quinta-feira, 9 de setembro de 2010

7 - O Novo Testamento é historicamente confiável?

Por Craig L. Bloomberg

A Evidencia de Autores Não-Cristãos

Para algumas pessoas, a única evidencia que prova ser definitiva-mente valiosa e a de antigos autores que nunca se tornaram cristãos. Mesmo se admitirmos que os cristãos podiam escrever sobre a historia sem que suas tendências a distorcessem indevidamente, sempre ha a possibilidade de que não o fizeram com sucesso. Naturalmente, estas mesmas pessoas raramente observam que os não-cristãos poderiam ser muito mais inclinados contra o cristianismo e desta maneira deixar de apresentar adequadamente as suas origens históricas. Nos temos provas de que isso acontecia freqüentemente no primeiro milênio d.C, pois a volumosa literatura judaica que formava o Mishnah, Talmudes e vários Midrashim, cada vez mais censurava e excluía referencias a Jesus (e outros supostos apostatas) com o passar dos séculos. Mas, apesar disso, vale a pena investigar o que as literaturas mais antigas — judaica, grega e romana — dizem sobre Jesus e outros personagens e eventos retratados nos Evangelhos e no livro de Atos. Especialmente, quando levamos em conta a tendência destes autores, uma considerável quantidade de evidencias emergem, que, novamente, respaldam a confiabilidade histórica dos documentos canônicos.61

- Evidencias a Favor de Jesus

De longe, a informação mais extensa e interessante vem de Josefo. Escrevendo próximo do fim do século I, este historiador judeu produziu uma obra de vinte volumes, intitulada Antiguidade Judaica — uma historia do mundo, desde a criação ate os seus próprios dias! Os manuscritos que sobreviveram contem duas referencias a Jesus. Em 20.197-203, nos lemos sobre a execução de Tiago, o meio-irmão de Jesus, pelas mãos do Sinedrio, em 62 d.C. Especificamente, na seção 200, Josefo se refere a "Tiago, o irmão de Jesus que era chamado o Cristo".62 Nenhum acadêmico serio duvida da autenticidade desta observação breve, de modo que ela já e suficiente para demonstrar que Jesus existiu.
A outra passagem de Josefo e consideravelmente mais detalhada. Ela diz:

Nesta época, ali viveu Jesus, um homem sábio, se é que realmente deveríamos chamá-lo de homem. Pois Ele foi aquele que realizou feitos surpreendentes e mostrou que e o professor das pessoas que aceitam alegremente a verdade. Ele conquistou muitos judeus e muitos dos gregos. Ele era o Messias. Quando Pilatos, depois de ouvir que ele era acusado por homens da maior autoridade entre nós, o condenou para ser crucificado, aqueles que tinham sido os primeiros a amá-lo não desistiram de seu afeto por ele. No terceiro dia, ele lhes apareceu, restaurado a vida, pois os profetas de Deus tinham profetizado estas e incontáveis outras coisas maravilhosas sobre ele. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, ate hoje não desapareceu (18:63-64).

O problema com esta passagem e que Josefo indica, no resto da sua obra, que continuou sendo judeu por toda a sua vida, e não aceitou o cristianismo. De modo que e altamente improvável que ele tivesse realmente escrito que Jesus era o Messias, questionado a sua verdadeira humanidade ou acreditado na sua ressurreição. Quando nos damos conta de que foram cristãos — e não judeus — que preservaram as obras de Josefo nos primeiros séculos depois da sua escrita, e natural supor que alguns escribas "mexeram" na obra de Josefo, para fazer com que o seu testemunho respaldasse as reivindicações cristãs mais explicitamente. Alem disso, uma obra árabe do século X, a Historia Universal de Agapio se refere ao testemunho de Josefo sobre Jesus, e no seu re-sumo faltam precisamente estes três itens, embora ele descreva Josefo dizendo que os seguidores de Jesus disseram tê-lo visto vivo e que Ele fosse talvez o Messias. Ha um consenso cada vez maior entre os acadêmicos, portanto, de que a passagem em Antiguidade Judaica, uma vez reescrita nestes três pontos, se aproximaria intimamente do que Josefo realmente escreveu.63

Testemunhos judaicos posteriores, a maioria deles encontrados no Talmude, tem natureza mais tendenciosa. Em um texto, esta escrito que Jesus fora enforcado na véspera da Páscoa. Uma vez que os judeus já tinham decidido que a crucificação era comparável ao enforcamento em uma arvore, isso não entra necessariamente em conflito com os relatos dos Evangelhos, particularmente o de João, que pode ser interpretado como se Jesus tivesse sido executado na véspera da Páscoa (embora devamos nos lembrar da nossa interpretação diferente, no tópico “Os quatro evangelhos”). Este mesmo texto, no entanto, diz, a seguir, que durante quarenta dias antes da execução, um arauto clamou: “ele vai ser apedrejado, porque praticou feitiçaria e atraiu Israel à apostasia”. De modo que pode ser que o registro histórico aqui esteja um pouco deturpado.

A acusação de que Jesus era feiticeiro, no entanto, aparece em outros trechos da literatura rabínica (veja especialmente b. Sanh, 107b), que fornece corroboração indireta de que Jesus verdadeiramente realizava milagres. Em vez de negar este fato, os autores judeus simplesmente atribuíam o seu poder ao Diabo, em lugar de atribuí-lo a Deus. O que é interessante é que esta abordagem emerge, em primeiro lugar, nas páginas os próprios evangelhos cristãos (MT 12.24; Lc 11.15).64 A mesma seção do Talmude que se refere ao enforcamento e Jesus também declara que Cristo tinha discípulos com os nomes de Matha, Naqai, Nezer, Buni e Todah. Quatro destes nomes podem ser grafias alternativas ou corrompidas dos nomes hebraicos de Mateus, Nicodemos, João e Tadeu, ao passo que Nezer pode se referir a um nazareno ou seguidor de Jesus, de modo mis genérico.

Outras referências explicitas a Jesus incluem uma tradição em que um discípulo rebelde é comparado a alguém que “queima publicamente um alimento precioso, que é Jesus de Nazaré”, uma metáfora que se refere à distorção do ensinamento judaico (b. Sanh. 103a). Em vários pontos, Jesus é chamado de “Jesus bem (=filho de) Pandera”, e Orígenes, um autor cristão do século II, explica que os judeus acreditavam que Jesus fosse filho de Maria em um relacionamento adúltero com um soldado que tinha este nome (Contra Celsum 1:32). O nome, e conseqüentemente a lenda, talvez venha de uma adulteração da palavra grega parthenos para “virgem”, refletindo, assim, um conhecimento deturpado da tradição cristã da concepção virginal. Em outros textos, Jesus não aparece mencionado por seu nome, mas há um amplo consenso na tradição judaica de que a referência é feita a Ele. Por exemplo, o rabi Abbahu, do século III, declara: “Se um homem diz a você, ‘eu sou (um) Deus’, é um mentiroso; ‘Eu sou (um) Filho do Homem’, irá se arrepender disso; se disser ‘eu vou subir para o céu’, poderá ter dito isso, mas não será capaz de fazê-lo” (p. Taan. 65b). Podemos reconhecer ecos da tradição do Evangelho netas três declarações.65

Historiadores Greco-romanos não-cristãos também fazem algumas referências a Jesus. Thallus (preservado somente nos textos do historiador Júlio Africano, do século III) se referiu a escuridão que aconteceu no momento da crucificação. Plínio, o Jovem, um embaixador romano no inicio do século II, escreveu para o imperador Trajano, pedindo conselhos sobre como lidar com os cristãos que se recusavam a adorar o imperador. Nesta correspondência, ele explicou que os cristãos se reuniam regularmente e entoavam hinos "a Cristo, como se a um deus" (Letters 10.96.7). Tácito, historiador romano do inicio do século II retratou os cristãos como aqueles cujo nome se devia a "Cristo, que tinha sido executado por sentença do procurador Poncio Pilatos, no rei-nado de Tiberio" (Annais 15:44). Aproximadamente na mesma época, o historiador romano Suetonio se referiu a expulsão dos judeus de Roma, durante o reinado de Claudio, em razão de uma revolta instigada por Chrestus. Muitos acadêmicos acreditam que esta e uma versão corrompida de Christus (Cristo) e que Suetonio esta descrevendo uma agitação entre judeus e cristãos, de forma equivocada pensando que Cristo estava pessoalmente presente para instigá-la. A referenda "no entanto, aponta para Jesus como líder de um grupo de judeus dissidentes, se não o fundador do cristianismo".66 Mara bar Serapion, escritor grego do final do século I, falou sobre Jesus, como o sábio rei dos judeus, ao passo que Luciano de Samosata, filosofo e historiador grego, em sua obra de meados do século II, A Morte de Peregrino, se referiu a crucificação de Cristo (seção 11) de uma maneira desdenhosa a credulidade dos cristãos que reverenciavam seu fundador como um deus. Finalmente, Orígenes narrou, com certo nível de detalhes, as acusações deste critico pagão, Celso, que reconhecia, mas menosprezava "os ancestrais, a concepção, o nascimento, a infância, o ministério, a morte, a ressurreição e a continua influencia de Jesus".67

Quando combinamos todo este antigo testemunho não-cristão de Jesus, ha material mais do que suficiente para refutar o mito persistente que ainda existe em certos círculos, de que Jesus jamais existiu!68 Os leitores modernos podem se perguntar por que não ha muito mais ma¬terial preservado, e para isso podemos dar duas respostas básicas. Em primeiro lugar, naqueles primeiros anos, ninguém sabia ainda que o cristianismo um dia se tornaria a religião dominante tanto no império, como em muitas outras partes do mundo. Em segundo lugar, ate boa parte do século XX, a maioria dos escritos históricos envolveu as façanhas de reis e rainhas, generais militares, os que detinham cargos em instituições religiosas, e outras pessoas. O foco nos cidadãos normais de uma nação particular e nos movimentos do povo que não estives sem relacionados com quaisquer poderes políticos ou eclesiásticos continuou relativamente raro ate o século passado. Nos poderíamos dizer que e surpreendente que estas referencias não-cristas a Jesus tenham sobre vivido.

- Outros Personagens e Eventos

Quando nos voltamos para outros personagens nos Evangelhos e no livro de Atos, a situação e bastante diferente. Precisamente porque muitos deles são pessoas poderosamente influentes, de vários tipos, as referencias não-cristas são tão abundantes que podemos apresentar aqui somente uma pequena seleção delas. Josefo, sozinho, fornece uma considerável quantidade de informações sobre João Batista, Herodes (o Grande), Antipas, Agripa I e II, Anas, Caifas e Poncio Pilatos.69 Josefo e os vários historiadores romanos, naturalmente, fazem detalhadas re¬ferencias aos diferentes imperadores que também são mencionados no Novo Testamento.

Copiando do volumoso catalogo de informações contido na obra magistral de Colin Hemer, podemos destacar treze tipos de conhece-mento histórico exibido no livro de Atos, que são corroborados ou pelo menos estão bem de acordo com outras fontes históricas.70 Em cada caso, nos vamos dar apenas um ou dois exemplos, embora na maioria dos casos exista um numero maior.

1. Conhecimento geral: Lucas reconhece que Augusto e o nome do imperador (Lc 2.1), mas, corretamente, menciona que um oficial romano se refere a ele pelo seu titulo (em grego, Sebastos) em Atos 25.21,25. Ele também sabe que os navios transportando grãos zarpavam de Alexandria rumo a Puteoli (28.11-13).
2. Conhecimento especializado: Lucas entende que Anás ainda era considerado como sumo sacerdote pelos judeus, mesmo depois de formalmente deposto por Roma (4.6). Ele também tem ciência dos detalhes da organização de uma guarda militar — quatro grupos de quatro soldados cada (12.4).
3. Conhecimento local especifico: Zeus e Hermes eram deuses populares em Listra, por causa de uma lenda de que tinham aparecido ali incógnitos, séculos antes. E compreensível, portanto, que Barnabé e Paulo fossem confundidos com eles (14.12). A viagem e o naufrágio de Paulo contem inúmeros itens que dificilmente teriam ficado conhecidos, a menos que alguém tivesse estado nesta viagem, ou fosse muito familiarizado com a tecnologia nautica da epoca.71
4. Correlações de data: A informação do livro de Atos esta em conformidade com outras fontes históricas, e nos capacita a fornecer datas para a morte de Herodes Agripa I, a fome na Judéia, a expulsão dos judeus de Roma por Claudio, o governo de Galio em Corinto, e a mudança de procuradores, de Felix a Festo, na Judeia.
5. Capacidade de ajustar o restante do livro de Atos com estas datas: Outras indicações de tempo no livro de Atos criam uma concordância harmoniosa com estes detalhes — um ano e meio de permanência de Paulo em Corinto, aproximadamente três anos em Efeso, e dois anos aprisionado na gestão de Felix — o que possibilita que os estudos da vida de Paulo datem com considerável precisão (pelos padrões antigos), cada uma das viagens missionárias de Paulo e as suas paradas em cada rota.72
6. Detalhes altamente sugestivos de datas: A Sinagoga dos Libertos, em Jerusalém, foi destruída em 70 d.C; a sua descrição precisa em Atos 5.9 teria exigido o conhecimento de condições anteriores a este ano. A Frigia e a Galacia estiveram associadas durante um curto período de tempo no século I, exatamente como Lucas as retrata em 16.6.
7. Correlações com o livro de Atos e as epistolas: Novamente, ha um enorme numero de correlações. Galatas 2.2,10 combinam elementos da visita de Paulo a Jerusalém também descrita em Atos 11.27-30. A superstição recriminada em Galatas 3.1 se encaixa com o engano de Listra em identificar Paulo e Barnabé como deuses gregos, como já observamos.
8. Correlações no livro de Atos: A natureza diversa dos sermões de Paulo esta em perfeita conformidade com o que sabemos sobre as localidades as quais cada um deles e destinado, desde a cética e filosófica Atenas em uma ponta (17.16-34) aos anciãos cristãos de Éfeso na outra (20.17-35).73
9. Possíveis informações históricas preservadas em variantes textuais: Embora provavelmente não seja o que Lucas escreveu originalmente, o texto “ocidental” de Atos 19.9,10 acrescenta que Paulo falava todos os dias a escola de Tirano, “da quinta a décima hora" (isto e, de 11 da manha as 4 da tarde — a parte mais quente do dia, quando a sala provavelmente estaria disponível), uma informação provavelmente precisa, acrescentada por um escriba posterior.
10. Referencias espontâneas: Informações secundarias, historicamente precisas, e com pouca probabilidade de terem sido inventadas conscientemente, incluem o nome de Antioquia na Frigia, próxima a fronteira da Pisidia, como Antioquia da Pisidia (13.14), como outros tinham feito, para distingui-la de outra Antioquia, localizada mais centralmente na Frigia, embora jamais mencionada no livro de Atos. A citação que Paulo faz com exatidão de poesia grega, de Epimenides e Arato, em Atenas oferece um segundo exemplo (17.28).
11. Diferenças de formulação no livro de Atos: Lucas emprega corretamente o termo "helenistas", ou "gregos judeus" (na versão BBE) quando se refere aos judeus que tinham adotado a cultura grega, mas chama as pessoas de "gregos" quando se refere a indivíduos não-judeus e não-cristãos. Saulo deixa de usar seu nome judaico, não na conversão, como leitores desatentos da Bíblia freqüentemente pensam, mas quando começa a ministrar entre os gentios (13.9).
12. Particular seleção de detalhes: Embora não mencionado explicitamente em outras fontes históricas, a inclusão de determinados detalhes de um significado não obviamente teológico e conveniente ao gênero de texto histórico, em um mundo que ainda não tinha inventado o que nos chamaríamos de romance histórico.74 Podemos comparar os papeis de Rode em 12.13,14 e Mnasom em 21.16.
13. Expressões idiomáticas especiais ou características culturais: As palavras lisonjeiras de Tertulo (24.2-4) combinam perfeitamente com a oratória aduladora de advogados gentios ao falar a procuradores romanos. A opção do governador de aceitar ou recusar a jurisdição sobre um caso de uma província isolada e, de igual maneira, retratada fielmente em 23.24.

Qualquer um destes itens específicos pode não provar muita coisa por si só, mas o caso cumulativo a favor da exatidão de Lucas como historiador no livro de Atos se torna esmagador quando percebemos o volume de tais itens que existem na sua narrativa.

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