Bart D. Ehrman
Nota do blog: Apesar de não concordar com muita coisa que Ehman diz, ele também nos passa várias informações interessantes. Já postei sobre os métodos para estabelecer a veracidade do material histórico, mas achei interessante colocar o que ele disse.
1 – Quanto mais antigo, melhor. Como as tradições sobre Jesus mudaram com o tempo à medida que as histórias sobre eles eram contadas e recontadas, e como as fontes escritas foram alteradas, ampliadas e editadas, faz sentido que as fontes mais antigas sejam mais confiáveis do que as posteriores. Como regra, Evangelhos do século VIII não são tão confiáveis quanto os do século O (embora possam ser uma leitura extremamente agradável).
João é o último dos quatro Evangelhos do Novo Testamento e tende a ser menos confiável historicamente do que os outros. Ele apresenta visões de Jesus que representam desdobramentos posteriores da tradição – por exemplo, a de que foi o cordeiro da Páscoa que morreu no dia em que os cordeiros da Páscoa foram sacrificados, ou a de que ele alegava ser igual a Deus. Isso não significa que possamos descartar completamente tudo o que se encontra em João. Pelo contrário, também precisamos aplicar ao seu relato os outros critérios. Mas, em geral, quanto mais antigo, melhor.
Nosso mais antigo Evangelho remanescente é o de Marcos, e ele pode conter informações mais confiáveis do que João. Mas Marcos não foi a única fonte dos Evangelhos posteriores. Provavelmente foi fonte de outro Evangelho que pode ter sido produzido na mesma época que o de Marcos, mas não preservado. Em um capítulo anterior, chamei atenção para o fato de que Mateus e Lucas tiraram muitas de suas histórias de Marcos, que utilizaram como fonte. Há em Mateus e Lucas muitas outras tradições que não são encontradas em Marcos. A maioria delas, mas não todas, são falas de Jesus, como, por exemplo, o Pai- Nosso e as bem-aventuranças (presentes em Mateus e Lucas, mas não em Marcos). Como os Evangelhos não poderiam ter tirado essas tradições de Marcos, onde as conseguiram? Há bons motivos para acreditar que Mateus não as tirou de Lucas, nem Lucas as recebeu de Mateus. Assim, desde o século XIX os estudiosos sustentam que ambos as conseguiram em uma outra fonte. Os estudiosos alemães que conceberam essa ideia chamaram essa outra fonte de Quelle, a palavra alemã para “fonte”. Essa “fonte” adicional desconhecida é chamada simplesmente de Q. [1]
Q, portanto, é a fonte do material presente em Mateus e Lucas, mas não em Marcos. Aparentemente, esse material é originário de um Evangelho perdido ao qual os dois autores do Evangelhos psoteriores tiveram acesso. Não sabemos tudo o que havia em Q (ou não havia em Q_, mas sempre que Mateus e Lucas concordam literalmente em uma história não presente em Marcos, acredita-se que ela seja originária de Q. Portanto, Marcos e Q são nossas fontes mais antigas. Mateus usou mais uma ou mais de uma fonte escrita ou oral para seu Evangelho, e nós as chamamos de fontes matianas, ou M. As fontes de material exclusivo de Lucas são chamadas de L. Portanto, antes dos Evangelhos de Mateus e Lucas havia quatro fontes disponíveis: Marcos, Q, M, e L(tanto M quanto L possivelmente são fontes múltiplas). Esses são nossos materiais mais antigos para reconstruir a vida de Jesus. [2]
2 – Quanto mais, melhor. Suponha que haja uma história sobre Jesus encontrada em apenas uma fonte; é possível que o ŕoprio autor dessa fonte tenha inventado a tradição. Mas e quando uma história é encontrada de forma independente em mais de uma fonte? Ela não pode ter sido inventada por nenhuma das fontes, já que são independentes; deve ser anterior a ambas. Portanto, histórias encontradas em muitas fontes independentes têm maior probabilidade de serem mais antigas, e possivelmente autênticas. (Observação: se a mesma história for encontrada em Mateus, Marcos e Lucas, essas não são três fontes para a história, mas uma fonte: Mateus e Lucas a receberam de Marcos.)
Por exemplo: tanto Mateus quanto Lucas indicam de modo independente que Jesus foi criado em Nazaré, mas suas histórias sobre como ele chegou lá diferem, de modo que uma é oriunda de M, e a outra, de L. Marcos informa a mesma coisa. Assim como João, que não usa nenhum dos Sinóticos coo fonte. Conclusão? Ela é confirmada independentemente: Jesus provavelmente veio de Nazaré. Outro exemplo: Jesus é associado a João Batista no início de Marcos, no começo de Q (tanto Mateus quanto Lucas preservam partes da proclamação de João que não aparecem em Marcos) e no começo de João. Conclusão? Jesus provavelmente está acssociado a João Batista no inicio de seu ministério.
3 – É melhor remar contra a corrente. Algo que vimos repetidamente é que foram criadas discrepâncias em nossos relatos sobre Jesus porque diferentes contadores de histórias e autores mudaram as tradições para fazer com que elas se adequassem melhor a seus próprios pontos de vista. Como podemos lidar com tradições sobre Jesus que claramente não se coadunam com os interesses cristãos, ou seja, não fortalecem os pontos de vista e as perspectivas das pessoas que contam as histórias? Tradições assim não teriam sido inventadas pelos contadores de histórias cristãos, portanto é muito provável que sejam históricamente precisas. Algumas vezes isso é confusamente chamado de “critério da dessemelhança”. Qualquer tradição sobre Jesus que seja diferente daquilo que os primeiros cristãos provavelmente queriam dizer sobre ele tem maior probabilidade de ser autêntica. Vamos considerar os dois exemplos anteriores. É possível entender porque os cristãos queriam dizer que Jesus vinha de Belém: era de lá que deveria vir o filho de Davi (Miqueias 5:2). Mas quem inventaria uma história em que o Salvador vinha de Nazaré, uma cidadezinha de que ninguém tinha ouvido falar? Essa tradição não fortalece nenhum interesse cristão. Ou então vejamos João Batista. Em Marcos, nosso relato mais antigo, João batiza Jesus. Por que os cristão iriam inventar isso? Lembre-se de que, de acordo com a tradição cristã inicial, uma pessoa espiritualmente superior batizava aquela espiritualmente inferir. Um cristão inventaria a ideia de que Jesus foi batizado por outra pessoa, sendo, portanto, inferior a ela? Além disso, João batizava “para perdoar os pecados” (Marcos 1:4). Alguém iria querer alegar que Jesus precisava ser perdoado por seus pecados? Parece altamente improvável. Conclusão? É provável que Jesus eralmente era associado a João Batista no início de seu ministério, e é provável que tenha sido batizado por ele.
4 – Tem de se encaixar no contexto. Como Jesus foi um judeu que viveu na Palestina do século I, qualquer tradição sobre ele tem de se encaixar em seu próprio contexto histórico para que seja plausível. Muitos de nossos Evangelhos posteriores – escritos nos éculos III e ou IV, em oturas regiões do mundo – dizem coisas que não fazem sentido no contexto dele. Elas podem ser eliminadas como historicamente implausíveis. Mas há implausibilidades até mesmo em nossos quatro Evangelhos canônicos. No Evangelho segundo João, capítulo 3, Jesus tem uma famosa conversa com Nicodemos, na qual diz: “Vós deveis nascer de novo.” A palavra grega traduzida como “de novo” na verdade tem dois significados: pode indicar apenas “uma segunda vez”, mas também “do alto”. Sempre que ela é empregada em outros momentos em João, significa “do alto” (João 19.11, 23). É o que Jesus parece querer dizer em João 3 quando conversa com Nicodemos: uma pessoa precisa nascer do alto para ter vida eterna no céu acima. Nicodemos, porém, entende errado e acha que Jesus se refere ao outro sentido da palavra, que ele tem de nascer uma segunda vez. “Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar segunda vez no seio de sua mãe e nascer?”, pergunta ele, frustrado. Jesus o corrige: não está falando de um segundo nascimento físico, e sm de um nascimento celestial, do alto.
Essa conversa com Nicodemos se baseia no fato de que uma determinada palavra grega tem dois significados (um dublo sentido). Em o duplo sentido, a conversa não faz sentido. O problema é este: Jesus e esse líder judeu em Jerusalém não estariam falando em grego, mas em aramaico. Contudo, a palavra aramaica para “do alto” não significa também “segunda vez”. É um duplo sentido que existe apenas em grego. Por essa razão, essa conversa não pode ter acontecido – pelo menos não como é descrita no Evangelho segundo João.
Esses são, portanto, alguns dos critérios empregados pelos estudiosos para tratar das várias tradições sobre Jesus, especialmente quando encontradas nos Evangelhos do Novo Testamento. A aplicação atenta e religiosa desses critérios pode produzir resultados positivos. Nós provavelmente podemos saber algumas coisas sobre o Jesus histórico
1 – Ver Gálatas 4:4; Romanos 15:7; 1 Coríntios 9:5; Gálatas 1:19; 1 Corintios 15:5; 1 Corintios 11:22-25; 1 Corintios 7:10-11 e 1 Corintios 9:14.
2 – Para mais informações, ver meu New Testament: A historical introduction, capitulo 7.
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