar seu esposo ou sua esposa depois que esta pessoa tivesse se tornado cristã, Jesus não tinha ensinado nada. Assim, Paulo continua, em 1 Coríntios 7.12: "Mas, aos outros, digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher descrente, e ela consente em habitar com ele, não a deixe. E se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em habitar com ela, não o deixe". Paulo não esta dizendo aqui que ele já não esta mais escrevendo sob inspiração divina! O versículo 40 deixa claro que ele pensa que todas as suas instruções neste capitulo são orientadas pelo Espírito. Na verdade, Paulo aqui fala com um tom de ironia, uma vez que esta combatendo oponentes em Corinto os quais declaram que somente eles tem o Espírito. Na verdade, o versículo 12 quer dizer simplesmente que ele tem que confiar naquilo que acredita que Deus esta lhe dizendo, sem ser capaz de provar isso, citando uma palavra da tradição dos ensinamentos terrenos de Jesus. A mesma explicação, sem duvida, e valida para o versículo 25. Longe de mesclar casualmente os ensinamentos de Cristo anteriores e posteriores a ressurreição, Paulo cuidadosamente os conserva separados. Tudo isso deve aumentar o nosso credito na confiabilidade histórica dos Evangelhos.60

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